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CANUNT ANGELI

FATIMA RENOVA NO MUNDO AS ALEGRIAS DO PRIMEIRO NATAL

(continuação)

consciente instrumento do opressor para iludir os judeus com as aparências de uma realeza vã. Os sacerdotes eram, no que diz respeito ao espírito de fé, à sinceridade e ao desprendimento, a ralé da Sinagoga. A casa real de David vivia desprezada e na maior obscuridade. Os justos eram os "marginais" dessa ordem de coisas tão fundamentalmente má que acabou por excluir de si e reatar o Justo. Então, o que mais? Era o fim.

"A luz brilhou nas trevas"

Pois foi nas trevas deste fim que, quando menos se pensava, e onde menos se esperava, uma luz muito pura se acendeu. Nesta luz havia o anúncio da hora da Encarnação, a promessa implícita da Redenção tão esperada, e da nova era que começou para o mundo com o incêndio de Pentecostes. É o esplendor desta luz inaugurando nas trevas uma aurora que triunfalmente se transformou em dia, é o cântico de surpresa e esperança diante dessa renovação sobrenatural, o anelo e o antegosto de uma ordem nova baseada na fé e na virtude, que os fiéis de todos os séculos se comprazem em considerar, quando seus olhos se detêm no Menino-Deus, deitado na manjedoura, a sorrir enternecido para a Virgem-Mãe e seu castíssimo Esposo.

Frisante analogia

Também hoje, uma imensa opressão pesa sobre nós. É inútil tentar disfarçar a gravidade da hora, pondo em ação as castanholas e os pandeiros de um otimismo já agora sem repercussão. Com a única diferença de que temos em nossos dias a Santa Igreja, a situação do mundo é terrivelmente parecida com a do tempo em que ocorreu o primeiro Natal.

Também entre nós, o comunismo marca um fim. É o epílogo da decadência religiosa e moral iniciada com o protestantismo no século XVI. Nesse epílogo se esvai o mundo burguês, cada vez mais intoxicado de sincretismo, socialismo e sensualidade. E, como se isto não bastasse, a Rússia acelera este processo de decadência, difundindo seus erros em todos os países.

Temos entre nós a Igreja, é verdade. Mas essa augusta e sobrenatural presença não salva senão na medida em que os homens lhe aceitam a influência. Se a repelem, estão por alguns aspectos mais expostos ao castigo do que os próprios pagãos. Os judeus tiveram entre eles o Homem-Deus. Rejeitaram-no e foram punidos por uma ruína mais terrível e muito mais próxima que a dos romanos.

Ora, qual é a situação da Igreja em nossos dias? Temos vontade de sorrir, e mais ainda de chorar, quando alguém nos diz pura e simplesmente que é boa.

É claro que, por alguns lados, essa situação pode ser dita boa. Mais ou menos como se poderia dizer no Domingo de Ramos que era grande o entusiasmo dos judeus para com Nosso Senhor.

Mas dizer que a situação da Igreja é boa hoje em dia, no conjunto de seus aspectos, e tomados na devida conta os fatores positivos e negativos, há nisto uma afronta à verdade.

Com efeito, só é boa para a Igreja a situação em que a cultura, as leis, as instituições, a vida doméstica e cotidiana dos particulares são conformes à Lei de Deus. Que tal não se dá hoje, nada é mais notório. Então, por que tapar o sol com uma peneira?

Que os bem-instalados possam desejar a duração desta lenta agonia, é compreensível. Também os micróbios, se pudessem pensar, prefeririam matar lentamente sua vítima, pois a agonia desta é a opulência deles e a morte dela será morte para eles também. Indivíduos que em geral não têm mérito para estar onde os ventos do caos os levaram, têm todas as razões para desejar que não volte a ordem: pois neste caso voltariam ao pó.

Mas eles próprios não podem escapar ao mal-estar profundo do momento que passa, e não podem deixar de estremecer com os relâmpagos que se desprendem, sempre mais freqüentes, da atmosfera saturada.

A voz de Fátima

No alto, porém, dessa montanha sagrada que é a Igreja, coroada pelo diadema régio com que lhe cingiu a fronte o Legado - tão querido dos brasileiros - que a piedade do imortal Pio XII para este ato constituiu, ergue-se a imagem maternal e melancólica de Nossa Senhora de Fátima.

E de lá partem para o mundo opresso as claridades de esperança que lhe veio trazer a Rainha do Universo, claridades que suscitam entre nós esperanças análogas às que a Boa Nova despertou na humanidade antiga. Análogas é dizer pouco. São claridades que brotam da Igreja, e, pois, de Jesus Cristo. Claridades que simplesmente prolongam e reafirmam as da primeira noite de Natal.

"Por fim meu Imaculado Coração triunfará", disse a Virgem em sua terceira aparição na Cova da Iria.

Oh neopaganismo, mil vezes pior que o paganismo antigo, teus dias estão contados. Cairá o poderio soviético, e ruirá também a influência da Revolução no Ocidente. Nossa Senhora o disse. E diante d’Ela são impotentes todos os grandes da terra e todos os príncipes das trevas.

O Triunfo do Imaculado Coração de Maria, o que pode ser, senão o Reinado da Santíssima Virgem, previsto por São Luis Maria Grignion de Montfort? E esse Reinado, o que pode ser, senão aquela era de virtude em que a humanidade, reconciliada com Deus, no regaço da Igreja, viverá na terra segundo a Lei, preparando-se para as glórias do Céu?

Neste conturbado ano de 1957, não pensemos em "sputniks" nem em bombas de hidrogênio, na noite de Natal, senão para confirmar nossa convicção de que Jesus Cristo venceu para todo o sempre o demônio, o mundo e a carne, e prepara dias da mais alta glória para sua Mãe Imaculada, que resplandecerão depois de Provas terríveis.

 

Nossa 1a. página

* Clichê: Anjo Gabriel - Igreja de Saint-Pierre de Chauvigny

* Título: "Hoje na terra cantam os Anjos, rejubilam os Arcanjos, hoje exultam os justos" - Antífona das segundas vésperas do Natal"


NOTA INTERNACIONAL

Os EE.UU. é a liderança da reação anticomunista

Adolpho Lindenberg

Comentamos várias vezes, nesta Nota, o fato de que os Estados Unidos, apesar de seu liberalismo, de seu isolacionismo, de sua falta de unidade ideológica e cultural, e de sua pobreza em ideais, eram a única nação que se opunha com certa energia ao insaciável expansionismo da Rússia soviética. Os países europeus, como que cansados de lutas e de guerras, e corroídos internamente pela ação de movimentos socialistas e comunistas, deixaram-se dominar pelo derrotismo, pela apatia e por toda sorte de complexos de inferioridade. Enquanto a Rússia e os Estados Unidos se apresentavam cheios de força, combativos, otimistas, capazes de despertar o entusiasmo de sua juventude, a atitude dos outrora grandes baluartes do Ocidente se poderia resumir assim: desânimo, desencanto, sentimento de inferioridade, indecisão.

Nestes últimos tempos - a partir do ano passado, para sermos mais exatos - a situação vem se modificando. O mesmo estado de espírito que notávamos na Europa, começou a se manifestar também nos Estados Unidos, através de impressionante série de insucessos. Entre estes há, por certo, alguns sem maiores consequências, outros, obra do acaso, outros, ainda, passiveis de serem reparados, mas nem por isso o conjunto parece menos significativo. Vejamos muito rapidamente alguns dos principais infortúnios que - com ou sem culpa das autoridades e do povo - têm pontilhado nestes últimos tempos a crônica daquela poderosa nação:

1. O governo "yankee" sacrificou a amizade da Inglaterra e da França para não perder a do Egito. E acabou por ver o Egito, juntamente com a Síria, se transformar em cunha da Rússia no Oriente Médio.

2. O Presidente Eisenhower, general cheio de glorias e de otimismo, tornou-se um ancião doente, cansado e desiludido. O Secretário de Estado foi atingido por uma grave moléstia, e sua pequena capacidade de conceber e expor planos de ação está se reduzindo ainda mais.

8. A expansão soviética no Extremo Oriente se acelerou. Os comunistas alcançaram grande êxito nas eleições da Indonésia, um ditador anti-americano se apossou do governo da Tailândia, o Presidente filipino anti- comunista morreu em um desastre de aviação, e no Japão uma sucessão de incidentes está criando seria animosidade em relação aos norte-americanos.

4. Os russos ganharam pela primeira vez as Olimpíadas.

5. Washington proclamou por toda parte que lançaria um satélite de 10 kg. Os soviéticos, sem alarde prévio, lançaram dois satélites, um dos quais pesa 500 kg. O maior avião-transporte a jato do mundo foi fabricado na Rússia e em sua viagem inaugural voou de Moscou a Nova York.

6. Os russos anunciaram ter construído um projétil balístico intercontinental e o erigiram em excelente instrumento de propaganda e de ameaça. Os norte-americanos, com uma riqueza de pormenores inteiramente desnecessária, não fazem outra coisa senão relatar seus malogros técnicos e suas rivalidades internas.

7. O desinteresse para com a América Latina, tradicional na política exterior do Partido Republicano, foi coroado há pouco pelo fracasso, por todos atribuído aos delegados "yankees", da recente conferencia de Buenos Aires.

Enquanto essa aura muito real de insucessos ameaça envolver todas as atividades dos norte-americanos, afastando seus amigos ou provocando desalento entre estes, com os russos parece ocorrer exatamente o contrário: todo o mundo começa a louvar seus cientistas, a considerar comprovado o poderio de suas forças armadas e até a julgar Kruchev, não mais um histrião ou um ditador façanhudo, mas um rude e poderoso político, pitoresco e - por que não ? - até simpático.

Se é este o quadro atual da guerra fria, e suposto que sua ulterior evolução se faça no sentido de nova serie de êxitos russos e reveses norte-americanos, dever-se-á recear uma progressiva falta de entusiasmo e dinamismo nas hostes anticomunistas? E, em consequência, estará a guerra fria fadada a ser vencida pela Rússia?

Para responder a essa pergunta é necessário fazer uma distinção: a reação mundial contra o marxismo tem sido liderada pelos Estados Unidos, não porque sejam eles o que há de mais avesso àquela doutrina, mas por serem os mais poderosos entre seus adversários. Mas a luta tem um núcleo ideológico, que é representado por aqueles que, em todas as nações, se opõem aos russos e a seus satélites por uma incompatibilidade de princípios e de ideais, como nós católicos, como os chineses de Formosa, como os poloneses do exército de libertação, como os povos subjugados pelos comunistas. Ai não se notam sinais de desalento ou derrotismo, muito pelo contrário. Os húngaros bem o demonstraram. Quanto maior for o poderio russo, maior será o desejo de lutar desses anticomunistas, maior será seu entusiasmo, mais intenso seu ódio ao erro marxista.

Esses autênticos e indefectíveis inimigos do comunismo, se bem que existentes em todos os países, constituem uma minoria, uma força que não pode ser comparada nem com a Rússia, nem com os Estados Unidos. Seu idealismo, sua combatividade e seu dinamismo, porém, fazem-nos capazes de, no decorrer de uma guerra, infundir aos exércitos ocidentais aquele entusiasmo e aquele vigor de alma que estes, hoje em dia, parecem prestes a perder de todo.

É uma força potencial, depende de um conflito para poder se manifestar em toda a sua grandeza. As tropas soviéticas de ocupação, de um lado, e a política frouxa e débil das chamadas nações livres, de outro, impedem que esses anticomunistas de todo o mundo se reúnam em movimentos e partidos capazes de exprimir e realizar seus ideais.

Peçamos a Deus que dê ânimo, e meios de vencer, a todos os que se opõem ao expansionismo soviético por amor a valores espirituais incompatíveis com os erros marxistas, e façamos votos de que os norte-americanos e seus aliados, premidos pelas circunstancias, vão haurir junto deles o dinamismo e o "élan" de que tanto necessitam.


O Santo Padre Pio XII, logo após sua eleição. Desde o inicio de seu Pontificado, Sua Santidade vem traçando normas admiráveis a respeito do apostolado dos leigos, analisando-o em todos os seus aspectos: em sua natureza e fins, em suas relações com a Sagrada Hierarquia, na estruturação de uma harmônica e fecunda colaboração entre as varias associações através das. quais ele se exerce. A monumental Constituição Apostólica "Bis Saeculari Die" como que compendiou os sábios ensinamentos do Vigário de Jesus Cristo, os quais chegaram a seu ponto culminante com a luminosa alocução que hoje publicamos.

Discurso do Soberano Pontífice aos participantes do II Congresso do Apostolado dos Leigos

No dia 5 de outubro o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, se dignou ministrar valiosíssimos ensinamentos e diretrizes aos membros do II Congresso Mundial do Apostolado dos Leigos, falando-lhes em francês na Basílica de São Pedro.

Do teor dessa monumental alocução, que terá as mais amplas e salutares repercussões nos rumos do apostolado dos leigos, transcrevemos a seguir importantes tópicos traduzidos do texto publicado na edição hebdomadária em francês do "Osservatore Romano" (ao qual também pertencem os subtítulos).

Depois de recordar as palavras que dirigiu ao I Congresso, realizado em 1951, disse o augusto Pontífice:

“Hoje contemplamos com júbilo a assembléia seleta que reúne, para este segundo Congresso Mundial, dois mil representantes vindos de mais de oitenta nações, e entre os quais se contam Cardeais, Bispos, Padres, leigos eminentes. Dirigimos-vos Nossa saudação paternal e cordial e vos felicitamos pelo trabalho considerável executado em alguns anos para realizar os objetivos que vos tinham sido fixados”. Sua Santidade alinhou, então, alguns dados concretos, relativos a essas atividades. E prosseguiu:

"Sem dúvida alguma, o primeiro Congresso Mundial do Apostolado dos Leigos foi como que um poderoso chamado, que provocou por toda parte múltiplos ecos. Ele incitou os católicos a considerar não somente os deveres para consigo mesmos, mas também os que têm para com a Igreja, para com a sociedade civil e toda a humanidade. Ressaltou com ênfase a importância do empenho pessoal dos leigos para assumir e conduzir a bons termos numerosas tarefas no domínio religioso, social e cultural. Fortaleceu assim neles o senso das próprias responsabilidades na sociedade moderna e a coragem de enfrentá-las, e contribuiu notavelmente para promover a colaboração e coordenação entre as diferentes formas de apostolado dos leigos.

Como tema do presente Congresso, que foi cuidadosamente preparado por teólogos e especialistas em questões sociais e internacionais, vós escolhestes: "Os leigos na crise do mundo moderno: responsabilidade e formação". Se, para atender ao vosso desejo, Nós vos dirigimos a palavra ao início de vosso Congresso, é com a intenção de completar o que dizíamos a seis anos, por meio de algumas observações a respeito dos princípios diretores do apostolado dos leigos e de certos pontos práticos, relativos à formação e à ação do apóstolo leigo.

I — ALGUNS ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO APOSTOLADO DOS LEIGOS

Hierarquia e apostolado

Tomaremos como ponto de partida destas considerações uma das questões destinadas a precisar a natureza do apostolado dos leigos: "O leigo incumbido de ensinar Religião com missio canônica, com o mandato eclesiástico de ensinar, e para o qual esse ensino constitui talvez até a única atividade profissional, não passa, por isso mesmo, do apostolado leigo ao apostolado hierárquico?"

Para responder a essa questão é necessário relembrar que Cristo confiou a seus Apóstolos um duplo poder: primeiro, o poder sacerdotal de consagrar, que foi conferido na plenitude a todos os Apóstolos; em segundo lugar, o de ensinar e governar, isto é, de comunicar aos homens, em nome de Deus, a verdade infalível que devem aceitar, e de fixar as normas que regulam a vida cristã.

Esses poderes dos Apóstolos passaram ao Papa e aos Bispos. Estes, pela ordenação sacerdotal, transmitem a outros, em medida determinada, o poder de consagrar, enquanto que o de ensinar e governar é próprio do Papa e dos Bispos.

Quando se fala de "apostolado hierárquico" e de "apostolado dos leigos", é preciso, pois, levar em conta uma dupla distinção: primeiro entre o Papa, os Bispos e os Padres de uma parte, e o conjunto do laicato de outra; depois, no próprio Clero, entre os que detêm na plenitude o poder de consagrar e de governar, e os outros Clérigos. Os primeiros (Papa, Bispos e Padres) pertencem necessariamente ao Clero; se um leigo fosse eleito Papa, não poderia aceitar a eleição senão no caso de ser apto a receber a ordenação e estar disposto a fazer-se ordenar; o poder de ensinar e governar, assim como o carisma da infalibilidade, lhe seriam concedidos desde o instante de sua aceitação, mesmo antes de sua ordenação.

Agora, para responder à questão formulada, importa considerar as duas distinções propostas. Trata-se, no caso presente, não do poder de ordem, mas do de ensinar. Deste, unicamente os detentores da autoridade eclesiástica são depositários. Os outros, Padres ou leigos, colaboram com eles na medida em que gozarem de sua confiança para ensinar fielmente e dirigir os fiéis (cfr. can. 1327 e 1328). Os Padres (que agem “vi muneris sacerdotalis”), e também os leigos, podem receber esse mandato, que, conforme o caso, pode ser o mesmo para ambos. Eles se distinguem entretanto pelo fato de que um é Padre, o outro é leigo, e de que, por consequência, o apostolado de um é sacerdotal, e o do outro é leigo. Quanto ao valor e eficácia do apostolado exercido pelo professor de Religião, dependem da capacidade de cada um e dos seus dons sobrenaturais. Os professores leigos, as Religiosas, os catequistas em país de missão, todos os que são incumbidos pela Igreja de ensinar as verdades da fé, podem, também eles, aplicar-se a si mesmos com justiça a palavra do Senhor: "Vós sois o sal da terra"; "vós sois a luz do mundo" (Mat. 5, 13-14).

É claro que o simples fiel pode propor-se - e é altamente desejável que se proponha - colaborar de maneira mais organizada com as autoridades eclesiásticas, ajudá-las mais eficazmente em seu labor apostólico. Ele se colocará então mais estreitamente sob a dependência da Hierarquia, única responsável diante de Deus pelo governo da Igreja. A aceitação, pelo leigo, de uma missão particular, de um mandato da Hierarquia, se o associa mais de perto à conquista espiritual do mundo, que a Igreja empreende sob a direção de seus Pastores, não basta para fazer dele um membro da Hierarquia, e dar-lhe os poderes de ordem e de jurisdição que permanecem intimamente ligados à recepção do sacramento da Ordem, em seus diversos graus.

Não consideramos até aqui as ordenações que precedem o Sacerdócio e que, na praxe atual da Igreja, não são conferidas senão como preparação à ordenação sacerdotal. O oficio ligado às Ordens menores é desde há muito tempo exercido por leigos. Sabemos que se pensa atualmente em introduzir uma ordem do Diaconato concebida como função eclesiástica independente do Sacerdócio. A idéia, pelo menos atualmente, não está ainda madura. Se ela assim se tornasse algum dia, em nada mudaria o que acabamos de dizer, a não ser em que esse Diaconato tomaria lugar com o Sacerdócio nas distinções que indicamos.

Responsabilidade dos leigos

Seria desconhecer a natureza real da Igreja e seu caráter social o distinguir nela um elemento puramente ativo, as autoridades eclesiásticas, e de outro lado um elemento puramente passivo, os leigos. Todos os membros da Igreja, como Nós mesmo o dissemos na Encíclica "Mystici Corporis Christi", são chamados a colaborar na edificação e aperfeiçoamento do Corpo Místico de Cristo (cfr. Acta Ap. Sedis, a. 35, 1943, p. 241). Todos são pessoas livres e devem pois ser ativos. Abusa-se por vezes do termo "emancipação dos leigos", quando utilizado num sentido que deforma o caráter verdadeiro das relações que existem entre a Igreja docente e a Igreja discente, entre Padres e leigos. A respeito destas últimas relações, constatemos simplesmente que as tarefas da Igreja são presentemente muito vastas para permitir que seus filhos se entreguem a disputas mesquinhas. Para respeitar a esfera de ação de cada um é suficiente que todos tenham bastante espírito de fé, de desinteresse, de estima e de confiança recíprocas. O respeito da dignidade do Padre foi sempre um dos traços mais típicos da comunidade cristã. De outro lado, o próprio leigo tem direitos, e o Padre por sua vez deve reconhecê-los

O leigo tem o direito de receber dos Sacerdotes todos os bens espirituais, a fim de realizar a salvação de sua alma e chegar à perfeição cristã (can. 87, 682): quando se trata dos direitos fundamentais do cristão, ele pode fazer valer suas exigências (can. 467, 1; 892, 1); é o sentido e o próprio fim de toda a vida da Igreja que estão aqui em jogo, assim como a responsabilidade, diante, de Deus, tanto do Padre quanto do leigo.

Provoca-se inevitavelmente um mal-estar quando não se presta atenção senão à função social. Esta não é um fim em si, nem em geral, nem na Igreja, pois decididamente é a comunidade que está ao serviço dos indivíduos, e não o contrário. Se a história mostra que, desde as origens da Igreja, os leigos tomavam parte na atividade que o Padre desenvolve no serviço da Igreja, é verdade que hoje mais do que nunca eles devem prestar essa colaboração com tanto maior fervor, "para a edificação do Corpo de Cristo" (Ef. 4, 12), em todas as formas de apostolado, em particular quando se trata de fazer penetrar o espírito cristão em toda a vida familiar, social, econômica e política.

Um dos motivos desse apelo ao laicato é sem dúvida a atual carência de Padres, mas mesmo no passado o Sacerdote contava com a colaboração dos leigos. Mencionamos somente a contribuição considerável que os mestres e mestras católicos, bem como as Religiosas, prestaram ao ensino da Religião, e em geral à educação cristã e formação da juventude, - pense-se, por exemplo, nas escolas católicas dos Estados Unidos. A Igreja se mostra reconhecida por isso: não era esse um complemento necessário do trabalho sacerdotal? É fato que a carência de Padres é hoje em dia particularmente sensível e ameaça tornar-se ainda mais; e aqui pensamos em particular nos imensos territórios da América Latina, cujos povos e Estados apresentam em nossa época um desenvolvimento rápido. O trabalho dos leigos é ali mais necessário.

Aliás, mesmo independentemente do número reduzido de Padres, as relações entre a Igreja e o mundo exigem a intervenção dos apóstolos leigos. A "consecratio mundi" é, em essência, obra dos próprios leigos, de homens que estão intimamente ligados à vida econômica e social, e participam do governo e das assembléias legislativas. Da mesma forma, as células católicas que se devem criar entre trabalhadores, em cada fábrica e em cada ambiente de trabalho, para reconduzir à Igreja os que dela se separaram, não podem ser constituídas senão pelos próprios trabalhadores.

Aplique a autoridade eclesiástica aqui também o princípio geral da ajuda subsidiaria e complementar: confiem-se ao leigo as tarefas que ele pode executar tão bem ou até melhor que o Padre, e, nos limites de sua função ou nos que o bem comum da Igreja estabelece, possa ele agir livremente e exercer sua responsabilidade.

Ademais, relembrar-se-á que a palavra do Senhor: "Dignus est .. . operarius mercede sua" (Luc. 10, 7), se aplica também a ele. Tem-Nos despertado frequentemente a atenção o ver relembrar, nos Congressos missionários do apostolado dos leigos, a obrigação de dar a esses colaboradores o salário que lhes é devido; o catequista é muitas vezes ocupado completamente por seu encargo missionário e consequentemente ele próprio e sua família dependem para viver do que a Igreja lhes dá. Por

(continua)