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A TOLERANCIA

Uma cortina de fogo, gelo ou celofane isola o católico intolerante

(continuação)

com o intuito de lhes despertar a simpatia, vestir-se de modo imoral, adotar as maneiras licenciosas ou levianas das pessoas de vida desregrada, ostentar idéias temerárias, suspeitas ou até erradas, ou alardear vícios que na realidade - graças a Deus - não têm.

Que um católico, para dar outro exemplo, cônscio dos deveres de fidelidade que lhe incumbem para com a escolástica, professe outra filosofia só para granjear simpatias em certo meio, é uma forma de tolerância inadmissível. Pois peca contra a verdade quem professa um sistema em que sabe haver erros, ainda mesmo que estes não sejam contra a Fé.

Mas os deveres da intolerância, em casos como estes, vão mais longe. Não basta que nos abstenhamos de praticar o mal. É preciso ainda que nunca o aprovemos, nem por ação, nem por omissão.

Um católico que, diante do pecado ou do erro, toma uma atitude de simpatia, peca contra a virtude da intolerância. É o que se dá quando ele presencia, com um sorriso sem restrições, uma conversa ou uma cena imoral, ou quando, na discussão, reconhece a outros o direito de abraçar a opinião que entenderem sobre Religião. Isto não é respeitar o adversário, mas os seus erros ou pecados. Isto é aprovar o mal. E até lá um católico não pode chegar jamais.

Às vezes, entretanto, chega-se até lá pensando não ter pecado contra a intolerância. É o que acontece quando certos silêncios em face do erro ou do mal dão a idéia de uma aprovação tácita.

Em todos estes casos, a tolerância é um pecado, e só na intolerância consiste a virtude.

* * *

Lendo estas afirmações, é admissível que certos leitores se irritem. O instinto de sociabilidade é natural ao homem. E este instinto nos leva a conviver com os outros de modo harmonioso e agradável.

Ora, em circunstâncias cada vez mais numerosas o católico é obrigado, dentro da lógica de nossa argumentação, a repetir diante do século o heróico "non possumus" de Pio IX: não podemos imitar, não podemos concordar, não podemos calar. Logo se cria em torno de nós aquele ambiente de guerra fria ou quente com que os partidários dos erros e modas de nossa época perseguem com implacável intolerância, e em nome da tolerância, todos os que ousam não concordar com eles. Uma cortina de fogo, de gelo ou simplesmente de celofane nos cerca e isola. Uma velada excomunhão social nos mantém à margem dos ambientes modernos. Ora, disto o homem tem medo quase como da morte. Ou mais que da própria morte.

Não exageramos. Para ter direito de cidadania em tais ambientes, há homens que trabalham até se matar com enfartes e anginas cardíacas, há senhoras que jejuam como ascetas da Tebaida, e chegam a expor gravemente sua saúde. Ora, perder uma "cidadania" de tal "valor", só por amor aos princípios... é preciso realmente amar muito os princípios.

E depois há a preguiça. Estudar um assunto, compenetrar-se dele, ter inteiramente à mão em qualquer oportunidade os argumentos para justificar uma posição... quanto esforço... quanta preguiça. Preguiça de falar, de discutir, é claro. Porém, mais ainda, preguiça de estudar. E sobretudo a suprema preguiça de pensar com seriedade sobre algo, de se compenetrar de algo, de se identificar com uma idéia, um princípio! A preguiça sutil, imperceptível onímoda, de ser sério, de pensar seriamente, de viver com seriedade, quanto afasta desta intolerância inflexível, heróica, imperturbável, que em certas ocasiões e em certos assuntos (em tantas ocasiões, em tantos assuntos, melhor seria dizer) é hoje como sempre o dever do verdadeiro católico.

A preguiça é irmã da displicência. Muitos perguntarão porque tanto esforço, tanta luta, tanto sacrifício, se uma andorinha não faz verão, e com nossa atitude os outros não melhoram. Estranha objeção! Como se devêssemos praticar os Mandamentos só para que os outros os pratiquem também, e ficássemos dispensados de o fazer desde que os outros não nos imitem.

Atestamos diante dos homens nosso amor ao bem e nosso ódio ao mal, para dar glória a Deus. E ainda que o mundo inteiro nos reprovasse, deveríamos continuar a fazê-lo. O fato de os outros não nos acompanharem, não diminui os direitos que Deus tem à nossa inteira obediência.

Mas estas razões não são as únicas. Há também o oportunismo. Estar de acordo com as tendências dominantes é algo que abre todas as portas, e facilita todas as carreiras. Prestígio, conforto, dinheiro, tudo, tudo se torna mais fácil e mais obtenível se se concorda com a influência dominante.

Por onde se vê quanto custa o dever da intolerância. O que nos dá o ponto de partida para o artigo seguinte, onde pretendemos tratar dos limites da intransigência, e dos mil meios que há para a sofismar.


ESCREVEM OS LEITORES

Revmo. Pe. Antonio Pimentel Costa, Rosário (Est. Sergipe): " . . . não me esqueci do tão querido jornal CATOLICISMO, ... estou esperando uma ocasião favorável para iniciar um trabalho de divulgação, ... espero realizar alguma coisa em favor de CATOLICISMO".

Revmo. Pe. Pascoal Berardo, S.S.S., Monte Santo de Minas (Est. Minas Gerais): " . . . o tão apreciado CATOLICISMO . . . o tão importante e útil CATOLICISMO".

Prof. Alberto Wagner de Reyna, Conselheiro da Embaixada do Peru, Santiago (Chile): "Ante todo quiero felicitar a la dirección de CATOLICISMO por la valentia y acierto con que defiende los ideales cristianos y tradicionales. En nuestro continente parece estar de moda sólo pensar en lo futuro y creer que esto consiste en distanciarse del pasado. Es, por elo, necesario que voceros — como el suyo — proclamen y demuestren que el pasado pervive en lo venidero y que éste — si no quiere ser desnaturalización — sigue el rumbo que le marca la tradición.

Cuenten usted, y CATOLICISMO, conmigo para esta noble campana en que están empeñados, en que los acompaño sinceramente".

Sr. Rodolfo J. Urtubey, Buenos Aires (Argentina): " . . . los magníficos ejemplares de CATOLICISMO. . . CATOLICISMO es una sobria y militante afirmación de servicio a la Verdad. En sus páginas se lee una ferviente vocación de los hombres que la hacen de dar testimonio permanente de su fe en la Iglesia y los valores permanentes del Catolicismo. Todos los temas tienen su tratamiento justo y ortodoxo — y hasta la leyenda de los grabados (el símbolo de la Sinagoga, "toda a hediondez da filha de Satanás resulta de seu interior")".

D. Maria Alice de Azevedo Fernandes, Inhapim (Est. Minas Gerais): " . . . esta conceituada folha que é um grande arauto da Palavra de Deus,... este incomparável jornal que a todos tem agradado pela variedade de seus artigos, e edificado pela elevação moral, cultural e espiritual dos mesmos".


GRAVURA do sec. XVI: Um Papa, ladeado de Bispos e senhores feudais, coroa um Imperador Romano-Alemão. A cerimônia da coroação significava, por vezes, a outorga do poder temporal pela Igreja, a soberanos que tinham livremente aceito em relação a Ela um vínculo de natureza mais ou menos feudal. Era o caso do Sacro Império. Outras vezes, era a participação da Igreja, declarando legitimo o novo monarca, afirmando a origem religiosa de todo poder nascido do direito natural, e ungindo com os santos óleos o novo Chefe de Estado. Assim era, por exemplo, com o Rei da França. — Em um e outro caso, pois, a coroação exprimia o princípio fundamental na civilização cristã, de que o poder público vem de Deus, e deve exercer-se em beneficio, não só da ordem temporal, como da ordem espiritual. E isso, qualquer que seja a forma de governo. Precisamente o princípio cuja negação explicita ou implícita está na raiz da triste crise da Democracia Cristã.

CAUSAS PROFUNDAS DOS DESVIOS DA DEMOCRACIA CRISTÃ

Cunha Alvarenga

Ao empreender a tarefa de traçar as origens dos desvios doutrinários e disciplinares da "democracia cristã", queremos deixar bem demonstrado o que dissemos em artigo anterior (1), isto é, que tal movimento político-social-econômico nada tem de comum com o que aquela expressão designa nos documentos pontifícios.

Com efeito, o Santo Padre Leão XIII, na Encíclica "Graves de communi" sobre a democracia cristã (18 de janeiro de 1901), mostrou o verdadeiro sentido em que se devem usar essas palavras, alertando os fiéis contra os abusos que então já se registravam a respeito. Assim, diz ele, "não há dúvida alguma sobre o que pretende a democracia social e sobre o que deva anelar a democracia cristã. Porque a primeira em muitos chega a tal grau de malícia, que nada admite fora do natural, busca exclusivamente os bens corpóreos e externos, pondo a felicidade humana em sua aquisição e gozo. Daí seu desejo de que a autoridade resida na plebe, para que, suprimidas as classes sociais e nivelados os cidadãos, se estabeleça a igualdade de bens; como consequência se aboliria o direito de propriedade e a fortuna dos particulares, assim como os meios de vida passariam a ser comuns". A democracia cristã, "na presente matéria, deve entender-se de modo que, deixado de lado todo conceito político, unicamente signifique a própria ação benéfica cristã em favor do povo" (ibid.). Pelo que, "a mente e ação dos católicos, ao promover o bem dos proletários, de modo algum há de tender a desejar e tratar de introduzir um regime social com preferência a outro" (ibid.). Não deve, pois, a democracia cristã ser exclusivamente populista nem significar desprezo da autoridade. E a verdadeira democracia cristã é própria da Igreja, achando-se, portanto, em campo oposto ao laicismo da democracia revolucionaria.

Onde entram o liberalismo e o igualitarismo

Na verdade, na quadra em que surgiu a Encíclica "Graves de communi" o trabalho insidioso do liberalismo e do socialismo nas hostes católicas já apresentava amargos frutos. O liberalismo e o igualitarismo pregados pelo regime democrático emanado da Revolução Francesa são filhos da negação do pecado original. Revolução e Cristianismo se opõem "per diametrum". Os discípulos de Rousseau apregoavam que os homens nascem bons, iguais e livres, mas que a sociedade os perverte, degrada e escraviza. Comentando a máxima com que Rousseau começa seu "Contrato Social": "O homem nasce livre, e por toda a parte se acha em grilhões", diz Joseph de Maistre que o contrário dessa asserção insensata é que representa a verdade. O homem nasce escravo e o Cristianismo é que o torna livre.

A desigualdade dos seres racionais, desejada pelo próprio Criador para sua maior glória, também se acentua pela diversidade dos graus de mérito e demérito, isto é, pelo exercício do livre arbítrio humano. Na ordem histórica em que nos achamos, é cegueira piorar o peca do original e suas consequências: não podemos esquecer que somos criaturas de Deus, que nada valemos por nós mesmos, e que em nossa condição de humanidade decaída só de Nosso Senhor Jesus Cristo nos vem o resgate e a salvação. E não se esqueça o princípio de que se acha em Deus a fonte de toda autoridade. Pregando o igualitarismo e o erro de que toda autoridade reside essencialmente na nação, ou no povo soberano, ergue a Revolução aos céus o brado do orgulho, em contraposição com a humildade que nos vem do autêntico espírito cristão.

Em vez da sociedade orgânica — gerada pela grande lei do esforço e pelo bom uso da liberdade, hierarquizada, alicerçada na lei natural que proporciona aos homens os direitos essenciais de possuir bens, de trabalhar, de escolher estado, de render culto a Deus — a Revolução, através do liberalismo e do igualitarismo, implanta gradualmente no mundo a tirania socialista, concentracionária, negadora dos mais elementares direitos individuais, que substitui o mérito pessoal pela servidão e pela burocracia e instaura por toda a parte o laicismo ou separação absoluta do temporal e do espiritual.

As origens do laicismo «vitalmente cristão»

Ora, em fins do século passado avolumava-se a corrente daqueles que, herdeiros de Lamennais e Montalembert, tentavam promover a aliança dessa democracia revolucionaria com o Cristianismo. Data dessa época a explicitação de um dos princípios fundamentais dessa "democracia cristã" cujos desvios até hoje testemunhamos: o laicismo. Aliada da Revolução, teria ela que cair no falso dogma da absoluta autonomia da sociedade política e civil.

"L'Univers-Monde" de 16 de setembro de 1898, dando um resumo de uma conferência proferida em Cherburgo pelo Padre Naudet (um dos célebres "Abbés democratiques"), atribui-lhe a seguinte declaração: "A democracia cristã não é um partido confessional". Lembra Mons. Henri Delassus, em sua obra "Vérités sociales et erreurs democratiques", que se dava o nome de "confissões" às diversas seitas do protestantismo que se separavam umas das outras por adotarem diferentes símbolos ou confissões de fé. A maçonaria, em seus desígnios de confundir o Catolicismo com as falsas religiões, julgou útil assenhorear-se da palavra para lhe dar um sentido amplo, aplicando-a indiferentemente às seitas muçulmanas, pagãs, espíritas, protestantes, e à Santa Igreja de Deus. Quando, portanto, se começou a dizer: "a Democracia Cristã não é um partido confessional", a intenção, segundo o autor citado, era fazer entender que, apesar das aparências em contrário que lhe dava o título, tal partido não era nem desejava ser um partido católico, e nem mesmo um partido cristão.

Já em 1897 o jornal católico "La Quinzaine" (número de 1° de março) dizia: "E, de início, façamos esta observação capital, em nosso parecer: a Democracia Cristã não é um partido confessional".

Não tardou que se desse mais um passo avante. O Padre Garnier (outro "Abbé democratique"), no jornal "Le Peuple Français" de 13 de março de 1899, recomendava: "Os católicos devem ser de agora em diante católicos não confessionais". E para isso dava a seguinte razão: se os maçons evitam de se revelarem como tais para atrair o povo à sua causa, os católicos poderiam usar com proveito a mesma tática.

O grande recurso para conduzir o movimento democrático no sentido cristão seria, assim, a dissimulação de nossa qualidade de católicos, procurando-se em acatólicos de toda espécie um substrato comum que a todos pudesse unir na batalha democrática.

Desprezo da fé e do bom senso

Em que pese o entusiasmo que tal orientação ou desorientação despertava em certos ambientes democrata-cristãos da época, lamentava-a o "Osservatore Romano": "Há portanto, e pode haver um partido que se chama democrata cristão, e que pode ser composto por não cristãos e mesmo ateus". O Padre Gayraud havia explicado que a Democracia Cristã não devia ser confessional, porque esse "epíteto implicaria na exigência de uma profissão de fé religiosa e excluiria por conseguinte do partido os não católicos não cristãos".

Para os Papas, democracia cristã não é forma de governo, mas ação cristã em benefício do povo

(continua)