MODERNISTAS
O ERRO INTERNO É SEMPRE MAIS PERIGOSO QUE O ERRO EXTERNO
(continuação)
afastar os obstáculos que lhes causam transtorno; depois, procurar, com cuidado, pôr em movimento, ativa e pacientemente, tudo que lhes possa ser útil".
"Os modernistas se apoderam das cátedras nos Seminários, nas Universidades, e as transformam em cátedras de pestilência. Disfarçadas talvez, suas doutrinas são semeadas por eles do alto dos púlpitos sagrados; professam-nas abertamente nos congressos; fazem-nas penetrar e as põem em voga nas instituições sociais. Sob seu próprio nome, sob pseudônimos, publicam livros, jornais, revistas. O mesmo escritor multiplicará seus pseudônimos, para melhor iludir, pela multidão simulada dos autores, o leitor imprudente. Em uma palavra, ação, discursos, escritos, nada há que não ponham em jogo, e, verdadeiramente, dir-se-ia que estão dominados por uma espécie de frenesi. O fruto de tudo isto? Nosso coração se sente apertado ao ver absolutamente transviados tantos jovens que eram a esperança da Igreja, e que Lhe prometiam tão bons serviços. Outro espetáculo ainda Nos contrista: é que tantos outros católicos, não indo certamente tão longe, entretanto têm tomado o hábito, como se tivessem respirado um ar contaminado, de pensar, de falar e de escrever com mais liberdade do que convém a católicos".
PERSEGUIÇÃO ENCARNIÇADA AOS VERDADEIROS CATÓLICOS
"Enfim, os modernistas se empenham em minimalizar o Magistério eclesiástico, e em lhe enfraquecer a autoridade, seja desnaturando sacrilegamente sua origem, seu caráter e seus direitos, seja reeditando contra ele, do modo mais livre do mundo, as calúnias dos adversários. Ao clã modernista se aplica o que Nosso Predecessor Leão XIII escrevia, com dor na alma: A fim de atrair o desprezo e o ódio sobre a Esposa mística de Cristo, na qual está a verdadeira luz, os filhos das trevas têm o hábito de Lhe atirar, à vista dos povos, uma calúnia pérfida. Invertendo a noção e o valor das coisas e das palavras, representam-na como amiga das trevas, fautora da ignorância, inimiga da luz, da ciência e do progresso. Depois disto, não há motivo para que alguém se espante se os modernistas perseguem com toda a sua malevolência, com toda a sua acrimônia, os católicos que lutam vigorosamente pela Igreja. Não há espécie de injúrias que não vomitem contra eles: a de serem ignorantes e obstinados é a preferida. Se se trata de adversário temível por sua erudição e vigor de espírito, os modernistas procuram reduzi-lo à impotência, organizando em torno dele a conspiração do silêncio. Conduta tanto mais censurável quanto, ao mesmo tempo, sem fim nem medida, esmagam sob seus elogios quem se coloca de seu lado. Quando aparece um trabalho, desde que por todos os poros se deixe notar nele o desejo das novidades, os modernistas o acolhem com aplausos e exclamações de admiração. Quanto mais um autor tiver mostrado audácia em atacar o venerável edifício da antiguidade, em solapar a tradição e o Magistério eclesiástico, tanto mais será tido por sábio. Enfim - isto é verdadeiro motivo de horror - se acontece que algum deles seja atingido pelas condenações da Igreja, os outros imediatamente se reúnem ao seu redor, para o cumular de elogios públicos, para o venerar quase como um mártir da verdade. Os jovens, aturdidos e perturbados pelo ruído de todos esses louvores e pelo estrépito de todas essas injúrias, acabam, por medo do qualificativo de ignorantes, e pela ambição do título de sábios, ao mesmo tempo que sob o aguilhão interior da curiosidade e do orgulho, por ceder à corrente e se atirar no modernismo".
FATO DE APARÊNCIA ESTRANHÍSSIMA
Com essas citações, concluímos a descrição do perfil moral do modernista, e dos seus métodos de ação, segundo a Encíclica "Pascendi". Em nosso artigo de setembro, enunciamos em rápidas linhas a doutrina modernista, ainda conforme a magnífica exposição daquele documento pontifício. Por esta forma, rendemos ao imortal Pontífice Pio X nossa homenagem, cheia de gratidão, pelos benefícios que prestou à Santa Igreja ferindo gravemente, com intrepidez angélica, este terrível inimigo da Religião Católica.
Nossa insistência a este respeito foi motivada por uma circunstância especial. Hoje em dia, para o comum dos fiéis, mesmo para os de alguma cultura religiosa, o erro só pode existir fora da Igreja. Em outros termos, o erro é adotado pelos que professam religiões falsas, ou pelos que não professam nenhuma religião. Ele deve ser procurado e alvejado nas fileiras dos protestantes, dos espíritas, dos comunistas. Mas haveria perigo, haveria falta de caridade, haveria temeridade, em procurá-lo nas hostes católicas.
Nestas, pelo contrário, só a verdade poderia florescer. E a idéia de procurar algum erro de doutrina em obras de escritores católicos, poderia parecer, a esse público, singular, estranha, nascida de suspicácias infundadas e antipatias pessoais.
Na realidade, vimos como São Pio X nos mostra a existência, em seu tempo, de poderosa corrente de erros, vicejando no próprio seio da Santa Igreja, e não apenas nas seitas heréticas ou cismáticas, ou entre os racionalistas. Esta vasta coorte de católicos transviados, intimamente ligada aos adversários externos da Religião, estava, no tempo do Santo Papa, articulada de maneira a, protegida por uma falaciosa aparência de catolicidade, difundir o erro nas próprias fileiras católicas. Trabalho terrível de quinta coluna, que fazia com que o mal se apresentasse disfarçado sob o aspecto mais simpático e mais agradável. De onde se explica facilmente que tenham sido arrastadas pela voragem modernista tantas almas que teriam permanecido na verdade, e não teriam dado adesão aos erros desses hereges, se estes se mostrassem como inimigos declarados da Igreja.
A HISTÓRIA SE REPETE
É esta uma constante dentro da vida da Igreja. Com efeito, não é raro que, aparecendo uma heresia, seus fautores procurem, quanto podem, tomar aparência de ortodoxos, permanecendo durante o maior tempo possível nas fileiras católicas, para mais facilmente arrastar as almas. Em geral, é necessário um esforço terrível para que o erro seja apontado, caracterizado, reconhecido e expulso do redil. É o que atesta, por exemplo, a história do arianismo ou do pelagianismo. Mas, quando o erro é condenado, depois de um momento de tranquilidade reaparece, frequentemente, defendido por uma corrente, que de modo mais velado e moderado, procura ressuscitá-lo no próprio campo de que fora extirpado.
Assim, tivemos depois do arianismo o semi-arianismo, depois do pelagianismo o semipelagianismo, depois do protestantismo o jansenismo. Natural seria que depois de inteiramente condenado o racionalismo e o naturalismo, aparecesse entre os fiéis o modernismo.
EXEMPLO FRISANTE: O JANSENISMO
A este respeito, o exemplo dos jansenistas merece particular atenção.
Como se sabe, a corrente jansenista que se difundiu por toda a Europa nos séculos XVII, XVIII e, em certa medida, no século XIX, era, em essência, um calvinismo disfarçado. Seus partidários, homens muitas vezes insignes por sua erudição, tendo apoios e simpatias entre altos dignitários eclesiásticos, dispondo do apoio também de Chefes de Estado e de políticos eminentes, exímios na arte de esconder sob a aparência de austeridade, de zelo e de talento a peçonha dos erros, conseguiram perturbar durante séculos inteiros a vida da cristandade. Ocultando suas doutrinas heréticas sob uma linguagem agradável, atraíram a simpatia de pessoas que teriam horror a qualquer espécie de heresia. Foi necessária uma luta terrível para extirpar da Santa Igreja este veneno tremendo. E, em consequência dessa luta, se debilitaram as forças católicas, se aniquilaram energias que, com admirável eficácia, poderiam ter sido utilizadas no combate ao racionalismo. Mais ainda, os partidários da doutrina ortodoxa, muitas vezes desacreditados pelas calúnias jansenistas, ficaram na impossibilidade de prestar à Igreja todos os serviços que de outro modo lhe teriam podido prestar.
Com efeito, uma vez que tantos homens de austeridade eminente, de grande cultura, de posição social saliente, de largo prestígio nas cortes e nos ministérios, objeto da simpatia de autoridades eclesiásticas insignes, difundiam seus erros de modo velado, a posição dos que denunciavam tais erros não podia ser mais ingrata.
Era necessária muita subtileza para discernir o mal em meio a tantas aparências de bem. E por isto a impressão que davam os que procuravam atacar o erro de tal maneira oculto, era de que queriam apenas intrigar com a opinião pública varões eminentes.
Desta situação amarga, participou a própria Santa Sé. Várias vezes, os Romanos Pontífices denunciaram o erro. Mas, sempre, conseguiram os jansenistas, servidos por uma tática muito eficiente, fazer aceitar por numerosos fiéis a idéia de que essas condenações não passavam de atitudes políticas, tomadas sob a deplorável pressão de conjunturas humanas, e não atos de magistério movidos pelo puro zelo da causa de Deus. O que explicava que muitas pessoas, duvidando dos verdadeiros Pastores da Igreja e deitando toda a sua confiança nos lobos ocultos sob peles de ovelhas, se deixassem persuadir de que as disposições da Santa Sé a respeito do jansenismo não deviam em consciência ser aceitas pelos católicos.
A divisão que o jansenismo causou entre os fiéis, a dispersão de esforços, a confusão, favoreceram na realidade a Revolução Francesa. Outra poderia ter sido a reação dos católicos do século XVII e particularmente do século XVIII, se permanecessem unidos na verdadeira doutrina ortodoxa: teriam combatido de frente os erros monstruosos da Enciclopédia, que se prepararam, que se enunciaram, e que depois foram difundidos por toda a Europa. Tal não se deu. O enciclopedismo, encontrando nos próprios arraiais católicos o terreno preparado pelos desvios do jansenismo, se propagou livremente. E daí nasceu o terrível cataclismo que foi a Revolução Francesa.
Este aspecto do quadro ideológico e político do século XVIII merece particular atenção. Costumam os historiadores afirmar simplesmente que o enciclopedismo, servido por escritores eminentes, de grande talento, conseguiu conquistar a Europa. Seria o caso de perguntar porque esta conquista não encontrou reação, ou porque a reação oposta à conquista foi tão fraca, que praticamente não pôde evitar o mal. A debilidade dessa reação foi devida, em grande parte, à circunstância já apontada: a desordem imensa introduzida nas fileiras católicas pelo jansenismo, o prejuízo causado à vitalidade da Igreja pela difusão, em seu seio, de uma heresia tão perigosa.
ATUALIDADE DO TEMA
O modernismo foi condenado há cinquenta anos atrás. A atualidade do exemplo histórico que acabamos de evocar, entretanto, ainda é grande.
Se compulsamos os documentos do Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, não é raro encontrarmos neles alusões paternalmente tristes e severas, a respeito de erros que circulam entre os fiéis. Estes erros podem renovar nas hostes católicas todos os inconvenientes que produziram, no começo deste século, sob a forma do modernismo, ou anteriormente, sob a forma do jansenismo.
Nós mesmos nos encontramos, também, nas vésperas de um imenso cataclismo, a cuja iminência é inútil fechar os olhos. É evidente que a crise comunista, provocada no mundo inteiro não só pelas manobras de Moscou, como ainda, e principalmente, pela lenta mas universal socialização do Ocidente, coloca a civilização cristã na situação mais perigosa que ela jamais conheceu desde que o Edito de Milão deu liberdade à Igreja.
Nessas condições, importa soberanamente que todos os católicos, atentos à grande voz e ao grande exemplo do Papa Pio X, que Pio XII elevou à honra dos altares para nos servir de intercessor e de luz, saibam orientar-se quanto ao dever da hora presente.
Este dever consiste, certamente, em combater os inimigos externos da Igreja com todo o zelo e com todo o afã. Mas ele não pára aí. Também consiste em ter os olhos voltados para os problemas internos da Santa Igreja de Deus, com a convicção de que eles podem constituir embaraço dos maiores, e com uma franca compreensão para com aqueles que, de modo todo particular, [se] dedicam à análise e à solução desses problemas.
Quantas e quantas vezes, ao percorrerem os vários números desta folha, leitores houve que fizeram a pergunta: por que combater erros existentes entre fiéis, quando há tantos outros fora das fileiras católicas, mais claros, e portanto mais perigosos, a serem combatidos? A esta pergunta tão frequente a Encíclica "Pascendi" oferece magnífica resposta: o erro interno é sempre mais perigoso que o erro externo, a divisão das forças é sempre mais perigosa que qualquer adversário. E para fazer cessar a divisão das forças, o essencial é que todos lutem em torno de uma só bandeira. O essencial é que tenham todos a mesma doutrina. O essencial é que a circulação sub-reptícia do erro não divida os espíritos, não divida os corações, não divida as energias.
O modo verdadeiro de realizar a união entre os católicos não consiste em calar diante do erro que possa serpear dentro do redil. A tática acertada consiste em combater de frente tal erro, para que, unidos todos os católicos em torno de um mesmo ideal, sob a autoridade suprema e amorosa do Romano Pontífice, guiados pelos seus Bispos e legítimos Pastores, possam manter acesa e finalmente vitoriosa a grande luta do século XX pelo triunfo da Igreja, da civilização cristã, contra o materialismo, o panteísmo, a irreligião, bem como o socialismo, o comunismo, e todas as formas da Revolução.
( 1 ) Os primeiros artigos desta série foram publicados nos números de setembro e outubro p.p., sob os títulos de "O cinquentenário da Pascendi" e "Por orgulho repelem toda sujeição".
( 2 ) Todas as citações do presente trabalho são extraídas do texto da Encíclica "Pascendi Dominici Gregis", de 8 de setembro de 1907, publicado em francês no volume III dos "Atos de Pio X", edição da Bonne Presse, Paris.
Texto das Constituições da Companhia de Jesus, com correções do próprio punho de Santo Inácio: capítulo IV do Examen Generale, que trata da obediência.
DISCURSO DO SOBERANO PONTÍFICE AOS PADRES DA COMPANHIA DE JESUS
Na manhã de 17 de setembro, o Santo Padre Pio XII recebeu em audiência especial em Castelgandolfo os 185 Religiosos que participam da Congregação Geral da Companhia de Jesus, cujas reuniões se haviam iniciado em Roma, no dia 13 do mesmo mês.
Exprimindo-se em latim, Sua Santidade pronunciou importante discurso, que traduzimos do texto publicado em francês na edição hebdomadária do "Osservatore Romano" de 27 de setembro último. Algumas citações em latim foram colhidas na divulgação feita pelo semanário católico inglês "The Tablet" do dia 21 do mesmo mês. Os subtítulos são desta redação.
Foram as seguintes as veneráveis palavras do Sumo Pontífice:
A OBEDIÊNCIA AO PAPA, GLÓRIA DA COMPANHIA
É com o coração paternal e jubiloso que recebemos a todos vós, caros filhos, que, reunidos em Nossa Cidade, representais diante de Nós toda a Companhia de Jesus; e auguramos a vossos trabalhos as melhores bênçãos do Autor de todo o bem e de seu Espírito de Amor.
Vossa Companhia, cuja Formula ou Sumario da Regra vosso Pai e Legislador Inácio submeteu à aprovação de Nossos Predecessores Paulo III e Julio III, foi instituída a fim de combater "por Deus sob o estandarte da Cruz" e de servir "unicamente ao Senhor e à Igreja sua Esposa, sob o Pontífice Romano, Vigário de Cristo na terra" (Formula Instituti Societatis Iesu, n.1, na Carta Apostólica de Julio III "Exposcit debitum", de 21-VII-1550; Institutum S. I., Florença, 1892, vol. I, p. 23). Mais ainda, vosso Fundador quis que, além dos três votos ordinários de religião, vós estejais ligados por um voto especial de obediência ao Soberano Pontífice (1. c., p. 24); e nas célebres "Regras para entrar no espírito da Igreja", anexas ao pequeno livro dos Exercícios, ele vos recomenda acima de tudo que: "Rejeitando todo julgamento próprio, o espírito permaneça sempre disposto e pronto a obedecer à verdadeira Esposa de Cristo, nossa santa Mãe, que é a Igreja ortodoxa, católica e hierárquica"; e a antiga versão que vosso Pai Inácio usava pessoalmente acrescenta: "que é a Igreja Romana" (Reg. ad sent. cum Ecclesia, Reg. 1).
Entre as ações extraordinárias de vossos antigos Padres, de que vos ufanais por justo título e que procurais imitar, um traço que se distingue sem contestação é o fato de que vossa Companhia, mantendo uma adesão muito íntima à Cátedra de Pedro, esforçou-se sempre por conservar intacta, ensinar, defender e promover a doutrina proposta pelo Pontífice desta Sé, ao qual "todas as Igrejas, isto é, todos os fiéis, sejam de onde forem, devem dirigir-se por causa de sua preeminência" (Santo Ireneu, Adv. Haer. 1. 3, c. 3; MG 7, 849 A); sem nada tolerar que saiba a novidade perigosa ou insuficientemente fundamentada (Coll. Decr., Decr. 102; Epit. Inst., n. 319).
Não é menor título de honra para vós o tender, em matéria de disciplina eclesiástica, à perfeita obediência de execução, de vontade e de julgamento para com a Sé Apostólica, que tanto contribui "para ... uma direção mais segura pelo Espírito Santo" (Formula Instituti, in Litt. Apost. "Exposcit debitum"; Inst. S. I., 1. c., p. 24).
PERSEVERANÇA NO ESPÍRITO DO INSTITUTO
Esse título de honra, merecido pela retidão da doutrina e fidelidade na obediência devida ao Vigário de Cristo, que ninguém vo-lo arrebate; e que não haja lugar entre vós para um certo orgulho de livre exame, próprio a uma mentalidade antes heterodoxa do que católica, em consequência do qual não se hesita em submeter à avaliação do próprio julgamento até mesmo o que procede da Sé Apostólica; não se deve também tolerar a conivência com certos espíritos para os quais as regras da ação e o esforço para a salvação eterna devem decorrer daquilo que se faz e não daquilo que se deve fazer; que não mais se permita pensar e agir a seu modo àqueles a quem a disciplina eclesiástica parece uma coisa antiquada, um vão formalismo, como dizem, de que é preciso desvencilhar-se com desenvoltura, para servir à verdade. Se, com efeito, essa mentalidade, tomada de empréstimo a meios descrentes, se espalhasse livremente em vossas fileiras, não se encontrariam de pronto entre vós filhos indignos, infiéis a vosso Pai Inácio, e que seria preciso cortar imediatamente do corpo de vossa Companhia?
A obediência absolutamente perfeita foi desde os primórdios o sinal distintivo dos que combatem por Deus em vossa Companhia. Vosso Fundador teve mesmo a ousadia de dizer: "Conformemo-nos sem muita dificuldade com que outras Ordens Religiosas nos superem em jejuns e vigílias, e nas outras austeridades da alimentação e do regime de vida, que cada uma delas pratica santamente segundo a própria Regra; mas quanto à verdadeira e perfeita obediência, à abnegação da vontade e do julgamento, desejo no mais alto grau ... que todos os que servem a Deus Nosso Senhor nesta Companhia sejam os que mais se destacam..." (Epit. de virtute Obedientiae, n. 3). Quão cara foi sempre à Igreja a obediência inteira e pronta aos Superiores Religiosos, a fiel observância da disciplina regular, a humilde submissão, que chega ao próprio entendimento, àqueles que o Vigário de Cristo quis que vos governem, segundo vosso Instituto aprovado tão frequente e solenemente por Ele próprio e seus Predecessores! É realmente conforme ao senso católico essa virtude, sancionada, com aprovação da Sé Apostólica, pela tradição continua das antigas e veneráveis famílias religiosas, e cuja descrição Santo Inácio vos deixou na célebre "Carta sobre a virtude da Obediência". Constitui erro inteiramente afastado da verdade pensar que a doutrina dessa Carta deva ser daqui por diante abandonada e que se deva substituir à obediência hierárquica e religiosa uma certa igualdade democrática (democraticam aliquam aequalitatem) segundo a qual o inferior debateria com o Superior acerca do que se deve fazer, até que um e outro entrem em acordo.
FUNDAMENTALMENTE ANTILIBERAL O ESPÍRITO INACIANO
Contra o espírito de orgulho e independência de que muitos estão atingidos em nossa época, é necessário que conserveis intacta a virtude da verdadeira humildade, que vos torna amáveis a Deus e aos homens (cf. Const. S. I., p. IX, c. 2, n. 2); a virtude da abnegação universal, pela qual vos mostreis discípulos dAquele que "Se fez obediente até a morte" (Phil. 2, 8). Seria digno de Cristo, seu Chefe, quem, fugindo à austeridade da vida religiosa, procurasse viver em religião como se fosse um secular, que escolhe a seu gosto o que lhe é útil, o que lhe agrada e sorri? Saibam, quantos pretendem, sob a vã e já surrada pecha de formalismo, destruir a disciplina religiosa, que vão contra os desejos e sentimentos desta Sé Apostólica, e que se deixam iludir quando apelam para a lei da caridade para encobrir uma falsa liberdade alforriada do jugo da obediência: que espécie de caridade seria de fato esta, que negligenciaria a satisfação da vontade de Deus Nosso Senhor que eles fizeram voto de realizar na vida religiosa?
É esta disciplina severa, honra e força de vossa Ordem, que vos conservará, hoje ainda, prontos e disponíveis para os combates do Senhor e o apostolado moderno.
BONDADE, SIM, MAS FIRMEZA TAMBÉM
Grave dever incumbe a este respeito a todos os Superiores de vossa Ordem, quer se trate do Geral, do Provincial ou do Superior local. Devem eles saber "mandar com modéstia e discrição" (cf. Reg. Provincialis, 4); sim, com discrição e modéstia, como convém a pastores de almas, revestindo-se da bondade, doçura e caridade de Cristo Nosso Senhor (cf. Reg. Provincialis, 3), mas "mandar" efetivamente, e firmemente se necessário, "combinando segundo as circunstancias a severidade com a bondade", como quem deve prestar a Deus contas das almas de seus súditos, e de seu progresso na aquisição da virtude. Embora vossas Regras, de acordo com a sabia prescrição do Fundador, não obriguem os súditos sob pena de pecado (Const., p. VI, c. 5), os Superiores estão contudo obrigados a fazê-las observar, e não poderiam, sem incorrer em falta, deixar que se negligencie a disciplina religiosa um pouco por toda parte. A semelhança de um bom pai, manifestem a seus subordinados a confiança que é conveniente depositar nos filhos, mas, ao mesmo tempo, velem atentamente
(continua)