SANTO PAPA PIO XII
(continuação)
acolhedor nos lábios, pronunciando palavras de carinho e de alento, aquele que, pela ordem natural das coisas, é o grande angustiado, o grande sofredor do século.
E por isto ficam as multidões imersas em silêncio admirativo ─ que explode por fim em aclamações intérminas ─ à consideração do mistério interior de um tão prodigioso desassombro.
Os povos vão consolá-lo. Entretanto, é ele que os enche de consolação.
O fantasma da guerra ronda em torno dos homens, numa dança infernal. Ora mais próximo, ora menos próximo, ele está em postura de assaltar a todo momento a humanidade. Os chefes de Estado estremecem. As chancelarias se conturbam. Os homens de guerra preparam novos meios de destruição. Mas Alguém há que nunca se perturba, que vai aproveitando as ocasiões de trabalhar pela paz, por maiores ou mais insignificantes que sejam, sem nunca desesperar. E este Alguém único é Pio XII.
As crises sociais rugem? Só Pio XII não desanima nem por um instante, e pelo contrário reza, ensina, e age com uma serenidade impávida, preparando o mundo melhor.
Os problemas ideológicos se complicam dentro e fora do campo católico? Só Pio XII não se conturba. Seu magistério é de uma serenidade como não se encontra nos dias de hoje.
E, enquanto tudo em torno dele ameaça ruir, em todos os campos suas palavras visam principalmente reconstrução, remodelação e reorganização.
Esta atitude invariável de um Papa que já é um ancião, empolga os povos.
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Um ancião? É precisamente o que este octogenário não é.
O ancião é lento e trôpego no pensar, no falar e no andar. Pio XII pensa com a mesma agilidade de sua juventude, fala com um desembaraço, uma abundância, uma facilidade em que ninguém das novas gerações o pode igualar. Poliglota exímio, seu estilo sensível e flexível conserva em todas as línguas uma variedade de imagens e de figuras que encanta os jovens. Quanto ao andar, não se pode imaginar cadência mais rápida, mais leve, mais fácil.
Quando se está em presença do Santo Padre Pio XII, percebe-se que ele atingiu uma verdadeira extratemporalidade. Pelos anos, é ancião. Mas sua figura tomou um modo de ser tal, que sobre ela podem descer em aluvião os lustros ou as tormentas, sem que sua resistência incomparável sofra qualquer alteração.
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Tudo isto empolga, tudo isto causa entusiasmo. Mas como explicar tanta coisa que enche de desconcertada admiração?
Os povos não vacilam na resposta. Este Pontífice, em cujo dia de sagração Nossa Senhora falou pela primeira vez aos pastorinhos de Fátima é o mesmo Pontífice que declarou dogma a Assunção de Maria e instituiu a festa da realeza da Virgem.
Como não há de estar ele sereno, animoso e consolado?
O que são a morte, as cruzes, as angústias, para quem tem os olhos postos na Mãe celeste?
"De mil soldados não teme a espada, quem pugna à sombra da Imaculada", diz o belo hino das Congregações Marianas, E assim é que os fiéis, vibrando de amor filial, explicam que no meio da tormenta moderna uma figura se mantenha sempre serena, na sua ancianidade uma figura se mantenha sempre jovem, no imenso apagar de luzes destes dias uma figura se mantenha sempre luminosa, trazendo na mão o facho de luz inextinguível da Igreja: o Papa Pio XII.
CABE AOS HOMENS SUSTAR O CASTIGO IMINENTE
Plinio Corrêa de Oliveira ( Atribuído )
Fátima é um tema já copiosamente tratado por esta folha. Entretanto, "de Maria nunquam satis". Ademais, neste mês de Nossa Senhora, realçado pelos festejos cheios de afeto filial e de entusiasmo, que marcam o 40.º aniversário da sagração episcopal do Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, também se celebra o 40.º aniversário da primeira das aparições da Virgem na Cova da Iria. A coincidência é tão admirável, tão cheia de significação profunda, que não se pode realmente discorrer sobre o jubileu episcopal do Sumo Pontífice sem ao mesmo tempo lembrar as revelações de Fátima. E, assim, voltamos ao assunto, certos de corresponder ao desejo de nossos leitores.
Já que de nossa parte, em outras ocasiões, dissemos o que tínhamos a dizer sobre as aparições em si mesmas consideradas, pensamos dever abordar hoje o tema espinhoso das predições.
Sabe-se que Nossa Senhora, falando aos três pastorinhos em Fátima, e, mais tarde, manifestando-se à Irmã Lúcia, prenunciou terríveis castigos para a humanidade. Sabe-se que o Episcopado Português é depositário de um misterioso envelope com declarações da Irmã Lúcia, que só será aberto em 1960. E, segundo o autorizado Pe. De Marchi ( "Era uma Senhora mais brilhante que o sol" ), esse envelope contem a segunda parte, ainda não revelada, do segredo de Fátima. Acresce que os horizontes políticos se apresentam toldados no mundo inteiro. Então, a pergunta nasce espontânea, insofreável, insistente: cairão sobre a terra os castigos preditos por Nossa Senhora?
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Não somos dos que acham ociosa uma tal indagação, pois que versa, não sobre revelações privadas de certo tipo corrente, em que uma grande margem de sugestão ou de engano pode existir, mas sobre fatos de cunho manifestamente sobrenatural, admitidos como tais pela piedade dos fiéis no mundo inteiro, que sem perder seu caráter de revelação privada são aprovados e bem vistos pela Santa Igreja, e se têm mostrado fecundos em frutos espirituais dos mais notórios e admiráveis.
Entretanto, não é propriamente a um estudo dessa natureza que nos queremos entregar hoje. Nosso objetivo é mais modesto e mais prático. Queremos simplesmente fazer ver que, de um lado, não é próprio perguntar se as predições de Fátima se vão realizar, pois elas já se estão realizando, e, de outro lado, depende em grande medida de nós, sustar, ainda a esta altura dos fatos, sua inteira realização.
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Nem podemos compreender como se possa duvidar de que as predições de Fátima se estão realizando. Pois o fato dominante de nossa vida política, o fato que enche todas as páginas dos jornais, e domina todas as preocupações dos estadistas, é precisamente que "a Rússia está espalhando seus erros" no mundo inteiro, trazendo-o com isto num sobressalto cada vez maior, e criando condições sempre mais propicias para a eclosão do mais terrível conflito da história.
É obvio que neste desassossego geral não cabe só à Rússia toda a culpa. Pois que, se Moscou consegue fazer circular por todo o orbe seus tóxicos ideológicos, é porque estes tóxicos encontram aceitação. Isto não obstante, não se pode negar que, se por culpa própria o mundo todo está em condições de combustibilidade, é na fogueira moscovita que os incendiários estão acendendo seus fachos, e é dela que saltam as fagulhas incontáveis que em todos os países vão ateando chamas perigosas.
Além disto, as condições presentes já permitem ver a plausibilidade da parte das previsões ainda não cumprida. O poder de ação da Rússia sobre todo o globo, para provocar uma crise universal profundíssima, e não apenas as crises mais ou menos superficiais e mais ou menos transitórias atuais, é patente. Que tudo isto terá de degenerar cedo ou tarde em perseguição ao Santo Padre e à Igreja, é patente também. Que nas convulsões de uma guerra provocada pela Rússia um cataclismo universal pode atingir a humanidade, também é incontestável.
A pergunta correta, sobre as predições, pois, só pode ser esta: se elas se consumarão, e se cairemos no ultimo horror do que elas fazem antever.
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A respeito deste ponto, parece-nos que não se tem chamado suficientemente a atenção sobre o caráter condicional das revelações de Fátima. Nelas se diz com uma clareza solar que estas coisas sucederão se a humanidade não se emendar de seus pecados, e não fizer penitência. Assim, a toda a humanidade e a cada homem em particular cabe a possibilidade de suspender ainda agora o castigo que já está em vias de realização. É só abandonar o pecado e fazer penitência. Mas, também, se isto não for feito, não adiantarão festas religiosas, nem orações, nem ansiedades nem pânicos. O castigo virá.
É necessário, pois, que a parte preponderante dos pecadores, se não a mais numerosa, faça uma autêntica e séria reforma de vida. O que quer dizer esta expressão? Que, por amor de Deus, ou pelo menos por temor de sua justiça, os homens execrem o pecado, deixem de o apetecer e de o praticar, e passem a viver segundo os Mandamentos. Uma das condições essenciais para afastar os castigos é esta. Ela deve, pois, ser enunciada claramente, positivamente, sem arroubos inúteis de oratória, nem disfarces ou atenuações de uma falsa prudência humana.
E por isto quem quiser exercer um apostolado inteiramente no que se poderia chamar a "linha de Fátima", deve falar claramente contra o erro e o pecado, fazer tudo para que eles sejam odiados e repudiados, e incutir o temor da cólera de Deus em todos, especialmente naqueles a quem o amor não possa mover.
Todas as outras condições postas pela mensagem de Fátima não dependem inteiramente de nós. Mas esta indiscutivelmente depende. Se ela for preenchida, os castigos não se realizarão. Pois tudo leva a crer que Deus poupará o pecador penitente. O que mais vale? Perguntar se os castigos virão, quando virão e como virão, ou trabalhar para que não venham? Trabalhemos, portanto. E caminhemos serenamente para o futuro, pois, assim, aconteça o que acontecer, seremos daqueles sobre os quais pousará a mão protetora da Rainha do Céu.
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Trabalhemos? Basta isto? Não. É preciso, além da reforma de vida, e do apostolado, também a oração e a penitência. Devemos mortificar-nos para expiar por nós e pelos outros. Devemos rezar, porque a prece move montanhas.
Com este espírito, e munidos de tais propósitos, poderemos cantar com alegria os louvores da Virgem de Fátima. Pois para nós sua mensagem não terá sido vã.
“MATER CONSERVET EUM”
A Diocese de Jacarezinho, e com ela todo o norte do Paraná, bem como todos os meios católicos do Brasil, registram com emoção e afeto o transcurso, no dia 1o do corrente, do décimo aniversário da sagração episcopal do Exmo. Revmo. Sr. D. Geraldo de Proença Sigaud, S. V. D.
Esta data ocorre pouco depois de outra, também de profunda significação, pois a 12 de março passado S. Excia. Revma. completava 25 anos de sacerdócio.
A personalidade do ínclito Prelado não precisa de elogios — e quase diríamos que nem os permite — de tal maneira ela se impõe por si mesma à atenção e à admiração de todos. Uma cultura vastíssima, uma inteligência onímoda, uma capacidade de realização absolutamente incomum são atributos que o estilo panegírico de certa imprensa confere facilmente a esta ou aquela figura de nossa vida pública. A tal ponto que já se sabe de antemão que o homenageado não corresponde à imagem que dele se apresenta. Com o Sr. Bispo de Jacarezinho dá-se quase o inverso. A realidade corresponde aos chavões, e como estes se gastaram, não se sabe como enunciá-la.
Tendo recebido, ainda muito jovem, da confiança augusta do Santo Padre Pio XII uma Diocese das mais vastas de nosso país, S. Excia. Revma. nela aplicou sem reservas seu talento e seu zelo, de tal maneira que o Sumo Pontífice teve recentemente o prazer de destacar do território dela duas novas circunscrições eclesiásticas em plena pujança de vida religiosa.
Ao mesmo tempo, por suas conferências, seus discursos e seus trabalhos impressos — entre os quais se destacou por sua repercussão nacional o estudo sobre a reforma agrária, que reproduzimos em nossos nos 32 e 33 — o Exmo. Revmo. Sr. D. Geraldo de Proença Sigaud veio se projetando em todos os ambientes religiosos e sociais do Brasil como figura de primeira grandeza.
"Catolicismo" teve a honra de publicar algumas colaborações do ilustre Prelado, vivamente apreciadas por nossos leitores. E, vinculado, como está, a S. Excia. Revma. por laços de um afeto e de uma admiração que deitam suas raízes em fatos muito anteriores à própria fundação desta folha, consigna a data com funda emoção, pedindo à Virgem Imaculada que conserve e cumule de bênçãos este Prelado a tantos títulos profundamente mariano.
A prolongada resistência de Henrique IV para obter sua absolvição por São Gregório VII provavelmente não teria alcançado êxito se o falacioso Imperador não tivesse chegado a ponto de mendigar a intercessão das pessoas que gozavam da merecida confiança do Papa. Nossa gravura representa, segundo a imaginação de um artista medieval (miniatura da "Vida de Matilde" por Donizo, 1114), Henrique IV aos pés, de São Hugo de Cluny e da Condessa Matilde da Toscana, implorando seus bons ofícios junto ao Pontífice.
SÃO GREGÓRIO VII
Humanamente Derrotado mas Vitorioso aos Olhos de Deus e da Historia
Celso dá Costa Carvalho Vidigal
São Gregório VII, ao iniciar o seu pontificado, já podia prever a oposição que lhe iriam fazer os Soberanos, com os quais — como vimos no artigo anterior (1) -- a princípio adotara uma política de pacificação. Na verdade, esta era necessária para dar aos Príncipes uma oportunidade de se emendarem de seus erros e, mais, para que os próprios colaboradores da ação reformadora não pudessem, em momentos de fraqueza ou tentação, julgar demasiado intransigente a posição do Papa.
Nessa ocasião, como durante todo o tempo em que ele dirigiu os destinos da Santa Igreja, observamos que cada atitude de São Gregório VII era sempre medida e pesada em vista da maior glória de Deus e bem das almas. Sabendo considerar as coisas em suas grandes perspectivas históricas, não procurava vantagens ou êxitos imediatos, mas o triunfo final da causa a que se consagrara.
“SE NÃO SE CORRIGEM, SEJAM HUMILHADOS PELAS ACUSAÇÕES DO POVO”
Na primeira semana da Quaresma de 1074 reuniu-se em Roma um Concílio, seguindo antigo costume que São Leão IX havia restabelecido; fora em um desses sínodos, exatamente quinze anos antes, que Nicolau II promulgara o decreto inovador no tocante às eleições pontifícias. Nesses três lustros, os esforços realizados pela Sé Romana no sentido de pôr ordem nos negócios espirituais e temporais da Igreja, haviam sido, sem dúvida, consideráveis, mas não sistemáticos. A despeito de suas excelentes intenções, faltara a Nicolau II e a Alexandre II a força de renovação que a Divina Providencia concede às amas chamadas a abrir novos rumos rua história. São Gregório VII possuía esse dom, e foi por isso que o Concilio romano da Quaresma de 1.074 se tornou o marco inicial de uma atividade sistemática contra as desordens introduzidas no seio da Igreja.
Nas cartas em que comunicou aos Bispos as decisões conciliares, o Pontífice advertia: "Quem tiver sido promovido por simonia, isto é, a preço de dinheiro, a uma ordem sagrada ou a um cargo eclesiástico, não poderá de agora em diante exercer nenhum ministério na Santa Igreja. Os que obtêm Igrejas a preço de dinheiro perdem essas Igrejas. Ninguém poderá doravante comprar ou vender Igrejas. Os que cometeram crime de fornicação não poderão celebrar Missa nem exercer no altar as ordens menores. Decidimos também que o povo não poderá assistir aos ofícios dos que tiverem desprezado Nossas constituições (que são as dos próprios Santos Padres), a fim de que os que não se corrigem com a consideração do amor de Deus e da dignidade de suas funções sejam humilhados pelo respeito humano e pelas acusações do povo".
Se tais decisões não eram originais — pois já haviam sido tomadas no Concilio de Latrão de 1059 — haveria originalidade na ação que faria com que elas fossem cumpridas.
São Gregório VII enviou a Alemanha legados incumbidos de fazer promulgar essas disposições. O Imperador Henrique IV, que tinha diante de si a perspectiva de uma coroação próxima, recebeu os enviados papais com muita deferência e prometeu ajudá-los em sua missão. Houve, porém, resistência por parte do Episcopado e do Clero inferior. Os Arcebispos de Mogúncia e de Bremen recusaram-se formalmente a convocar um Concílio pura publicar a legislação reformadora. Os outros Bispos não manifestaram nenhuma intenção de atender as injunções de Roma. Os Padres concubinários declararam que, se o Papa mantivesse seus decretos, eles prefeririam renunciar ao sacerdócio para não deixar sua vida de pecado. Os legados fizeram o que podiam, mas não foram bem sucedidos. Depois de alguma agitação nos meios eclesiásticos, tudo retornou à calma, sem que se modificassem os costumes do Clero.
Na França, a reação não foi melhor do que na Alemanha. Uma bula de 10 de setembro de 1074 aponta a tibieza e negligencia do Episcopado francês. Os Bispos são comparados aos cães mudos e incapazes de ladrar, de que fala a Escritura (Is. 56, 10), os quais deixam devorar o rebanho do Senhor; e por fim o Papa ameaça depô-los de seus cargos. Por outro lado, o Rei Filipe I, que nada esperava de São Gregório VII, nada fez para ajudá-lo a executar seu plano de restauração da Igreja.
Mesmo no reino anglo-normando, em que Guilherme o Conquistador e a Rainha Matilde se devotavam à ação reformista - apesar de não renunciarem a um abusivo privilégio no tocante à eleição dos Bispos, que São Gregório VII tolerou como mal menor — houve dificuldades muito grandes, que provinham ainda do próprio Clero.
A par dessa situação calamitosa da Igreja no Ocidente, o santo Pontífice encontrou no Oriente, onde tentara promover a volta dos cismáticos à Fé verdadeira, uma dureza de coração que impediu totalmente a consecução de seus objetivos. É com palavras pungentes que ele descreve o estado da Esposa de Cristo a São Hugo de Cluny, em carta de 22 de janeiro de 1075: "Estou penetrado de imensa dor e tristeza universal. A Igreja do Oriente, sob a inspiração do demônio, abandona a Fé católica, e por meio de seus membros o antigo inimigo exerce suas devastações... Se agora, com os olhos do espírito, considero o Ocidente, para o Sul ou para o Norte, é com dificuldade que encontro alguns Bispos cuja eleição e cuja vida sejam regulares, ou que no governo do povo cristão sejam dirigidos pelo amor de Cristo e não pela ambição temporal. Entre os Príncipes seculares não conheço nenhum que prefira a honra de Deus à sua própria, e a justiça ao lucro. Quanto àqueles em cujo meio eu vivo, romanos, lombardos e normandos, são piores que os judeus e os pagãos. E se me volto para mim mesmo, sinto-me de tal forma acabrunhado com meu próprio peso que não encontro nenhuma esperança de salvação senão na misericórdia de Cristo".
Muitos desanimariam diante da situação que o Santo Papa descreve nessa carta; para ele, porém, a visão de um quadro tão consterna-dor é motivo apenas para uma mudança de tática. Seu sistema consistia em tomar em toda consideração as contingências de cada momento: foi assim que seu plano se desenvolveu.
O PONTÍFICE PROCLAMA TER O DIREITO DE DEPOR OS IMPERADORES
No ano de 1075, a primeira semana da Quaresma se estendia de 22 a 28 de fevereiro, e foi portanto no decorrer desses dias que se realizou o tradicional Concílio romano. Renovando as disposições do ano anterior, foi ali promulgado um decreto que representava um golpe profundo contra abusos inveterados do poder civil. Nesse decreto, cujo texto não se conhece exatamente, pois que se sabe de sua existência só através de comentários dos contemporâneos, ficava estipulado que nenhum senhor temporal poderia investir alguém em cargo ou função eclesiástica. Esse ato pontifício modificava costumes que se haviam estabelecido desde a época carolíngia e que cada vez mais se firmavam dentro da Igreja. São Gregório VII, sem restaurar o antigo direito, que atribuía ao Clero e ao povo o poder de escolher seu próprio Pastor, criou um sistema de designação que afastava toda possibilidade de intervenção leiga, pelo menos em princípio. Na prática o mesmo santo Pontífice soube tolerar certos abusos, na estrita medida em que era necessário fazê-lo para conseguir maior proveito para as almas.
Algumas semanas mais tarde, eram promulgadas as 27 proposições de São Gregório VII conhecidas pelo nome de "Dictatus Papae", as quais definiam certos direitos e atribuições da Sé Apostólica que até então nunca haviam sido apresentados de maneira tão explícita. Essas proposições salientavam que o Sucessor de Pedro fora colocado por Deus acima de todos os outros detentores de autoridade espiritual ou civil. Eis algumas delas, a título de exemplo: "9) 0 Papa é o único homem a quem todos os Príncipes beijam os pés. 12) Tem ele a faculdade de depor os Imperadores. 18) Suas sentenças não devem ser reformadas por ninguém e, só, pode ele reformar as de todos. 19) O Papa não deve ser julgado por ninguém. 20) Ninguém ouse condenar quem apela para a Sé Apostólica. 21) A Igreja Romana nunca errou, e, como o atesta a Escritura, nunca poderá errar. 27) 0 Papa pode desligar os súditos do juramento de fidelidade feito aos Príncipes injustos".
O "Dictatus Papae", juntamente com o decreto sobre as investiduras, continha todo um programa de governo. Seu autor procurará executá-lo a qualquer custo. Se até aqui muitos decretos romanos foram letra morta para os Soberanos, de agora em diante toda tentativa de desobedecer-lhes será combatida com energia.
DEPONDO BISPOS E EXCOMUNGANDO, OS LEGADOS AVANCAM A REFORMA
Com o advento do monge Hildebrando ao trono de São Pedro, a instituição dos legados pontifícios sofreu uma inovação: ao lado das legações provisórias o Papa instituiu as permanentes.
Os legados provisórios eram enviados a esta ou aquela região a fim de regularizar uma questão determinada ou fazer uma inspeção geral, e daí passar a outro lugar. De todos São Gregório VII sempre exigiu que.se mantivessem em contacto constante com a Sé Apostólica que representavam.. Essa era a condição mesma do êxito do trabalho centralizador desejado pelo Santo.
Os legados permanentes eram geralmente escolhidos entre os homens de mais confiança do Pontífice em cada região, e designados para agir ali como se fosse o próprio Papa quem estivesse agindo, devendo-se-lhes obediência como
(continua)