A admirável seiva católica da Hungria não desapareceu. Ela vive particularmente na pessoa augusta do Emmo. Cardeal Joseph Mindszenty. Arcebispo-Príncipe de Esztergom, reverenciado por todo o orbe como a personificação do heroísmo cristão dos magiares. — Vemo-lo aqui, em seu palácio semi destruído, ao retirar-se de uma manifestação que o povo de Budapest lhe fez logo após sua libertação, durante a revolta de há um ano atrás.
Quando Uma dinastia de Santos governava a Hungria
Carlos Alberto de Sá Moreira
Em artigo anterior (1) focalizamos alguns traços das vidas edificantes dos filhos, irmãos e tios de Santa Isabel da Hungria, que nos mostraram a admirável florescência do Catolicismo durante a Idade Média.
Realmente, Santa Isabel não foi uma figura isolada: nascida da ilustre dinastia de Arpad, glória da Igreja e da nação húngara, descendente de três Reis elevados à honra dos altares, influenciou ela profundamente a sua época, e foram inúmeras as almas que, estimuladas por seu exemplo, abraçaram a via da perfeição cristã.
Narraremos aqui alguns episódios das biografias de suas sobrinhas e sobrinhas-netas, imitadoras de suas virtudes e continuadoras de sua obra, e que constituem por isso outros tantos florões de sua coroa de gloria.
AO DESPERTAR, VIA EM PRIMEIRO LUGAR A CRUZ
Quando os mongóis invadiram a Hungria no século XIII, o Rei Bela IV, irmão de Santa Isabel, foi obrigado a se refugiar no extremo sul do país, numa estreita faixa de terra banhada pelo Mar Adriático. Desprovido de recursos para enfrentar os invasores, e na iminência de ser por eles impelido até o mar, teve nesta contingência desesperadora a alegria de ver nascer uma filha, à qual chamou Margarida.
Ora, a mãe, a Rainha Maria, havia feito o voto de consagrar a Deus, como vítima propiciatória, a criança que esperava, a fim de que a Divina Providência acudisse em defesa da Hungria. O voto foi atendido: pouco após o nascimento da menina, os mongóis se retiraram e voltaram para a Ásia, deixando atrás de si um reino de escombros, que o Rei Bela, através de alguns anos de sábio governo, iria reerguer.
Para cumprir a promessa, os pais fizeram Margarida entrar, com três anos e meio de idade, num convento de Monjas Dominicanas. Aos doze anos ela recebeu o véu, e viveu reclusa até morrer, com 27 anos, em 1279.
Isolada do mundo, a fama de sua caridade para com os pobres e doentes que acorriam ao seu mosteiro fê-la querida de todo o povo. Tal era a graça, o encanto e o tacto com que ela os tratava, que durante muito tempo na Hungria se dizia, para designar alguma atitude desajeitada ou ríspida: "Bem se vê que não é à maneira da Irmã Margarida..."
Sua piedade e devoção para com a Santíssima Virgem era imensa. Sempre que se referia a Nossa Senhora, acrescentava: "Mãe de Deus e minha esperança". A cruz enchia-a de amor: quando a viu pela primeira vez, aos quatro anos, e soube que nela o Filho de Deus havia sofrido pela salvação dos homens, abraçou-a e beijou-a cheia de afeto. Desde então nunca passava por uma cruz sem se ajoelhar; e ao adormecer colocava um crucifixo sobre as pálpebras, para que ao acordar fosse esse o primeiro objeto que seus olhos contemplassem.
O dom dos milagres, que Deus lhe deu em vida, continuou a manifestar-se após sua morte. Em 1944 o Santo Padre Pio XII canonizou-a, declarando: "O desprezo das grandezas humanas e das comodidades materiais não é, em Margarida, filha de Rei, uma grande lição para almas de ascendência menos alta que a sua? Quem ousaria afirmar que o mundo não tinha então necessidade, que hoje não tem mais necessidade de uma tal lição, — que o faça enrubescer, envergonhar-se do culto imoderado da carne, da sede dos prazeres, da imodéstia nos trajes, da procura da estima e dos louvores?"
AS PRINCESAS PREFERIRAM O VÉU DE CLARISSAS
As irmãs de Santa Margarida trilharam o mesmo caminho de santidade. Cunegundes, casada com o Duque Boleslau da Polônia, fez com ele voto solene e público de castidade perpétua, cumprido durante quarenta anos de matrimônio. Tendo enviuvado em 1279, entrou na Ordem Franciscana, na qual viveu mais treze anos praticando austeridades admiráveis. Suas irmãs, Iolanda e Constancia, ingressaram com ela no mesmo convento.
O povo polonês considerou-a sempre como santa e protetora do país, invocando-a ao mesmo tempo que a Santíssima Virgem e Santa Clara. Seu culto foi aprovado pela Igreja, e Cunegundes proclamada, oficialmente, padroeira da Polônia e da Lituânia.
DESMAIOU AO RENUNCIAR AO NOIVO E À COROA
O último Rei da dinastia de Arpad, André III, foi assassinado em 1301. Para suceder-lhe na coroa, deixou somente uma filha, chamada Isabel. Mas o Príncipe Carlos Roberto de Anjou, que tinha direitos ao trono, inferiores aos dela, foi aclamado Rei pela nobreza — e Isabel foi presa, com sua madrasta, no castelo real de Buda. Libertadas ambas por intercessão da Áustria, a menina foi então prometida em casamento ao Duque Henrique de Habsburgo.
Alguns anos depois, sua madrasta foi obrigada a mudar-se para a Suíça. Levou consigo a enteada; e tendo decidido ingressar na vida religiosa, obrigou a menina, de quinze anos, a fazer o mesmo, deixando-lhe apenas liberdade para escolher o convento. Isabel docilmente se submeteu e entrou como noviça dominicana em Toess.
Com isto não se conformou seu noivo, o Duque Henrique, que após muito procurá-la descobriu seu paradeiro e veio buscá-la para casar-se com ele. Movido pela rara beleza da jovem e pela lembrança de seus direitos à coroa da Hungria, que poderiam a qualquer momento ser reivindicados, o Príncipe implorou, suplicou, ameaçou, chegou a arrancar o véu da noviça e pisá-lo no chão. Isabel pediu algum tempo para refletir, e foi rezar diante do Santíssimo Sacramento.
Ali foi violentamente tentada a renunciar àquela vocação que lhe fora imposta à força, a casar-se com o pretendente que a amava, e a voltar à pátria, para fazer valer seus direitos e reinar. Mas neste momento Nosso Senhor falou-lhe à alma, e pediu-lhe que se fizesse pobre e esquecida por seu amor, como Ele havia vivido esquecido e pobre por ela.
E diante de Isabel os dois caminhos se abriram: de um lado, o casamento e a coroa, e a vida feliz junto ao seu povo; de outro lado, o convento austero, o isolamento no estrangeiro, esquecida pelos seus. A luta interior foi tão atroz que Isabel desmaiou, deitando sangue pela boca e pelo nariz.
Ao voltar a si, mandou avisar ao Duque que seria fiel ao seu voto. E o foi durante 28 anos de vida mortificada e reclusa, consagrada somente a Deus.
A CRUZ DE NUNCA SER PROCURADA POR NINGUEM .. .
Esquecida de seu sangue real, Isabel nunca se dispensou das obrigações mais humildes da vida conventual. Passava a maior parte do tempo fiando e tecendo, quando não se recolhia em oração. Cumpria estritamente a regra do silencio, que lhe custava grande sacrifício.
Mas o que mais lhe doía era ver-se inteiramente esquecida de sua madrasta, de seus parentes, que nunca mais se interessaram por ela, e até mesmo dos húngaros, dos quais poderia ser a soberana legítima. Certa vez um confessor grosseiro, ao saber que ela era natural de Buda, disse-lhe: "Então deves ser bem miserável, para teres vindo de tão longe e viveres tão só..." Chorando, a Princesa retirou-se à capela consagrada a sua santa tia, e rezou-lhe dizendo: "É preciso que eu envie antecipadamente para a vida futura, pela oração e pelas lágrimas, algumas provisões que lá encontrarei quando chegar".
Após uma doença cruel que lhe tolheu todo movimento, Isabel faleceu aos 45 anos. Em seu leito de morte, vendo o céu pela janela entreaberta de sua cela, exclamou: "Senhor Deus, meu Criador e meu Salvador, recebei-me na pátria eterna, e levai em conta o grande sofrimento que suportei por nunca mais ter visto nenhum parente, nenhum compatriota, desde que, pequenina, deixei meu país..."
Resta-nos falar de Santa Isabel de Portugal, derradeira flor de santidade desta gloriosa família. Pelos laços que a unem a nosso povo, queremos dedicar-lhe todo um próximo artigo.
(1) "Idade Média, a doce primavera da fé", "Catolicismo", n.° 80, de agosto de 1957.
VERDADES ESQUECIDAS
Quem cumpre as obras de Satanás é Demônio
Da vida de São Bernardino de Siena:
Teve então a idéia singular de anunciar aos perusinos que, em pouco tempo, mostrar-lhes-ia o demônio. A curiosidade, excitada, atrai um auditório mais numeroso ainda. Passados alguns dias, diz ele: “Vou cumprir minha promessa e não é somente um demônio, mas vários que vou mostrar-vos”. E como estavam todos atentos e ansiosos, continuou: "Olhai-vos, pois, uns aos outros, e vereis demônios! Não sois, então, demônios, vós que cumpris as obras de Satanás?" Em seguida, e num tom de gravidade que excluía toda possibilidade de considerar suas palavras como gracejo, traçou um quadro severo e patético de todos os vícios que imperavam na cidade e os conjurou a renunciar às obras de Satanás. - ("Um pregador popular na Itália da Renascença: São Bernardino de Sena" Paulo Thureau-Dangin, Editora Vozes, p. 87 ).