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BEAT GENERATION

(continuação)

entre gregos e romanos, filiam-se à categoria que tem o vinho por símbolo: a vertente do prazer.

O demônio, conhecendo profundamente a natureza humana, inspira a cada civilização ou grupo social a modalidade de iniciação mais adequada.

Poder-se-ia falar numa iniciação diabólica praticada pela "Beat Generation"? Embora sem rituais determinados, como entre os povos pagãos, o processo através do qual essa juventude procura as experiências pseudomísticas e o "Paraíso", muito se assemelha à iniciação do vinho e do prazer. O frenesi ocasionado pelo ritmo alucinante do "jazz", os desregramentos sexuais, a bebida e os entorpecentes sugerem um confronto com as práticas dos antigos bacantes e do tantrismo. Tal como para as civilizações pagãs soube o pai da mentira excogitar práticas religiosas que as afastassem de Deus, também para esses "bárbaros" modernos foi encontrada a fórmula ideal. E esta fórmula apropriada à "Beat Generation" não deixa de ser, em certo sentido, verdadeira iniciação, através da qual o jovem transviado, passando por vários estágios intermediários, atinge um grau sumo de amoralismo. Isto explica o cinismo de tantos delinquentes juvenis dos EE. UU., que cometem crimes monstruosos com uma indiferença espantosa. Todos os valores da vida, inclusive a própria existência, não têm para eles mais nenhum sentido, uma vez que já não crêem em absolutamente nada.

Mas, por outro lado, vamos encontrar também, na própria juventude norte-americana, manifestações do tipo de iniciação sóbria. Um vespertino paulista (8) publicou, no ano passado, uma notícia procedente dos Estados Unidos que vem confirmar esta asserção. O Sr. Arthur Niederhoffer, da Academia de Polícia de Nova York, e o Prof. Herbert Bochi, do Colégio de Brooklyn, afirmaram que adolescentes das "gangs" chegaram a adotar ritos iniciáticos semelhantes aos das tribos do Pacífico, da África e da Austrália, "a fim de imporem-se a si mesmos o que a sociedade lhes recusa", isto é, disciplina. É curioso e sintomático que até os mesmos rituais das iniciações bárbaras sejam praticados por esses "civilizados"... De fato, o príncipe das trevas sabe inspirar as vias mais propícias à perdição, conforme as apetências e defeitos dos homens de cada momento histórico. "Beat Generation", "juventude transviada" — eis uma das supremas vitórias de Satanás no século XX.

(1) "Lux vera quae illuminat omnem hominem venientem in mundum", Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, "Catolicismo", n.o 72, dezembro de 1956.

(2) Cf. art. cit.

(3) Artigos do Sr. Cunha Alvarenga, "Catolicismo", nos. 53 a 56, maio a agosto de 1955.

(4) José Huby, "Christus — História das Religiões", vol. II, p. 119, trad. de Antonio Pinto de Carvalho, "Imprensa Portuguesa", Porto, 1941.

(5) Ibidem, p. 120.

(6) Ibidem, p. 118.

(7) "O demônio nas religiões pagãs", "Catolicismo", nos. 51 e 52, março e abril de 1955.

(8) "Folha da Tarde", 28 de agosto de 1957.


ESCREVEM OS LEITORES

A Bula «Unam Sanctam» de Bonifacio VIII

O Sr. Renato Benevides Soares, Niterói (Est. do Rio), manda-nos um texto que a História Universal de O. S. Ellauri e P. D. Baridon (Ed. Kapelusz) atribui a Bonifacio VIII. E pergunta se ele é autêntico, e se não fere a infalibilidade pontifícia.

O trecho é o seguinte: "Existem dois governos: o espiritual e o temporal, e ambos pertencem à Igreja. Um está nas mãos do Papa e outro nas mãos dos Reis, mas estes não podem fazer uso dele senão por meio da Igreja, segundo a ordem e com permissão do Papa. Assim, pois, declaramos, dizemos, decidimos e pronunciamos que, para salvar-se, é absolutamente necessária, a toda criatura humana, a submissão ao Pontífice Romano".

R - Por estas últimas palavras, vê-se que o texto foi extraído, com não poucas adulterações, da Bula "Unam Sanctam" de Bonifacio VIII. Nela está definido que a submissão ao Sumo Pontífice é necessária a todos os homens para a salvação, o que é inteiramente verdade hoje como ontem e como sempre.

No corpo da Bula, trata o Papa do poder indireto da Santa Sê sobre os assuntos de ordem temporal, em virtude da relação que tenham com a salvação eterna. E, nesse ponto, não escapam à sujeição da Igreja nem os Reis em seus domínios.

A razão é que temos um só fim último, ao qual está subordinada toda nossa atividade. Para auxiliar-nos na consecução deste fim último existem na terra dois poderes: a Igreja, que diretamente nos orienta para nosso destino eterno; e o Estado, que imediatamente providencia as condições de existência convenientes aos homens neste mundo, mas que não pode perder de vista que fomos postos na terra para aqui, por meio de nossas boas obras, de nossa vida toda, conseguirmos o bem eterno. São Tomás de Aquino, no "De Regimine Principum", declara que a finalidade do Estado é a salvação das almas.

Vale dizer que o Estado, ao constituir a cidade terrena, não pode deixar de tomar em consideração que ela se ordena à cidade eterna. E por isso está sujeito à Sociedade cujo fim é cuidar da cidade eterna. Submissão indireta, sem duvida, mas real.

A Bula "Unam Sanctam", promulgada por Bonifacio VIII no Concilio de Roma de 1302, por ocasião de seu "démêlé" com Filipe o Belo, tinha por fim estabelecer estes princípios. Entendeu-a mal o Rei da França, e assim a entendem historiadores parciais e parece tê-la entendido o livro citado por nosso consulente, pois a tradução defeituosa que seus autores apresentam faz supor que o poder reivindicado por Bonifacio VIII é o poder direto sobre as coisas temporais de todos os reinos, como se todos eles fossem Estados Pontifícios.

O próprio Bonifacio VIII rejeitou com veemência tal interpretação. Em alocução consistorial declarou o Papa: "Há quarenta anos que tratamos de direito, e sabemos que dois são os poderes ordenados por Deus. Quem poderá, pois, acreditar que tanta necessidade, tanta ignorância tenha estado algum dia ou esteja agora em Nossa mente?" (Denzinger, "Enchiridion Symbolorum", em nota ao n.° 467) .

Não que à Igreja, continuadora de Jesus Cristo na terra, não pudesse pertencer a soberania temporal em todo o orbe. De fato, assim como ao Verbo Encarnado pertence o domínio de um a outro extremo do mundo, do mesmo modo tudo poderia estar sujeito à Igreja. Acontece, porém, que Deus Nosso Senhor deixou aos Reis o cuidado dos bens terrenos, segundo o declarou o Santo Padre Pio XI na Encíclica sobre o Reinado de Jesus Cristo, a "Quas primas". "Non eripit mortalia", diz o Papa com as palavras do hino litúrgico da Epifania, "qui regna dat coelestia". "Não lhes arrebata os reinos da terra Aquele que dá aos homens o Reino Celeste".

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Infelizmente, é comum interpretar-se mal o pensamento pontifício. O erro injustificável de Filipe o Belo a respeito da palavra do Papa teve muitos imitadores no correr dos tempos. O mais recente, talvez, foi o semanário de Roma, "Il Mondo". Em sua alocução de 23 de março p.p. a uma delegação de habitantes da província das Marcas, o Santo Padre Pio XII fala de uma "legítima e sadia laicidade do Estado" como "um dos princípios da doutrina católica". "Il Mondo" entendeu (? ) que o Papa se tornara laicista e partidário da diabólica fórmula cavouriana: Igreja livre no Estado livre, como se o Vigário de Cristo pudesse renegar o princípio de que a única fórmula legítima de relações entre essas duas sociedades perfeitas é a união entre ambas, segundo definiu Pio IX no "Syllabus" (proposição 55) .

O "Osservatore Romano", em sua edição em francês de 25 de abril deste ano, sentiu-se na necessidade de explicar que "laicidade" nada tem de comum com "laicismo". "Laicismo" significa Estado agnóstico; por "laicidade" se entende o caráter profano que é próprio do objeto da autoridade estatal. Assim, por exemplo, poderíamos falar da laicidade da monarquia de Isabel a Católica, que, entretanto, representava absolutamente o contrário do laicismo.

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Encerremos com a tradução correta do texto aludido da "Unam Sanctam", feita segundo a versão francesa publicada por Rohrbacher (Hist. Un. de l'Egl. Cath., ed. 1885, t. 8, I. 77) :

"Que nessa Igreja e sob seu poder há dois gládios, o espiritual e o temporal, nós o sabemos pelo Evangelho .. . O gládio espiritual e o gládio material estão, pois, um e outro, em poder da Igreja; mas o segundo deve ser utilizado para a Igreja, e o primeiro pela Igreja. Este está em mãos do Sacerdote, aquele em mãos dos Reis e dos guerreiros, mas sob a direção do Sacerdote. Ora, cumpre que um destes gládios esteja sujeito ao outro, e o poder temporal ao poder espiritual ...

"Ora, que o poder espiritual excede em nobreza e dignidade a todo poder terreno, nós o devemos confessar tanto mais claramente quanto mais altas estão as coisas espirituais sobre as temporais... Com efeito, segundo o testemunho da própria Verdade, compete ao poder espiritual instituir o poder terreno e julgar se ele é bom... Se o poder espiritual de ordem inferior se desvia, será julgado por seu superior; mas se se desvia o poder supremo, não é ao homem que cabe julgá-lo, mas só a Deus, conforme a palavra do Apostolo: O homem espiritual julga todas as coisas e por ninguém é julgado (1 Cor. 2, 15) .

"Ora, tal poder, que, embora confiado ao homem, não é humano, mas antes divino, Pedro o recebeu da boca do próprio Deus, e Aquele que ele confessou tornou esse poder inabalável como a pedra para si e para seus sucessores; pois o Senhor lhe disse: Tudo o que ligares etc. (Mat. 16, 19) . Portanto, quem quer que resista a este poder, resiste à própria ordem de Deus, — a menos que, como os maniqueus, imagine dois princípios, coisa que julgamos falsa e herética, pois, segundo o testemunho de Moisés, não foi nos princípios, mas no princípio, que Deus criou o céu e a terra (Gen. 1, 1) .

"Assim, toda criatura humana deve estar sujeita ao Romano Pontífice, e declaramos, afirmamos, definimos e pronunciamos que tal submissão é de absoluta necessidade para a salvação eterna".


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Graça e Grandeza,

Miséria e Servidão

Plinio Corrêa de Oliveira

Como fundo de quadro, o clichê de hoje nos apresenta os torreões feéricos da famosa igreja de São Basílio, em Moscou. Esse edifício admirável, que foi construído por Ivan o Terrível no século XVI, evoca com extraordinária vivacidade o que havia de mais típico na Rússia dos Czares. Divide-se ele em duas partes, separadas horizontalmente por uma linha ideal. A metade de baixo, que vai do solo até a parte mais baixa dos torreões, é sólida, maciça, extremamente pesada: um enorme conjunto arquitetônico, cujas pedras se empilham de modo a formar um bloco densíssimo, que parece até estar afundando no chão. Acima dessa linha ideal, inesperadamente, os torreões se diferenciam do embasamento colossal e, como se fossem agulhas graciosas, erguem-se esguios para o céu. As cúpulas bizantinas são tão leves, tão delicadas, que a nossos olhos de ocidentais modernos parecem até aeróstatos prontos a alçar vôo a qualquer momento. Precedendo-as com estupendo arrojo, está bem no alto a cúpula mimosa que parece arrastar irresistivelmente atrás de si, como uma cauda de cometa, um imenso torreão triangular.

Um dos fatores da beleza é a harmonia dos elementos muito diversos. Este fator se encontra com excepcional riqueza nessa obra-prima, em que se concilia e se completa o sumo da severidade, da estabilidade e da força, com o sumo da graça, da fantasia e da leveza.

E nisto está o encanto desse monumento, que retrata a alma algum tanto imatura e primitiva, mas esplendidamente matizada e artística, da grande Rússia, da gloriosa Rússia,... da pobre Rússia que teria sido bem outra se o cisma não a tivesse arrancado aos braços amorosíssimos da Esposa de Jesus Cristo.

Essa igreja admirável, mais asiática talvez do que européia, se situa num quadro urbanístico totalmente ocidentalizado e de agradável aspecto.

E o olhar se detém, embevecido, na consideração de um tão belo conjunto, onde tudo parece falar-nos de graça, delicadeza e dignidade.

* * *

Entretanto, a nota comunista está miseravelmente presente.

Pede a ordem natural das coisas, que todos os valores particularmente ricos em graça e delicadeza estejam a serviço da mulher. Pois eles constituem o ambiente próprio à sua fragilidade, o meio adequado para que na alma feminina se expandam as mais nobres qualidades de esposa, mãe e de filha.

E por isto mesmo nada nos é mais desagradável do que ver uma mulher incumbida de serviços cuja rudeza é incompatível com a sua delicada natureza: carregadora de fardos, mecânica, "soldada"...

Ora, é precisamente assim que essas cidadãs soviéticas figuram no clichê. Cinco varredoras de rua, expostas a todos os inconvenientes morais de seu duro mister, removem da praça a neve. Calçadas com botas masculinas, empunhando vassourões, ei-las que no bom e mau tempo percorrem as ruas no exercício de uma profissão que até para os homens é pesada.

Em última análise, cinco escravas do Estado soviético, brutalmente tratadas, filhas infelizes de uma ordem de coisas da qual a graça, a delicadeza, a suavidade são banidas como valores decrépitos, inautênticos, próprios apenas de corruptos burgueses.

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Símbolos de duas épocas, das quais uma foi ferozmente extinta para dar origem a outra, "sinceramente amiga da massa". Terrível forma de "amizade" que reduz o povo a uma tal condição, que até a delicadeza de coração da esposa ou da mãe lhe é tanto quanto possível recusada, sob a pressão de um regime sem entranhas!