NA ENCRUZILHADA

"Querem acender uma lanterna para ver mais claramente o sol do ensinamento pontifício"

(continuação)

por Mussolini), surpreenderam-me da parte de católicos os ataques à burguesia; uma espécie de agudo ressentimento contra a empresa dita patronal; o favor dispensado à ocupação das terras; um difuso e sempre crescente estatalismo como remédio para todos os males; a simpatia para com as nacionalizações; a recusa de definir a Democracia Cristã como partido inter-classista, porque, segundo o pensamento deles, na sociedade moderna apenas existirão categorias, setores, mas não classes: tal como se nos encontrássemos no período precedente à Revolução francesa" (ibid., p. 45-46).

A REVOLUÇÃO PROLETARIA EM MARCHA

Sobre a política de isolar o comunismo para facilitar a aliança da Democracia Cristã com o socialismo, diz D. Sturzo: "Guido Gonella (elemento de projeção dentro da D.C.), em uma construção programática, dá implicitamente crédito a um socialismo unificado que pela democracia possa ser induzido a pôr de lado a luta de classes. Ele se abstém de dizer como, em seu plano de colaboração, possa ser resolvido o problema sindical da C.G.I.L. (Confederação Geral Italiana do Trabalho), na qual socialistas e comunistas convivem de pleno acordo. Que prova séria tem Gonella de que Nenni abandonará o passado para converter-se ao socialismo democrático, sem que nele renasça o antigo ardor, sem reserva mental, sem laços ocultos?" (ibid., p. 69).

Queremos também lembrar outro documento que alcançou grande repercussão não só na Itália mas em todo o mundo intelectual católico. O veterano batalhador da doutrina social da Igreja, Mons. Francisco Olgiati, em carta aberta ao Conde Dalla Torre, Diretor do "Osservatore Romano" (já citada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, em seu último artigo nesta folha), mostrou a ansiedade provocada por uma nebulosa teoria historicista difundida sobretudo entre os jovens católicos, segundo a qual dever-se-ia atribuir um valor positivo à sociedade coletivista e sustentar, apoiando-se em pressupostos gratuitos, a necessidade em que se achariam a Igreja e seus filhos de acertar o passo com o marxismo, para colaborar com ele na construção do mundo novo, inelutável produto da revolução proletária em marcha.

Segundo a tendência de certos esquerdistas católicos, diz Mons. Olgiati, "o comunismo pode ser acusado de delitos, de destruições, de perseguições, em uma palavra merece todas as censuras que se poderiam dirigir aos antigos bárbaros, quando como uma avalanche se precipitaram sobre o império romano. Mas tal como elas venceram e prevaleceram, assim vencerão e prevalecerão os novos bárbaros. E nós amanhã os converteremos, como já hoje deveríamos com eles entabular diálogo e multiplicar aberturas. É o único caminho para não ficar à margem da vida. A Igreja, se deseja influenciar a história e até dirigi-la, deve orientar-se em tal direção: de outro modo não poderá escapar das ruínas que A ameaçam" (in "Rivista del Clero Italiano", de Milão, dezembro de 1955, p. 655-656).

COMUNISMO E REFORMAS SOCIAIS

Outro testemunho credenciado a respeito da desorientação dessa ala de católicos esquerdistas é a carta aberta aos democratas cristãos italianos, escrita pelo Revmo. Pe. Raimundo Spiazzi, O.P., professor no Pontifício Ateneu Angelicum, afamado Seminário dominicano de Roma. Esse documento fere o problema da atitude vacilante da Democracia Cristã em face do comunismo: “... o povo italiano e cristão vos pede que enfrenteis a situação interna.

Caros amigos, sabeis por que vos temos dado e reiterado o voto, nós italianos e católicos, desde aquele memorável 18 de abril de 1948? Tínheis um mandato bem preciso: livrar a Itália do cancro do comunismo, como justamente o denominou Gedda. Dissestes: livrá-la-emos por meio de reformas. Não alcançastes êxito; não poucos de vós se iludiram. É muito bom fazer reformas, certamente; mas por exigência da justiça e corretamente, com critério, sem demagogia. Porém, não é essa a solução do problema do comunismo. Os comunistas se divertem com as reformas, que não lhes interessam, e das quais até tiram vantagem. Aos comunistas interessa a conquista do poder... Não nos faleis mais de liberdade para todos: não há na Itália liberdade para as organizações criminosas. É possível que para o comunismo, cujas características já conhecemos bem, haja, não só liberdade, mas até proteção da lei e, não raro, privilégio? Não se trata de pôr fora da lei os comunistas: eles já o estão, em virtude da natureza intrínseca do seu partido..." (in "Il Quotidiano", de 11 de novembro de 1956).

Não somente reações como estas, mas também o contundente caso da Hungria, tornaram cada vez mais insustentável e escandalosa qualquer atitude de complacência com o comunismo. Daí a tendência da ala esquerdista da Democracia Cristã de, insistindo na colaboração com a esquerda marxista a pretexto de salvar o equilíbrio político da Itália, circunscrever essa colaboração ao socialismo unificado, exclusão feita dos comunistas.

Mas antes disso houve manifestações inequívocas de abertura à extrema esquerda, como por exemplo o convite feito pelo prefeito democrata cristão de Florença, Prof. La Pira, ao seu colega de Moscou para comparecer ao Congresso municipalista realizado na Itália em 1955.

O PRONUNCIAMENTO DA HIERARQUIA

Os adeptos dessa abertura à esquerda da Democracia Cristã italiana chegaram a tais excessos, que o enviado do diário independente "Il Tempo" ao Congresso de Trento se julgou no dever de dirigir aos responsáveis pelo movimento a seguinte advertência: "Não esqueça a Democracia Cristã que, tão logo resolve abandonar a base inter-classista e corporativa que até hoje a recomendou ao eleitorado, para fazer concessões (e alianças) requintadamente socialistas, nesse mesmo momento sua função de equilíbrio viria a cessar. E abriria fatalmente caminho à manifestação de um sempre mais completo laicismo, seja à esquerda, para onde ela desejaria pender, seja à direita, posição que parece querer abandonar definitivamente" ("Il Tempo", de 14 de outubro de 1956).

Não causou surpresa aos bem informados, portanto, a atitude do Emmo. Cardeal Ângelo Roncalli, Patriarca de Veneza, e de diversos Srs. Bispos do Veneto, que proibiram aos seus fiéis a leitura do jornal democrata cristão "Popolo del Veneto", que defendia semelhantes posições.

E continua a tendência democrata cristã pró esquerda marxista, mesmo depois da Pastoral do Patriarca de Veneza, de julho de 1956, na qual o ilustre Purpurado frisa "a pertinácia notada em alguns no sustentar a todo custo a chamada abertura à esquerda, contra a posição tomada pela mais autorizada Hierarquia da Igreja, transparente nas augustas manifestações verbais e escritas do Santo Padre". Acrescenta Sua Eminência que, "para católicos, ainda uma vez nos encontramos em face de um erro doutrinário gravíssimo e de uma violação flagrante da disciplina católica. O erro consiste em ser praticamente favorável e associar-se a uma ideologia, a ideologia marxista, que é a negação do Cristianismo, e cujas aplicações não podem harmonizar-se com os pressupostos do Evangelho de Jesus Cristo". E prossegue: "A violação da disciplina consiste em colocar-se um católico em oposição direta e explicita à Igreja viva e operante, como se a esta faltassem autoridade e competência nesta grave questão de pôr em guarda os fiéis contra aproximações e compromissos julgados perigosos".

LANTERNA ACESA PARA VER O SOL

Trechos dessa importante Pastoral foram transcritos pelo "Osservatore Romano" de 25 de agosto de 1956, e, sob a forma de artigo, na sua edição francesa de 14 de setembro de 1956. Nesse documento, respondendo àqueles que desprezam os luminosos ensinamentos do Santo Padre Pio XII em matéria político-social e ao mesmo tempo querem que a Santa Sé se defina sobre pontos já mais do que esclarecidos, diz Sua Eminência: "Pedir, com um sofisma dialético, precisões mais acentuadas sobre a autenticidade desse ensinamento, e maior clareza no mesmo, é coisa que faz lembrar as palavras de Santo Agostinho, citadas por Bossuet: acender uma lanterna para ver mais claramente o sol!" O que há portanto, é evidente má vontade em relação à doutrina social da Igreja.

Como explicar de outro modo que certos círculos façam ouvidos moucos à palavra decisiva do Pontífice a respeito dos problemas que agitam a Democracia Cristã? Basta lembrar a alocução aos prefeitos demo-cristãos eleitos em maio de 1956 (ver "Catolicismo", no 72, artigo cit.), e a recente mensagem de Natal, de que transcrevemos vários tópicos neste número.

A propósito daqueles que reclamam para os leigos uma autonomia e uma liberdade de ação plenas e totais no domínio político, permitimo-nos recordar aquelas palavras da Pastoral do Emmo. Cardeal Ângelo Roncalli, já transcritas em "Catolicismo" (no citado trabalho do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira): "A Igreja, segundo o modo de ver desses seus novos profetas para os tempos modernos, tem duas funções a preencher: a da Hierarquia, reservada ao magistério episcopal e sacerdotal em matéria de fé e de moral, e à distribuição da graça: oração e Sacramentos; e a função dos leigos, aos quais pertence, sob sua responsabilidade e autonomia de julgamento exclusivas, organizar a vida social e política em plena independência com relação a quem quer que seja. O dever de preparar e de assegurar a vida eterna é portanto reconhecido à Igreja; e aos leigos o de se ocuparem da vida temporal, submetida a avaliações contingentes e subjetivas".

Eis o "erro doutrinário gravíssimo e assinalados pelo Cardeal Patriarca a flagrante violação da disciplina", de Veneza. Eis como se faz causa comum com uma ideologia perniciosa, a marxista, e se age em delicadas questões político-sociais completamente à revelia da Hierarquia Católica e com desprezo de seus pronunciamentos.

Até aqui os fatos, e deles também poderíamos citar exemplos na América Latina, sobretudo depois do que ocorreu no Congresso da Democracia Cristã reunido em Santiago do Chile de 8 a 11 de dezembro de 1955. Mas o que acima se acha exposto é bastante para reavivar a memória de nossos leitores que acompanham o desenrolar dos acontecimentos em nossa atribulada época. Em próxima crônica procuraremos apontar os pressupostos ideológicos que deram origem a esses desvios da chamada Democracia Cristã.


OS CATÓLICOS FRANCESES NO SÉCULO XIX/p>

REFUTADAS AS OBJEÇÕES DA MINORIA

Fernando Furquim de Almeida

Tendo Pio IX invertido a ordem dos trabalhos, para que o Concílio do Vaticano pudesse passar sem mais delongas à questão da infalibilidade, os padres conciliares iniciaram o estudo do projeto da Constituição "De Ecclesia Christi" pelo seu capítulo décimo primeiro, que tratava do primado do Papa e começava com as palavras "Pastor aeternus".

Já vimos o estado de espírito da minoria, que teve sua expressão mais aguda na carta de Mons. Dupanloup ao Pontífice. O Pe. Icard, diretor do Seminário de Saint-Sulpice e teólogo no Concílio de Mons. Bernadou, Arcebispo de Sens, fez o possível para acalmar os mais exaltados, ou seja, o Bispo de Orléans e Mons. Strossmayer. Em seu diário, a 12 de fevereiro, ele registrava: "Conversei longamente com o Arcebispo de Sens sobre o tom muito agressivo que tomam no Concílio vários bispos franceses, o que não pode deixar de produzir uma impressão desagradável. ... Mons. Isoard fala-me do Bispo de Orléans, que se compromete e é comprometido por um certo meio em que vive. Combinamos que eu falaria com ele. ... Esse Prelado ama sinceramente a Igreja, mas a imaginação o arrasta. Ele vive numa exaltação de espírito que não lhe permite a calma necessária". E mais adiante conta que encontrara Mons. Dupanloup "em uma grande exaltação", e que tentara acalmá-lo, pedindo-lhe ao mesmo tempo que interviesse junto a Mons. Strossmayer, também muito agitado.

Parece que as tratativas do Pe. Icard não tiveram êxito, tanto assim que Mons. Isoard, Auditor da Rota, foi obrigado a suspender as reuniões de bispos franceses que promovia em sua casa todas as segundas-feiras, porque vários prelados já nem se cumprimentavam.

Foi nesse ambiente de apreensão que, a 13 de maio de 1870, se iniciou a discussão sobre a infalibilidade. Estavam inscritos 118 oradores, o que fazia prever sessões tumultuadas. Durante três semanas os debates versaram sobre o conjunto geral do esquema, e os grandes oradores da minoria e da maioria analisaram o assunto de modo exaustivo. Contra a infalibilidade, os discursos mais característicos foram os de Mons. Héfélé, célebre historiador dos Concílios, e Mons. Strossmayer. O primeiro invocava como principal argumento a condenação do Papa Honório pelo VI Concílio Ecumênico; o segundo, uma desobediência de São Cipriano ao Papa Santo Estêvão. A tese da inoportunidade foi defendida principalmente pelo Cardeal Schwarzenberg, Arcebispo de Praga, e por Mons. Darbry, Arcebispo de Paris.

Desenvolvendo um verdadeiro plano de ação, a minoria confiou cada objeção a um especialista e movimentou todos os seus grandes oradores. A discussão se tornava às vezes tão apaixonada, que o Bispo de Nancy podia dizer, em carta de 23 de maio: "Vários oradores dão-me a impressão de falar com os punhos fechados ou com o dedo no gatilho de um revólver".

Não foi difícil à maioria contestar com êxito as razões dos adversários da infalibilidade. Mons. Pie, a quem coube iniciar os debates como relator da comissão que preparara o esquema, anulou desde logo o principal argumento dos anti-infalibilistas, mostrando que não se tratava de atribuir esse privilégio ao Papa enquanto pessoa privada, nem de opor o Papa à Igreja. As objeções históricas também foram resolvidas. Esclareceu a maioria que o Papa Honório fora censurado, não porque tivesse ensinado uma heresia, mas por não ter resistido aos hereges como devia, e que o Papa Santo Estêvão não condenara São Cipriano, nem este resistira a um decreto dogmático do Chefe da Igreja.

O Cardeal Manning, um dos principais oradores de maioria, durante uma hora e cinquenta minutos respondeu principalmente aos "oportunistas", acompanhado com interesse por todos os padres conciliares. Invocou sua conversão do protestantismo, declarando que a maior dificuldade que sentira residia justamente nas dúvidas de certos católicos sobre a infalibilidade: "Parecia-me que, se o Papa pudesse cair em erro, a Igreja, que lhe deve obediência, precisaria aceitar o erro, e por consequência não era infalível; ou então recusar obediência à autoridade pontifícia, que o próprio Deus tinha instituído".

Mons. Deschamps, outro grande porta-voz da maioria, se ocupou em desfazer as dúvidas que poderiam ocorrer legitimamente a respeito do dogma, explicando pormenorizadamente, em nome da comissão que preparara os esquema, o que era a infalibilidade do Papa.

Encerrada a discussão geral, foram rapidamente estudados nas congregações plenárias, realizadas a 6 e 7 de junho, o preâmbulo e os dois primeiros capítulos do esquema "Pastor aeternus".

O terceiro capítulo tinha por objeto a autoridade imediata do Soberano Pontífice sobre todos os fiéis. A minoria, principalmente por intermédio de Mons. Dupanloup e Mons. Haynald, exprimiu o temor de ver o Papa e a Cúria Romana intervirem muito amiúde na vida inteira das dioceses, e alguns bispos orientais acenaram com o obstáculo que esse decreto constituiria para a volta dos cismáticos à Igreja Católica. Falando pela maioria, O Cardeal Pitra e Mons. Freppel, depois de mostrarem os verdadeiros termos do projeto, lembraram que sempre se tinha reconhecido à Santa Sé esse poder, e que de seu exercício só resultara benefício para a Igreja. Apesar da resistência da minoria, o capítulo terceiro foi aprovado, com algumas modificações.

Em um mês, de 13 de maio a 15 de junho, o Concílio tinha conseguido discutir grande parte do esquema "Pastor aeternus". Aproximava-se assim o grande embate: a 15 de junho teve início o estudo do capítulo quarto, que tratava particularmente da infalibilidade. Já se lograra, no entanto, um grande progresso. As principais objeções estavam resolvidas, e tudo fazia prever que não seria difícil à maioria apresentar uma fórmula que alcançasse a quase totalidade dos sufrágios dos padres conciliares.


NOVA ET VETERA

A FÓRMULA CHINESA DE BOLCHEVIZACÃO

Luiz Mendonça de Freitas

Está na moda elogiar a fórmula chinesa de realização do bolchevismo. Muitos jornais e livros, declarada ou veladamente socialistas, procuram fazer crer à opinião pública mundial que a China encontrou a maneira de conciliar as vantagens do capitalismo com as "maravilhas" do comunismo, pois, com o objetivo de superar as inevitáveis deficiências das empresas públicas, tenta-se ali a socialização através dos próprios capitalistas. Tal fórmula seria especialmente indicada para os países subdesenvolvidos, onde a necessidade de aumentar a renda e a produção nacional faz coincidir os interesses do capital particular com os do governo.

O meio de que dispõem os capitalistas para realizar seus anseios de maior lucro e poderio econômico é o aumento da produção. Objetivo do governo nos países atrasados é o desenvolvimento econômico através do aumento da produção, facilitado principalmente pela expansão industrial. Assim, aquilo que é meio para os capitalistas, é ao mesmo tempo objetivo da política econômica do Estado. Daí o interesse em associar os capitalistas aos planos oficiais, em tais países. Matam-se assim dois coelhos com uma cajadada, como diz a linguagem popular, pois se implanta o socialismo, e se ilude a opinião pública mundial com a idéia de que se encontrou uma receita para congraçar o capitalismo e o comunismo. Na realidade, trata-se apenas de uma nova fórmula de transição. Em lugar de assassínios e expurgos em massa, procede-se a uma operação a longo prazo, anestesiada pela cumplicidade dos capitalistas com o governo.

REFORMA AGRÁRIA

A propaganda que se faz em torno desta "nova fórmula" é muito grande. Paralelamente, nota-se uma ausência quase completa de notícias a respeito da política agrícola adotada pela China vermelha. E isto porque neste setor da atividade econômica as coisas se passam de modo radicalmente diferente. Procurou o governo anular a influência e o poderio dos proprietários de terras através da reforma agrária. Ficaram assim as classes produtoras divididas em dois campos, um de aliados do governo (capitalistas e industriais em geral) e outro constituído de inimigos seus (os proprietários rurais). Como explicar a adoção, pelos comunistas chineses, desses dois pesos e duas medidas?

A resposta é fácil. Nas atuais condições do mundo, de modo geral é no campo que se encontram os elementos mais tradicionalistas, mais apegados aos costumes antigos, como, marcadamente, os grandes proprietários de terras. Além disso, a propriedade rural dá à pessoa ou à família uma independência frente ao Estado, que nenhuma outra é capaz de oferecer. Ela é um fator de desigualdade, fornecendo à hierarquia da sociedade uma base material muito sólida, capaz de perpetuá-la. Ora, o que os comunistas pretendem, em última análise, é destruir a ordem natural das coisas, e substituí-la por uma nova organização da sociedade, edificada sobre fundamentos inteiramente igualitários. Compreende-se, pois, que seus esforços se dirijam no sentido de aniquilar as bases da hierarquia social, destruindo especialmente as grandes propriedades.

DIVIDIR PARA DOMINAR

A tática de dividir as forças que seriam naturalmente adversárias do bolchevismo também foi empregada na luta contra os proprietários de terras, segundo se depreende de artigos de jornais comunistas chineses, transcritos na imprensa da Inglaterra e da França.

Não pretenderam as autoridades enfrentar toda a classe agrícola, o que poderia criar-lhes dificuldades muito grandes. Preferiram dividi-la, inicialmente fomentando revoltas dos trabalhadores contra seus patrões, e depois quebrando a coesão dos proprietários.

Analisemos, primeiramente, a ação desenvolvida junto aos trabalhadores. Para que tudo tivesse uma aparência de espontaneidade, foram constituídas várias turmas de "propagandistas da reforma agrária", incumbidas de proceder à "mobilização" das massas rurais. Um jornal comunista de Yangtsé (artigo transcrito por "Problèmes Economiques", de Paris, em seu n° de 31-3-1953), dirigindo-se a tais propagandistas, descreveu como deveriam eles proceder para atingir essa finalidade: "Geralmente encontrareis em cada aldeia, antes de mobilizar as massas, alguns proprietários que reinam sobre a localidade. O ódio das massas deve ser concentrado sobre estes indivíduos. Se não forem abatidos, é vão esperar a ação delas... A primeira fase da reforma agrária e da luta de classes deve ser dirigida contra os déspotas locais". E mais adiante: "A indiferença geral ou as discórdias de pequena importância entre patrões e operários devem ser substituídas por uma hostilidade irremediável". Esta hostilidade deve ser fomentada através de uma campanha "educativa" dos trabalhadores agrícolas, compreendendo a realização de comícios e de círculos de estudos bem preparados, que procurarão incutir no espírito dessas pessoas, pouco habituadas a pensar, a idéia de que sempre foram espoliadas por seus patrões e de que chegou o momento de pôr fim a essa exploração.

Recebiam os propagandistas instruções para não participar dos assaltos que se seguiam a tais doutrinações. Sua função era apenas dirigir e incentivar o ataque. Se passassem à ação e os camponeses permanecessem como espectadores, a simpatia destes poderia orientar-se para as vítimas, e a operação resultaria frustrada. Pelo contrário, quando os próprios trabalhadores saqueavam as propriedades, eles se sentiam ligados como cúmplices ao governo, e seus instintos, uma vez desencadeados, transformavam-nos em verdadeiros autômatos nas mãos dos propagandistas. Então, "para satisfazer as reivindicações do proletariado", intervinha o Estado, ainda na pessoa dos propagandistas, incumbidos agora de constituir comitês populares que procedessem à redistribuição das terras.

Para esse efeito, os proprietários eram classificados em grandes, medias e pequenos. Aos pequenos dizia-se que não teriam suas terras confiscadas; aos médios, que as teriam apenas em parte. Quanto aos grandes, o confisco chegaria até aos bens de uso pessoal. Desse modo se quebrava a coesão da classe. Os menores, sentindo-se pouco ameaçados, deixavam de resistir. Por outro lado, como essa classificação dependia em parte do critério pessoal dos trabalhadores ou propagandistas, membros do comitê, ficavam os proprietários tentados a captar-lhes a benevolência. Para isso, evidentemente, deveriam comportar-se de modo conveniente, aparentando docilidade e paciência, com o que se reduziam ainda mais as fileiras da oposição. Como vemos, um plano realmente muito bem arquitetado.

Por fim, para coroar a operação, eram queimados em praça pública os antigos títulos de propriedade e de arrendamento de terras, funerais simbólicos do "feudalismo". Em certos lugares, os proprietários foram obrigados a se ajoelhar para "restituir" seus títulos.

QUE SIRVA DE LIÇÃO

Aí está em que consiste o novo método de bolchevização: dividir para dominar. Seu principal perigo está na tática de infiltração empregada, a qual mantém, transitoriamente, mais ou menos intactos certos setores da atividade econômica, enquanto sua ação se concentra sobre os outros, mais inclinados à resistência, ou mais incompatíveis com o regime que se procura instaurar.

Que sucederá se esse método for utilizado em outros países subdesenvolvidos? Ele poderá ser vitorioso na medida em que falte aos interessados a necessária inteireza de caráter para resistir ao engodo das concessões passageiras. Esperamos que os fatos ocorridos na China sirvam de lição, e consigam despertar a consciência dos outros povos, alertando-os quanto aos verdadeiros objetivos da "fórmula chinesa".

Mesmo porque, não seria menos detestável uma fórmula que de fato conciliasse as vantagens da economia capitalista com as "excelências" do comunismo.