Pontifical em rito bizantino na Basílica de São Pedro. — Na harmônica variedade de seus ritos se afirma a esplendida unidade da Igreja. Analogamente, na providencial variedade das associações do apostolado dos leigos está sua verdadeira unidade.

Considerações a respeito da reforma da Ação Católica

A recente alocução do Santo Padre aos participantes do II Congresso Mundial do Apostolado dos Leigos é talvez o documento pontifício de maior importância até hoje publicado sobre o assunto.

Por isso mesmo, esperávamos que em nosso país, onde tantas são as pessoas de projeção intelectual que têm escrito frequentemente sobre Ação Católica, as sabias palavras do Santo Padre dessem origem a uma verdadeira floração de comentários e obras explicativas. Aguardávamos essa ocasião, para também nós trazermos ao estudo do assunto nossa modesta contribuição. E foi nessa expectativa que, em nosso no 84, de dezembro último, publicamos os tópicos essenciais daquela admirável alocução.

Até agora, entretanto, não soubemos de algum trabalho que tenha rompido o silêncio, abrindo caminho à grande caudal de estudos que, por certo, tema tão atual merece.

A título de subsidio e estímulo, traduzimos hoje o luminoso artigo que, sob o título supra, a revista "Acies Ordinata", órgão do Secretariado Central das Congregações Marianas, de Roma, publicou em latim sobre a mencionada alocução pontifícia, em seu no de novembro-dezembro de 1957.

Por sua concisão, clareza e serenidade, merece ele análise detida de quantos se interessam pelo assunto.

Para facilitar essa análise, reproduziremos antes a passagem do discurso de Sua Santidade focalizada pela "Acies Ordinata":

"Para resolver esta dificuldade, consideram-se duas reformas práticas: uma de terminologia, e como corolário, outra de estrutura. Primeiramente seria necessário restituir ao termo "Ação Católica" seu sentido geral e aplicá-lo unicamente ao conjunto dos movimentos apostólicos leigos organizados e reconhecidos como tais, nacional ou internacionalmente, quer pelos Bispos no plano nacional, quer pela Santa Sé para os movimentos que visam ser internacionais. Bastaria então que cada movimento particular fosse designado por seu nome e caracterizado em sua forma especifica, e não segundo o gênero comum. A reforma de estrutura seguiria a da fixação do sentido dos termos. Todos os grupos pertenceriam à Ação Católica e conservariam seu nome próprio e sua autonomia, mas formariam, todos conjuntamente, como Ação Católica, uma unidade federativa. Cada Bispo ficaria livre de admitir ou recusar este ou aquele movimento, de mandatá-lo ou não, mas não lhe competiria recusá-lo como não sendo de Ação Católica por sua própria natureza. A realização eventual de um tal projeto requer naturalmente uma reflexão atenta e prolongada. Vosso Congresso pode oferecer uma ocasião favorável de discutir e examinar esse problema, ao mesmo tempo que outras questões similares".

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA REFORMA DA AÇÃO CATÓLICA

É muito provável que em diversos países as Federações e os Secretariados nacionais careçam de auxílio no estudo pedido pelo Santo Padre. Por isso, julgamos oportuno oferecer, sem presunção, algumas considerações que ajudem a alcançar o fim almejado.

RESTABELECIMENTO DO SENTIDO GENÉRICO DA DENOMINAÇÃO AÇÃO CATÓLICA

O Santo Padre não fala de inovação, mas sim de restabelecer alguma coisa ("il faudrait restituer au terme d'Action Catholique son sens général").

Com efeito, se consideramos a história da "Ação Católica", fácil e claramente percebemos que:

1. A essência da Ação Católica, a saber, a cooperação dos leigos no apostolado da Hierarquia, sempre existiu na Igreja; o nome, porém, é novidade do século XIX.

2. Este nome apareceu pela primeira vez na Itália, onde até 1918 sempre foi tomado em sentido genérico, para designar o conjunto das obras e associações que de algum modo militavam pela Igreja.

3. Desde 1918 este nome de Ação Católica na Itália começou a ser atribuído a uma certa e determinada associação.

4. Na Encíclica "Ubi Arcano", a primeira do Papa Pio XI para todo o orbe, publicada em 1922, a palavra "Ação Católica" também é tomada em sentido genérico. Eis o texto: "Daí vem que Nos é muito caro o conjunto ou complexo das instituições, associações e obras compreendidas pelo nome de Ação Católica".

5. Não há nenhum documento da Igreja em que se recomende para todo o mundo a mudança desse sentido da expressão Ação Católica.

6. Não há documento nenhum em que se proponha como exemplo para outras nações a Ação Católica Italiana.

7. Principalmente depois de 1922, começaram muitos países a imitar a Itália, dando o nome de Ação Católica a uma certa e determinada associação.

RAZÃO PRINCIPAL DA REFORMA

Todas as razões referidas pelo Santo Padre podem ser reduzidas a uma só: não convém designar pelo nome do gênero uma certa e determinada espécie. Por conseguinte, conforme diz o Sumo Pontífice — e conforme a grande maioria dos tratadistas — não existe uma forma só de Ação Católica "oficial", mas muitas formas de Ação Católica, e, como o declarou muitas e muitas vezes o Papa Pio XII, todas elas pertencem, igualmente e na mesma categoria, ao Apostolado oficial dos leigos (em contraposição ao Apostolado livre dos leigos). Todas estas formas são diversas espécies de um gênero só, isto é, da Ação Católica ou do Apostolado oficial dos leigos. Admitido este princípio, fica claro que todas estas diversas espécies hão de ser designadas por diversos nomes específicos, e que nenhuma delas convém que tome para si o nome do gênero, para que não resulte daí perigo de confusão e outras mais dificuldades.

Ilustremos o assunto com um exemplo. Na Igreja existem muitas formas de Congregações Religiosas (gênero), e delas cada uma tem o seu nome especifico (espécie). Nenhuma Congregação Religiosa se denomina simplesmente "Congregação Religiosa", embora de pleno direito seja Congregação Religiosa.

Por conseguinte, a fim de que à Ação Católica se restitua seu sentido genérico, em primeiro lugar e de per si deve-se admitir que:

1. Na Igreja há diversas formas de Ação Católica, como espécies diversas de um gênero só.

2. Nenhuma destas formas tem o privilégio de principal relativamente às outras.

REFORMA DA ESTRUTURA DA AÇÃO CATOLICA

Esta reforma — como diz na Alocução o Santo Padre — é um corolário do restabelecimento do sentido genérico do próprio nome.

É muito de se notar que o fim principal desta reforma é alcançar maior união e cooperação de todas as associações do Apostolado dos leigos, sem nunca perder de vista a mutua caridade e benevolência. Assim, propõe-se que todas as formas de Ação Católica se unam numa Federação de associações autônomas, e que tão somente esta Federação tenha o nome de "Ação Católica".

Esta "reforma de estrutura" não é novidade em muitos lugares. Pois a forma federativa de Ação Católica já existe em muitos países, como, por exemplo, nas Filipinas, e de certo modo na Alemanha, nos Estados Unidos, na Holanda, na Índia, na Indonésia e outros. Esta reforma há de ser introduzida tão somente nos países onde se constituiu uma Ação Católica "unitária" a exemplo da Itália.

CONFUSÃO ACERCA DA AÇÃO CATOLICA "TOTALITARIA"

A todos os nossos leitores recomendamos com empenho a leitura do capítulo XIV do livro do Pe. Villaret, "Petit Abrégé d'Histoire", intitulado "L'Action Catholique". O livro foi escrito em 1950, mas o texto original só foi localizado em 1952, depois da morte do Pe. Villaret. Julgamos que não se pode encontrar nada mais claro a respeito da evolução das dificuldades acerca da Ação Católica, dificuldades estas que — segundo parece — o Papa Pio XII pretende agora resolver de uma vez por todas. Sobre elas costumam guardar silêncio os manuais de Ação Católica: mas, para compreender a reforma proposta pelo Papa, é preciso considerá-las.

O Pe. Villaret, como Diretor que era do Secretariado Central das Congregações Marianas, conhecia muito bem o pensamento de Pio XI e de Pio XII, e assim se exprime: "Car il (Pio XI) précisait nettement que cette organisation officielle (Ação Católica Italiana) n'avait pas à être unique ni partout la même, mais adaptée à toutes les conditions particulières des pays. Et ce fut là encore une confusion fâcheuse assez répandue. On crut que la forme "totalitaire" établie en Italie, où les conditions politiques d'alors la rendaient opportune sinon nécessaire, devait être adoptée partout. Bien au contraire, le Souverain Pontife ne cacha pas sa satisfaction de voir ailleurs l'Action Catholique organisée sous d'autres formes et, en particulier, sous la forme fédérative ... "

Já em 1948 o Papa Pio XII nomeia explicitamente a forma federativa, e isso na Constituição Apostólica "Bis Saeculari": "Congregationes Marianae eodem ordine atque ceterae consociationes apostolicae apostolicum finem prosequentes sunt censendae, sive cum hisce sint foederatae, sive cum ipso Actionis Catholicae coetu primario una simul cohaereant" ("As Congregações Marianas devem ser tidas na mesma categoria que as demais associações aplicadas à finalidade apostólica, quer estejam federadas com estas, quer estejam ligadas ao próprio núcleo primário da Ação Católica").

CONFUSÃO A RESPEITO DA PRIMAZIA

Algumas das expressões acima citadas — a saber, "sive cum ipso Actionis Catholicae coetu primario una simul cohaereant" ("quer estejam ligadas ao próprio núcleo primário da Ação Católica") — tomadas em sentido restrito e, por isso, não corretamente entendidas, aumentaram a confusão aludida, ou melhor, geraram nova confusão.

Mas, basta que a mente se fixe bem na idéia principal, para que, dissipado qualquer erro, tudo se esclareça. A idéia principal é a igualdade ou identidade de categoria: "eodem ordine censendae sunt" ("devem ser tidas na mesma categoria"). Por conseguinte, se nos complementos circunstanciais se fala de "coetus primarius", este "coetus" há de ser entendido de tal modo que não se oponha à idéia principal. Mas necessariamente se opõe a ela se, por "cum ipso coetu", se quiser entender "cum Actione Catholica primaria" ("com a Ação Católica primaria"), como se as demais associações fossem de classe inferior.

Assim, pois, que significa "coetus primarius" da Ação Católica? Como podem ser duplas as relações das Congregações Marianas com a Ação Católica, quis o Santo Padre assegurar a igualdade de categoria em ambos os casos, isto é, não só quando a união se dá por federação — na qual todas as associações federadas se consideram, "per se", da mesma categoria — como também quando ela se dá por adesão, a qual deve ser concebida de tal maneira que as associações aderentes sejam tidas como pertencentes a uma mesma categoria. Mas o Santo Padre, que poderia ter dito simplesmente "cum Actione Catholica (já se entende: a associação que costuma ser assim chamada) adhaereant" ("quer estejam ligadas à Ação Católica"), preferiu exprimir mais amplamente o modo desta adesão. E ela, conforme o pensamento do Santo Padre, se realiza suficientemente no conjunto (não necessariamente pelos membros individualmente considerados), isto é, "com o coetu centrali, directivo, ou — mais conforme a latinidade áurea — primário da Ação Católica". Assim fica preparado o caminho para as restantes expressões deste item XII da Constituição Apostólica: "ora, ... não é necessário que cada congregado, individualmente, dê seu nome a outra associação" ("alii coetui").

Assim o entenderam os tradutores da Constituição Apostólica "Bis Saeculari" para as diversas línguas: para o italiano, "organo centrale dell'A. C." (conforme o "Osservatore Romano" de 17 de outubro de 1948); para o alemão, "Hauptestelle der K. A."; para o espanhol, "un núcleo primario de A. C.", etc.

Vendo, porém, ganhar vulto entre muitos a idéia da primazia da Ação Católica, o Sumo Pontífice, a fim de afastá-los do erro, tendo ocasião de falar à Ação Católica Italiana, em 3 de maio de 1951, disse claramente: "Nem tem a Ação Católica por sua natureza a missão de estar à frente de outras associações e de exercer sobre elas o munus de um como que patronato revestido de autoridade. O fato de que ela mesma esteja sob a imediata direção da Hierarquia não traz consigo tal conseqüência" ("Osservatore Romano" de 6 de maio de 1951). Pouco depois, no dia 1o de julho, falando à Juventude Feminina da Ação Católica Espanhola, como soubesse que naquele Congresso havia muitas congregadas marianas, disse: "as quais (congregadas marianas) são tão bons soldados da Ação Católica como vós..." ("Osservatore Romano" de 2-3 de julho de 1951).

Contudo, como estas e outras declarações fossem, ao que parece, julgadas insuficientes pelo Santo Padre, neste II Congresso do Apostolado dos Leigos propôs ele um remédio mais eficaz: reformar o nome e a estrutura da Ação Católica.

A FORMA FEDERATIVA É A QUE MAIS CONVEM

O alvitre do Santo Padre, de aceitar-se tão somente a estrutura federativa da Ação Católica, deve, a nosso ver, ser reputado muitíssimo oportuno. Pelas seguintes razões:

1. Esta forma põe fim a todas as discussões a respeito de primazia, hoje mais do que nunca deploráveis.

2. Põe fim à errônea opinião de que a forma italiana deve servir de modelo para todas as nações.

3. A união e a cooperação podem desenvolver-se melhor.

4. A experiência ensina que a forma federativa não gera nenhuma confusão ou dificuldade, e, pelo contrário, muitas gera a forma "totalitária".

5. A forma federativa concilia de modo feliz a necessária unidade com a diversidade. A unidade de direção, proveniente da Hierarquia, aí se harmoniza com a legítima diversidade das associações, que, todas, cooperam com a mesma Hierarquia.

6. A forma federativa, mais do que a forma unitária, estimula a responsabilidade, a atividade, a iniciativa das diversas associações.

7. A forma federativa parece melhor convir ao espírito da Igreja, que é um espírito de sadia liberdade.

8. As associações que até agora tinham a denominação de "Ação Católica" nada perdem, no sistema federativo, de sua constituição íntima. Continuam Ação Católica, continuam autônomas, conservam todas as suas notas especificas. A elas se pede, tão somente, que usem nome especifico, que reconheçam que as outras associações com mandato da Hierarquia são Ação Católica constituída do mesmo modo e na mesma categoria que elas, e, por fim, que de maneira permanente cooperem com as outras associações na União Federativa, sob a autoridade exclusiva da Igreja.


VERDADES ESQUECIDAS

AMALDIÇOAR PODE SER ATO DE VIRTUDE

De São Tomás de Aquino na Suma Teológica:

Se se deseja ou ordena o mal de outrem enquanto mal, com intenção do próprio mal, nesse caso será ilícito amaldiçoar..., e esta é a maldição propriamente dita.

Mas se alguém ordena ou deseja o mal de outrem em atenção a um bem então é lícito, e não haverá maldição em sentido próprio.

O mal pode ser ordenado ou desejado em atenção a um duplo bem. Algumas vezes por justiça, e assim... a Igreja amaldiçoa anatematizando ... Outras vezes se amaldiçoa por razão de utilidade, como acontece quando alguém deseja que um pecador sofra uma doença ou qualquer impedimento, para que se torne melhor, ou ao menos para que cesse de prejudicar os outros. -- (S. T. 2a. 2ae., q. 76, a. 1).