A ALOCUÇÃO com que o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, abriu o II Congresso do Apostolado dos Leigos, entre outros esplêndidos ensinamentos, ficou bem claro que os leigos, por mais meritório apostolado que exerçam, continuam sempre na Igreja discente. Não quer isso dizer que seu papel deva ser meramente passivo. Pelo contrário, e é outro ponto alto do discurso do Papa, o apostolado dos leigos é um apostolado permanente na Igreja, quase diríamos indispensável. Têm eles uma missão própria que é necessária, também ela, para a edificação do Corpo Místico de Cristo.

Essa missão, como a de todo apóstolo, é a mesma de Jesus Cristo: ser pedra de escândalo, dividir os espíritos, separar os bons dos maus.

Essa missão, embora de modos diversos, o Divino Mestre a confiou à Hierarquia e aos leigos. Aos membros da Hierarquia mandou que ensinassem o que é bom e advertissem contra o que é mau, bem como proibiu que fizessem confusão de uma coisa e outra: "Não digas que o bem é mal, nem que o mal é bem", admoesta o Pontifical ao novo Bispo que se sagra. Aos leigos, e especialmente aos jornalistas, compete repetir a mesma lição da Hierarquia, como declara Pio XI: "Os jornalistas católicos são preciosos porta-vozes para a Igreja, para sua Hierarquia, para seu ensino... os mensageiros da disciplina da Igreja docente, desta Igreja incumbida de ensinar às nações do mundo..." (alocução de 26 de junho de 1929).

De maneira que a missão dos leigos na Igreja tem esse mesmo fim: ordenar retamente os espíritos. E, nos tempos que correm, é missão indispensável. Com efeito, a tragédia de nossos dias não consiste tanto no fato de que os maus ensinam o mal. Está mais especialmente em que grande parte dos bons evita afirmar que o mal é mal, e que o bem é bem. E dessa covardia resulta a confusão contemporânea, que abre o caminho à corrupção, que cria ambiente para todas as "Legiões da Boa Vontade."

Nos sete anos de existência que completa neste mês de janeiro, "Catolicismo" teve lutas intensas. Houve muita verdade esquecida que ele lembrou, muito mal imponderável que sua secção de "ambientes, costumes civilizações" desvendou, muita confusão doutrinaria que seus artigos dissiparam.

Mas, além de tudo isso, ele fez um apostolado ainda mais alto, e foi o de contribuir para que seus leitores não se esquecessem de que se deve proclamar que o mal é mal, e que o bem é bem.

Que o Menino Jesus, que para ser "lumen ad revelationem gentium" (Luc. 2, 32) precisou ser sinal de contradição (ibid., 34), Se digne abençoar Nossos caríssimos redatores, leitores e propagandistas de "Catolicismo", para que tenham sempre presente a importância desse apostolado de discriminação de campos, acentuada em termos grandiosos, há dois mil anos, pelo santo velho Simeão. Que, muito particularmente neste ano centenário das aparições de Lourdes, a SS. Virgem, Sede da Sabedoria, ilumine as inteligências e robusteça os corações de quantos trabalham no benemérito mensário, para que continuem o magnífico apostolado que exercem junto às almas de seus leitores.

† Antonio, Bispo de Campos.

VÍTIMA DA JUSTIÇA POPULAR, OU DA IMPIEDADE REVOLUCIONÁRIA

O juízo do Papa Pio VI sobre o regicídio ocorrido há 165 anos

ENQUANTO o populacho desenfreado marchava sobre Versalhes, o Rei perguntou a seus cortesãos o que fazer. Diz-se que Beaumarchais lhe deu então esta resposta causticante: "Sire, faite le Roi"... Verdadeira ou não, a anedota é significativa. Espírito fraco e indeciso, Luís XVI assinalou os dezenoves anos de seu reinado por uma sequência de recuos e de concessões diante da hidra revolucionaria. Concessões e recuos que acabaram por levá-lo, através de humilhações e sofrimentos de toda espécie, à prisão dourada das Tulherias e depois a prisão pura e simples do Templo. Seguiu-se o julgamento iníquo e por fim a execução, sacrílega, ocorrida no dia 21 de janeiro de 1793, ou seja, há exatamente 165 anos.

Ora, ao longo do cativeiro esse pobre filho de São Luís transformou-se. É sabido que seu testamento, escrito no cárcere, exprime, numa linguagem nobre e varonil, apego à Religião e devoção à Santa Sé, perdão das injurias recebidas e zelo pelo futuro da França. É conhecida também a maneira edificante e heróica com que subiu ao cadafalso. Mas o que geralmente se ignora é que Pio VI, falando ao Consistório logo que teve notícia do regicídio, afirmou (embora sem empenhar a infalibilidade) que o Rei fora morto "in odium fidei", morrera mártir. O Papa desmentiu, portanto, de antemão, a historiografia revolucionaria que afirma ter Luís XVI sido decapitado por uma justa vindita popular.

Vamos traduzir para nossos leitores alguns tópicos dessa alocução, pronunciada no dia 17 de junho de 1793. Os subtítulos são desta redação.

Antes, porém, queremos transcrever os tópicos do testamento real, a que alude o Papa: "Morro em união com nossa Santa Madre, a Igreja Católica Apostólica Romana... Rogo a Deus que perdoe todos os meus pecados... Rogo a Deus que aceite... o arrependimento profundo que sinto por ter aposto minha assinatura (embora contra a minha vontade) em atos que podem ser contrários à disciplina e à crença da Igreja Católica, à qual sempre estive sinceramente unido de coração".

“O POVO NÃO SE GUIA NEM PELA RAZÃO NEM POR CONSELHO”

VENERAVEIS Irmãos, como não é sufocada Nossa voz, neste momento, pelas lagrimas e soluços? Não é antes por Nossos gemidos do que por Nossas palavras que Nos convém exprimir esta dor sem limites que somos obrigado a desafogar diante de vós, ao reconstituir o espetáculo de crueldade e barbárie que se viu em Paris no dia 21 do mês de janeiro último? O Rei Cristianíssimo Luís XVI foi condenado ao último suplício por uma conjuração ímpia, e esse julgamento foi executado.

Queremos relembrar-vos em poucas palavras as disposições e os motivos dessa sentença. A Convenção Nacional não tinha direito nem autoridade para pronunciá-la. Com efeito, depois de ter abolido a monarquia, o mais excelente dos governos (abolita praestantioris monarchiei regiminis forma), tinha ela transferido todo o poder político ao povo, que não se guia nem pela razão nem por conselho, não forma acerca de nenhum ponto idéias justas, poucas coisas aprecia segundo a verdade, e avalia um grande número delas de acordo com a opinião; que é sempre inconstante, fácil de enganar, arrastado a todos os excessos, ingrato, arrogante, cruel; que se deleita com a carnificina e a efusão de sangue humano, e se compraz em contemplar as angústias que precedem o último suspiro, tal como os antigos iam ver os gladiadores expirar em seus anfiteatros. A porção mais feroz desse povo, mal satisfeita de ter degradado a majestade de seu Rei, e determinada a lhe arrebatar a vida, quis que ele fosse julgado por seus próprios acusadores, que se haviam declarado alto e bom som, seus mais implacáveis inimigos...

CALVINISTAS E FILÓSOFOS CONJURADOS CONTRA ALTAR E TRONO

NÃO poderíamos, acima de tudo, manter em silêncio a opinião universal que (o Rei) suscitou, acerca de sua virtude, por seu testamento - escrito de próprio punho, emanado do fundo da alma - impresso e difundido em toda a Europa. Que idéia tão elevada sobre sua virtude se concebe nele! Que zelo pela Religião Católica! Que caráter, com uma piedade verdadeira para com Deus! Que dor, que arrependimento de ter colocado seu nome, contra a vontade, em decretos tão contrários a disciplina e à Fé ortodoxa da Igreja. Prestes a sucumbir sob o peso de tantas adversidades, que se acumulavam dia a dia sobre sua cabeça, podia dizer como Jaime I, Rei da Inglaterra, que era caluniado nas Assembléias do povo, não por ter cometido qualquer crime, mas porque era Rei, o que era considerado como o maior de todos os crimes...

E quem poderia duvidar de que esse Monarca foi imolado principalmente por ódio à Fé, e por um espírito de furor contra os dogmas católicos? - Já desde muito tempo os calvinistas haviam começado a conjurar na França para a ruína da Religião Católica.... Foi com esse intuito que eles se aliaram a filósofos perversos.

... Esses homens depravados, notando que avançavam com rapidez em seus projetos, reconheceram que o momento de realizar seus desígnios era enfim chegado. Começaram então a professar alto e bom som num livro impresso em 1787, aquela máxima de Hugues Rosaire (ou do autor que usou esse nome), segundo a qual seria ação louvável assassinar um Soberano que recusasse abraçar a Reforma ou encarregar-se de defender os interesses religiosos dos protestantes. Tendo esta doutrina sido publicada pouco tempo antes que Luís caísse no deplorável estado a que foi reduzido, todos puderam ver claramente qual era a fonte primeira de suas desgraças. Deve-se pois, ter como indubitável que elas resultaram dos maus livros que apareciam na França, e é necessário encará-las como frutos naturais dessa árvore envenenada.

Por isso publicou-se, na vida impressa do ímpio Voltaire, que o gênero humano lhe devia eternas ações de graças, como primeiro autor da Revolução Francesa... Ao celebrar como triunfo de Voltaire a queda do Altar e do Trono, exalta-se a fama e a glória de todos os escritores ímpios, que se apresentam como tantos generais de um exército vitorioso.

DUAS PALAVRAS FALSAS E ENGANADORAS

Depois de ter assim arrastado, por toda sorte de artifícios, uma parcela muito grande do povo a seu partido, para ainda mais atraí-lo por suas obras e promessas a melhor, para fazer dele seu joguete em todas as Províncias da França, serviram-se os facciosos da especiosa palavra liberdade; arvoraram as insígnias dela e convocaram a multidão a se reunir sob seus estandarte, que desfraldaram por todos os lados. Trata-se, na verdade, exatamente daquela liberdade filosófica que tende a corromper os espíritos, depravar os costumes, subverter todas as leis e instituições aceitas.

... Esses tão enaltecidos advogados do gênero humano acrescentaram à falsa e enganadora palavra liberdade outra que não o é menos a igualdade, - como se entre homens reunidos em sociedade e dotados de faculdades intelectuais tão diferentes, tendo gostos de tal modo opostos e uma atividade tão desordenada, tão dependente de sua cobiça individual, não devesse haver alguém que reunisse a força e autoridade necessárias para coagir, reprimir, reconduzir ao dever os que dele se desviam, a fim de que a sociedade, subvertida por tantas paixões diferentes e desordenadas, não seja precipitada na anarquia e não caia inteiramente em dissolução. Assim é que a harmonia se compõe da concordância perfeita de sons diversos; se ela não se mantém por essa fiel correspondência das vozes e dos instrumentos, degenera em ruídos discordantes e não passa de uma dissonância bárbara.

A ÚNICA RELIGIÃO PROSCRITA ERA A CATÓLICA

Desse laboratório é que saiu aquela Constituição sacrílega (a Constituição civil do Clero) que refutamos em Nossa resposta de 10 de março de 1791 a exposição de princípios que Nos havia sido submetida por trinta Bispos... Todos os franceses que ainda se mostravam fiéis as diferentes ordens do Estado, e que recusavam com firmeza ligar-se por juramento a essa nova Constituição, eram prontamente cumulados de infortúnios e destinados à morte. Houve pressa em massacrá-los sem distinção. Um grande número de eclesiásticos foi submetido aos mais bárbaros tratamentos. Imolou-se um grande número de franceses de todas as condições. Os que eram perseguidos com menos rigor eram arrancados de seus lares e relegados a países estrangeiros, sem distinção de idade, sexo ou posição. Havia-se decretado que todos seriam livres de professar a religião que escolhessem como se todas as religiões conduzissem igualmente à salvação eterna; e no entanto a única religião proscrita era a católica. Somente ela via correr o sangue de seus discípulos, nas praças públicas, nas estradas e em suas próprias casas. Dir-se-ia que ela se tornara neles um crime capital...

Após esta serie ininterrupta de impiedades que se originaram na França, quem duvidaria ainda de que é necessário responsabilizar o ódio à Religião pelas primeiras tramas dessas conspirações que perturbam e abalam presentemente a Europa inteira? Ninguém pode negar que a mesma causa tenha ocasionado a morte funesta de Luís XVI.

DIFICIL PÔR EM DÚVIDA O MARTIRIO DO REI

Alguns se esforçam, por certo, em acusar esse Príncipe de certos delitos de ordem puramente política. Mas, a principal censura que se tenha formulado contra ele recai na firmeza inalterável com que se negou a aprovar e sancionar o decreto da deportação dos Sacerdotes, e na carta que escreveu ao Bispo de Clermont para lhe anunciar que estava bem decidido a restabelecer na França, quanto lhe fosse possível, o culto católico. Não basta tudo isto para que se possa crer e sustentar sem temeridade que Luís foi Mártir.

... Porém, segundo o que ouvimos, opor-se-á talvez aqui como obstáculo decisivo ao martírio de Luís a sanção que deu à Constituição civil do Clero que já refutamos em Nossa citada resposta aos Bispos da França...

Mas,... ainda quando confessássemos que Luís seduzido por falta de reflexão ou por erro, aprovou realmente a Constituição no momento em que a subscrevia, seríamos por isso obrigado a mudar de opinião acerca de seu martírio? Não, sem dúvida. Se tal fora Nossa intenção, ver-Nos-íamos dissuadido por sua retratação subsequente, tão autêntica quanto solene, e por sua própria morte, imposta, como demonstramos mais acima, por ódio à Religião Católica; de sorte que parece difícil pôr em dúvida de qualquer modo seu martírio.

Apoiado nesta razão, a do Papa Bento XIV, e vendo que a retratação de Luís XVI, escrita de próprio punho e confirmada ainda pela efusão de sangue tão puro, é certa e incontestável, não cremos afastar-Nos do princípio de Bento XIV se, sem pronunciar, por certo, neste momento, um decreto semelhante ao que acabamos de citar, persistimos na opinião que formamos do martírio desse Príncipe, apesar de toda aprovação por ele dada à Constituição civil do Clero, qualquer que ela tenha sido.

“DEIXEMOS ESSE POVO ENDURECER-SE EM SUA DEPRAVAÇÃO”

Ah, França! Ah! França! Tu, a quem Nossos Predecessores chamavam o espelho da Cristandade e o inabalável apoio da Fé; tu, que, por teu zelo pela Religião cristã e por tua piedade filial para com a Sé Apostólica, não caminhas atrás das outras nações, mas as precedes a todas, como Nos és hoje contraria! De que espírito de hostilidade pareces animada contra a verdadeira Religião! Quanto o furor que lhe manifestas já ultrapassa os excessos de todos os que se mostraram até o presente seus mais implacáveis perseguidores! E, entretanto — não o podes ignorar, embora o quisesses - a Religião é a mais segura guardiã e o mais sólido fundamento dos impérios, pois reprime igualmente os abusos de autoridade nos Príncipes que governam, e os extravios da licença nos súditos que obedecem. Oh! É por isso que os facciosos adversários das prerrogativas reais procurando aniquilá-las, esforçam-se em primeiro lugar por derrubar a fé católica.

Ah, ainda uma vez, França! Tu mesma pedias anteriormente um Rei católico. Dizias que as leis fundamentais do reino não permitiam reconhecer um Rei que não fosse católico. E agora que o possuías, acabas de assassiná-lo precisamente porque era católico!

Oh dia de triunfo para Luís XVI, a quem Deus concedeu paciência nas tribulações e vitoria em meio ao suplicio!

Cremos confiante que trocou felizmente uma coroa real sempre frágil e lírios que logo teriam murchado, por aquele outro diadema imortal que os Anjos tecem com lírios imarcescíveis!

São Bernardo Nos ensina nas cartas ao Papa Eugenio, seu discípulo, o que exige de Nós em tais circunstancias Nosso ministério apostólico, quando o exorta a multiplicar esforços a fim de que os incrédulos se convertam à Fé, os convertidos não mais se extraviem, e os extraviados voltem ao bom caminho. Temos também por modelo a conduta de Clemente VI, Nosso Predecessor, que não cessou de procurar punir o assassínio de André, Rei da Sicilia, infligindo as penas mais duras aos assassinos e a seus cúmplices ... Porém, que podemos intentar, que podemos esperar, quando se trata de um povo que não só não prestou nenhuma atenção a Nossas advertências, mas que se permitiu até, contra Nós, as ofensas, as usurpações, os ultrajes e as calunias mais furibundas, e que finalmente chegou ao cúmulo da audácia e do delírio compondo com Nosso nome cartas falsas e perfeitamente de acordo com seus erros?

Deixemo-lo, pois, endurecer-se em sua depravação, já que esta tem para ele tantos atrativos, e esperemos que o sangue inocente de Luís clame de algum modo e interceda para que a França reconheça e deteste sua obstinação em acumular sobre si tantos crimes, e se lembre dos castigos espantosos que um Deus justo, vingador dos crimes, infligiu com frequência a povos que haviam cometido atentados de muito menor gravidade.

Tais as reflexões que julgamos mais aptas para proporcionar-vos algum consolo em meio de tão horrível catástrofe.

Para terminar, queremos convidar-vos para as solenes Exéquias que celebraremos convosco pelo repouso da alma do Rei Luís XVI, ainda que as preces fúnebres possam parecer supérfluas, tratando-se de um cristão que, Nós o cremos, mereceu a palma do martírio, pois Santo Agostinho diz que a Igreja não reza pelos mártires, mas antes Se recomenda às suas orações..."