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No Colégio de Winchester - a mais antiga "public school" inglesa, fundada em 1382 - os alunos, com pitorescas palhetas, já em uso no início deste século, se encaminham para as salas de aula. Longe de se aviltar com uma proletarização demagógica, o ensino na Inglaterra procurou sempre utilizar a tradição como um dos melhores meios para a formação de elites. Foi o que tornou possível o florescimento da célebre escola de homens públicos britânicos que o mundo inteiro admira e inveja. O Brasil, presa há tantos anos da mais grosseira demagogia, corre o risco de ter seu pobre ensino secundário ainda mais desfigurado por nova reforma igualitária.

PROLETARIZAÇÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO

Cunha Alvarenga

Os meios educacionais do Brasil se agitam em torno da reforma do ensino secundário. Multiplicam-se as entrevistas, os artigos de jornais, e até mesmo livros surgem para debater o problema. E em que pese aos acomodatícios e amigos de panos quentes, a discussão cada vez mais toma o aspecto polêmico.

É comum, em certos congressos que hoje se realizam para debater este ou aquele problema, a proibição de discutir princípios, o que nos traz à memória os clubes ingleses nos quais é vedada a discussão sobre religião e política. A amável companhia se reúne apenas para analisar os aspectos exclusivamente técnicos da questão que lhe interessa. Procura-se, assim desprezar sumariamente tudo aquilo que possa dividir os homem, por mais contundentes e sérias que sejam as razões fundamentais dessa divisão, e o resultado é que, depois dessas ruidosas tertúlias e mesas redondas, os problemas continuam sem solução ou, o que á pior ainda, recebem soluções basicamente erradas e contraproducentes.

Ora, no caso do ensino, é fácil de provar que os males que nos afligem o prometem se agravar mais ainda para o futuro, são meros frutos de um ponto de partida errado, de uma falsa filosofia de vida, de um falso pressuposto quanto à natureza do homem, sua finalidade, sua vida em sociedade.

LEIGA, OBRIGATORIA, GRATUITA E ÚNICA

Um dos mais destacados elementos da ala que se bate por determinada reforma de nosso ensino, é o Sr. Anísio Teixeira, membro do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação e Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. A julgar pelas palavras de S. Sa., estaria irremediavelmente errada toda obra educacional que não atendesse às "aspirações modernas da escola universal para todos, proclamadas, tão ruidosamente, na Convenção Revolucionaria Francesa, como um novo estágio da humanidade" ("Educação não é privilégio", Livraria José Olympia Editora, Rio, 1957, pp. 9/I0). .

O Sr. Anísio Teixeira, diante das dificuldades que lhe aparecem pela frente, sabe recuar, transacionar, transigir, dar um passo atrás para depois avançar dois. Faz concessões, á espera de melhores tempos para a completa implantação de seu programa. Au grand complet, este se resumiria no seguinte trecho de seu citado livro:

"Era com este espírito que se pregava a escola pública em 1848. Já não era o iluminismo ou a ilustração, filosóficos, do século XVIII, mas todo o utilitarismo de uma doutrina de igualdade social pela educação. Já não era o puro romantismo individualista, tão vivo ainda, aliás, por todo o século XIX, a crer, ainda com Spencer, que o devido ao indivíduo era só a liberdade, no sentido negativo de não-interferência - dai não ser essencial ou ser até ilícito dar-lhe o Estado, educação... mas a doutrina positiva de que a liberdade sem educação, isto é, sem o poder que o saber dá, era uma impostura e um logro...

"Obrigatória, gratuita e universal, a educação só poderia ser ministrada pelo Estado. Impossível deixá-la confiada a particulares, pois estes somente podiam oferecê-la aos que tivessem posses (ou a protegidos) e daí operar antes para perpetuar as desigualdades sociais, que para removê-las. A escola pública, comum a todos, não seria, assim, o instrumento de benevolência de uma classe dominante, tomada de generosidade ou de medo, mas um direito do povo, sobretudo das classes trabalhadoras, para (que, na ordem capitalista, o trabalho não se trata, com efeito, de nenhuma doutrina socialista, mas do melhor capitalismo) não se conservasse servil, submetido e degradado, mas, igual ao capital na consciência de suas reivindicações e dos seus direitos" (pp.79/80).

EDUCAÇÃO, ARMA DA POLITICA NIVELADORA

Nessa educação ministrada exclusivamente pelo Estado, o ideal seria, segundo o Sr. Anísio Teixeira, "dar ao rico a educação conveniente ao pobre, pois, a nova sociedade democrática não deveria distinguir, entre os indivíduos, os que precisavam dos que não precisavam de trabalhar, mas a todos queria educar para o trabalho, distribuindo-os pelas ocupações, conforme o mento de cada um e não segundo a sua posição social ou riqueza" (obra citada, p. 38). .

O curioso é que o Sr. Anísio Teixeira prega esse ideal igualitário e socialista em nome da democracia, opondo-o "à experiência totalitária" que "nada mais é do que o propósito de manter, pela violência, a estrutura dualista das sociedades antidemocráticas, antes mantida por consentimento tácito" (p. 105).

Vê-se que o Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos emprega a palavra "democracia" no sentido em que os soviéticos a utilizam na locução "democracias populares". Procura S. Sa. implantar em nosso meio, por "evolução", isto é, através de hábeis reformas como esta do ensino secundário, aquilo que por detrás da cortina de ferro foi imposto por métodos truculentos.

Para provar isto, basta que atentemos para os erros fundamentais cometidos pelo citado "técnico" em educação no que diz respeito às leis que regem a vida e o desenvolvimento da sociedade humana.

DESIGUALDADE, LEI IMPOSTA PELO CRIADOR

São Tomas de Aquino expõe o erro de Orígenes, que procurava demonstrar que a diversidade das coisas procedeu da diversidade de movimentos do livre arbítrio das criaturas racionais, umas praticando o bem e outras, o mal. Pretendia o autor do "Contra Celsum" enfrentar, assim, as objeções dos gnósticos-maniqueus, segundo os quais a diversa natureza do bem e do mal nas coisas provinha de agentes contrários (um princípio bom: o espírito, e um princípio mau: a matéria).

Mostra-nos o Doutor Angélico, na Suma Contra os Gentios (livro 2, cap. 44), o erro de dizer-se que Deus primeiramente, por sua exclusiva bondade, produziu iguais todas as criaturas, e todas espirituais e racionais, e que elas, por seu livre arbítrio, se moveram de modos diversos, umas aderindo a Deus mais ou menos, outras apartando-se dEle mais ou menos. Daí teriam resultado, segundo a justiça divina, diversos graus nas substancias espirituais: anjos em diversas ordens, almas humanas também em diversos estados, e, ainda, demônios em várias hierarquias.

Não. Desde o princípio estabeleceu Deus grandes distâncias entre suas criaturas: entre os Anjos e os homens, por exemplo, e de um Anjo para outro. E também entre os homens distribuiu de modo diverso os dons, como é elementar e fácil de observar. Na própria distribuição da graça há desigualdade: "A cada um de nós foi concedida a graça segundo a medida com que Cristo a distribuiu" (Efésios 4, 7). Mais, ainda. Mostrando a necessidade de cada um ter de si idéia modesta, diz o Apóstolo São Paulo: "Porque, tal como num só corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma função, assim constituímos todos nós um só corpo em Cristo, ao passo que somos membros uns dos outros, diversamente dotados, segundo a graça que nos foi concedida" (Rom. 12, 4 a 6). Não foi preciso, portanto, que precedessem méritos para a existência de criaturas racionais em diferentes graus. E acrescenta São Tomás que Deus, autor de todas as coisas, não teria criado o universo ótimo em seu gênero se houvesse feito as partes iguais, porque faltariam muitos graus de bondade, e assim a criação seria imperfeita.

Mas na ordem histórica em que nos achamos, após a Queda, há mais uma fonte de desigualdade individual e social, a saber, os efeitos do pecado original: o declínio do poder da vontade, obscurecimento da inteligência, os males que passaram a afligir nossa vida terrena. No mesmo sentido agem também os pecados atuais, os vícios, as paixões desregradas. E os atos de virtude são, por sua vez, outros tantos fatores de desigualdade entre os homens.

O IGUALITARISMO DESTROI A SOCIEDADE HUMANA

Como vemos, essa desigualdade é lei não somente em nossa vida natural, mas também em nossa vida sobrenatural. Se na terra o ideal da perfeição social é a sociedade orgânica, este mesmo ideal vem a ser reflexo de seu modelo, que é o Corpo Místico de Cristo, ou sociedade sobrenatural. Por sociedade orgânica compreendemos um sistema social encarado como uma unidade em si mesma, feita de partes inter-relacionadas e inter-atuantes, por analogia com os seres vivos. Nela existe o verdadeiro povo. É o contrário da sociedade mecânica, ou totalitária, em que o povo consciente cede lugar à massa, atuada de fora e sem vida própria, a não ser os movimentos que lhe transmitem os "gauleiters" e "comissários do povo", como manipuladores de marionetes.

"A sociedade humana, qual Deus a estabeleceu, é composta de elementos desiguais, da mesma maneira como são desiguais os membros do corpo humano; torná-los todos iguais é impossível e seria a destruição da sociedade humana. A igualdade dos diversos membros da sociedade consiste unicamente em que todos os homens tiram sua origem de Deus, seu Criador, foram resgatados por Jesus Cristo e devem, segundo a medida exata de seus méritos e de seus deméritos, ser julgados, recompensados ou punidos por Deus" ("Motu Proprio" de 18 de dezembro de 1903, de São Pio X) .

E se os homens se mostram desiguais, também as famílias e os vários agrupamentos sociais manifestam essa desigualdade. A estrutura da sociedade orgânica vale-se justamente dessa variedade, harmonizando entre si esses diversos grupos, hierarquizando-os desde os mais simples e elementares, como a família, passando pelos grupos intermediários, para chegar enfim aos grupos superiores, entre os quais se acha o Estado:

Mas "o melhor de qualquer governo, diz São Tomás, é que todas as coisas governadas sejam atendidas com vistas a seu modo de ser, pois nisto consiste a justiça do regime" (Suma contra os Gentios, livro 3, cap. 71). E, assim, pelo principio de subsidiariedade, a tarefa que pode ser desempenhada por um grupo social não deve ser absorvida pelos grupos hierarquicamente superiores.

Ora, uma das mais importantes características da sociedade natural ou orgânica é justamente essa vida própria dos vários grupos sociais, sem a tutela ou centralização burocrática de atribuições que nunca falta nos regimes discricionários e totalitários, o absolutismo do Estado, seja esse poder discricionário e absoluto exercido por um ditador, por uma assembléia legislativa, ou por um grupo de "técnicos".

A EDUCAÇÃO DESIGUAL É PRIVILÉGIO LEGÍTIMO

Voltando ao caso do ensino, a educação é das tarefas mais elementares e importantes de qualquer grupo social, a começar pela família, pela profissão, sem nos esquecermos de que mister de ensinar cabe sobretudo à Igreja, pelo mandato que Lhe foi conferido expressamente pelo seu Divino Fundador. E se os grupos sociais não tem seu fim em si mesmo, mas existem para facilitar ao homem o cumprimento de sua missão sobre a terra, o Estado, sociedade perfeita e cúpula de todos os grupos sociais de ordem temporal, não pode ficar indiferente em matéria educacional. Deve colaborar ativamente, mas sem tirar ao indivíduo, e ao grupo social a que este pertence, a liberdade e "o direito de viver honradamente a própria vida pessoal, no posto e nas condições em que os desígnios e disposições da Providencia o colocaram" (Pio XII, rádiomensagem do Natal de 1944).

Eis porque a Igreja, guardiã da lei natural e da Revelação, condena a escola neutra, laica, mista e única (ver, por exemplo, a Encíclica "Divini Illius Magistri" de Pio XI). Uma lei orgânica do ensino, longe de visar essa finalidade revolucionaria de nivelamento das classes ou de extinção de todo e qualquer privilégio, deve respeitar a existência dos grupos sociais e favorecer em todos eles a criação de verdadeiras elites, elites atuantes, às quais caiba cada vez mais o papel de estímulo para aqueles junto aos quais forem chamadas a desenvolver suas atividades. E o processo pelo qual surgem as verdadeiras elites se explica pelo dinamismo próprio desses grupos sociais, e não pela atuação externa de Institutos de Psicotécnica, conforme desejam os seguidores do mito do Estado onipresente, infalível, absorvente e todo-poderoso.

Assim, por exemplo, não é desejável uma reforma do ensino secundário que leve todos os lavradores a estudar agronomia. Disseminando a escola primaria, poder-se-ia imaginar uma continuação de estudos destinada à formação de técnicos em agricultura, que seriam os auxiliares naturais dos agrônomos, como são os enfermeiros para os médicos, o mestre de obras para o engenheiro, etc. Mas fazer baixar o nível do currículo ginasial, de modo a tornar o estudo da agronomia acessível aos trabalhadores comuns e não qualificados, que sempre terão de existir, resultará em flagelo idêntico a esse da meia-ciência exibida pelo Sr. Anísio Teixeira, membro do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Educação que emprega as palavras "privilégio", "feudal", "Idade Media" num sentido tal, que acarretaria a reprovação de qualquer calouro que fizesse o mesmo nos concursos de admissão às nossas Faculdades de Filosofia.

Educação para todos, sim, mas sem esquecer que "mesmo a devoção, diz o amável São Francisco de Sales, deve ser praticada diferentemente por um gentil-homem, por um operário, por um serviçal, por um Príncipe, pela viúva, pela jovem, pela esposa. Cada qual, com efeito, tem sua missão a cumprir, seu campo a trabalhar, seu posto de combate;... De resto, mesmo no Céu, em que todos seremos semelhante a Ele, porque O veremos como Ele é (1 Jo. 3, 2), as diferenças entre os indivíduos não cessarão, como disse São Paulo (I Cor. 15, 41): uma é a claridade do sol, outra a da lua, e outra a das estrelas. E ainda há diferença de estrela para estrela na claridade”. ( Cardeal Pacelli, em carta à Semana Social de Clermont-Ferrand, 6 de julho de 1937).


VERDADES ESQUECIDAS

SANTIFICA SUA MÃO QUEM CASTIGA UM SÚDITO BLASFEMO

São João Crisóstomo

Das Homilias ao povo de Antioquia:

E ouvis pelas ruas alguma blasfêmia, deveis repreender o blasfemador e, se for necessário, castigá-lo, sendo vosso súdito: santificai assim a vossa mão. Se ele vos põe em justiça e vos obriga a comparecer diante do juiz, para vos punir da ofensa que lhe fizestes, ide com ânimo e valor, e respondei ousadamente que não pudestes sofrer que se vomitassem blasfêmias contra o Rei dos Anjos... Ainda que vos condenassem á morte por semelhante motivo, não deixeis de o castigar, pois esta ação vos servirá de um verdadeiro martírio. — ("Sentenças Espirituais dos Santos Padres e Doutores da Igreja", t. 1, p. 295, Lisboa, 1800).