PRIMEIRO MARCO DO RESSURGIMENTO CONTRA-REVOLUCIONÁRIO
Plinio Corrêa de Oliveira
A 11 deste mês de fevereiro, transcorrerá o centenário da primeira das aparições de Lourdes.
O fato, na singeleza de suas linhas mais essenciais, ninguém o ignora. Em 1854, pela Bula “Ineffabilis”, o grande Papa Pio IX definia como dogma a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Em 1858, de 11 de fevereiro a 16 de julho, Nossa Senhora aparecia dezoito vezes, em Lourdes, a uma filha do povo, Bernadette Soubirous, declarando ser a Imaculada Conceição. A partir dessa ocasião, tiveram início os milagres. E a grande maravilha de Lourdes começou a brilhar aos olhos de todo o mundo, até nossos dias. O milagre confirmando o dogma, eis em resumo a relação entre o acontecimento de 1854 e o de 1858.
O que, entretanto, é menos conhecido pelo grande público é a relação desses dois grandes fatos com os problemas dos meados do século XIX, tão diversos dos de hoje, mas ao mesmo tempo tão e tão parecidos com eles.
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Ao definir o dogma da Imaculada Conceição, o Papa Pio IX despertou em todo o orbe civilizado repercussões ao mesmo tempo díspares e profundas.
De um lado, em grande parte dos fiéis, a definição do dogma suscitou um entusiasmo imenso. Ver um Vigário de Jesus Cristo erguer-se na plenitude e na majestade de seu poder, para proclamar um dogma em pleno século XIX, era presenciar um desafio admiravelmente sobranceiro e arrojado ao ceticismo triunfante, que já então corroia até as entranhas a civilização ocidental. Acresce que esse dogma era marial. Ora, o liberalismo, outra praga do século XIX, tende por sua própria natureza ao interconfessionalismo, à afirmação de tudo o que as várias religiões têm em comum (o que em última análise se reduz a um vago deísmo), e a uma subestimação, quando não a uma formal rejeição de tudo quanto as separa. Assim, a proclamação de um novo dogma mariano - precisamente como ocorreu em alguns arraiais com a definição recente da Assunção - se afigurava aos interconfessionalistas ocultos ou declarados de 1854 uma séria e inesperada barreira para a realização de seus desígnios. Mais ainda, o novo dogma, em si mesmo considerado, chocava a fundo o espírito essencialmente igualitário da Revolução que, a partir de 1789, reinava despoticamente no Ocidente. Ver uma simples criatura de tal maneira elevada sobre todas as outras, por um privilégio inestimável, concedido no primeiro instante de seu ser, é coisa que não podia nem pode deixar de doer aos filhos da Revolução que proclamava a igualdade absoluta entre os homens como o princípio de toda ordem, de toda justiça e de todo bem. Aos não-católicos, como aos católicos mais ou menos infectados do espírito de 1789, doía-lhes aceitar que Deus tivesse instalado com tanto realce, na Criação, um elemento de tão caracterizada desigualdade.
Por fim, a própria natureza do privilégio é antipática para espíritos liberais. Se alguém admite o pecado original com toda a sequela de desregramentos da alma e misérias do corpo que ele acarretou, há de aceitar que o homem precisa de uma autoridade, a cujo império tem de viver sujeito. Ora, a definição da Imaculada Conceição implicava numa reafirmação implícita do ensinamento da Igreja a este respeito.
Todavia, por mais que tudo isto seja, não estava só nisto o que ousaríamos chamar o sal do glorioso acontecimento da definição do dogma. É impossível pensar na Virgem Imaculada sem ao mesmo tempo lembrar a serpente cuja cabeça Ela esmagou triunfal e definitivamente com o calcanhar. O espírito revolucionário é o próprio espírito do demônio, e seria impossível, para uma pessoa de fé, não reconhecer a parte que o demônio tem no aparecimento e na propagação dos erros da Revolução, desde a catástrofe religiosa do século XVI até a catástrofe política do século XVIII e tudo quanto a esta se seguiu. Ora, ver assim afirmado o triunfo de sua máxima, de sua invariável, de sua inflexível inimiga, era, para o poder das trevas, a mais horrível das humilhações. De onde um concerto de vozes humanas e rugidos satânicos por todo o mundo, semelhante a uma imensa e fragorosa tempestade. Ver que contra essa tempestade de paixões inconfessáveis, de ódios ameaçadores, de desesperos furiosos, se erguia só, e intrépida, a figura majestosa do Vigário de Cristo, desarmada de todos os recursos da terra e fiada apenas no auxílio do Céu, era fonte, para os verdadeiros católicos, de um júbilo igual ao que sentiram os Apóstolos vendo erguer-se, na tempestade desencadeada sobre o Lago de Genesareth, a figura divinamente varonil do Salvador, a comandar soberanamente os ventos e os mares: “venti et mare oboediunt ei” (Mt. 8, 27).
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Assim como diante dos hunos se deixaram derrotar ou debandaram todos os generais e governadores do Império Romano, assim também, diante da Revolução, estavam em deplorável derrota ou debandada, em número incontável, os que na sociedade temporal deveriam defender a Igreja e a civilização cristã.
Nesta situação, de uma nobre e solene dramaticidade, Pio IX, como São Leão Magno, era o único a enfrentar o adversário e a lhe impor a retirada.
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Recuar? A proposição parece ousada. Entretanto, nada mais verdadeiro. A partir de 1854, a Revolução começou a sofrer suas grandes derrotas.
É certo que, na aparência como na realidade, ela continuou a desenvolver seu império sobre a terra. O igualitarismo, a sensualidade, o ceticismo foram
(continua)