FARISAICAMENTE CRISTÃ

«Excomungamos os que impõem tributos fora dos casos permitidos por direito ou concedidos pela Santa Sé»

(continuação)

lugar a prevenção. Portanto encomendamos muito aos Ministros de Sua Majestade atentem por isso, e castiguem os que não cumprem este preceito" (livro 2°, titulo XIV, n.° 390).

Sobre a lei do jejum, contém esse documento uma exposição que também é oportuno relembrar nestes tempos em que tal lei eclesiástica é tão desprezada ou levada a conta de pratica sem maior significação: "Como nossa carne faça continua guerra ao espírito, e o jejum, que é o sólido fundamento da castidade, extinga os ardores da lascívia, a Santa Igreja conformando-se com o direito divino instituiu, e ordenou certos tempos e dias de jejum, para que com a abstinência do comer, e beber se remedeiem e reparem os danos que a destemperança e gula causam em nossas almas, e para que os corpos, desobedientes a estas razões se castiguem e mortifiquem com a abstinência, e se reduzam a sujeição cristã, deixando o espírito mais livre, e com mais forças para obrar o que convém à salvação, e conformando-se em tudo com a vontade de seu Criador e Redentor" (livro 2.°, título XV, n.° 392).

Neste terreno, outro dispositivo que põe em relevo a mudança de atitude da sociedade temporal, vem a ser o seguinte: "Porque não só devemos evitar os pecados de Nossos súditos, mas também, quanto em Nós for, as ocasiões de cair neles, ordenamos e mandamos em virtude de obediência, e sob pena de excomunhão maior aos Almotacéis e quaisquer oficiais de justiça secular, a que pertencer, que não consintam que se talhe, corte, ou venda publicamente nos açougues, praças, ruas, ou quitandas, no tempo da Quaresma carne, que não sirva para os doentes" (livro 2.°, título XX, n.° 412).

OS PRIVILEGIOS DA IGREJA

O livro terceiro, ao tratar da vida do Clero, ao contrário do ambiente de nossos dias, que transtorna certos espíritos no sentido de querer que os Sacerdotes se confundam com os fiéis no modo de vestir, as Constituições — conforme a tradição católica — desejavam que eles aparecessem como tais, bem diferenciados dos seculares: "Os Clérigos se devem abster de toda pompa, luxo, e ornato dos vestidos, para que sendo no estado Clérigos, não pareçam no hábito seculares, e por isso convém muito que tragam vestidos decentes, honestos e convenientes às suas Ordens, dignidade e estado, distinguindo-se em tudo dos que não são do seu estado, mostrando na decência, e honestidade dos trajes exteriores a pureza interior da alma, e assim o encomendam os Santos Padres, e dispõem os Sagrados Cânones, e o Santo Concilio Tridentino" (livro 3.°, título II, n.° 440).

A Igreja sempre insistiu na isenção e imunidade das pessoas eclesiásticas. Essa isenção da jurisdição secular ou civil tem seu princípio e origem no direito divino, conforme reafirma o Concilio de Trento. Fazendo alusão às intromissões já existentes do poder temporal na esfera espiritual ou eclesiástica, dizem as Constituições, depois de lembrar não só o fundamento jurídico dessas imunidades, mas também todo o passado histórico da Cristandade, que as confirma: "E assim esperamos da Augusta e Católica Majestade del-Rei nosso Senhor, como Defensor e Protetor que é da Igreja, que não somente Lhe conserve a sua imunidade, como tão zelosa, e louvavelmente faz, mas ainda mande ver, examinar, e reformar tudo o que neste Estado do Brasil houver contra ela: e que seus Ministros e Vassalos a não ofendam, antes, como são obrigados, a estimem e venerem" (livro 4.°, título I, n.° 640).

Alguns títulos sugestivos podem ser citados neste mesmo sentido: "Que nenhuma pessoa usurpe, impeça ou proíba a Nossa jurisdição eclesiástica"; "Como as justiças seculares não podem prender as pessoas eclesiásticas, salvo em flagrante delito"; "Que ninguém cite, nem demande a pessoas eclesiásticas perante os juízes seculares", título esse que trata do privilégio de foro; "Que ninguém usurpe os bens das igrejas, lugares pios, ou pessoas eclesiásticas"; "Que se não façam leis, ordenações, acórdãos ou estatutos contra a liberdade eclesiástica"; "Que se não ponham tributos, nem fintas pelos seculares às igrejas e pessoas eclesiásticas".

Outro tabu revolucionário que domina amplos setores invadidos pela mentalidade igualitária, vem a ser a prevenção contra os privilégios. Em geral não se indaga se se trata de um privilegio justo, merecido, necessário mesmo ao desempenho do cargo de quem o goza ou usufrui. Basta pronunciar a palavra "privilégio" e as fisionomias se contraem — e surge a intolerância dos tolerantes liberais. Tratando "de alguns privilégios concedidos aos Clérigos e pessoas eclesiásticas", justifica-os o código baiano do seguinte modo: "Assim como as leis seculares concedem aos Cavaleiros e Nobres alguns privilégios, e prerrogativas em razão de sua nobreza, assim também se devem conceder aos Sacerdotes e Clérigos, pois por sua grande dignidade não há dúvida que merecem ser tratados como pessoas nobres e qualificadas" (livro 4.°, título X, n.° 668).

DIREITO DE ASILO

A imunidade da Igreja se estendia, como manto protetor, às pessoas perseguidas pela justiça secular por determinados crimes, nas circunstâncias definidas no título XXXII do livro 4.°: "Como, e em que igrejas e lugares sagrados os delinquentes gozam da imunidade da Igreja". Transcrevamos, como curiosa reminiscência, o seguinte dispositivo: "E para os delinquentes gozarem da imunidade da Igreja, basta que se peguem nos ferrolhos das portas das igrejas, capelas, ou ermidas, ou se encostem a elas, ou às paredes, ou se recolham debaixo dos alpendres contíguos com as ditas igrejas, capelas ou ermidas, posto que não tenham adros" (n.° 751).

Hoje os perseguidos por crimes políticos se refugiam nas embaixadas. Meditemos sobre a diferença dos tempos em países católicos como a Hungria, por exemplo: "Também goza da dita imunidade o que se acouta ao Santíssimo Sacramento, que é levado em alguma procissão, ou aos enfermos, pegando-se, ou chegando-se o delinquente ao Padre que o leva" (livro 4.°, título XXXIII, n.° 753).

Também convidamos nossos leitores a refletir sobre um exemplo das exceções que se faziam a tais imunidades, então respeitadas: "Não gozam da imunidade da Igreja o herege, apóstata, ou cismático. Nem o blasfemo, feiticeiro, benzedeiro, agoureiro e sortilego. Nem outrossim o ladrão público salteador de estradas, ou caminhos, que neles costuma matar, ferir, ou roubar. Nem o noturno destruidor dos campos e lavouras... Nem o que roubar e esbulhar a Igreja de seus bens, quebrar as portas, ou lhe puser fogo, ou por outra via cometer sacrilégio dentro ou fora dela ... " (título XXXIII, n.°s 755 e 756).

Estávamos ainda em uma sociedade do tipo sacral, em que a Santa Igreja acompanhava, como acompanha hoje, todos os passos de seus filhos, mas sem encontrar então óbices à sua missão na proporção em que os encontra em nossos dias de propalada liberdade. Vivendo em uma sociedade católica, nada mais natural do que os fiéis desejarem entregar seus restos mortais à solicitude da Igreja. Os cemitérios caiam sob a jurisdição eclesiástica, e eram então autênticos campos santos. Contra algumas pessoas que mandavam enterrar seus escravos "no campo, e mato, como se foram brutos animais", ordenavam as Constituições, "sob pena de excomunhão maior ipso facto incurrenda, e de cincoenta cruzados pagos do aljube, aplicados para o acusador, e sufrágios do escravo defunto, que nenhuma pessoa de qualquer estado, condição, e qualidade que seja, enterre, ou mande enterrar fora do sagrado, defunto algum, sendo cristão batizado..." (título LIII, n.° 844).

Quanto teríamos que dizer sobre a matéria do quinto livro, que versa sobre o crime de heresia, a blasfêmia, as feitiçarias, a simonia, o sacrilégio, o perjúrio, os falsários, a usura, os delitos da carne, as penas espirituais, e as pessoas que estavam obrigadas a ter as Constituições e explicá-las aos fiéis.

Encerremos estas considerações com o título XLIX desse mesmo livro 5.°, que trata das penas espirituais ou excomunhões contidas na Bula da Ceia do Senhor, documento pontifício esse que se acha na mesma linha do "Syllabus" de Pio IX quanto à capacidade de despertar o rancor e a hostilidade dos ultra tolerantes católicos liberais. Na edição de 1853 das Constituições há um "Apêndice para se mostrar em que a Constituição do Arcebispado da Bahia se acha alterada, revogada pelas leis do Império e modificada finalmente pelos usos e costumes", triste amostra, em grande parte, dos estragos que já a esse tempo o espírito revolucionário, igualitário e liberal causava em nosso meio. No que diz respeito ao aludido título XLIX, todo ele referente às excomunhões da Bula "In Coena Domini", há apenas a nota lacônica: "Não subsistem as excomunhões de que trata a Bula da Ceia, abolida entre nós". Abolida por quem? Com que direito? Naturalmente pelo poder civil, em nome da famosa diferenciação da esfera própria do temporal, que não comporta essas penas aplicadas pela Igreja, não somente em matéria espiritual, mas também em outras modalidades de crime, no exercício do poder indireto, como por exemplo no caso da excomunhão lançada "contra todos aqueles que em suas terras impõem, ou acrescentam novos tributos. E contra todos aqueles, que os arrecadam fora daqueles casos, que são permitidos por direito, ou concedidos por licença especial da Sé Apostólica" (livro 5.°, título XLIX, n.° 1111).

EXCOMUNHÕES “REACIONÁRIAS”

Numa época em que os tributos lançados pelo Estado tendem a assumir o aspecto político de confisco de bens, com a finalidade apregoada de "redistribuição de rendas" ou de implantação coercitiva da igualdade no campo econômico, tal dispositivo das Constituições deve parecer a muitos bem estranho e desagradável. E numa época em que países chamados democráticos competem entre si para ver quem consegue melhor intercâmbio comercial com a Rússia soviética, do mesmo modo como o mantiveram com a Alemanha de Hitler, a Igreja se vê constrangida a renunciar à excomunhão "contra todos aqueles que levam aos mouros, turcos, inimigos do Nome de Cristo, e aos hereges expressamente declarados pela Sé Apostólica, armas, ferro, fio de aço, ou qualquer outro metal, ou instrumento de guerra,... com que se possa fazer guerra aos cristãos e católicos..." (livro 5.°, título XLIX, n.° 1113).

Concluamos. Não passaria pela mente de uma pessoa sensata desejar que as "Constituições do Arcebispado da Bahia", velhas de dois séculos e meio, ainda perdurassem na forma em que foram pela primeira vez publicadas. Basta lembrar, por exemplo, o que nelas se contem sobre as relações entre senhores e escravos, que não mais teria sentido desde a abolição da escravatura. Como também não passaria de simples pilheria desejar que os barbeiros continuassem a praticar o oficio de médicos onde estes faltassem ... O que queremos ressaltar com estas notas é a mudança de mentalidade e ambiente na sociedade temporal. Tal mudança é que tornou impossível hoje em dia a aplicação de princípios que devem informar toda sociedade autenticamente cristã. A Igreja, porém, continua sempre a mesma, e sua doutrina não muda.

Não há razão para desânimo. Se, segundo o Santo Padre Pio XI, o mundo se acha em estado pior do que por ocasião do advento do Salvador, os que se dedicam ao apostolado em nossos dias devem pedir a Deus que lhes envie o mesmo sopro vivificador que levou um punhado de homens a renovar a face da terra no início da era cristã.


BRILHANTE EXITO DA EXPOSIÇÃO DE CATOLICISMO

O grupo de amigos, agentes e propagandistas de "Catolicismo" em Campos, organizou uma exposição deste jornal, no saguão do edifício dos Correios e Telégrafos, gentilmente cedido pelo diretor desse departamento público, durante o novenário do SS. Salvador, de 28 de julho a 6 de agosto p.p.

Os dias do novenário constituíam ocasião oportuna, dada a afluência de campistas residentes fora da cidade, que nessa época vêm prestar sua homenagem ao Divino Padroeiro da terra que os viu nascer.

Contou, além disso, a exposição com a valiosa colaboração do Prof. Dr. Carlos Alberto de Sá Moreira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e nosso redator, que aqui pronunciou duas aplaudidas conferencias, no salão nobre da Associação Comercial. Versaram sobre "estilos de pintura" e "estilos de arquitetura", e constituíram natural preparação para a mostra que se inaugurava no dia seguinte. Porquanto o nexo entre a explanação do Prof. Sã Moreira e a secção "Ambientes, Costumes, Civilizações", desta folha, era obvio. Considerando-se que as conferencias foram promovidas por "Catolicismo" e ilustradas com uma selecionada coleção de diapositivos reproduzindo edifícios e pinturas das várias épocas da história, vê-se que nada mais próprio para excitar o desejo de melhor conhecer um mensário que abre ao leitor os admiráveis horizontes da cultura católica.

Com isso, a exposição foi visitadíssima. Sem contar as pessoas que apenas se detinham para um olhar relanceado sobre os mostruários, e registrando tão só os que demoradamente consideraram o jornal, folheando as coleções expostas, ou lendo os artigos afixados nos painéis, o número de visitantes chegou a um milhar. E eram dos mais diversos setores culturais: médicos, engenheiros, advogados, educadores. Notou-se, entre esses visitantes, a presença de pastores protestantes de varias seitas, e até de pessoas que não professam religião nenhuma. Prova de que um órgão intransigentemente católico pode atrair o interesse e a consideração de espíritos colocados nas mais diferentes posições ideológicas.

A exposição apresentava, sobre uma grande mesa, coleções desta folha e obras editadas pela Boa Imprensa Ltda.: a Carta Pastoral sobre Problemas do Apostolado Moderno, do Exmo. Sr. Bispo Diocesano, os Anais da Semana Eucarística de Campos e outras. Em mostruários laterais, números do jornal, abertos, expunham os artigos capazes de despertar maior curiosidade e interesse. Estes números eram trocados todos os dias, de maneira que, durante o período da exposição, se tornasse o jornal, o quanto possível, conhecido também em profundidade. Esses mostruários serviam de moldura a dois mapas, do Brasil um, do mundo outro, nos quais alfinetes de diversas cores indicavam os lugares onde "Catolicismo" é conhecido e quantos assinantes possui em cada localidade. Causou geral agrado ver como o mensário campista leva o nome desta cidade a todos os recantos do Brasil e a tantos outros países. Pequenos mapas afixados junto à secção de correspondência de vários números desta folha mostravam a procedência das apreciações que neles poderiam ser lidas. Além disso, cartazes vivos e bem confeccionados atraiam a atenção para a natureza e a expansão do jornal.

O êxito desta primeira mostra levou o grupo de amigos, agentes e propagandistas de "Catolicismo" que se reúne e trabalha junto à Matriz de Nossa Senhora do Rosário do Saco a realizar, ele também, uma exposição no dia 25 de agosto.

Com decidido apoio de nosso diretor, Exmo. Mons. Antonio Ribeiro do Rosário, Vigário daquela Paróquia, a iniciativa obteve resultado extraordinário. Realizada num bairro operário — onde, portanto, talvez se pudesse temer menor interesse por um periódico de feição mais cultural — não obstante, seu recinto foi visitado durante todas as horas do dia por muita gente que, pela simpatia com que se demorava a considerar os números expostos, evidenciava o apreço em que tem "Catolicismo".