SANTA TERESINHA, pouco antes de entrar no Carmelo. Sua fisionomia, ao mesmo tempo reta e subtil, espelha bem a alma francesa no que esta tem de melhor. Sua imolação como vítima do Amor misericordioso está na raiz das esperanças que a Cristandade nutre em relação à Filha primogênita da Igreja. De Lisieux, onde se comemorava o 60o aniversário da morte da Santa, o Emmo. Cardeal Alfredo Ottaviani dirigiu ao Clero e aos fiéis da gloriosa nação francesa as alocuções de interesse mundial que aqui publicamos.

«A Igreja pede à França que não seja inferior à sua história e à sua missão»

A respeito da recente estadia do Emmo. Cardeal Ottaviani na França, o "Osservatore Romano" no número de 18 de outubro de sua edição hebdomadária em francês, publicou o interessante relato cujos tópicos principais vamos traduzir para conhecimento de nossos leitores.

As festas do 60° aniversario da morte de Santa Teresinha do Menino Jesus decorreram em Lisieux numa atmosfera de grande entusiasmo e profunda devoção. Sob a presidência do Emmo. Cardeal Alfredo Ottaviani, Pro-Secretario da Suprema Sagrada Congregação do Santo Oficio, contaram com a participação de uma multidão de fiéis da cidade, aos quais se haviam unido muitos peregrinos provenientes especialmente de todo o oeste da França.

O egrégio Purpurado destinou o dia 28 de setembro à comemoração íntima do aniversario, celebrando a Santa Missa na própria enfermaria onde a Santa expirou, e dirigindo a palavra à comunidade das Carmelitas, entre as quais vive ainda Sóror Genoveva (Celina), irmã de Santa Teresinha. Em sua breve oração, Sua Eminência evocou algumas lembranças da vida da Santa, nesse lugar consagrado à oração, ao amor, ao sofrimento, à gloria; e exortou as Irmãs a continuarem a obra meritória que realizam pela oração e pela penitência, em auxilio ao Papa e à Igreja, hoje tão perseguida e no entanto sempre triunfante.

No dia 29, tiveram lugar as solenidades oficiais, coroadas pela liturgia do Pontifical celebrado por Sua Eminência na Basílica da Santa. No cortejo que acompanhou o Cardeal à Basílica notavam-se Mons. Marella, Núncio Apostólico na França, com o Conselheiro e o Auditor da Nunciatura, os Bispos Mons. Jacquemin, Fallaize, Morillaud e Pioger, o Abade de Monday, numerosos Prelados e Sacerdotes.

Antes que Sua Eminência revestisse os paramentos sagrados, o Bispo da Diocese, Mons. Jacquemin, dirigiu-lhe palavras de boas-vindas, saudando-o com expressões de gratidão comovida, como fiel colaborador do Santo Padre, cuja presença em Lisieux deixou uma recordação indelével.

Ao Evangelho, o Emmo. Purpurado pronunciou homilia em francês, oferecendo à meditação dos fiéis alguns dos mais importantes ensinamentos de Santa Teresinha. Escolhendo o caminho da infância espiritual, quis ela dizer que o cristão vive de uma sabedoria que não é a deste mundo. Mas esta via da simplicidade não impediu a Santa de ser um modelo de firmeza; ela escolheu o Carmelo para se imolar na oração e no sacrifício pela Igreja. E desse modo Santa Teresinha demonstrou igualmente que a primazia não cabe à ação. O Cardeal concluiu a homilia com estes pensamentos: Há, enfim, um problema que, sem deixar de ser cristão e católico, é tipicamente francês. A França, desde os dias de sua origem cristã, sempre teve grande influência. Qual será, na hora em que vivemos, sua missão cristã e católica no mundo?

A questão se põe em virtude da grande confiança que Roma e o mundo inteiro depositam na França, confiança de modo nenhum diminuída em nossos dias. Os católicos lhe são gratos como talvez a nenhuma outra nação; mas, precisamente por essa razão, todos, e em primeiro lugar Roma, esperam da França co ._as inigualáveis. Particularmente no atual momento histórico, em que parece perdida toda fé na pureza dos costumes e na ortodoxia do pensamento, e em que triunfam a luxuria mais desavergonhada e a autoridade mais demente, a Igreja pede à França que não seja inferior à sua história e à sua missão.

Meu desejo, minha benção, minha oração, que apresento a Deus pelas mãos de Santa Teresinha, são para que a França seja desta vez ainda maior do que até agora o foi.

Se isto for possível, e o será certamente, Santa Teresinha terá sido a aurora de um novo dia de gloria para a França, e não somente para a França, mas para a Igreja.

Ao fim da Missa, Sua Eminência deu a Benção Papal.

O dia 30 de setembro foi o da jornada sacerdotal.

Sua Eminência celebrou na igreja anexa ao mosteiro. Todo o Clero da Diocese e diversos Bispos, vindos a Lisieux para as comemorações, assistiam à Missa Pontifical.

Na homilia o Cardeal principiou com uma ação de graças ao Pai Celeste pelos tesouros sobrenaturais que prodigalizou no decurso dos séculos ao Clero francês. "Rendo graças a Deus nesta manhã, disse Sua Eminência, por ter dado à Igreja, ao lado de tantos outros socorros e dons preciosos, a tradição e os méritos insignes do Sacerdócio em terras da França.

"Quem, por uma só vez, se deteve em Ars, terá para sempre compreendido o que é um Padre em seu ministério paroquial.

"Quem acompanhou nos Anais das Missões Estrangeiras a epopéia dos propagadores do Evangelho, ou leu a biografia de um mártir como Pedro Chanel, sabe de que generosidade e devotamento é dotado o missionário francês; quem se educou num seminário sabe o que foi o ensino de Saint-Sulpice e conhece por experiência própria sua pedagogia sacerdotal, sobre a qual se terá podido fazer ironia, mas em vão, e que continua a dar magníficos frutos tanto na alta Hierarquia como nas falanges de professores e diretores de almas; quem estudou um pouco profundamente as correntes da piedade moderna, sabe o que representaram as doutrinas da escola francesa sobre o Sacerdócio de Cristo".

O eminente Pro-Secretario do Santo Oficio prosseguiu sublinhando as qualidades do apostolado sacerdotal, especialmente nestes momentos difíceis em que vivemos em meio a um mundo paganizado: "Como não recordar neste instante quanto Santa Teresinha do Menino Jesus amou o Sacerdócio e os Sacerdotes, e quantas preces elevou para o bem do ministério sacerdotal? Por isso foi com justiça observado que ela verdadeiramente mereceu ser chamado o anjo do Sacerdócio.

"Ora, a concepção que esse anjo tinha da vida sacerdotal fazia com que escrevesse: Estas almas deveriam ser mais transparentes do que o cristal. A concepção dessa transparência nos faz vir à mente a advertência do Soberano Pontífice e Príncipe dos Pastores aos que devem ser sal da terra e luz do mundo, com as terríveis palavras: Quod si sal evanuerit, in quo salietur? Ad nihilum valet ultra nisi ut mittatur foras et conculcetur ab hominibus (Mat. 5, 13).

"Estejamos atentos, especialmente nós, Sacerdotes, para não perder a capacidade de salvar os outros da corrupção. A limpidez ou transparência da alma sacerdotal garante a eficácia do seu ministério, na palavra e na ação, para salvar-se a si mesmo e salvar os outros de toda contaminação da terra. Quando um Padre decai, torna-se o pior e o mais rápido agente da desagregação social. Estamos, sim, no mundo: é nosso dever; mas não somos do mundo: seria nossa condenação.

"Há Padres que pensam que para salvar o mundo, que renegou a Cristo, é necessário, de algum modo, ser do mundo; julgam dever, não tanto testemunhar pela santidade de sua vida e pela pregação do Evangelho, ou pela caridade exercida com o maior devotamento, quanto fazer — ao menos nas coisas lícitas — o que o leigo faz no mundo (trabalho, relações sociais, companhias, etc.), para tornar assim sensível a presença da Igreja entre os que A ignoram ou Lhe são hostis.

"Parece que não existe mais a necessária confiança na oração, na palavra de Deus pregada e vivida, nesses meios com que o Cura d'Ars logrou vencer toda a resistência da indiferença de seus paroquianos e os encaminhou à pratica da vida cristã".

O Cardeal concluiu sua homilia aos Sacerdotes com estas palavras:

"Volvei, volvei em pensamento às gerações de Santos que nesta gloriosa terra de França semearam na dor e colheram na alegria; eles pregavam o Evangelho e confirmavam a pregação com a santidade da vida, com os gestos a um tempo humildes e grandiosos da caridade cristã. Impelidos pelo amor de Deus, mendigavam para dar aos outros; feridos, respondiam fazendo o bem; injuriados, louvavam sem fim; cegos pelas lágrimas mais amargas e angustiadas, que são as do amor que não é amado, iluminavam os outros com uma alegria serena; viviam uma vida que não era do mundo e que, entretanto, brilhava no mundo; sempre descontentes consigo, estavam satisfeitos com os outros; sempre duros e severos para consigo mesmos, eram generosos com os outros; eram pródigos de si mesmos até a morte, em favor da vida dos outros".

Encerrou a permanência do Cardeal Ottaviani na França uma solene recepção oferecida por Mons. Marella, Núncio Apostólico, que se realizou na sede da Nunciatura e da qual participaram numerosas autoridades eclesiásticas e civis.


VIRTUDES ESQUECIDAS

ARDER EM ZELO CONTRA OS INIMIGOS DE DEUS

De uma carta a Ivo, Cardeal do titulo de São Damaso:

O Mestre Pedro Abelardo, Monge sem regras e Bispo sem cura de almas, pois já não pertence a nenhuma Ordem, nem quer sujeitar-se a ordem alguma, homem paradoxal e contraditório, é por fora um São João, sendo por dentro um Herodes. Ambíguo em todas as suas obras, não conserva de Monge senão o nome e o hábito... Do lugar que ocupa, prega esse homem a iniquidade, altera a integridade da fé e corrompe a pureza imaculada da Igreja. Ultrapassa todos os limites postos pelos Santos Padres, e desata a falar e escrever segundo seu capricho — dando, acrescentando e tirando como lhe apraz — a respeito dos dogmas da fé, dos Sacramentos e da SS. Trindade. Em seus livros e em suas obras mostra-se embusteiro e artífice de embustes, propagandista e devoto dos mais ímpios dogmas, e herege protervo, não tanto por seus próprios erros, quanto pela pertinácia com que se empenha em defendê-los. Esse homem... pretende desvirtuar a eficácia da Cruz de Cristo com a vã sabedoria de suas próprias palavras. Nada ignora a respeito de quanto existe na terra e nos céus. Só não conhece a si mesmo.

Foi condenado em Soissons, juntamente com seu livro, perante o Legado da Santa Igreja Romana... ; como se essa condenação não lhe bastasse, empenha-se em obter outras, e seus novos erros são muito piores que os primeiros. Goza de grande segurança, apesar de tudo, pois se jacta de que os Cardeais e demais Clérigos da Cúria Romana não passam de discípulos seus, e toma-os por protetores e advogados que saiam em defesa do passado erro e dos embustes novos, quando deveria tê-los por juízes que o condenassem. Se há alguém que sinta o espírito de Deus, recorde-se daquele versículo: "Não é verdade, Senhor, que fui inimigo de vossos inimigos, e sentia contra eles um zelo que me consumia?" (SI. 138, 21). Digne-Se Deus servir-Se de vós, e de outros filhos fiéis, para libertar a Igreja dos lábios mentirosos dos maus e da língua falaz dos ímpios. — ( "Obras completas del Doctor Melifluo, San Bernardo, Abad de Claraval", trad. do Pe. Jaime Pons. S. J. — ed. Rafael Casulleras, Barcelona, 1929 — vol. V, "Epistolario", p. 402, carta 193 ) .