A Tolerância, virtude perigosa
Plinio Corrêa de Oliveira
Em artigo anterior ( "Catolicismo" Nº 75, de março de 1957 ), tratamos do problema da tolerância, estabelecendo que esta, bem como sua contrária, que é a intolerância, não se podem dizer intrinsecamente boas, nem intrinsecamente más. Em outros termos, há casos em que tolerar é um dever, e não tolerar é um mal. E outros casos há, em que, pelo contrário, tolerar é um mal e não tolerar é um dever.
O desfecho das guerras de religião na França do século XVI foi o estabelecimento de um sistema de tolerância. Henrique IV, candidato dos huguenotes ao trono francês, convertendo-se ao Catolicismo, pôde assumir a coroa que por direito dinástico lhe pertencia. E promulgou o edito de Nantes, que concedia um regime de tolerância aos protestantes. A medida, talvez necessária no momento, provou mal ao longo do tempo. Foi mérito de Luis XIII abater a soberba dos hereges, e mérito de Luis XIV revogar o perigoso edito. Na gravura, uma alegoria da entrada de Henrique IV em Paris. Pelo pincel de Rubens. Nosso outro clichê, tirado de uma estampa da época, reproduz uma procissão da Liga Católica em 1592. Para reagir contra a ofensiva protestante, antes da conversão de Henrique IV, os católicos franceses organizaram esta excelente associação religiosa e guerreira, amplamente apoiada pelo Papa São Pio V. A intolerância da Liga para com os protestantes teve excessos, mas foi de inestimável valor para a causa da Santa Igreja.
Ficamos de voltar ao assunto. Premidos pela urgência de outras matérias, só hoje o fazemos. Não para desenvolver ainda mais os princípios básicos que já expusemos, mas para mostrar os riscos da tolerância e as precauções com que se deve praticá-la.
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Antes de tudo, lembremos que toda tolerância, por mais necessária e legítima que seja, tem riscos que lhe são inerentes. Com efeito, a tolerância consiste em deixar subsistir um mal, para evitar outro, maior. Ora, sucede que a subsistência impune do mal cria sempre um perigo. Pois o mal tende necessariamente a produzir efeitos maus, e além disto tem uma sedução inegável. Assim, há risco de que a tolerância acarrete por si mesma males maiores ainda do que aqueles que por meio dela se desejara obviar. É preciso que tenhamos os olhos bem abertos para este aspecto da questão, pois é em torno dele que vai girar todo o nosso estudo.
Para evitar a aridez de uma exposição exclusivamente doutrinária, figuremos a situação de um oficial, que nota em sua tropa graves sintomas de agitação. Põe-se para ele um problema:
a) será o caso de punir com todo o rigor de justiça os responsáveis?
b) Ou será o caso de tratá-los com tolerância?
Nosso outro clichê, tirado de uma estampa da época, reproduz uma procissão da Liga Católica em 1592. Para reagir contra a ofensiva protestante, antes da conversão de Henrique IV, os católicos franceses organizaram esta excelente associação religiosa e guerreira, amplamente apoiada pelo Papa São Pio V. A intolerância da Liga para com os protestantes teve excessos, mas foi de inestimável valor para a causa da Santa Igreja.
Esta segunda solução abriria campo a outras questões. Em que medida e de que maneira praticar a tolerância? Aplicar penas brandas? Não as aplicar, chamando os culpados e aconselhando-os afetuosamente a mudar de atitude? Fingir que se ignora a situação? Começar talvez pela mais benigna dessas soluções, e ir aplicando sucessivamente as demais, à media que os processos suasórios ou brandos se forem patenteando insuficientes? Qual o momento exato em que se deve renunciar a um processo para adotar outro mais severo?
Estas são questões que forçosamente assaltarão o espírito de muito oficial, mas também de qualquer pessoa investida em mando ou responsabilidade na vida civil, desde que tenha exata consciência das suas obrigações. Qual o pai de família, o chefe de repartição, o diretor de empresa, o professor, o líder, que não tenha esbarrado mil vezes em todas estas questões? Quantos males obviou por as ter resolvido com perspicácia e vigor de alma? E com quantos teve de arcar por não ter dado solução acertada às situações em que se encontrava?
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Na realidade, a primeira medida que deve tomar quem se vê em tal contingência consiste em fazer um exame de consciência para se premunir conta as ciladas que seu feitio pessoal lhe possa criar.
Devo confessar que, ao longo de minha vida, tenho visto nesta matéria os maiores disparates. E quase todos eles conduzindo ao excesso de tolerância.
Os males de nossa época tomaram o caráter alarmante que atualmente apresentam porque há em relação a eles uma simpatia generalizada, da qual participam frequentemente aqueles mesmos que os combatem.
Há, por exemplo, antidivorcistas. Mas dentre estes, numerosos são os que, opondo-se embora ao divórcio, têm um feitio de espírito exageradamente sentimental. Em consequência, consideram romanticamente os problemas nascidos do "amor". Postos diante da situação difícil de um casal amigo, esses antidivorcistas julgarão sobre-humano, para não dizer inumano, exigir do cônjuge inocente e infeliz que recuse a possibilidade de "refazer sua vida" ( isto é, dar morte à sua alma pelo pecado ). Da boca para fora, continuarão a "lamentar o gesto" deste último, etc., etc. Mas quando se puser para eles o problema da tolerância, terão toda uma montagem interior feita para justificar as condescendências mais extremas e aberrantes. Assim, comentarão com moleza o ocorrido, receberão os "recém-casados", visitá-los-ão, etc. Quer dizer que pelo exemplo trabalharão em favor do divórcio, ao mesmo tempo que pela palavra o condenarão. Claro está que o divórcio tem muito mais a ganhar do que perder com tal conduta de milhares ou milhões de antidivorcistas.
De onde veio a estes a deliberação de tolerar tão mal a propósito o câncer roedor da família? É que no fundo havia neles uma mentalidade divorcista.
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Contudo, não paremos aqui. Tenhamos a coragem de dizer a verdade inteira. O homem moderno tem horror à ascese. É-lhe antipático tudo quanto exige da vontade o esforço de dizer "não" aos sentidos. O freio de um princípio moral lhe parece odioso. A luta diária contra as paixões se lhe afigura um suplício chinês.
E por isto não é só em relação aos divorciados que o homem moderno, ainda quando dotado de bons princípios, é exageradamente complacente.
Há legiões inteiras de pais e professores que por isto mesmo são indulgentes em excesso para com seus filhos ou alunos. E o estribilho é sempre o mesmo: coitadinho... Coitadinho porque tem preguiça, recebe mal as advertências dos mais velhos, come doces às escondidas, frequenta más companhias, vai a maus cinemas, etc. E porque é coitadinho raras vezes recebe o benefício de um castigo severo. No que dá tal educação, não é necessário dizê-lo. Os frutos aí estão. São milhares, milhões de desastres morais ocasionados por uma tolerância excessiva. "O pai que poupa a vara a seu filho, odeia seu filho", ensina a Escritura ( Prov. 13, 24 ). Mas hoje quem quer saber disto?
Ora, o mesmo se dá frequentemente, mutatis mutandis, nas relações entre patrões e operários de certo gênero, já que aqueles, tão paganizados quanto estes, sentem que se fossem operários também seriam revoltados.
E em todos os campos os exemplos se poderiam multiplicar.
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Esta tolerância se apóia, é claro, em toda espécie de pretextos. Exagera-se o risco de uma ação enérgica. Acentua-se demais a possibilidade de as coisas se arranjarem por si mesmas. Fecham-se os olhos para os perigos da impunidade. E assim por diante.
Na realidade, tudo isto se evitaria se a pessoa que está na alternativa tolerar - não tolerar fosse capaz de desconfiar humildemente de si.
Tenho simpatias inconfessadas para com este mal? Tenho
(continua)