Velha sede de fazenda brasileira. — No momento em que os mais extravagantes pruridos de reforma agrária se manifestam no Congresso nacional, ameaçando nossa velha economia rural, que tem grandes defeitos, mas qualidades ainda maiores, reveste-se da maior atualidade a reafirmação de que a propriedade privada é indispensável à própria justiça social.

"Pela propriedade privada reina na sociedade a Justiça perfeita"

Pastoral sobre o 7° Mandamento

Traduzimos da edição hebdomadária, em língua francesa, do "Osservatore Romano" (de 12 de julho) o seguinte comentário acerca de importante documento cujo conhecimento certamente interessará a nossos leitores:

Uma Carta Pastoral de singular importância social é a do Cardeal Tisserant, Bispo de Ostia e de Porto e Santa Rufina, acerca do Sétimo Mandamento, examinado em todos os efeitos de sua transgressão. E consequentemente na vida não só privada mas também pública, pois a violação da propriedade, seja qual for o modo e o lugar em que se verifica, constitui sempre uma desordem que atinge a sociedade numa das suas bases constitutivas, numa das maiores garantias da liberdade, da independência, da dignidade do indivíduo, que principalmente por essas três prerrogativas pode ser um membro útil da sociedade civil.

A Carta Pastoral estabelece de início que "o Decálogo vai além — também nesse artigo — das leis civis, pois estas não consideram senão os atos exteriores, ao passo que a Lei Divina governa até mesmo os pensamentos e desejos mais secretos". Isto é tão verdadeiro que ela atinge tanto quem é ávido de aumentar sua riqueza quanto quem e ávido de conquistá-la. E, depois dessa premissa, o Cardeal examina à luz do Antigo e do Novo Testamento o furto, a rapina, a apropriação indébita, a fraude, a extorsão, a usura, a falta de pagamento das dívidas, todo prejuízo causado aos bens legítimos do próximo, encarecendo e ressaltando a reparação que a lei de Deus exige com senso humano e ao mesmo tempo com justo rigor.

Mas, na realidade, a nota explicitamente social do documento oferece um interesse particular, que corresponde àquele com que são acompanhados os problemas dessa natureza, numa hora que se caracteriza precisamente pela preeminência deles na vida coletiva e social.

Pela justiça perfeita

“O sétimo mandamento do Decálogo - escreve o Decano do Sacro Colégio - visa fazer na sociedade humana uma justiça perfeita".

"Não era a primeira vez que as autoridades religiosas se ocupavam das ofensas ao Sétimo Mandamento em matéria de salários, quando Leão XIII publicou no dia 16 de maio de 1891 sua Encíclica Rerum Novarum sobre a condição dos trabalhadores; na lei proclamada por Moisés em nome de Deus ao povo de Israel já havia disposições para o pagamento em tempo oportuno dos justos salários.

"Na sociedade agrícola do povo de Israel, estabelecida na Palestina após os quarenta anos passados na península do Sinai, o salário do trabalhador agrícola devia corresponder pelo menos às suas necessidades diárias e às de sua família. O preceito fundamental o supõe, pois prescreve que o salário seja pago ao fim de cada dia. Um atraso, mesmo somente até a manhã seguinte, era uma falta que justificava diante de Deus a queixa do trabalhador lesado. Na parábola dos operários da vinha, estes procuram ao cair da tarde o senhor para receber o salário".

Os que não pagam o que deveriam são condenados com palavras severas. O Profeta Jeremias não temia fazer repreensões ao próprio Rei de quem era súdito, Joaquim, porque este faltava à justiça para com os trabalhadores que lhe construíam um palácio em Jerusalém. E ameaçava-o, em consequência, com uma sepultura ignominiosa: "Infeliz do que constrói sua casa sem equidade ... que faz trabalhar o próximo por nada e não lhe dá o salário".

No Novo Testamento, o Apóstolo São Tiago se levanta contra os ricos injustos, dizendo: "Eis que clama contra vós o salário que frustrastes aos trabalhadores que ceifaram vossos campos, e os clamores dos ceifeiros chegaram até os ouvidos do Senhor".

Entre os últimos Papas, particularmente Leão XIII, Pio XI e Pio XII indicaram aos empregadores as diretrizes relativas ao comportamento a adotar para com seus empregados. Não é o caso de falar aqui longamente a respeito dessa questão. Basta relembrar o princípio: quem dá aos trabalhadores um salário injusto peca contra o Sétimo Mandamento.

A respeito do trabalho

O pecado cometido pelo empregador que não paga um salário suficiente ou não o paga pontualmente é um dos que têm as mais tristes consequências para a vida da sociedade. Se a repetição frequente dos furtos e das rapinas produz a inquietude das populações expostas aos abusos, a injustiça habitual na retribuição do trabalho gera um descontentamento que resulta do mal-estar progressivo. A insuficiência dos salários na indústria foi o pretexto principal de Karl Marx, quando escreveu as obras em que expunha seu sistema, e os propagandistas do marxismo insistem fortemente neste argumento para fazer adeptos. Os homens são feitos de tal modo que ouvem de boa vontade quando se lhes diz que mereciam melhor tratamento; assim, os que dão motivo a reclamações justas em matéria de salário prejudicam a sociedade.

Mas, se ofende a Lei Divina o empregador que não paga de modo suficiente seu empregado, o trabalhador que não cumpre as obrigações de seu contrato não a ofende menos. Ele pode faltar nisto de duas maneiras: seja porque trabalha muito pouco, seja porque a qualidade do seu trabalho não é a que poderia ou deveria ser. Os casos são numerosos e cada um deve conduzir-se segundo a própria consciência. O empregado que não obedece ao horário devido ou ocupa uma parte importante do tempo com coisas que nada têm a ver com o serviço, pode faltar gravemente contra o preceito divino; o mesmo se dá com o operário que não segue as regras do oficio, que conhece, sabendo que sua negligência terá efeito danoso sobre a qualidade do trabalho realizado. Pior ainda se, por um cálculo infeliz, ele age de modo que a deficiência dolosamente causada torne necessária pouco tempo depois nova intervenção de sua parte. Assim procedendo, alguns se orgulham de "semear o trabalho", enquanto que se privam de ser chamados a outros trabalhos: eles poderão enganar uma ou diversas vezes, mas acabarão perdendo a estima dos seus fregueses. Em muitos casos desse gênero trata-se de verdadeiros furtos. Quem não dá o equivalente do salário recebido se apropria indebitamente de uma parcela do bem de outrem.

Desse horizonte social a Carta do Cardeal Tisserant se eleva a um campo ainda mais vasto, que se estende em considerações de alto valor político e candente atualidade, tanto mais eficazes quanto acompanhadas de observações, referencias e fatos que são esquecidos ou cuja significação autentica e advertência lógica são desnaturadas.

A respeito da propriedade

Sabemos pelas epistolas de São Paulo que a comunidade cristã de Jerusalém tinha-se tornado tão pobre que não podia mais se manter sem ajuda dos fiéis da parte ocidental do império romano. Embora fortemente apegado ao ministério da palavra, a ponto de que se desprezaria se tivesse interrompido a pregação do Evangelho, São Paulo se resignava a consagrar uma parte de sua atividade à coleta de auxílio financeiro em favor desses cristãos.

O malogro da generosa tentativa dos primeiros fiéis de Jerusalém, que procuraram instaurar uma sociedade sem classes e com uma perfeita igualdade dos membros no que toca ao uso dos bens materiais, parece ter ocorrido para nossa edificação e a de nossos contemporâneos. Não é raro que os propagandistas das doutrinas marxistas nos convidem a voltar aos costumes dos primeiros cristãos. Mas o conhecimento que eles têm dos Livros Sagrados é limitado: evocam o nobre gesto da comunidade de bens praticada pelos mais afortunados, mas não se lembram do insucesso. Entretanto, o entusiasmo da novidade, com o desejo de conformar-se o mais possível ao ensinamento do Divino Mestre, não foi suficiente para fazer funcionar o organismo concebido de maneira utópica. Os que ficaram detidos durante anos nos campos da União das Republicas Socialistas Soviéticas nos dizem quão mais difícil ainda, é viver numa igualdade fraterna sem auxílio das virtudes cristãs, como também o manifesta a rebelião de milhares de operários e camponeses que proclamam o caráter intolerável de sua sorte.

O acesso à propriedade dos bens moveis ou imóveis é justo. Quem trabalha tem o direito de tirar proveito de seu trabalho. Nas sociedades mais rudimentares era reconhecido aos caçadores e pescadores como bem próprio o produto da caça ou pesca. Quem colhe frutos ou plantas comestíveis nas imensas florestas ou na selva equatorial os utiliza à vontade. O caçador e o pescador, ao criarem com sua inteligência meios mais eficazes de captura, foram considerados por justo titulo proprietários legítimos de seus instrumentos de trabalho, arcos e flechas, anzóis, cordas e laços. Pretender que todos os meios de produção devem ser propriedade do grupo ao qual pertence o inventor é consequência de uma especulação que não tem fundamento na realidade dos fatos.

As famílias, constituídas de acordo com os laços sanguíneos e reunidas em grupos, ocuparam legitimamente as terras desabitadas e se atribuíram justamente a propriedade delas, depois de as terem cultivado. Foi também assim que as nações se formaram e possuem direitos sobre os territórios que seus cidadãos desbravaram e mantêm em estado de produção por seu trabalho contínuo.

Princípios e experiência

Da mesma forma, as gerações transmitem umas às outras seus direitos de propriedade sobre todo tipo de bem material: terras, casas, moveis, utensílios, trajes, etc., de acordo com as regras codificadas em todos os tipos de civilização. Atribuir ao Estado o que possuem os indivíduos, com o encargo de lhe dirigir a exploração para proveito de todos, é coisa que lesa a tal ponto os direitos naturais do homem que na União das Republicas Socialistas Soviéticas, depois de quarenta anos de experiência, um sentimento de protesto subsiste, especialmente entre os camponeses, a quem só um controle minucioso pode impedir de se manifestarem. Na Polônia e na Hungria, há poucos meses, logo que os camponeses acreditaram poder enfim protestar impunemente insurgiram-se contra a organização tirânica dos kolkhoses. Organização magnífica na teoria, se se considera apenas o rendimento da empresa, mas impossível de tornar aceitável a homens que têm consciência de não ser maquinas sem personalidade.

Para conseguir fazer viverem os homens numa estrita comunidade de bens, como nos institutos religiosos, a Igreja teve necessidade de impor, após um período mais ou menos longo de prova, votos ou promessas feitos por motivo de Religião, pelos quais eles se comprometem a praticar a pobreza, a castidade e a obediência, animados por um profundo senso de caridade, isto é, de amor a Deus sobre todas as coisas e de amor ao próximo para agradar a Deus.

Ora, a Igreja proclama que a vida religiosa não é feita para todos, mas somente para pessoas escolhidas por Deus, que lhes concede graças especiais. Como estamos longe dos sonhos desses teóricos que desejariam submeter todos os seres humanos ao modelo definido há não mais que um século pelo pensador materialista e ateu Karl Marx! A Igreja registrou nas primeiras décadas de sua vida a vã tentativa de um grupo de fiéis de Jerusalém, que tinham colocado seus bens em comum; Ela viu igualmente que o relaxamento numa ou noutra das três virtudes citadas mais acima podia em alguns anos acarretar a ruína dos institutos mais florescentes. Por isso, quando adverte contra as tentativas dos sistemas socialista ou comunista, a Igreja fala, não somente em nome dos princípios inequívocos, mas também como Mãe que quer fazer com que todos participem de sua experiência bimilenar.


VERDADES ESQUECIDAS

CORROMPE OS COSTUMES A IGUALDADE DE CLASSES

Santa Hildegarda

Perguntada por que só admitia em seu convento damas de alta linhagem, quando o Senhor se rodeara de gente humilde, escreveu Santa Hildegarda (da qual disse São Bernardo, seu contemporâneo: "Não se pode consentir em que tão esplêndido luzeiro permaneça oculto sob o alqueire"):

Deus vela junto de cada homem para que as classes baixas nunca se elevem sobre as altas, como fizeram outrora Satanás e o primeiro homem, que quiseram exaltar-se acima de seu próprio estado. E quem há que guarde num só estábulo todo o seu rebanho, bois e jumentos, ovelhas e carneiros? Por isso devemos velar por que o povo não se apresente todo misturado num só rebanho... De outro modo, produzir-se-ia horrorosa depravação dos costumes e todos se dilacerariam mutuamente, levados pelo ódio recíproco, ao ver corno as classes altas se rebaixariam ao nível das classes baixas, e estas se alçariam até a altura daquelas. Deus divide seu povo sobre a terra em diferentes classes, tal como no Céu classifica seus Anjos em diversos grupos.. . Porém Deus os ama a todos igualmente. — (Migne, Ser. lta., tomo 197, col. 336 — apud J. Bühler, "Vida y Cultura en la Edad Media", Fondo de Cultura Económica, Mexico, 1957, p. 104 ) .