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O progresso da civilização

depende mais da moral que da ciência

Plinio Corrêa de Oliveira

A mensagem de Natal do Santo Padre Pio XII é um dos documentos mais importantes nos fastos da diplomacia pontifícia dos últimos cem anos.

Fixa ela a posição da Igreja num momento internacional particularmente conturbado e trágico. Fá-lo analisando com rara coragem os aspectos mais álgidos da luta entre o comunismo e a civilização, e traçando para a opinião católica um rumo claro e vigoroso. Dado que o Papa é seguido por 400 milhões de fiéis de todas as raças e latitudes, e dado ainda que mesmo fora da Igreja o ascendente moral de Pio XII se estende a muitas camadas de opinião, é compreensível que o lúcido e forte pronunciamento de Sua Santidade tenha constituído um acontecimento político de primeira plana, a influenciar fundamente o desenrolar dos fatos em 1957.

Ao lado destas repercussões políticas, cumpre ressaltar a importância doutrinária das palavras do Pontífice. Sobre o problema da liceidade da guerra preventiva, sobre o modo de entender a coexistência, sobre outros pontos ainda, Pio XII proporcionou aos ambientes intelectuais católicos ensinamentos altamente benfazejos para orientar seus estudos e sua ação.

Estes aspectos não bastam para dar uma idéia completa da relevância dessa alocução de Natal. Como Vigário de Jesus Cristo e Mestre universal dos povos, Sua Santidade acaba de fazer ao mundo uma advertência a um tempo afetuosa e solene. Na ordem da Providência, a exortação pontifícia vem acompanhada das graças necessárias para iluminar as inteligências e mover as vontades. Do bom ou mau uso das palavras do Papa, proferidas em circunstâncias tão dramáticas, Deus tirará consequências em relação aos homens, recompensando-os ou punindo-os. E é a respeito disto que sobretudo cumpre refletir.

De costume, traduzimos, diretamente do "Osservatore Romano" o texto dos documentos pontifícios mais relacionados com os temas de que trata este jornal. Infelizmente, desta vez aquela folha não nos chegou às mãos até o último momento. Somos, pois, obrigados a nos ater à publicação de trechos da alocução veiculados pelas agências telegráficas, que fazemos seguir de alguns comentários.

Antes de passar a essa parte de nosso trabalho, apraz-nos informar a nossos leitores que as palavras do Soberano Pontífice foram como que preludiadas por uma grande solenidade realizada na Basílica de São Pedro no decorrer do mês de dezembro p. findo. Com a presença de numerosas delegações de todas as Paróquias romanas, membros da colônia húngara, e grande multidão, realizou-se Hora Santa diante do Santíssimo Sacramento, pela nação magiar. O Emmo. Cardeal Alfredo Ottaviani, Pro-Secretário da Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício, proferiu então uma eloquentíssima e corajosa oração, na qual externava todos os sentimentos de solidariedade e dor, do mundo católico, em face da perseguição satânica de que é vítima a pátria de Santo Estevão.

Nesta alocução o ilustre Purpurado, falando do julgamento do caso húngaro pela ONU, teve este pensamento lapidar, que passará para a história: um julgamento em que o criminoso tem assento entre os juízes, e a vítima é representada por um cúmplice do acusado, não merecia ser tomado a sério pelos governos e povos que participam daquele organismo internacional.

Quem ousará afirmar o contrário?

Relembrado aqui este comentário, que do alto do púlpito sagrado, na Basílica de São Pedro, cai como uma gota de luz e de fogo no paul da política amoral de nossos dias passemos a analisar alguns trechos do discurso do Santo Padre.

Nele, notamos duas partes claramente distintas. Em uma, o Papa condena a doutrina chamada do realismo. Na outra, trata do comunismo e dos problemas da coexistência.

Essa doutrina do falso realismo consiste em afirmar que as aflições do homem, espirituais ou físicas, poderão ser curadas no momento em que forem conhecidas as leis a que ele se acha submetido em suas relações com o mundo que o circunda.

Trata-se, como se vê, de uma doutrina profundamente otimista. O único mal do homem reside na ignorância, em que ele ainda permanece, de uma parte das leis da natureza. Quando as conhecer todas, poderá manter relações perfeitas com o mundo que o cerca, e desse modo atingir nesta vida uma felicidade sem nuvens. Assim, segundo esta escola, todos os males provêm exclusivamente da ignorância, e todas as soluções têm de nascer da ciência.

Esta opinião, que o Sumo Pontífice enuncia em termos filosóficos e explícitos, existe não só claramente definida nas obras de muitos escritores, mas também mais ou menos implícita em muitas tomadas de atitude do homem contemporâneo.

Aceitam-na, conscientemente ou não, aqueles que, no ensino, dão um papel preponderante à instrução e negligenciam a formação do caráter. Igualmente nela se inspiram os que julgam dever do Estado e dos particulares abrir o maior número de escolas, mas se manifestam contrários a que as autoridades competentes exerçam qualquer censura sobre livros, jornais ou filmes contendo doutrinas errôneas ou imorais. Parece-lhes que "abrir escolas é fechar cadeias". E que, uma vez alfabetizado e instruído, o homem estará habilitado a rejeitar tudo quanto lhe possa fazer mal à alma, e julgará todas as doutrinas com tal superioridade que saberá discernir com todo o acerto entre as verdadeiras e as falsas.

Filiam-se a esta corrente os que imaginam constituir inútil crueldade qualquer ato de rigor na educação. Se uma criança age mal bastará mostrar-lhe o erro, que ela se corrigirá. Por que então puni-la?

E ainda outro aspecto do realismo condenado pelo Sumo Pontífice está em achar que todas as normas tradicionais a respeito da prudência que deve reinar entre os sexos podem e devem ser abolidas. Assim, nada há de perigoso em que um rapaz e uma moça saiam sós, se embrenhem por lugares solitários, cheguem mesmo ao ósculo e a outras manifestações de afeto, desde que estejam suficientemente instruídos a respeito dos inconvenientes de qualquer ação má que vá além.

Poderíamos, desta forma, enumerar quase ao infinito os sintomas do morbus doutrinário que o Santo Padre Pio XII muito oportunamente lembrou à atenção dos fiéis em sua oração.

Por sua importância, queremos apenas mencionar ainda mais um. Consiste em imaginar que a questão operária decorre exclusivamente da má organização da sociedade. Se todos os homens tivessem suas necessidades econômicas atendidas, não haveria luta de classes. E assim, quando todas as regras da boa organização social forem conhecidas, a prosperidade reinará sobre a terra, e a felicidade entre os homens.

É o que explica que a alocução aponte como frutos do "realismo" os seguintes efeitos: "a moleza que geralmente se lamenta na educação, a excessiva indulgência para com o delito, o silêncio sobre a culpa, e a aversão à idéia da pena, mesmo justa". São "conseqüências imediatas de uma concepção do homem, que o imagina bom em si". Todo o mal consistiria em que "não se sabe adaptar ao homem a engrenagem das funções a que ele, com seu mundo circundante, está sujeito".

Diz o Pontífice: "Nos angustiosos problemas da democracia moderna não é preciso - segundo os realistas - ter em conta a consciência e o sentimento moral dos homens, mas apenas sua incapacidade construtiva, e a bondade natural do homem, que no final das contas é própria a todos, Portanto - acrescentam - aprofundando-se sempre mais o conhecimento das normas naturais que governam o homem e seu mundo, serão fortalecidas realmente as boas qualidades de todos e poderão ser distribuídas entre muitos a autoridade e a responsabilidade".

Compreende-se facilmente como, de tais pressupostos, se chega a um democratismo fanático e intransigente. Com efeito, nesta concepção as elites não têm uma função rectrix estável. Todos os seus tesouros de cultura, tradição e abnegação ao bem comum são susceptíveis de serem comunicados integralmente à massa. Se as elites agirem nesse sentido, destruir-se-ão pela plena equiparação com a generalidade dos homens. E se não o fizerem, estarão traindo sua missão. O mesmo se diga da autoridade. Se todos os homens, uma vez devidamente instruídos, podem decidir tudo razoavelmente, não há motivo para que os governantes resolvam as coisas para o povo. Pois nada os habilita mais especialmente a fazê-lo. Todas as decisões devem ser tomadas por sufrágio universal, e a autoridade deve ser tanto quanto possível repartida e distribuída.

Mas, dirá alguém, os perigos inerentes à democracia - pois toda forma de governo os tem - não se opõem a este otimismo? Entregue o poder às multidões, sujeitamo-nos a vários deles. O Pontífice aponta alguns, a titulo de exemplo: "o anonimato do poder, a absorção do indivíduo pela massa, o equilíbrio instável entre as forças em jogo na sociedade".

A resposta para os "realistas

(continua)