“PAI DOS PRÍNCIPES E DOS REIS,
GUIA DO MUNDO”
Um dos primeiros atos do Santo Padre João XXIII consistiu em recomendar ao "Osservatore Romano" que, ao publicar as Encíclicas, alocuções ou outros documentos emanados do Sumo Pontífice, se abstenha de referências encomiásticas. Basta que o jornal oficioso do Vaticano diga simplesmente "o Santo Padre publicou tal Encíclica, assinou tal decreto, ou pronunciou tal alocução".
Em si, essa recomendação não é senão uma norma jornalística, sabia aliás, e elegante. Mas ela contém um princípio básico cujo alcance vai muito além, e define o tono desejado pelo augusto Pontífice nas relações que quer manter com seus súditos espirituais. E esse princípio é fácil de se discernir. É intenção de Sua Santidade que, em todos os seus atos, os fiéis considerem o menos possível o indivíduo, e o mais possível o Papa. O elogio põe necessariamente em relevo a pessoa. E isto, João XXIII não o quer. Noticiar sem encômios o que faz Sua Santidade é abstrair de seus predicados para deixar em foco apenas o Papa, enquanto Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Isto nos faz lembrar a recomendação de São João Bosco aos seus "birichini", dada em circunstâncias históricas aliás bem diversas, mas baseada em última análise no mesmo principio: enquanto em toda a península italiana reboava o brado "Viva Pio IX", o Santo queria que seus pupilos exclamassem de preferência "Viva o Papa" (1). Tão alta e augusta é a dignidade do Vigário de Jesus Cristo — aquele a quem a liturgia de sua Coroação chama de "Pai dos Príncipes e dos Reis, guia do mundo" — que eclipsa de algum modo a pessoa de seu titular. Ainda quando o Papa é um Santo — como Pio X, por exemplo — o fiel, antes mesmo de ver nele o Santo, verá o Papa.
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Esse princípio deve inspirar nossa saudação ao novo Pontífice. Já que Ele não deseja elogios pessoais (e nisto mesmo, ainda que não se queira, recebe Sua Santidade um elogio), abstrairemos da pessoa para falar do Papa, e em João XXIII reverenciaremos Pedro redivivo.
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“Tu es Petrus, et super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam, inferi non praevalebunt adversus Eam” (Mt. 16, 18).
No momento em que escrevemos este artigo, a frase famosa como que se desprende insensivelmente do fundo de nossa memória e de nosso coração, para tomar aos nossos olhos todo o seu relevo nitidíssimo. João XXIII é a Pedra sobre a qual está edificada a Igreja de Jesus Cristo, e as portas do inferno não prevalecerão, nem contra essa Pedra, nem contra essa Igreja.
As portas do inferno... quem não as vê escancaradas, neste terrível meio de século em que vivemos? Um balanço da situação da humanidade, nos albores do pontificado de Sua Santidade o Papa João XXIII, se apresenta simplesmente terrificante.
Antes de tudo, o ateísmo está constituído em seita filosófica universal (pois outra coisa não é no mundo inteiro o partido comunista), que tira, de seus princípios, todas as consequências lógicas, no terreno cultural, social, político e econômico, e procura impor à humanidade a fisionomia coerente com tais erros. Ora, esta seita atéia domina um império inteiro. E um dos impérios mais vastos que a história tenha conhecido. A Polônia, a Estônia, a Lituânia, a Letônia, parte da Alemanha, a Tchecoslováquia, a gloriosa e infeliz Hungria, a Romênia, a Iugoslávia, a Bulgária, a Albânia, a Rússia, a China, o Tibet, a Mongólia, a Coréia do Norte, o Vietnam do Norte, estão sob o guante bolchevista. Ao que parece, segundo notícias que já não deixam quase margem a dúvida no momento em que escrevemos, também o Iraque regicida caiu virtualmente em poder dos comunistas. Essas as vítimas declaradamente escravizadas. A par disto, vem toda a miserável coorte dos povos sujeitos a governos sovietizantes. Não queremos mencioná-los, para não suscetibilizar certas colônias estrangeiras aqui radicadas. Dirigem-nos governos que movem uma guerra ostensiva ao partido comunista instalado no respectivo país, mas ao mesmo tempo, e tranqüilizados por esse álibi os ingênuos, tudo fazem para que a estrutura social e econômica da nação, a cultura e a instrução sejam submetidas a um processo de socialização gradual, que vai preparando as vias para o comunismo, E por outro lado, sua política internacional, sob o falacioso pretexto de neutralismo, favorece de mil modos os interesses russos. Além desses países, o poderio da seita materialista se estende até a própria medula de outros que ainda não chegaram tão longe... ou tão baixo. Pois nessas nações há partidos comunistas clandestinos ou públicos, há correntes de pensamento, há escolas de arte, há instituições de ensino, há organizações trabalhistas sem conta, que a cada momento fazem o jogo do marxismo. E em torno dessas entidades nitidamente vermelhas há toda uma periferia de comunistas cor de rosa, que em grau maior ou menor lhes servem de "inocentes úteis", de sorte que não estamos muito longe de poder dizer de nosso mundo hodierno o que um Padre da Igreja escreveu a propósito dos sequazes de Ário: o mundo inteiro geme, porque acordou e subitamente percebeu que era ariano. Quando acordarmos, em momento dado, bem poderá ser
(continua)