PALMATÓRIAS
Louvam-se os Santos por serem Martelos da Heresia...
(continuação)
dédalo de preocupações miúdas, incessantes, enervantes, que Deus colocou o homem no mundo? Não o creio. E, assim, a posição do tipo “Ambientes, Costumes, Civilizações” me parece totalmente falsa. Ela transforma a vida numa luta constante, em que uns poucos infelizes ficam na obrigação de dar com a palmatória em tudo e em todos, para se manterem fiéis aos princípios.
Ora, eu pretendo manter minha fidelidade aos princípios sem ser palmatória do mundo...
Um constante leitor
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Prezado leitor:
Deus é certamente o Deus dos simples. Não porém dos simplórios. Por isto mesmo, colocou-nos Ele num universo belo, claro, lógico, amigo, admirável pela simplicidade de suas grandes linhas harmoniosas; mas ao mesmo tempo dispôs, por detrás destes aspectos tão simples e graciosos, todo um insondável sistema de leis físicas ou biológicas em cuja consideração a mente se abisma. A inteligência humana, quando ágil, lúcida e equilibrada, ora repousa agradavelmente na contemplação dos aspectos aparentes, ora imerge, seduzida e entusiasmada, na análise de todas as maravilhas que esses aspectos encobrem, e na alternação entre preocupação e repouso, na passagem do fundo para a superfície, e vice-versa, realiza o plano de Deus, Criador infinitamente sábio e bom, tanto dos aspectos aparentes quanto das realidades profundas do universo. E que dispôs que de umas e de outras tirasse o homem seu proveito.
Este princípio, prezado leitor, o Sr. o admite sem dúvida quanto ao universo material... Pois, do contrário, sua argumentação seria a glorificação do atraso e da ignorância. O que diria o Sr., com efeito, se um analfabeto lhe viesse falar contra os cientistas que, olhando para um aprazível panorama, longe de se contentarem com apreciar despreocupadamente a formosura da natureza, se perdessem em ponderações sobre a composição geológica do terreno, refletissem sobre os mil mistérios da vida vegetal e animal, e por fim se detivessem na análise de todo o microfirmamento de energias, equilíbrio e beleza que cabe em um grão de areia que um deles tivesse retirado com o dedo, da ponta do sapato, e considerassem os mistérios riquíssimos da vida microbiana que na superfície do grão de areia pode existir? Com o entusiasmo que sem dúvida tem pelas ciências, o Sr. teria redarguido a esse analfabeto que esses cientistas são admiráveis, precisamente porque sabem ir além das aparências acessíveis ao olho nu e à inteligência medíocre ou indolente. Sua indignação sagrada teria feito aflorar a seus lábios, numa desordem eloquente, os exemplos de pequenas realidades que, analisadas por gênios, revelaram leis naturais estupendas e utilíssimas ao homem. Por certo, o Sr. se teria lembrado das historietas ou das legendas pitorescas de Galileu que, vendo balançar uma lamparina, daí deduziu seu sistema; e de Newton que, vendo cair uma maçã ao solo, tomou este fato comezinho como ponto de partida para o estudo da gravidade. O Sr. teria terminado dizendo que não estaríamos na era atômica se os homens tivessem julgado ridículo estudar o que existe, não no grão de areia ou na cabeça de alfinete, mas no átomo, que é tão menor...
Se o objetante lhe tivesse afirmado que havia risco para um médico, de cair sob as rodas de um automóvel, se ele atravessasse uma rua pensando nos inconvenientes dos gases tóxicos e por isto suspendendo ligeiramente a respiração para não inalar a fumaça de um ônibus, o Sr. teria cortado a discussão, retrucando que só conversa com gente séria. E isto porque o Sr. sabe perfeitamente que o próprio de um homem culto está em poder fazer equilibradamente ações comuns, vendo nelas não apenas o que qualquer um vê, senão mais do que isto, e considerando com um mesmo olhar lúcido, os aspectos superficiais e profundos das coisas. Assim, um geógrafo, para guiar bem seu automóvel numa estrada, não está proibido de ver com olhos de técnico o panorama, e um artista pode estar num trem olhando a beleza da paisagem, sem por isto se jogar pela janela do vagão.
Tudo isto é tão banal que, enfarado, o Sr. deixaria de lado seu mofino e analfabeto interlocutor, e cuidaria de outra coisa.
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Mas se tudo isto é tão banal, e se tudo isto o Sr. o sabe tão bem, porque não se lembrou de transpor estas considerações para o mundo das coisas espirituais?
É bem certo que este, por ser mais nobre que o da matéria, tem uma riqueza muito maior. E que num corpo pequeno como uma cabeça de alfinete – um cristal, por exemplo – o artista pode, tanto ou mais que o cientista, encontrar campo para considerações fecundas.
É certo, ainda, que o moralista pode descobrir em tudo uma significação moral importante, e que é para ele uma excelência o ser capaz de o fazer em tudo.
Então, se o Sr. acha ridículo imaginar um médico que atravessa a rua desvairado por reflexões técnicas, pois sabe que essa caricatura não corresponde à realidade, porque se compraz em pintar com estas cores ridículas o moralista?
Na verdade, caro leitor, se o Sr. se maravilha vendo um cientista esmiuçar as coisas da matéria, e se enerva com um pensador que esmiúça as coisas do espírito, reconheça que é porque o Sr. tem compreensão para com as primeiras, sente por elas afinidade e simpatia, enquanto é infenso às outras, que não compreende porque nelas se perde como num dédalo.
Em uma palavra, o Sr. é filho ideológico do materialismo, embora provavelmente creia na espiritualidade da alma.
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Por aí se vê como é difícil a alguém resistir às mil influências sub-reptícias, não só dos erros moderados e velados, mas até do mais crasso dos erros, que é o materialismo.
E o moralista que, dotado de um fino discernimento, aponta os sintomas dessas infiltrações ideológicas impalpáveis e ativas, deve parecer ao Sr. um amigo e não um carrasco. Pelo menos se realmente o Sr. preza a sua alma e tem o propósito de a manter livre de todo mal.
E mais uma vez o paralelo entre as coisas da alma e do corpo se impõe. Um médico de apurado senso clínico, que desvendasse todos os sintomas iniciais dos males que acometem seus doentes, não poderia ser visto por estes como inimigo. Só as crianças é que vêem os médicos com prevenção, porque não gostam de remédios amargos.
Não gostar do moralista porque ele faz bem à alma mas nem sempre é cômodo, não é mostrar-se infantil?
Que se procure alertar os católicos contra as mil influências nefastas a que estão expostos hoje em dia, e especialmente contra as influências mais despercebidas, mais indiretas, mais sinuosas, nada melhor.
Por certo, isto não degenerará em psicose nem em mania, senão quando se tratar de maníacos e de psicóticos tão frequentes nesta era de almas “coca-cola”, de uma simplicidade simplória...
Mas um espírito equilibrado sempre saberá praticar equilibradamente a virtude, e não será a virtude que o desequilibrará.
Que virtude? No caso, especialmente a da circunspeção, isto é, a de saber, do alto, olhar, ver, discernir em torno de si. Virtude de que nos deram exemplo todos os Santos, e que a Igreja preza tão alto que por assim dizer com ela identificou a missão do Bispo: episkopos, - de epi, sobre e spokein, inspecionar – é aquele que, de cima e com vigilância, olha em torno de si.
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Vivemos em uma época que, sob muitíssimos aspectos, é para o neopaganismo o que para a Religião Católica foi o século XIII. Tudo hoje está embebido de neopaganismo, ele nos entra até pelos poros. Pio XII disse que em nossos dias a simples perseverança no estado de graça exige de inúmeras pessoas uma virtude heróica.
Viver nesta época com uma desprevenção absoluta, no culto da irreflexão e da espontaneidade (eufemismo para designar o descontrole), é ou não é entregar-se a essas mil influências?
E alertar alguém, com amenidade, com lucidez, com afetuosa insistência, sobre a necessidade dessa habitual vigilância, é ou não é apostolado?
Palmatória do mundo? Fórmula vaga e infeliz. Palmatória do erro, palmatória do mal, para o bem do próximo, porque não?
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Em resumo, caro leitor, aqui está nossa justificação. Que acontecerá no dia em que o mal não tiver palmatórias no mundo? O que já em larguíssima medida ocorre em torno de nós. Solto, triunfante, insolente, ele perseguirá pelo silêncio, pelo ostracismo, pelo escárnio, mais tarde pelo ferro e pelo fogo, todos os bons.
Para chegar a este resultado, o que o mal mais deseja é não ter palmatórias.
Quer o Sr. arcar com a responsabilidade de reduzir à inação as palmatórias do erro e do vício, para que o mundo inteiro fique sujeito à palmatória do demônio?
Outrora, quando alguém atacava o mal com vigor, denodo, insistência, chamavam-no, não de palmatória, mas de martelo, o que é muito mais forte. Mas o apelido era uma honra. Carlos Martelo foi amado em toda a Cristandade por ter sido o martelo da França sobre a cerviz dos maometano. E Santo Antônio de Pádua, porque abatia sobre os cátaros os golpes terríveis de sua dialética, era aclamado por todos os católicos como martelo dos hereges.
Hoje as coisas mudaram, e quem maneja, já não o rude martelo de outrora, mas a inofensiva palmatória, sente levantar-se contra si um clamor até em meios católicos.
Quando numa cidade sitiada há uma corrente que geme a cada tiro que se dispara contra o sitiante, o que se pode esperar?
É bem o caso de aplicar aqui, ligeiramente modificadas, as palavras de Voltaire: Deus me livre de tais amigos, mais ainda do que de meus próprios inimigos...
O Redator
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Ambas estas cartas foram escritas pela mesma mão.
Procuram elas condensar os vários aspectos do debate da superficialidade, da moleza e da tibieza, com o zelo, a coerência e a santa intransigência; do entreguismo do gênero “terceira força”, com a vontade de lutar. Dos troianos que amam Tróia, com os que sorriem ao cavalo de madeira...
OS CATÓLICOS INGLESES DO SÉCULO XIX
“COISAS ADMIRÁVEIS NA INGLATERRA”
Fernando Furquim de Almeida
0 Movimento de Oxford se desenvolvia, graças principalmente ao sucesso dos "tracts" e dos sermões de St. Mary. Cada novo "tract" publicado revelava uma maior aproximação com a Igreja Católica, e já não era difícil prever a conversão dos jovens discípulos de Newman que estivessem de boa fé.
Newman tentava desesperadamente evitar essa conseqüência. Vendo a iminência da "déblâcle" do anglicanismo, procurava retardá-la por meio de duas teorias que, no início, pareciam responder às suas dúvidas e satisfazer plenamente os anseios de seus companheiros. Ele as chamou de "via média" e "branch theory". Pela primeira vez o Movimento de Oxford surgia como um caminho intermediário entre o protestantismo e o Catolicismo, "mantendo contra aquele a autoridade e a tradição dos antigos Padres e rejeitando deste as doutrinas que pareciam inovações". Na execução desse programa, Newman se aplicou ao estudo dos Padres da Igreja, procurando com afã obter da tradição católica razões que lhe permitissem continuar no anglicanismo apesar de tudo.
0 Movimento de Oxford deveria ser o ponto de partida de uma grande reforma religiosa da igreja oficial da Inglaterra. A "branch theory" completava a "via média" através de uma tentativa de explicar a existência do Catolicismo, do anglicanismo e do cisma grego. 0 verdadeiro Catolicismo seria um só, o mesmo dos antigos Padres, mas dividido em três ramos: romano, anglicano e grego. Cada um destes seria a igreja autêntica nas regiões em que dominava, razão por que deveria manter boas relações com os outros dois. 0 mal estaria em que um dos ramos quisesse invadir a região do outro. Nesse sentido, a Igreja Católica cometia um crime ao fazer apostolado na Inglaterra.
0 Pe. Wiseman aceitou o novo terreno de discussão. Nas conferências que promoveu em Londres e nos artigos que publicou na "Dublin Review" — que, como vimos, fundara com 0’Connell — combateu as teorias de Newman com as próprias armas do- autor dos "tracts". Os argumentos que extraía das obras dos Padres da Igreja e da história dos primeiros séculos do Cristianismo tornavam insustentável a posição do Movimento de Oxford. Um dos artigos do Padre Wiseman impressionou Newman de modo especial, aluindo os fundamentos do edifício que ele construíra.
Na "Apologia pro vita sua", escrita depois de convertido, o futuro Cardeal Newman confessa que, estudando o monofisismo, percebeu a inanidade da "via média" que criara: "Meu baluarte era a antiguidade. Ora, eis que no quinto século me parecia ver refletida como num espelho a Cristandade dos séculos XVI a XIX, e eu era monofisita! A igreja da “via média” estava na mesma situação da comunhão oriental de então. Roma era o que é atualmente, e os protestantes eram os eutiquianos".
A "branch theory", poderosa arma de guerra contra o Catolicismo no sistema que Newman forjara para si, perdeu todo sentido para seu próprio autor com a criação, em Jerusalém, de um bispado anglicano destinado a superintender todas as seitas protestantes do Oriente: "Esse golpe aniquilou definitivamente minha fé na igreja anglicana. Ela não só proibia toda simpatia para com a Igreja de Roma e todas as relações com ela, como favorecia uma comunhão mista com os protestantes prussianos e os heréticos do Oriente. A igreja anglicana podia ter a sucessão apostólica, mas tais atos me faziam temer, não que ela deixasse logo de ser uma igreja, mas que o tivesse sido alguma vez desde o século XVI".
Essa evolução do Movimento de Oxford era patente nos "tracts" que se iam publicando. Como era natural, provocava reações dos órgãos oficiais do anglicanismo. Quando saiu o "tract" n° 90, que já representava praticamente o repúdio do protestantismo, o Conselho de Oxford o condenou, e vários bispos acompanharam a Universidade por meio de mandamentos especiais. Newman se retirou para Littlemore, e lá, em 1845, começou a escrever o "Essay on the Development of Christian Doctrine". Essa obra completou sua conversão. A 3 de outubro de 1845 demitiu-se da Universidade de Oxford, e cinco dias depois abjurou o protestantismo perante o Pe. Domingos da Mãe de Deus, Superior dos Passionistas na Inglaterra, e que hoje é Venerável.
Essa conversão trouxe para a Igreja um grande número de anglicanos, entre eles alguns que vieram a ser dos mais célebres católicos ingleses do século XIX. É curioso observar que o Pe. Domingos da Mãe de Deus atravessara a Mancha em 1842 para criar a primeira casa de passionistas no país. Essa Congregação foi fundada em fins do século XVIII por S. Paulo da Cruz, que durante trinta anos, ininterruptamente, rezou pela conversão da Inglaterra, prescrevendo ainda aos seus religiosos, numa das regras, que rogassem a Deus pelas nações do norte que tinham abandonado a unidade católica no século XVI, especialmente a Inglaterra.
Conta-se que um dia S. Paulo da Cruz, ao subir ao altar para celebrar a Missa, teve sua face iluminada por uma luz sobrenatural, e durante todo o Sacrifício chorou copiosamente. No momento da comunhão, entrou em êxtase. Seus discípulos perguntaram-lhe depois que graças tinha recebido, e ele lhes respondeu: "Oh! meus filhos, vi esta manhã coisas tão admiráveis na Inglaterra! Sim, sim, coisas muito admiráveis! Vi meus filhos na Inglaterra!". E pronunciando essas palavras, caiu novamente em êxtase.
NOVA ET VETERA
LOURDES E A REVOLUÇÃO
J. de Azeredo Santos
Estamos no ano centenário das aparições de Lourdes. Nestes cem anos, ao lado da constante e consoladora ação do Divino Espírito Santo sobre a Igreja, vimos prosseguir a apostasia de povos batizados, seduzidos pela revolução universal. Como foi isso possível apesar da clara mensagem que nos trouxe a Mãe de Deus?
Diz São Luís Maria Grignion de Montfort que o demônio é um moedeiro falso e fino embusteiro que até da devoção à Santíssima Virgem engendra contrafações. Se o amor à Rainha dos Céus é um dos principais característicos que distinguem os eleitos dos filhos da perdição, é claro que uma das mais pérfidas armadilhas do pai da mentira vem a ser a confusão que ele procura lançar nesse divisor de águas.
UM PROGRAMA DIABÓLICO
De autoria de um excelente articulista que se oculta sob as iniciais M. B., a edição hebdomadária em língua francesa do «Osservatore Romano», de 14 de fevereiro do corrente ano, apresenta profundo estudo sobre «O centenário de Lourdes», que trata justamente do sentido autêntico da mensagem que há cem anos a Santíssima Virgem trazia à humanidade, e cujo esquecimento ou deturpação é que explica achar-se quase todo o orbe nesse tremendo descaminho. Vamos resumir esse trabalho, para proveito de nossos leitores.
Relata o colaborador do órgão oficioso da Santa Sé que, na própria época em que a Gruta de Massabielle começava sua prodigiosa história, Monsenhor Rendu, Bispo de Annecy, publicava uma Carta Pastoral para a Quaresma, na qual revelava a seus fiéis o conteúdo de um programa diabólico inserto nas leis anticristãs então em vigor.
«Tal programa, diz o autor, que não foi jamais revogado, era e é ainda a magna carta do laicismo mundial. Recomendava, entre outras coisas, conceder a liberdade de consciência a todos, a começar pelos hereges e ateus, mas com exclusão dos católicos; recomendava contrariar a ação do Sacerdote, separá-lo do povo, arrebatar-lhe as obras de beneficência e seus próprios bens; fazer dele um funcionário do Estado; expulsá-lo dos conselhos, das assembléias deliberativas, das administrações, até que ele caísse na condição de paria; afastá-lo da infância e das escolas; secularizar o ensino, o domingo e as solenidades religiosas, instituindo festas nacionais e diversões de todo gênero em lugar das celebrações eclesiásticas; recomendava, esse programa, sublevar os Sacerdotes contra seus Bispos, e os Bispos contra o Papa, a fim de, destruindo a hierarquia, provocar a ruína da Igreja. Formai a opinião pública — continuava a magna carta — contra o celibato eclesiástico; fazei fechar os mosteiros, expulsai os Religiosos, confiscai seus bens, e quando eles estiverem reduzidos à miséria, privados dos direitos de todo cidadão, excluídos das escolas, denegridos pela imprensa, gritareis mais forte que nunca contra suas usurpações».
Esse programa, representava e representa ainda o coroamento da obra nefasta iniciada em 1789 e, segundo seus autores, deveria ser imposto à humanidade por meios pacíficos ou violentos, conforme a oportunidade. Ora, continua o citado artigo, «parece evidente que a Mãe celeste não queria deixar seus filhos em tão grande desolação, e que Ela veio socorrê-los. Na própria Paris, em 1830, manifestou-se a Santa Catarina Labouré, no convento das Irmãs de São Vicente, à rua du Bac, comunicando à humilde vidente o desenho e as palavras da Medalha Milagrosa: O Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós. Era um afetuoso compromisso da Virgem Imaculada de nos sustentar no duro combate contra a iniquidade».
VERDADES DE ONTEM E DE HOJE
Dezesseis anos mais tarde, em 1846, a Virgem reaparece em La Salette. Insiste sobre a necessidade da oração e da penitência, para enfrentar as agitações políticas de caráter anti-religioso que deviam surgir por toda a Europa, em 1848. A história do período que se seguiu daí até nossos dias, «parece dar razão a de Maistre, que, a propósito da revolução mundial nascida da rebelião luterana, escrevia — na aurora do século XIX — que o mundo deveria suportá-la durante três séculos: Estamos apenas na metade de seu curso, dizia ele».
Em tais circunstâncias, a Virgem não tardou a vir de novo em nosso auxilio. As aparições de 1830 e 1846 foram um prelúdio das portentosas manifestações de Lourdes. «Dir-se-ia que, desde a vida mortal de Jesus Cristo, nunca o Céu se aproximou tanto da terra, espalhando nela tantos tesouros, sobretudo espirituais».
Passam-se porém os anos e continua a se desenvolver o mistério de iniquidade. Devem, pois, os fiéis desanimar?
Não: eles sabem que triunfarão com a Virgem se, dóceis a suas palavras e a seu exemplo, souberem rezar e fazer penitência. «Certamente — dizia São Pio X no 50.° aniversário do dogma da Imaculada Conceição — certamente atravessamos uma época funesta e temos o direito de repetir a queixa do Profeta: Não há mais verdade, não há mais misericórdia, não há mais ciência de Deus sobre a terra; a blasfêmia e a mentira, o homicídio, o roubo e o adultério transbordam de todos os lados (Os. 4, 1). Entretanto, em meio a esse dilúvio de males, diante de nossos olhos se apresenta, à maneira de arco-íris, a Virgem clementíssima, como árbitro de paz entre Deus e os homens ... Não há dúvida alguma de que, se nos confiarmos a Maria como convém, especialmente na época em que celebramos com um maior fervor sua Imaculada Conceição, não há dúvida alguma, dizemos, que também nós A veremos como a Virgem todo-poderosa que com seu pé virginal esmagou a cabeça da serpente».
Desde o dia em que São Pio X escreveu tais palavras — relembra o artigo do «Osservatore Romano» — «mais de cinquenta anos se escoaram, carregados de acontecimentos por assim dizer apocalípticos; mas tais palavras não foram desmentidas». Foram, pelo contrário, confirmadas por Sua Santidade o Papa Pio XII, que, na Carta Encíclica ao Episcopado francês no centenário das Aparições da Imaculada Conceição, repetia essas mesmas exortações a que a humanidade sofredora procure refúgio e refrigério junto dAquela «que conhece os caminhos secretos da graça nas almas e o trabalho silencioso desse fermento espiritual do mundo, e sabe de que preço são, aos olhos de Deus, os sofrimentos unidos aos do Salvador. Podem eles concorrer em larga medida, Nós o cremos, para essa renovação cristã da sociedade que imploramos de Deus pela poderosa intercessão de sua Mãe».
VOZERIO ESPANTOSO E INÚTIL
Oração e penitência, fortaleza e confiança em Deus diante das maquinações da serpente infernal, eis a mensagem de La Salette, de Lourdes, de Fátima, — concluímos nós. Aquele vozerio espantoso, que Bernadette ouviu ecoar pelo vale do Gave, eram os anjos rebeldes a manifestar seu ódio e temor ante Aquela cuja aparição em Lourdes prenunciava a destruição da anti-Igreja que as forças do mal vem estabelecendo pelos quatro pontos cardeais.