O CORAÇÃO DO SÁBIO

SER BOM AMERICANO É NÃO SER "AMERICANISTA"

(continuação)

senão empurrar um pouco o rochedo. Este, por si, rolará em seguida montanha abaixo.

Esta situação política macabra é agravada pelos progressos técnicos de evidente interesse militar, como os "sputniks".

Os pontos de resistência — Estados Unidos, Europa, América Latina — podem ser alvejados a qualquer momento. O que valem os meios de agressão russos? Não se sabe ao certo, mas há razões para suspeitar que valham muito. E, em contraposição, os meios de defesa do Ocidente também se revelam de uma eficácia incerta. Incerta, quanto aos Estados Unidos. Certamente insuficiente quanto à velha e fatigada Europa, ou quanto a esta nossa desditosa América Latina.

Portanto, de pé na liça só há por enquanto dois contendores essenciais: os Estados Unidos e a União Soviética. Ora, destes dois contendores, um está alcançando triunfo após triunfo. O outro, insucesso sobre insucesso. Se fizermos o cômputo de tudo quanto o comunismo ganhou desde o fim da segunda conflagração mundial, teremos idéia do que é nossa imensa derrota na guerra fria. Quanto às perspectivas de guerra quente, o universo inteiro se sente preocupado e até angustiado com elas.

Em resumo, temos face a face uma imensa e poderosa malta de malfeitores e um povo que ama até o frenesi as delícias grandes e pequenas que a prosperidade material pode dar. Um povo que ama as geladeiras, as televisões, as camas ultramacias, as poltronas superacolhedoras, os automóveis de marcha suave e célere que devoram as distâncias nas estradas esplendidamente asfaltadas, os "night-clubs", as praias, as viagens, a tepidez da vida de família aconchegada e as surpresas excitantes dos casamentos consecutivos. Nesta grande festa, o trabalho também tem de ser alegre e suave. Os escritórios e até as fábricas com vidros "ray-ban", silenciosos, alegres, cômodos, em que se trabalha com a fisionomia esportiva e otimista que no Brasil é privilégio profissional dos aeromoços. A doença é tratada com remédios bonitos e bem embalados, como se fossem bombons, vendidos em farmácias alegres e convidativas que são também confeitarias. Os hospitais têm ares eufóricos de hotéis de vilegiatura, e os próprios funerais têm a nota de uma despedida suave e romântica, em que os cadáveres, enfeitados e maquilados, são levados para lindos cemitérios, onde os esperam sepulturas ao redor das quais cantarão os passarinhos e brincarão as crianças. E a fealdade da terra será disfarçada, na hora da inumação, por um belo pano verde pistache. Para esse povo, a preocupação é um tormento, e a guerra um "intermezzo" perigoso e sem graça, nas delícias da vida.

Ora, é esse povo, como dissemos, que um bando de malfeitores, o maior da história, mantém num sobressalto constante, dele exigindo uma preocupação constante, e uma preparação febril, extenuante, heróica, para a guerra.

Diante desta situação, como tem reagido, como reagirá, essa nação?

É o mais palpitante dos problemas destes dias em que 1957 morre velho e chagado, e 1958 nasce mal-encarado e nervoso.

* * *

Mas afinal, dirá algum leitor, o que é isto? Um libelo contra o povo norte-americano?

Não. Uma apologia. Mais do que isto, uma defesa.

Em primeiro lugar, há que fazer - para que bem se compreenda nosso pensamento - as ressalvas de estilo, que no caso concreto não são simples formalidade. Sabemos de numerosos e valiosos elementos, nos Estados Unidos, que reagem contra esta situação moral. São muito bons americanos, excelentes patriotas, e por isto são ao mesmo tempo valorosos antiamericanistas. Eles vêem, com toda a razão, no americanismo a desgraça de seu país. E lutam com todo o afã para o libertarem dele. Precisamente como nós, brasileiros, vemos um inimigo nacional no brasileirismo de praia, samba, jogo de bicho e macumba.

Neste sentido muito particular, o que é o americanismo? Um estado de espírito subconsciente, com aflorações conscientes, que erige o gozo da vida em supremo valor do homem, e procura ver o universo e organizar a existência de modo propriamente delicioso.

Um inquérito Gallup pouco anterior ao lançamento dos "sputniks" revelava que o tema principal sobre o qual pensava o americano era: - evitar a guerra: 34% das respostas; - custo de vida e inflação: 22%; - problema negro: 10%; - testes e controle atômico: 6%; - delinquência juvenil: 4%; - auxílio ao estrangeiro: 3%; - necessidade de religião: 2%; - questões sindicais e de corrupção sindical: 2%. Como se vê, os problemas ligados ao espírito vinham em proporção mínima, segundo o americaníssimo Gallup. A religião, em último lugar.

Ora, ao mesmo tempo, a decadência psíquica, moral e cultural avultava de tal forma, que produzia resultados alarmantes.

O próprio excesso de conforto material ia amolecendo a fibra do povo e debilitando seu físico.

Recentemente, o Dr. Hans Kraus, professor assistente de medicina e reeducação física na Universidade de Nova York, e a Sra. Bronnie Prudden, diretora do Instituto de Educação Física de White Plains, na mesma cidade, submeteram 4264 alunos de boa saúde, entre 6 e 16 anos, a um teste muscular, que foi objeto de um relatório entregue ao Presidente Eisenhower, e preocupou a fundo as altas esferas oficiais americanas.

Entre os indivíduos testados, 60% não tinham um nível de força muscular suficiente. Em 2.879 crianças européias, os insuficientes eram só 8%.

De outro lado, o conselho de revisão médica das Forças Armadas estabeleceu que em cada três americanos, um é incapaz para o serviço militar. - Entre 1º de julho de 1950 e o começo de 1957, 4.700.000 casos foram examinados. Deles, 1.600.000 foram declarados inaptos. Dos jovens recrutas, 13,6% foram reformados por incapacidade mental, 15,7% por deficiência física, principalmente por irregularidades cardiovasculares.

Qual a razão? Evidentemente o excesso de excitação, a ausência de esforço, de uma vida feita sobretudo para a moleza e o prazer.

* * *

Alarmado com o atraso belo-técnico de seu país em relação à Rússia, o Senado dos Estados Unidos constituiu uma comissão de investigação das causas deste fato.

A comissão, por sua vez, ouviu o famoso cientista húngaro Edward Teller, o "pai da bomba de hidrogênio". Este indicou como causa fundamental, em última análise, a tendência norte-americana de idolatrar os jogadores de futebol e as "estrelas" de Hollywood, ao invés de respeitar os cientistas. E apontou como remédio um reajustamento da base, e a longo prazo, dos valores nacionais.

Terminado seu depoimento, Teller foi cumprimentado por todos os Senadores, que afirmaram ter sido, a sua, "a mais perfeita explicação que a comissão ouvira até então". E a Imprensa comentou que eram essas as palavras de orientação franca e severa que os americanos precisavam ter ouvido de Eisenhower.

Há muita gente que pensa que atacar o americanismo é ser antiamericano, é tornar-se impopular na república do norte.

Erro. Se alguém teve nos Estados Unidos, antes do "sputnik", esta linguagem franca, estará agora cheio de prestígio. Enquanto a opinião pública se distancia, desiludida e magoada dos que até hoje só souberam sorrir para seus defeitos, e tentar corrigi-los com meias verdades. E os Senadores reservaram seus aplausos para os que sabem descer até a raiz do mal.

* * *

Neste sentido, o satélite artificial russo foi para a América do Norte uma graça imensa. Alertou-a, de modo espetacular, contra uma situação na qual ela se atolava inteira.

A partir deste momento, pôde cada americano compreender que o caminho consiste em revalorizar as coisas do espírito, e através destas elevar-se à verdadeira Fé, à austeridade e ao amor à Cruz, que ela nos ensina. Não falta nos Estados Unidos quem clame neste sentido. Que neste ano consagrado à Virgem milagrosa de Lourdes estas vozes sejam ouvidas.

* * *

Mas a lição não é só para americanistas norte-americanos, senão também para os do mundo todo, inclusive os que existem, tão numerosos, em nosso Brasil.

Há um estilo de vida neopagão a que devem renunciar. Do contrário, para nós também, estará perdida a partida...


OS CATÓLICOS IRLANDESES NO SÉCULO XIX

O CARDEAL CONSALVI E SUA ESPINHOSA MISSÃO

Fernando Furquim de Almeida

Para melhor compreender a divergência entre os católicos ingleses e irlandeses, convém lembrar as condições a que o governo subordinava a concessão do bill de emancipação. Eram elas o juramento de fidelidade, o direito de veto às nomeações feitas pela Santa Sé no país, e o placet, isto é, a necessidade de prévia autorização oficial para serem publicados na Inglaterra quaisquer documentos eclesiásticos. De todas, a mais odiosa era o juramento de fidelidade. Exigido dos que exerciam funções públicas ou desejavam gozar da plenitude dos direitos, incluía a negação da supremacia do Papa, do dogma de transubstanciação, do culto a Nossa Senhora e aos santos, e obrigava a detestar o Pontífice Romano. Chamava se juramento do test ou da supremacia.

A promessa do bill de emancipação tinha sido literalmente arrancada ao governo pelos católicos irlandeses. Depois de séculos de perseguição e de luta sem esmorecimento pela liberdade da Igreja, representava uma vitória duramente conquistada. Tinham os irlandeses a certeza de que conseguiriam a emancipação sem compromissos de nenhuma espécie. Mais ainda, prefeririam voltar à luta do que admitir restrições à liberdade obtida depois de tantos sacrifícios. Parecia lhes que aceitar a tríplice exigência da Inglaterra seria uma traição à fidelidade que seus antepassados tinham conservado tão pura e integralmente.

Os católicos ingleses, ao contrário, fracos e incapazes de reação, viam no bill alguma coisa de muito superior ao que ousavam esperar. Não tinham combatido para obtê lo, e sua aprovação lhes acenava com a paz e o sossego, a eles que estavam tão cansados da perseguição. Poderiam abandonar os esconderijos, andar à luz do sol e levar uma vida semelhante à de seus compatriotas protestantes.

O rescrito de Mons. Quarantotti, aceitando o placet e o veto em matéria exclusivamente política, bem como o juramento de fidelidade com restrições, veio avivar a polêmica. Para os ingleses, era um ponto de apoio que parecia justificar a posição que tinham tomado. Para os irlandeses, representava uma nova frente de batalha, pois o consideravam mera expressão da opinião pessoal de Mons. Quarantotti, que não consultara o Papa antes de publicá lo.

No auge da disputa, chega a Londres o Cardeal Hércules Consalvi, Secretário de Estado de Pio VII. Homem inteligente e consumado diplomata, fora enviado pelo Pontífice para obter dos aliados a restituição dos Estados da Igreja. Sua missão apresentava se particularmente difícil. Os soberanos da Rússia, Inglaterra e Prússia não eram católicos, e a Áustria planejava apoderar se de territórios que pertenciam à Santa Sé. Não podendo contar com o apoio do Império Austríaco, o Cardeal Consalvi procurava conquistar as boas graças da Inglaterra, e naturalmente via com maus olhos que os irlandeses criassem obstáculos a essa sua política. Acrescente se ainda que, impressionado com a Revolução Francesa, alinhava-se entre os dignitários da Santa Sé que preconizavam uma aliança da Igreja com os novos tempos, pondo a serviço desse desiderato todo o talento de que era dotado. Por todos esses motivos, o Cardeal Consalvi era o homem menos indicado para informar sobre a situação dos católicos nas Ilhas Britânicas, e não é de estranhar que o relatório que enviou a Roma tenha sido completamente desmentido pelos fatos.

Esse relatório, embora reconhecendo nos irlandeses um devotamento à Santa Sé capaz de todos os sacrifícios, inclusive o martírio, julga os atrasados em suas concepções e em seus conhecimentos, e obcecados pelo ódio à Inglaterra. Mais grave, o fato de colocarem, às vezes, a Religião a serviço da política. Os ingleses, julga-os mais acomodatícios, se bem que nem sempre desinteressados. Quanto ao governo Lord Castlereagh o asseverara , não queria pedir nada que fosse contrário aos princípios da Igreja, mas continuava a exigir o juramento, o placet, o veto e um representante do Papa em Londres.

A 17 de setembro de 1814, a Congregação dos Negócios Eclesiásticos decidiu que se poderia aceitar o juramento de fidelidade e o veto, mediante limitações razoáveis, mas não o placet. O Cardeal Consalvi, que se encontrava no Congresso de Viena, acentuou habilmente o lado favorável dessa decisão. Conhecendo bem o ambiente da Inglaterra, aconselhou Lord Castlereagh a não precipitar as coisas: deixasse o bill de emancipação para mais tarde. Gozando de toda a confiança de Pio VII, recomendou a mesma atitude à Santa Sé.

Em 1815, escrevendo de Gênova a Mons. Poynter, líder dos católicos ingleses, o Cardeal Litta declarava que o Soberano Pontífice, apesar de ainda não ter tomado nenhuma decisão, julgava que se deveria aceitar o juramento e o veto, caso fosse concedida a emancipação. Mons. Poynter tornou pública essa carta. Foi um triunfo para os católicos ingleses, mas de curta duração, pois, não sendo esse um pronunciamento da Santa Sé, os irlandeses logo iniciaram uma formidável campanha contra o projetado bill, e enviaram a Roma uma delegação com a incumbência de expor ao Papa a situação real da Irlanda.

No dia 1° de fevereiro de 1816, Pio VII escreveu ao Arcebispo de Dublin, Mons. Troy, explicando as razões que o levavam a concordar, em parte, com as exigências da Inglaterra. O Pontífice via na emancipação um tão grande benefício, que não achava razoável prejudicá la pela recusa das limitações impostas pelo governo real.

Os irlandeses, cônscios de seus direitos e de sua força, sabiam que o bill poderia ser obtido sem compromissos. Mas, diante dessa carta, só lhes restava acatar a vontade do Papa. Infelizmente, porém, a Associação Católica Irlandesa, de O’Connell, foi fechada pela polícia, e até a morte de Pio VII nenhum passo decisivo foi dado pelo governo inglês no sentido da emancipação.


NOVA ET VETERA

OS BASTIDORES DO LIBERALISMO CATOLICO

J. de Azeredo Santos

Em seu excelente trabalho sobre as origens românticas do cristianismo esquerdista (1), que comentávamos no ultimo rodapé, mostra-nos o Prof. Canals Vidal que a luta contra o Império napoleônico foi, "em muitos de seus fatores ideológicos e nacionais mais profundos, não uma luta conservadora ou reacionária, mas revolucionaria e progressista" (p. 24), e isto por toda a Europa, sobretudo na Alemanha.

Ademais, "entre os movimentos integrados nesta vertente revolucionaria do movimento europeu antinapoleônico, devem incluir-se, não só os de inspiração racionalista ou deista, mas também — e precisamente entre os de maior influência e mais profundo resultado — os que se inspiravam nas misteriosas correntes do misticismo iluminista. Derivados imediatamente das seitas de Weisshaupt e de Martinez de Pascalis e Saint-Martin, seus antecedentes remotos devem ser buscados muito mais além, através de toda uma dinastia de teósofos e Cabalistas" (pp. 24/25).

Contagio do espírito da época

A própria Santa Aliança, tida como grandemente inspirada pelos tradicionalistas franceses, não se viu livre desse contagio romântico-iluminista. Dá-nos o Prof. Canals Vidal a seguinte opinião de Joseph de Maistre sobre certo aspecto do underground desse célebre Tratado:

"Existe hoje em dia na Europa uma inumerável quantidade de pessoas que imaginam que o Cristianismo oculta mistérios inefáveis que de nenhum modo são inacessíveis ao homem: é o que os alemães chamam de cristianismo transcendente.

"Crêem que o Cristianismo era, em sua origem, uma verdadeira iniciação, mas que os Sacerdotes deixaram logo perder-se estes divinos segredos, de modo que já não há agora verdadeiro sacerdócio. O ódio e o desprezo votados a toda hierarquia constituem uma característica de todos esses iluminados... Foi esse iluminismo que ditou a Convenção de Paris..." (Joseph de Maistre, "Oeuvres completes", vol. XIII, p. 219).

Trata-se de um cristianismo pietista, capaz das latitudinárias posições de um protestantismo liberal, "que podia unir a fé e a incredulidade ao serviço de ideais puramente humanos, sentidos e concebidos do modo mais radicalmente naturalista" (p. 25)

E ao mesmo tempo em que se lançava uma ponte às barrancas da revolução, no sentido de fazer reconhecer a superioridade da burguesia culta e progressista, no campo religioso tendia-se a "certo imediatismo do divino, que nos casos extremos conduzia a um panteísmo humanitário e espiritualista" (p. 120).

Evolucionismo gnóstico

"Com esta mentalidade se casava em Lamennais (como ocorreria depois com outro romântico tão característico como o oncologista Gioberti) uma visão imanente e naturalista da religião. A sociedade dos espíritos com Deus, o Reino de Deus, perdia seu horizonte transcendente e eterno, para identificar-se com uma teocracia cuja lei mais íntima era o aperfeiçoamento progressivo da humanidade, a liberação do espírito humano..." (pp. 122/123).

Dai batalhar-se por "uma sociedade puramente espiritual", dai a preocupação pela "purificação da Igreja", entendida como a colocação da Igreja nas nuvens, sem nenhum contacto com as coisas terrenas, a começar pela sua separação do Estado. Dai também a tese do advento da idade adulta para a humanidade, que do ponto de vista temporal andaria agora por suas próprias pernas, sem necessitar da ajuda e dos conselhos da sociedade espiritual. "A marcha do mundo para a realização da liberdade COINCIDE com a realização cristã do Reino de Deus" (p. 127). Tal evolucionismo gnóstico se acha na base de todo o sistema. "Lamennais alimentava a esperança de uma Igreja liberada não somente do Estado, mas da própria matéria, de todo peso carnal" (p. 128): seria a Igreja pura dos homens puros. Reduzia-a ele, assim, "à expressão do testemunho divino imanente à razão universal do gênero humano" (p. 129).

Panteísmo e socialismo

"Ao ver que a languescente e quase extinta instituição católica não se decidia a adotar o programa liberador e purificador, Lamennais consumou sua crise, e evoluiu para um termo a que parecia tender íntima e ocultamente por toda a sua vida. Um vago panteísmo e um socialismo romântico eram a meta adequada para quem havia concebido como coincidentes o progresso da humanidade e a realização do Reino de Deus. Lamennais era um profeta do novo Cristianismo" (pp. 129/130).

Mostra-nos o Autor a influência que exerceu sobre Montalembert, Lamennais e seus companheiros franceses, o movimento de Munique, que aspirava à "união da fé e da ciência, da teologia e da filosofia", e no qual "as dificuldades se venciam em última análise, frequentemente,... por meio da coincidência e confusão de uma filosofia imediatista do divino com uma teologia naturalista convertida em misticismo teosófico" (p. 134), fazendo-se a fusão de Catolicismo e teosofia.

"Atentemos para este fato do magistério exercido sobre os católicos de Munique pelo filósofo Schelling, que já é conhecido como o representante mais característico da mentalidade romântica no idealismo alemão, e assinalemos também que um novo nome nos aparece, desses que da maneira mais desconcertante encontramos citados nos mais opostos catálogos: Baader. Tem ele sido considerado, por suas teses principais, como integrado na corrente dos teóricos da Restauração; e, sem embargo, seu sistema filosófico está em continuidade com o teosofismo de Jacob Boehme e do próprio Schelling, que tanto devia a influência do panteísmo místico do célebre teósofo do século XVII. Ou seja, as fontes e a tendência do pensamento de Baader são as mesmas que as daquela corrente misteriosa e incontrolável, mas patente, do iluminismo, que de Maistre denunciava como a inspiradora do espírito revolucionário da Santa Aliança" (p. 135).

Lamennais também haveria de sofrer a indiscutível influência de seu amigo Ballanche, iniciado nos mistérios que "permitiam" recobrar a lucidez de Adão antes da Queda. Para esse "mortal privilegiado". "a tarefa que a Redenção impõe e faz possível é o nivelamento de todas as castas, das classes e das ordens da sociedade" (p. 136).

Em resumo: "Na geração romântica, o nascimento de um cristianismo revolucionário vinha reproduzir um fenômeno muitas vezes repetido na História: a união de uma doutrina da Igreja pura nos homens puros, de uma indignada e ressentida insubordinação contra as impurezas materiais do Corpo visível de Cristo, com a mais violenta tendência revolucionaria e anti-hierarquica na sociedade religiosa e na sociedade civil" (p. 142).

Por outras palavras, segundo esse original estudo do Prof. Canals Vidal, na fase histórica em que nos encontramos presenciaria o mundo o crescimento de mais uma asquerosa cabeça nessa hidra infernal que é a revolução gnóstica, da qual Lamennais foi, para os tempos modernos, o triste apóstolo e profeta entre os católicos.

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Merece, pois, a mais ampla divulgação nos meios intelectuais católicos esse novo livro do conceituado colaborador de "Cristiandad".

(1) Francisco Canals Vidal, "Cristianismo y Revolución — Los orígenes románticos del cristianismo de izquierda" — Ediciones Acervo, Barcelona, 1957.