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A penetração torrencial de erros mais ou menos larvados nas fileiras católicas constitui fonte de um mal-estar na Igreja, de que se ocupa assiduamente a imprensa mundial. Do Vaticano nos vêm mais três medidas de real interesse para a pacificação dos espíritos, mediante sua santa união na integridade da fé.

Medidas Pontifícias para Coibir o Mal-Estar Dentro da Igreja

A edição em língua francesa do «Osservatore Romano», de 27 de junho último, publicou importante decisão do Santo Ofício, cujo texto traduzimos abaixo:

Decreto de Colocação no Índice

"Na reunião plenária de quarta-feira, 4 de junho, da Suprema Sagrada Congregação do Santo Oficio, os Eminentíssimos e Reverendíssimos Cardeais prepostos à defesa da fé e dos costumes, ouvido o parecer dos consultores, condenaram e mandaram colocar no Índice dos livros proibidos os livros seguintes de Henry Duméry :

1) "Philosophie de la religion", edição Presses Universitaires de France, Paris, 1957, 2 vol.;

2) "Critique et Religion", edição Sedes, Paris, 1957;

3) "Le problème de Dieu en philosophie de la religion", edição Desclée de Brouwer, Bruges, 1957;

4) "La Foi n'est pas un cri", edição Casterman, Tournai, 1957.

E na quinta-feira, 12 de junho, Nosso Santíssimo Padre o Papa Pio XII aprovou a resolução dos Eminentíssimos Padres, que lhe fora submetida pelo Eminentíssimo e Reverendíssimo Cardeal Pro-Secretário do Santo Oficio; ele a confirmou e ordenou que fosse publicada.

Dado em Roma, no Palácio do Santo Oficio, a 17 de junho de 1958.

Artur de Jorio, Notário."

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Juntamente com este decreto o «Osservatore Romano» publicou o seguinte comentário:

"Equivocar-se-ia extremamente acerca do sentido e alcance da presente condenação quem dela inferisse que, do ponto de vista da Fé católica, a aplicação de um método fenomenológico ao dado religioso deve ser "a priori", se não afastada, pelo menos considerada como suspeita. Não se trata disso, absolutamente.

É "a posteriori" que convém julgar a respeito.

São aqui visados os erros do Sr. Duméry contidos de maneira positiva, mas não exclusiva, nas obras mencionadas do decreto do Santo Oficio. Outros escritos do mesmo autor não estão indenes, com efeito, dos mesmos desvios doutrinários. É preciso levar isto em conta.

Muito embora pense ele manter-se acima do ateísmo, numa posição de justo meio, contra o modernismo de uma parte, e contra o integrismo de outra, sob o signo de uma sadia critica filosófica da Fé católica (ver "Philosophie de la religion", vol. II, p. 272, nota 4) , a verdade nos obriga a dizer que o autor é integralmente modernista, no sentido em que a Encíclica "Pascendi" entendia este termo (Denzinger, 2105).

É perfeitamente exato afirmar que em certo sentido psicológico e prático o autor não nega nenhuma das verdades da Fé, que as admite todas, que as salva todas: para ele o Cristianismo permanece único, transcendente, infinitamente respeitável.

Mas, sob outro aspecto, é necessário, infelizmente, acrescentar que a Fé e os dogmas são por ele totalmente esvaziados de sua substância viva e profunda. Desse modo não apresentam mais, nem podem apresentar, os caracteres de certeza e precisão objetivos e imutáveis que lhes reconhecem particularmente, na própria linha da Tradição católica, a Encíclica "Pascendi", o juramento antimodernista e a Encíclica "Humani Generis" de 1950.

Para o autor, a consciência religiosa, que envolve o homem por inteiro, é, com efeito, de natureza projetiva. E ainda que o Cristianismo seja de uma especificidade irredutível, porque seu fundamento histórico é único, a consciência cristã não pode deixar de ser, ela também, de natureza projetiva. Ter a Fé, é admitir a legitimidade do fato Jesus tal qual foi interpretado pelos Apóstolos, e depois pela Tradição. Uma questão fundamental se põe, portanto: o que vale esta interpretação de tipo projetivo?

Isto posto, é capital — não para o teólogo, que, como tal, fica solidário com a mentalidade projetiva, mas para o filósofo crítico, que, ele sim, está em condições de se desembaraçar dela — é capital, dizíamos, procurar distinguir na fé, tanto quanto for possível, o que é dado primitivo daquilo que é projeção fenomenal da crença sobre este dado primitivo.

"A maioria dos fiéis, escreve o autor, permanece evidentemente incapaz de criticar os esquemas dogmáticos. Mais ainda, repetimos que à religião, e até à teologia como tal, não compete fazê-lo, senão dentro dos limites do senso comum e para atenuar excessos imaginativos por demais gritantes" (obra citada, vol. I, p. 128) .

Mas, prossegue o autor, o filósofo que é, por certo, historiador e fenomenólogo, "vai mais longe ainda; ultrapassa o plano puramente fenomenológico; termina por tomar partido de modo absoluto; proclama o que em face da razão julgadora vale ou não vale" (obra citada, vol. I, p. 148).

Em boa lógica, portanto, concluiremos, o Magistério Supremo ao qual compete pronunciar-se em última instância sobre o valor intrínseco do dogma e da moral, não é o do Soberano Pontífice, tal como foi exercido através dos séculos, pois este magistério estava enfeudado, ele também, à mentalidade projetiva, mas é o da razão, é o do filósofo critico, tal como o concebe o autor.

O modernismo integral do Sr. Duméry não podia deixar de ser condenado. O princípio do desvio fundamental é aí de ordem filosófica, e, mais precisamente, até mesmo de ordem metafísica. Nós o situaríamos sem hesitar num desconhecimento total da analogia do ser. São Pio X não o disse em vão na Encíclica "Pascendi": "Magistros autem monemus ut rite hoc teneant, Aquinatem deserere praesertim in re metaphysica, non sine magno detrimento esse" (A. A. S., 1907, p. 640). Que aqueles a quem incumbe a pesada e grave responsabilidade da formação filosófica dos futuros Padres nas Faculdades, Seminários e Escolasticados, nunca desconheçam na prática o que a Sé Apostólica tem muitas e muitas vezes repetido com instância e clareza, em particular desde o pontificado de Sua Santidade o Papa Leão XIII, a respeito do ensino da filosofia escolástica em geral e da de São Tomás de Aquino em especial. Uma filosofia má não pode conduzir senão a uma teologia má. Disto temos, ainda aqui, um exemplo doloroso."

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A mesma edição em francês do «Osservatore Romano», no dia 11 de julho p.p., publicou em sua secção «Nossas informações» este documento:

"A Suas Excelências os Ordinários e aos Reitores das Faculdades Eclesiásticas

Em quanto apreço a Igreja tem que os aspirantes ao Sacerdócio sejam instruídos com argumentos sólidos e seguros em seus estudos de Sagrada Escritura e assuntos bíblicos, é coisa conhecida de todos. Depois de ter examinado cuidadosamente o volume intitulado: "Introduction à la Bible, t. I, Introduction Générale, Ancien Testament (ed. Desclée et Cie, 1957)", esta Sagrada Congregação julgou-o inadequado porque não parece responder aos preceitos de uma sã pedagogia e de um método exato, bem como por outras causas.

Fiquem pois, todos a quem concerne o presente aviso, advertidos de não permitir que esta obra seja utilizada como livro de estudos ou como auxiliar dos cursos.

Dado em Roma, no Palácio de São Calixto, a 21 de abril de 1958.

J. Card. Pizzardo, Prefeito

C. Confalonieri, Arc. de Nicopolis, Secretario".

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Em outro local do mesmo número o «Osservatore Romano» estampou a respeito o comentário que passamos a resumir:

“... No volume de perto de 900 páginas — uma quarta parte consagrada à introdução geral e o restante à introdução particular (livros do Antigo Testamento) antes de tudo deixam a desejar a ordem, a clareza e a solidez, que são talvez ainda mais necessárias numa obra que... é destinada a iniciar no estudo científico da Sagrada Escritura estudantes e leigos cultos — isto é, leitores mais ou menos preparados ou sem preparo algum — sem o auxílio da palavra de um professor esclarecido.

"Construir um livro, e um livro desse gênero, em grande parte sobre hipóteses, opiniões e induções que precisam ser solidamente provadas e aprovadas, para substituí-lo a uma construção que não é inteiramente perfeita nem completa, mas que tem a seu favor a prova e a aprovação dos séculos, não parece científico. Poderíamos encher páginas e páginas de frases, de observações, de "excursus", tirados diretamente do volume, para demonstrar através deles a fragilidade da nova construção. Com o respeito devido à Igreja e às suas normas, não deveria certo número de problemas ser agitado oportuna e utilmente num quadro mais conveniente e em exposições feitas só para algumas pessoas iniciadas e preparadas para esse árduo esforço? Há quem pense desse modo: de outra forma os frutos, em vez de serem de fé e de ciência, serão talvez de ceticismo e de confusão".

Em seguida mostra o comentário que os autores da obra em questão conhecem e citam os pronunciamentos pontifícios e não ignoram a solene tradição em matéria bíblica. E continua: "Mas quem percorre estas páginas com espírito livre e cheio de boa vontade, com aquela summa caritate de que fala a Encíclica Divino afflante (cf. E. B., 564), fica logo chocado por um estilo que não é o de uma obra precisa e austera, mesmo que não seja de leitura difícil; e não se sente mais no quadro majestoso da ciência bíblica, disposta a acolher toda pesquisa de novos dados legítimos e pacíficos. Não, e que isto seja notado com lealdade igual ao respeito pelas boas intenções, um tal leitor tem a impressão de se encontrar na outra margem: tentativa que surpreende e perturba, esta de transferir para o próprio seio da Igreja, como verdades definitivas, teorias e sistemas que não são nem indiscutíveis, nem inabaláveis".

Prosseguindo, o articulista ressalta a estranha acolhida dispensada pelos autores a certas teses e nomenclaturas sem ligação com a orientação tradicional, e conclui: "A pessoa do especialista da Bíblia — que brilha na Encíclica Divino afflante (cf. E. B., 564)— devotado à Igreja, munido de todos os instrumentos científicos, operando dentro de um plano adequado, não é tolhida pela Igreja, mas antes exortada e impelida a enfrentar ("ut aggrediatur") questões árduas e insólitas... a fim de encontrar uma feliz explicação que se harmonize fielmente com a doutrina da Igreja e satisfaça de modo conveniente certas conclusões das ciências profanas...

"Trata-se aqui de uma disposição bem diferente: refazer ab imis a disciplina bíblica, depois de dezenove séculos de Cristianismo, como se antes nada tivesse sido feito, afirmando sem documentar, e quase ignorando, dir-se-ia, as preciosas contribuições, cada dia mais amplas e mais valiosas, das disciplinas profanas de todo gênero, sobretudo arqueológicas e históricas, às grandes teses tradicionais.

"Nossos autores concedem grande papel ao gênero literário, de que muitos falam hoje como do tema de propaganda em moda, e que bem poucos estudam verdadeiramente. Mas pode-se dizer que nesta Introduction — cuja leveza não teria sido prejudicada por uma sóbria bagagem cientifica — se fale de gêneros literários ou de processos de redação com a modéstia e discrição recomendadas pela Igreja?

“... Em verdade, se há um estudo que se deva revelar edificante, no sentido etimológico mais profundo, é o das disciplinas bíblicas. E pelo contrário devemos exprimir um sentimento — que é o nosso e o de outros ainda — constantemente experimentado ao percorrer este volume: mais que construtivo, pareceu-nos ele corrosivo.

“... Se jamais houve tempos necessitados de consolação, são certamente os nossos: tempos de prodigiosas e terríveis experiências atômicas e de angústias desumanas, mas também de "tendências a tornar vão o conteúdo da B:blia" (cf. La Civiltà Cattolica, 18 de agosto de 1957) .

"Precisamente quando o Livro Divino ficou como a nossa única e derradeira consolação".

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Por fim, um documento divulgado na edição em francas do «Osservatore», de 1.° de agosto passado:

Advertência

"A Sagrada Congregação Suprema foi informada de que numa tradução em língua vulgar do Ordo da Semana Santa as palavra, Mysterium Fidei para a consagração do Cálice foram omitidas. Tem-se conhecimento também de que certos Sacerdotes omitem essas palavras na própria celebração da Missa.

Por essa razão esta Suprema Congregação adverte que é vedado introduzir modificações em coisa tão santa e mutilar ou interpolar as edições dos livros litúrgicos (cf. can. 1399, 10.°) .

Velem pois os Bispos, de acordo com a Advertência do Santo Oficio de 14 de fevereiro de 1958(1) pela observância estrita das prescrições dos santos cânones concernentes ao culto divino, e vejam que ninguém ouse introduzir a menor mudança na matéria e forma dos Sacramento.

Dado em Roma, no Palácio do Santo Oficio, a 24 de julho de 1958.

Artur de Jorio, Notário".

(1) N. R: reproduzida em nosso número 88, de abril de 1958.


VIRTUDES ESQUECIDAS

GOLPEAR RIJAMENTE E PASSAR ADIANTE

Ainda da vida de São Fernando III, Rei de Castela e de Leão, que, passando em campanhas militares trinta dos cinqüenta e quatro anos que viveu (1198 a 1252), libertou do jugo maometano as cidades de Sevilha, Cordoba, Murcia e Jaen:

Acreditava que o maior crime de quem chegou a ter a luz da Fe é apostatar dela, e que a maior desgraça pública que podia cair sobre seus povos era a chaga da incredulidade, ... Para poupar a seus súditos tamanhos desastres, opôs a estes uma barreira intransponível, com salutar rigor, e com algumas intervenções severas, levando ele próprio a lenha às fogueiras que deviam consumir os corpos dos culpados.

Não se lê dele que se deixasse arrebatar pela ira, embora tivesse palavras de rigorosa energia. Se alguma vez, segundo as leis da guerra, mandou incendiar ou passar a fio de espada povoações e guarnições inteiras, foi porque encontrou nelas traição ou aleivosia, ou talvez para evitar, pelo escarmento, maior efusão de sangue.

Índice de seu valor e serenidade inata é aquela sua frase enérgica : "Nunca te lances arrebatadamente à ação, mas primeiro reflete, - salvo quando vires os inimigos em tua frente, que então não há que refletir, senão golpear rijamente e passar adiante".

(«Fernando III y su época», Pe. Luis F. E. de Retana, C. SS. IL, Editorial del Perpetuo Socorro, Madrid, 1941, pp. 419, 423 e 420) .