MENSAGEM DE NATAL
"DIGNE-SE O PRINCIPE DA PAZ COMPLETAR O QUE MAIS FALTA À HARMONIA DO MUNDO"
4. — Humanismo pluralista?
À ação cristã é tão impossível hoje em dia quanto outrora, renunciar a seu título e caráter unicamente porque alguns vêem na sociedade humana atual uma sociedade dita pluralista, dividida pela oposição de mentalidades inabaláveis em suas posições respectivas e incapazes de admitir uma colaboração que não se estabeleça sobre o plano simplesmente "humano". Se este "humano" significa, como parece, agnosticismo para com a Religião e os verdadeiros valores da vida, todo convite à colaboração equivaleria a um pedido de abdicação, em que o cristão não pode consentir. De resto, de onde este "humano" tiraria a força de obrigar, de fundamentar a liberdade de consciência para todos, senão do vigor da ordem e da harmonia divina? Este "humano" acabaria por criar um "ghetto" de novo gênero, mas privado de caráter universal.
5. — A ordem e a harmonia no mundo, ponto de apoio de todos os homens retos
A ordem e a harmonia divinas no mundo devem, portanto, ser o principal ponto de apoio da ação, não somente dos cristãos, mas de todos os homens de boa vontade, em vista do bem comum; sua conservação e desenvolvimento devem ser a lei suprema que preside aos grandes encontros entre os homens. Se a humanidade de hoje não entrasse em acordo acerca da supremacia desta lei, isto é, do respeito absoluto da ordem e da harmonia universais no mundo, seria difícil prever a sorte que esperaria as nações. A necessidade deste acordo foi sentida praticamente quando, há pouco, certos especialistas das ciências modernas manifestaram dúvidas e inquietações pessoais com relação ao desenvolvimento da energia atômica. Sejam quais forem atualmente suas deduções e resoluções, é certo que as dúvidas destes homens de grande valor se referiam ao problema da existência, aos fundamentos mesmos da ordem e da harmonia no mundo. Ora, quando se discute se convém ou não realizar o que o gênio humano tem a possibilidade de atingir, é necessário convencer-se de que toda resolução deve depender da conservação destes bens: a ordem e a harmonia.
6. — Progressos técnicos perigosos
Hoje uma sedução quase cega do progresso arrasta as nações a negligenciar perigos evidentes e a não levar em conta perdas não indiferentes. Quem não vê, com efeito, como o desenvolvimento e a aplicação de certas invenções acarretam quase por toda parte prejuízos sem proporção com as vantagens, mesmo de natureza política, que delas derivam, e que se poderiam obter por outros meios com menos gastos e perigo, ou adiar decididamente para tempos melhores? Quem poderia traduzir em cifras o prejuízo econômico do progresso não inspirado pela sabedoria? Tamanha quantidade de materiais, tantos capitais devidos à poupança, frutos de restrições e fadigas, tanto trabalho humano subtraído a necessidades urgentes, consomem-se para preparar armas novas, de modo que mesmo os povos mais ricos devem prever que um dia deplorarão um perigoso enfraquecimento na harmonia da economia nacional; por vezes, até, já o deploram, embora procurem ocultá-lo a si mesmos.
7. — A corrida armamentista
Se se reflete bem e se julga de realista a atual concorrência entre as nações para fazer alarde de seus progressos nos armamentos (ressalvado sempre o direito de defender-se) produz de fato "sinais no céu", porém ainda mais sinais de orgulho, deste orgulho que cava abismos entre os espíritos, alimenta os ódios e prepara lutos. Saibam pois os espectadores da concorrência moderna reduzir os fatos a suas justas proporções e, sem recusar tentativas de acordos pacíficos, sempre desejáveis, não se deixem iludir por recordes frequentemente momentâneos, nem dominar por temores suscitados precisamente para captar a simpatia e o apoio de outrem, pois pertencem a uma geração de homens em que o "homo faber" prevalece muitas vezes sobre o "homo sapiens". Predomine então o homem cristão, que usa da liberdade de espírito decorrente de sua visão mais ampla das coisas para reencontrar na consideração objetiva dos acontecimentos o repouso e a firmeza de espírito que têm raízes no Espírito divino, sempre presente e exercendo sua Providencia no mundo.
8. — Apelo à paz
Mas o ponto em que, afinal, os defensores da harmonia divina no mundo são convidados a aplicar o melhor de seus esforços, é o problema da paz. A vós, a todos os que conhecem Nosso pensamento, bastará de momento, e como que para tranquilizar Nosso espírito incansavelmente votado a causa da paz, que relembremos as finalidades imediatas que as nações devem propor-se e realizar. Nós o fazemos com espírito paternal e como que para interpretar os ternos vagidos do Divino Infante de Belém, autor e penhor de toda a paz sobre a terra e nos céus.
A lei divina da harmonia no mundo impõe estritamente a todos os governantes dos povos a obrigação de impedir a guerra por meio de instituições internacionais capazes de colocar os armamentos sob uma vigilância eficaz; de desencorajar, pela segurança da solidariedade entre as nações que sinceramente querem a paz, quem desejasse perturbá-la. Estamos seguro de que este elo não deixaria de cerrar-se cada vez mais, ao primeiro sinal de perigo, como claramente o confirmaram certas manifestações ainda recentes; mas trata-se, não tanto de procurar os remédios, quanto de prevenir as perturbações da ordem, de proporcionar um alívio bem merecido ao mundo que já sofreu demais. Nós, que Nos temos aplicado mais de uma vez, em momentos críticos, a consolidar esta solidariedade por meio de advertências e conselhos, e que consideramos como missão divina de Nosso Pontificado unir fraternalmente os povos na paz, renovamos Nossa exortação a que entre os verdadeiros amigos da paz cesse toda rivalidade, seja eliminada toda causa de desconfiança. A paz é um bem tão precioso, tão fecundo, tão desejável e tão desejado, que todo esforço para defendê-la é bem empregado, mesmo com sacrifício mutuo de aspirações particulares legítimas. Estamos certo de que os povos pensam sem hesitação como Nós e esperam o mesmo sentimento de seus governantes.
Que da manjedoura de Belém o Príncipe da paz suscite, conserve, confirme estas disposições, e que, na solidariedade de todos os homens de boa vontade, Ele Se digne completar aquilo que mais falta para a realização da ordem e da harmonia queridas no mundo por seu Criador.
DESVIOS LITURGICISTAS
NOVA MEDIDA DO SANTO OFÍCIO
"Osservatore Romano", em sua edição em francês de 21 de fevereiro p.p., publicou o seguinte importante documento:
"S. CONGREGAÇÃO DO SANTO OFÍCIO
Esta Suprema Congregação foi informada de que, a pretexto de voltar à antiga liturgia ou de ajudar os fiéis a participar dos ofícios religiosos, alguns procuravam, através de escritos, inserir nas cerimônias litúrgicas e até na celebração da Santa Missa orações e preces novas ou caídas em desuso, ou leituras tiradas da Sagrada Escritura, bem como eliminar algumas outras.
Por isso, esta S. Congregação quer, com aprovação do Soberano Pontífice, recomendar aos Ordinários - a quem incumbe o direito e o dever de velar pela exata observância dos Sagrados Cânones (Canon 1261, § 1°) — que não permitam introduzir nas funções litúrgicas, sem consulta à Sé Apostólica, novos ritos e cerimônias, leituras e preces, ou suprimir nelas o que quer que seja.
Os Ordinários advirtam igualmente aos Clérigos seculares e regulares que se reserva à Sé Apostólica fixar a liturgia sagrada, aprovar os livros litúrgicos e as novas ladainhas a serem recitadas em público (cânones 1257 e 1259, § 2.°); as preces e os exercícios de piedade não podem ser autorizados nas igrejas e oratórios sem revisão e expresso assentimento do Ordinário, o qual, nos casos mais difíceis, é obrigado a submeter toda a questão à Sé Apostólica (Canon 1259, § 1°).
Dado em Roma, no Palácio do Santo Oficio, aos 14 de fevereiro de 1958.
Artur De Jorio
Notário".
VERBA TUA MANENT IN AETERNUM
• Gravíssimo erro admitir que fora da unidade católica é possível a salvação eterna
PIO IX: E aqui, queridos Filhos e Veneráveis Irmãos, é mister recordar e de novo censurar o gravíssimo erro em que miseravelmente se encontram alguns católicos, ao opinar que os homens que vivem no erro e alheios à verdadeira Fé e à unidade católica podem chegar à salvação eterna. O que certamente se opõe em sumo grau à doutrina católica. E coisa notória a Nós e a Vós que os que padecem de ignorância invencível acerca de nossa Religião santíssima, que cuidadosamente observam a lei natural e seus preceitos, esculpidos por Deus nos corações de todos, e estão dispostos a obedecer a Deus e levam vida honesta e reta, podem conseguir a vida eterna, pela operação da virtude da luz divina e da graça. Pois Deus, que manifestamente vê, esquadrinha e conhece a mente, o ânimo, os pensamentos e costumes de todos, não consente de modo algum, em sua bondade e clemência sumas, que alguém seja castigado com suplícios eternos sem ser réu de culpa voluntaria. Mas bem conhecido é também o dogma católico, a saber, que ninguém pode salvar-se fora da Igreja Católica, e que os contumazes contra sua autoridade e definições, bem como os pertinazmente separados da unidade da mesma Igreja e do Romano Pontífice, sucessor de Pedro, "a quem foi confiada pelo Salvador a guarda da vinha" (Concilio de Calcedônia, na relação a São Leão I), não podem alcançar a salvação eterna. — (Encíclica "Quanto Conficiamur Moerore" aos Bispos da Itália, de 10-VIII-1863; D. 1677).
• Mitigar a doutrina para atrair os dissidentes?
LEÃO XIII: O fundamento sobre que, em última análise, se baseiam as novas idéias que referimos é o seguinte: com o fim de atrair mais facilmente os dissidentes à doutrina católica, deve afinal a Igreja aproximar-se um pouco mais da cultura deste século já adulto e, afrouxando a antiga severidade, condescender com os princípios e modos recentemente introduzidos entre os povos. E muitos pensam que isto se deve entender não só da disciplina da vida, mas também dos ensinamentos em que está contido o depósito da fé. Pretendem, com efeito, que é oportuno, para atrair as vontades dos discordantes, omitir certos pontos de doutrina, como se fossem de menor importância, ou mitigá-los a ponto de não conservarem o mesmo sentido que a Igreja constantemente manteve. Mas para demonstrar com que reprovável desígnio tenha sido tudo isto excogitado... não se carece de longo discurso, em que se recorde a natureza e a origem da doutrina que a Igreja ensina. Diz a este propósito o Concilio do Vaticano: "E jamais deverá alguém afastar-se desse sentido (dos sagrados dogmas, uma vez declarado pela Santa Madre Igreja), sob pretexto e nome de mais elevada inteligência" — (Carta "Testem Benevolentiae", sobre o Americanismo, ao Card. Gibbons, de 22-I-1899).
• A competência do magistério da Igreja se restringe ao domínio dos princípios?
PIO XII: Alguns quiseram limitar o objeto da competência do magistério eclesiástico ao domínio dos princípios, com exclusão dos fatos, da vida concreta. Pretende-se que este último campo depende do leigo, que aí este se encontra em seu terreno próprio, onde desenvolve uma competência que falta à autoridade eclesiástica. Seja-Nos suficiente repetir aqui que esta afirmação é insustentável: na medida em que se trata, não de constatar simplesmente a existência de um fato material, mas de apreciar as implicações religiosas e morais que ele comporta, está em jogo o destino sobrenatural do homem, e por conseguinte está empenhada a responsabilidade da Igreja; Ela pode e deve, em virtude de sua missão divina e das garantias recebidas para este efeito, precisar a medida de verdade e de erro que contem esta ou aquela linha de conduta, esta ou aquela maneira de agir. — (Discurso à União Mundial das Organizações Femininas Católicas, de 29-IX-1957).
OS CATÓLICOS IRLANDESES DO SÉCULO XIX
“MINHA ALMA A DEUS, MEU CORPO À IRLANDA, O CORAÇÃO AO PAPA”
Fernando Furquim de Almeida
Os liberais não simpatizavam com o movimento irlandês. Pois O’Connell combatia pela liberdade da Igreja, e não pela implantação dos erros da Revolução Francesa, e nessa luta usava exclusivamente armas legais, evitando sempre os métodos violentos, que serviam aos interesses revolucionários e eram tão comuns na Europa dessa época. Por outro lado, mostrando que a Igreja não tinha necessidade do apoio de outras forças para obter o reconhecimento de seus direitos, o triunfo de O'Connell constituía um incentivo a todos os movimentos católicos que então se formavam, para evitar as alianças oferecidas pelos revolucionários. Ora, sem elas estes não podiam lograr seus objetivos.
Os liberais recorreram então à manobra de que sempre se valem em situações como essa. Não podendo diminuir o prestígio do grande líder na Inglaterra, fizeram em todo o continente cair um silêncio completo sobre a Irlanda, ao mesmo tempo que tentavam uma infiltração no movimento irlandês, com o intuito de desvirtuar os ideais que o caracterizavam.
Os preconceitos protestantes e a obstinação do governo inglês contribuíram poderosamente para o êxito dessa política. Os jovens, impacientes, não mais queriam esperar os resultados que O’Connell só obtinha pouco a pouco, embora de modo seguro. Desejavam que a vitória fosse imediata, ainda que tivessem de usar a força contra os poderes constituídos. A formação da "Jovem Irlanda" que tinha por finalidade principal obter a liberdade da pátria a qualquer preço encontrou eco no seio do movimento de O’Connell, cuja unidade foi assim quebrada. Os últimos anos do "Libertador" foram amargurados por essa cisão. Como se não bastasse essa prova a quem até então só conhecera triunfos, a fome assolou a Irlanda, vitimando um quarto da população e provocando o êxodo dos que não queriam morrer à míngua.
O combate à carestia e às suas consequências e a luta contra a "Jovem Irlanda" consumiram as últimas forças de O’Connell. Velho e alquebrado, decide ir a Roma consultar Pio IX, recentemente eleito, sobre os problemas de sua terra. A 14 de maio de 1847, em Gênova, a caminho da Cidade Eterna, morre o "rei mendigo", legando "sua alma a Deus, seu corpo à Irlanda e o coração ao Papa".
A Irlanda perdeu com O’Connell uma de suas maiores glórias, e a Igreja um filho dedicado e obediente, que lhe deu a primeira das grandes vitórias que os ultramontanos multiplicariam durante o século XIX.
Em 1875, um lord católico de Dublin promoveu grandes solenidades por motivo do centenário de O’Connell. As festas constituíram verdadeira consagração da memória do "Libertador", e reuniram na Irlanda católicos de todo o mundo. Louis Veuillot, que não pôde comparecer, escreveu no “Univers” uma série de artigos comemorativos. Num deles, conta a visita que os católicos franceses fizeram a O’Connell quando de sua passagem por Paris, pouco antes de falecer. Vamos reproduzir um trecho que mostra até que ponto conseguira êxito a campanha de silêncio dos liberais:
“Tive a felicidade de saudar O’Connell poucos dias antes de sua morte, quando ele atravessou Paris indo para Roma. Éramos quinze ou vinte, não mais. Todos desconhecidos, exceto Montalembert, que nos conduzia. Nessa grande Paris, formávamos mais ou menos todo o partido católico. Se Montalembert tivesse querido reunir notoriedades, arriscar se ia a ir sozinho.
“O’Connell, já moribundo, tinha saído para respirar um pouco. Esperávamos sua volta sob as arcadas da Rua de Rivoli, à porta do modesto hotel em que ele estava hospedado. O dia terminava, um dia de inverno triste e chuvoso, e nós nos entretínhamos, com mágoa, a respeito de um revés que nossa causa acabava de sofrer numa das Câmaras. Ela tinha sido derrotada com desprezo, como de costume. Era nossa situação habitual. Nosso pequeno número também nos envergonhava. O’Connell, dizíamos, tem um povo em torno de si. Nesse momento ele voltava. Percebemo-lo em seu carro e descobrimo-nos. Alguns transeuntes nos perguntaram quem era.
— É O’Connell.
Ah!... Quem é O’Connell?
Um de nós, o médico J. P. Tessier, espírito e coração dos mais elevados, morto pouco depois sem deixar lembrança, e que a liberdade teria tirado da sombra, respondeu:
— Não é ninguém, é um homem.
E voltando se para mim:
— Pobre Irlanda, pobre liberdade, esse homem está morto!"
“Subimos entristecidos — prossegue Veuillot. — Apesar da fadiga, O’Connell quis receber-nos. Lembramo nos dele sentado numa poltrona, rodeado de cobertas, pálido e cansado. Montalembert dirige lhe a palavra. Respondeu com algumas frases que quase não ouvimos: Não desanimem... Eu morro... Chegar a Roma... Coragem!
“O’Connell moribundo, sem voz, sem gestos, era nesse momento a força visível de Deus entre os homens, o braço secular da Igreja. Estávamos no berço, e aquele que considerávamos com justiça como nosso chefe não era senão um cadáver. Retiramo-nos com a alma partida. Parecia que tudo estava acabado, e que sem O’Connell a longa noite retomaria seu império. Mas não — diz me Tessier — não! É necessário que o grão morra. É o semeador que cai. Ele semeou, a massa germinará. Esperemos os três dias”.
NOVA ET VETERA
CATOLICISMO OU ESPIRITO DE CLÃ
J. de Azeredo Santos
A memória humana, via de regra, é fraca. Sobretudo nos dias que correm, o tumultuar dos acontecimentos, o sem número de fatos sensacionais que se sucedem de modo ininterrupto, têm como consequência o desgaste, o cansaço, a indiferença da opinião pública.
Há, entretanto, certos lances da história recente que permanecem na memória de largos setores do público como se ontem houvessem acontecido. São por demais marcantes para se perderem no anonimato dos fatos diários e triviais. Foi, por exemplo, o que ocorreu com os debates suscitados pela questão da Ação Católica, há alguns lustros atrás.
ÇÁ E LÁ...
Era comum, no aceso da discussão, ouvir de alguns que somente no Brasil se levantavam tais "problemas de lana caprina" (como diziam), pois no resto do mundo tudo ia às mil maravilhas. Que na realidade o mal era geral, que havia confusão e mistificação um pouco por toda parte o tempo se encarregou de mostrá-lo. E ainda agora nos chega às mãos o livro "Catolicismo o Capillismo", de autoria do Revmo. Frei Juan Bautista M. Ferre, O. Carm. (Coleccion Mundo Mejor — Euramerica S.A., Madrid, 1957), que nos traz vivamente à memória uma obra que, há quinze anos atrás, foi objeto de apreciações profundamente contraditórias, até que recebeu aprovação e louvor do Santo Padre, em carta dirigida ao autor, em nome de Sua Santidade, pelo então Substituto da Secretaria de Estado, Mons. J. B. Montini.
Já vêem os leitores que nos referimos ao livro "Em Defesa da Ação Católica". Escreveu-o o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira — então Presidente da Junta Arquidiocesana da A. C. de São Paulo — não somente por verificar que a Ação Católica, conforme vinha sendo concebida e praticada por muita gente, estava eivada de erros graves que poderiam envenenar sua atividade, mas também porque tal movimento, sob o impulso de certos líderes extremados, tentava monopolizar o apostolado dos leigos.
Baseada em um misterioso mandato, que na opinião de alguns chegava a imprimir caráter, competiria a tal Ação Católica, com efeito, absorver toda a atividade apostólica do laicato. Havendo, embora, algumas divergências entre os que sustentavam essa tese, uns e outros pensavam, entretanto, “que o apostolado só pela A. C. deve ser desempenhado, e que, enquanto não acabam de morrer, as demais associações de apostolado devem exercer atividades modestas, apagadas e sem relevo, as únicas compatíveis com o processo involutivo de quem declina para a sepultura" ("Em Defesa da Ação Católica", p. 25).
A "BIS SAECULARI"
Assistimos a mais de uma conferência e participamos de mais de um círculo de estudo em que a conclusão obrigatória era que o apostolado pertencia exclusivamente à "Ação Católica oficial", cabendo às Congregações Marianas e demais associações de leigos "a vida de piedade", "a vida de devoção" (com o que se demonstrava completa ignorância do que seja o apostolado, que é um transbordamento da vida interior, e se confundia audaciosamente com mera carolice o programa dessas agremiações abençoadas pela Igreja).
Tudo isso são fatos recentes, do conhecimento de quantos se tenham dedicado, um pouco que seja, ao apostolado leigo em nosso meio, de uns vinte anos a esta parte. E é justamente este quadro que nos traça agora o autor de "Catolicismo o Capillismo" ao descrever o que ocorria em muitos ambientes católicos da Espanha. Também ali as Congregações Marianas, Pias Uniões, Ordens Terceiras e demais associações de leigos passaram a ser consideradas por muitos como superadas no que diz respeito ao apostolado, ao mesmo tempo que os setores chamados oficiais e "mandatados" da Ação Católica se apresentavam como instrumento moderno insubstituível e monopolizador das atividades no campo religioso e social.
Ora, em contraposição à opinião de vários tratadistas que já tiveram grande voga em seu país, cita o autor um dos trabalhos em que S. Excia. Revma. o Sr. D. Antonio de Castro Mayer, então Bispo Coadjutor de Campos, estuda o grave problema em apreço: "A Ação Católica e a Constituição Apostólica Bis Saeculari", trabalho esse reproduzido no volume "Las Congregaciones Marianas — Documentos Pontifícios", edição "Hechos y Dichos", Saragoça, 1953. E baseado na autoridade do ilustre Prelado, conclui o Revmo. Frei João B. Ferre que "a idéia de nossa doutrina é a que nasce do estudo da Constituição Apostólica Bis Saeculari: onde quer que se encontre um apostolado de seculares submetido à Hierarquia, exercendo sua atividade em bem das almas e segundo as orientações da Santa Igreja, aí temos A. C. em sentido próprio e estrito" (p. 68 de "Catolicismo o Capillismio").
E no capítulo dedicado às Congregações Marianas, diz o Carmelita espanhol: "Por isto, depois desta doutrina pontifícia (exposta no discurso de Pio XII a congregados marianos, de 21 de janeiro de 1945), não se deve estranhar a conclusão que o mesmo Pontífice tirava na Bis Saeculari: As Congregações Marianas podem ser chamadas com pleno direito Ação Católica sob a inspiração e amparo de Nossa Senhora, e a isto não se opõem sua conformação e características particulares, as quais, pelo contrário, são e seriam, como têm sido até agora, a proteção e defesa de sua melhor formação católica. O que equivale a dizer, segundo Monsenhor Antonio de Castro Mayer, a melhor Ação Católica" (p. 174).
DESPERTAR DO LETARGO
O mal causado pela aludida noção errada do apostolado leigo dificilmente pode ser avaliado. "Associações que têm seu lugar no Direito Canônico, se vêem como que privadas da atualidade, restringidos seus fins a limites puramente piedosos, o que é contrário a idéia primitiva e histórica destas associações. Esta atmosfera de tal modo invadiu escritos e opinião pública, que chegou a influir nestas mesmas associações, de forma que até seus Diretores e sua legislação atual se ressentiram desse influxo que as tem feito menos adaptadas aos tempos presentes" ("Catolicismo o Capillismo" pp. 14-15).
Graças a Deus, as últimas dúvidas — se é que ainda podia haver dúvidas sobre o assunto depois da "Bis Saeculari" — foram varridas pela luminosa alocução do Santo Padre Pio XII aos membros do II Congresso Mundial do Apostolado dos Leigos ("Catolicismo", n.° 84, de dezembro de 1957).
Agora, pois, que se acham aclarados os horizontes, urge recuperar o tempo perdido e ouvir o apelo que nos dirige o Vigário de Cristo para mobilização geral das forças católicas. É hora de despertarmos: "Escutai hoje dos lábios de vosso Pai e Pastor um grito de alerta: de Nós, que não podemos ficar mudo e inerte ante um mundo que caminha, sem o saber, por desvios que levam ao abismo almas e corpos, bons e maus, civilizações e povo... E agora chegou o tempo, amados filhos, já chegou o tempo dos passos definitivos; é o momento de sacudir o funesto letargo; é a hora em que todos os bons, todos os que se preocupam com os destinos do mundo, devem unir-se e cerrar fileiras; é o momento de repetir com o Apóstolo: Hora est iam nos de somno surgere (Rom. 13, 11). É hora de despertarmos do sono, porque está próxima nossa salvação!" (Alocução do Santo Padre Pio XII, 10 de fevereiro de 1952).