FATOS ESQUECIDOS
MANTÉM-SE SOB SILÊNCIO O VERGONHOSO MASSACRE DE BAGDÁ
(continuação)
o poder em Belgrado, depois do assassínio do Rei Milan e de sua esposa, as principais potencias deixaram passar vários anos antes de entrar em relações com os novos soberanos da Servia. Semelhante preocupação de legitimidade não existe mais. Nada revela melhor a deterioração do nosso senso do Direito Internacio-nal e mesmo, pura e simplesmente, do Direito, do que esta aceitação, em poucas horas, de um fato que se consumou com a violação de todos os princípios, fundamentos de uma civilização. Só importa o exercício efetivo do poder. A moral é posta entre parêntesis “(apud "Nouvelles de Chrétienté", 2 de outubro de 1958).
Quem se recordará hoje do que aconteceu de importante no dia 14 de julho de 1958? Alguém lembrará as festas populares que na França assinalam cada aniversario da "gloriosa e heróica" tomada da Bastilha. Um ou outro, mais atento aos acontecimentos contemporâneos, precisará que uma parada fora do comum se realizou em Paris e entusiasmou a multidão: era a primeira comemoração da data nacional depois dos acon-tecimentos da Argélia e da ascensão do General de Gaulle ao poder. Talvez, mesmo, alguém tenha presente que nesse dia uma revolução, quiçá a mais sangrenta dos últimos tempos, mudou o governo no Iraque. Mas quem saberá exa-tamente o que se passou em Bagdá? Uma pessoa que acompanhe diariamente, com atenção, o noticiário interna-cional não poderá afirmar que aconteceu isso ou aquilo. Os jornais desde o primeiro dia anunciavam que não sabiam o que estava sucedendo. Notícias imprecisas, ora desmenti-das, ora confirmadas, falavam do assassínio do Rei, de seu tio e herdeiro, e do primeiro-ministro de seu governo. Em que condições? Ninguém sabia ao certo, e a maioria não o sabe até hoje, tal o silêncio, pontuado de contradições, das agências noticiosas e do governo revolucionado.
A Agencia Ansa distribuiu há pouco o depoimento de Florence Hazeldine, governanta da Família Real do Iraque, sobre os acontecimentos que teve ocasião de presenciar no dia 14 de julho do ano passado. Poucos jornais, vários meses depois, publicaram estas declarações, sem lhes dar maior importância. No entanto, são de grande valor e atualidade, pois revelam o estofo moral dos homens que hoje governam um dos países mais ricos de petróleo em todo o Oriente Médio, cuja sorte, por isso mesmo, interessa vitalmente ao Ocidente cristão em luta contra o comunismo materialista.
O relato torna-se impressionante desde o momento em que, vencida a resistência heróica que os cento e oitenta guardas do Palácio opuseram a mais de dois mil rebeldes, nada mais restava ao Rei senão se render. Um coronel de sua confiança mostrou então a Faiçal que não havia mais esperança, e o jovem Monarca respondeu: "Ninguém deve morrer por mim. Esta luta inútil deve cessar". Ordenou imediatamente o hasteamento da bandeira branca no mastro principal do Palácio, e pediu aos revolucionários um salvo-conduto para os seus servidores e para a Família Real. Apresentando-se um dos oficiais insurretos, que lhes ofereceu proteção, formou-se uma pequena comitiva que saiu do Palácio dirigida pelo Rei. O Príncipe herdeiro Abdul Illah ajudava sua mãe a caminhar, e a velha Soberana levava sobre a cabeça o Alcorão, num gesto que pretendia ser um apelo aos sentimentos humanos e religiosos dos rebeldes. À direita de sua avó, ia Faiçal, sustentando-a pelo braço, e atrás seguiam os outros mem-bros da Família Real, alguns remanescentes da corte, funcionários e empregados. O oficial que falara com o Rei precedia o grupo com uma metralhadora debaixo do braço. De repente, virou-se e, sem pronunciar uma só palavra, levantou a arma e descarregou-a sobre os vencidos que se haviam confiado a ele. Só três pessoas se salvaram.
Ou tudo mudou no mundo, ou o ato deste oficial só merece uma definição: traição infame e vil. Homens, mulheres e crianças indefesas confiam na sua proteção e recebem morte pérfida das suas próprias mãos! Qualquer criminoso, por mais cruel que tenha sido, qualquer malfeitor, por mais sanguinário que seja, tem direito a julgamento. As vítimas do massacre de Bagdá não tiveram sequer um simulacro de julgamento, foram mortas como animais. E depois sobrevieram as cenas bárbaras que alguns jornais da época relataram: os cadáveres foram despidos, profanados, arrastados pelas ruas da cidade, e finalmente pendurados em postes de iluminação pública.
Os fatos em si já causam espanto, mas infelizmente não é a primeira vez que acontecem coisas dessas na história da humanidade. O incompre-ensível é o silêncio que se seguiu. Não se ouviu um pro-testo dos humanitários que vituperaram a condenação, em processo regular, do casal de espiões comunistas Rosemberg. Calaram-se os que clamam contra as torturas que alguns oficiais franceses têm aplicado a terroristas argelinos para poupar vidas inocentes. Emudeceu a ONU, o que aliás não é, tão raro. As sociedades protetoras dos animais se insurgem contra o lançamento de satélites artificiais que levem em seu bojo algum cachorro, gato ou rato, porque este terá morte certa e estará indefeso. Talvez a vida de um rato valha mais do que a de um homem. Repetimos com o Arquiduque Oto: "Nada revela melhor a deterioração do nosso senso do Direito; a moral foi posta entre parêntesis". Os mais comezinhos princípios de civilização foram postergados, vivemos em plena barbárie.
A explicação destes silêncios talvez se encontre nas notícias mais recentes sobre o Iraque.
Um jornal do Cairo publicou, há pouco, cerca de 1250 despachos de agências noticiosas que foram censurados no Egito, na ocasião da sua transmissão, por razões políticas. Todos contêm informações sobre a infiltração comunista no Iraque (cf. "O Estado de São Paulo", 28 de dezembro de 1958). É o caso, aliás, de perguntarmos se nós, brasileiros, vimos algum desses tele-gramas. Onde foram publicados? É a "realidade" criada pelos jornais.
Outros telegramas nos dizem que o mais alto organismo muçulmano do Iraque anunciou que a doutrina do Profeta é favorável ao estabelecimento de uma sociedade sem classes e à nacionalização dos serviços públicos. A proclamação, feita pelo Conselho dos Ulemás na sede de estudos islâmicos de Naiaf, louva a revolução de 14 de julho porque ela corresponde aos ensinamentos do Islã em relação aos governantes corruptos, e declara que o sistema social maometano repousa no princípio de que to-dos os homens são iguais, exceto no grau de sua piedade, que o islamismo condena a existência de pobres, fixa li-mites à riqueza, e em última análise considera propriedade do Estado todos os recursos naturais (cf. "O Estado de São Paulo", 25 de dezembro de 1958).
Assim, o Conselho dos Ulemás sanciona os atos de traição e barbárie dos revolucionários do Iraque. Quando o Bispo de Prato, na Itália, no cumprimento do seu dever de Pastor e em defesa da moralidade de seu rebanho, qualificou de concubinário um casal que vivia em público concubinato, no mundo inteiro houve jornais que publicaram violentos artigos contra a sua intransigência, a sua falta de caridade e a sua intromissão nos assuntos do Estado. Levado à barra dos tribunais, o Prelado foi condenado em primeira instancia. Não houve mortes, não houve sangue, não houve traição, e no entanto os protestos choveram. No caso presente, porém, em que um alto organismo islâmico justifica e aplaude esses atos desumanos, ninguém reclama.
Dissemos que as ultimas noticias relativas ao Iraque talvez contivessem a explicação de tantos silêncios, e acabamos apontando mais um deles. Afi-nal, porque tantas bocas fechadas?
Talvez porque a abolição da propriedade privada e o estabelecimento da sociedade sem classes pareçam tão importantes aos olhos dos nossos humanitários e laicistas, que todos os crimes cometidos em seu nome se lhes afigurem "pechés mignons". Desde que se fale em igualdade, em direito de propriedade postergado, tudo é "esquecido", até a mais extrema selvageria.
COMENTANDO...
DIZE-ME COM QUEM ANDAS E DIR-TE-EI QUEM ÉS
Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira
O Sr. François Mauriac é conhecido como um dos expoentes do chamado "catolicismo de esquerda" francês. Recentemente, concedeu uma entrevista à imprensa, na qual mostra uma vez mais, e de modo protuberante, os desvios de seu pensamento. Diz ele:
"Verifico em certas regiões que a Igreja não tem mais aquela concepção, que teve por muito tempo, da conversão como principal móvel de sua ativida-de. Mas ela procura, agora, o que há de comum entre as di-versas religiões.
"Verifico, por exemplo, que há no Marrocos, entre católicos e muçulmanos, um trabalho co-mum de grande importância. Os judeus, os muçulmanos e os cristãos, em lugar de procurarem converter-se mutuamente, tendem agora a fazer frente, pela fé que lhes é comum, contra o ateísmo marxista... a fé no Deus único. Pertencemos todos à posteridade de Abraão".
E mais adiante: "Tenho numerosos amigos judeus que sabem a estima que lhes dedico. Se tenho alguma censura a fazer-lhes (digo-o com toda a franqueza) é, quando eles não são crentes e praticantes de sua religião, a de não serem suficientemente judeus. Sem dúvida, aquele que, dentre eles, se converte por crise religiosa, é um cristão privilegiado, mas eu peço aos judeus crentes que sejam plenamente judeus e pratiquem sua religião" (Le Monde, 1° de novembro de 1958).
Como pode um católico afirmar que a Igreja já não Se preocupa tanto em converter os infiéis? E que agora Ela procura apenas, ou ao menos com igual interesse, o que há de comum entre as diversas religiões? Como pode alguém sustentar que católicos, muçulmanos e judeus pertencemos todos, sem maiores distinções à posteridade de Abraão? Como pode um filho da Igreja de Jesus Cristo alardear a sua indiferença no que diz respeito à conversão de seus amigos judeus?
O Sr. Mauriac é um homem instruído, é até membro da Academia Francesa... Não há, pois, como desculpá-lo por ignorância do catecismo. Logo, parece-nos legítimo levantar a pergunta: pode alguém, em sã consciência, dizer que o Sr. Mauriac é católico de ortodoxia sem jaça? ...
Há um ponto, entretanto, em que estamos de acordo com a entrevista do escritor francês, reconhecendo que aí deve ele ter dito a plena verdade. É a sua frase: "Tenho numerosos amigos judeus que sabem a estima que lhes dedico". E como poderia ser de modo diferente? O que gostaríamos de saber - isto sim - é se o Sr. Mauriac tem, entre os seus amigos, católicos verdadeiros, filhos fiéis da única Igreja de Jesus Cristo. Pois é isto o que se pode pôr em dúvida. Dize-me com quem andas, e dir-te-ei quem és.
OS CATÓLICOS INGLESES DO SÉCULO XIX
MALOGRA A TENTATIVA DE FUNDAR UMA UNIVERSIDADE CATÓLICA
Fernando Furquim de Almeida
As numerosas conversões do Movimento de Oxford asseguraram ao clero e ao laicato da Inglaterra um alto teor de cultura que, graças ao ultramontanismo inspirado pelo Cardeal Wiseman, se aliava à mais pura ortodoxia. Mas, para conservar esse nível intelectual, era preciso dar às novas gerações católicas uma formação escolar adequada, e a isso as duas grandes universidades de Cambridge e Oxford, apaixonadamente sectárias, procuravam opor toda sorte de dificuldades.
Como os católicos, em sua grande maioria, eram pobres, os problemas de educação se complicavam ainda mais. A fim de assegurar-lhes uma instrução pelo menos elementar, um leigo devotado, Charles Langdale, criou o Comitê das Escolas Pobres, e este conseguiu arrancar do governo uma série de concessões que permitiram o desenvolvimento rápido dos estabelecimentos para crianças sem recursos.
O preparo dos futuros sacerdotes, dependendo exclusivamente da autoridade eclesiástica, apresentava menos dificuldades. Ele se fazia em seminários completamente remodelados, graças aos esforços do Cardeal Wiseman, que, para esse efeito, recorrera até a medidas excepcionais como a de nomear o ilustre William Ward — leigo, casado e convertido — professor de Filosofia e depois de Teologia Dogmática no seu próprio seminário. Por outro lado, o Colégio Inglês de Roma completava a formação dos candidatos ao sacerdócio.
A educação universitária católica era, porém, deficiente, senão nula. Quem quisesse fazer cursos superiores no país era obrigado a frequentar as universidades protestantes, lideradas por Oxford e Cambridge, as verdadeiras fontes da cultura inglesa, pelo grande prestígio que as cercava e pelo enorme cabedal científico e literário de que eram depositárias. Sendo ambas de orientação oficialmente anglicana, era claro o perigo que corria a fé da mocidade católica que nelas se inscrevia. Era impossível, de outra parte, a criação na Inglaterra de escolas superiores católicas, pois nem ao menos se podia garantir um número de alunos suficiente para mantê-las. O Cardeal Wiseman, que já procurara o auxílio dos irlandeses quando da fundação da "Dublin Review", e mais tarde do Instituto Católico da Grã-Bretanha, voltou-se novamente para eles.
A educação superior na Irlanda tinha sido objeto de grandes divergências de opinião, inclusive no seio do episcopado, em virtude da criação, em 1845, dos "Queen’s Colleges". Sir Robert Peel, então primeiro-ministro, conseguira da Câmara dos Comuns uma lei instituindo para os irlandeses, nas universidades, colégios não confessionais e aparentemente neutros. Eram os "Queen's Colleges", que os irlandeses receberam muito mal, compreendendo que o governo fora obrigado a essa concessão pela pujança do movimento católico e para evitar de dar-lhes escolas em que se professasse nitidamente a Religião verdadeira. O provimento das cadeiras, feito na grande maioria dos casos com protestantes, ainda acresceu a oposição, pois tornava irrisória a neutralidade anunciada. Um pequeno número de católicos, no entanto, julgou prudente aceitar a lei como única coisa possível, no momento, para melhorar as condições intelectuais da Irlanda, até então espezinhada pelos ingleses.
O episcopado também se dividiu. A maior parte, acompanhada pelo clero, recusou o pretenso benefício. Os arcebispos de Dublin e Armagh, juntamente com quatro outros bispos, julgaram possível um acordo com as autoridades, e procuraram influir, por meio de negociações com o Vice-Rei, sobre os planos de criação dos "Queen's Colleges". A divergência entre os dois pontos de vista foi se acentuando, o que obrigou a Santa Sé a intervir, em 1847, com um rescrito da Propaganda que condenava a posição do Arcebispo de Dublin e seus companheiros, embora reconhecendo a boa fé que os animava.
Não obstante, Mons. Murray, Arcebispo de Dublin, continuou as negociações com o Vice-Rei. Em 1848, o Arcebispo de Tuam foi encarregado de levar a Roma um memorial em que dezenove bispos do país deploravam essa atitude de seus colegas. Estes ainda tentaram defender-se, mas a 11 de novembro de 1848 um novo rescrito advertiu Mons. Murray e os prelados que o acompanhavam.
Dois anos depois, o Arcebispo de Dublin procurou novamente obter da Santa Sé licença para os católicos irlandeses frequentarem os "Queen's Colleges". Mal sucedido mais uma vez, resignou-se a aderir à maioria do episcopado, que decidira criar em Dublin uma universidade católica.
Foi então que o Cardeal Wiseman veio trazer a essa iniciativa o apoio dos ingleses e propôs ao episcopado irlandês a nomeação do Padre Newman como reitor da universidade nascente. Mons. Cullen, o grande animador da idéia da fundação, aceitou a sugestão, e durante sete anos Newman tentou, sem êxito, tornar realidade a universidade católica de Dlin.
As causas do insucesso do futuro Arcebispo de Westminster foram várias. Todas elas, no entanto, provieram da oposição radical que existia entre ele e Mons. Cullen no modo de conceber uma universidade católica. O reitor, levado por suas antigas experiências de Oxford, queria amoldá-la ao velho e tradicional modelo inglês. Mons. Cullen, ao contrário, desejava evitar qualquer resquício protestante na formação da universidade. Por outro lado, o Padre Newman teve a pouca prudência de aproximar-se do movimento da Jovem Irlanda logo que chegou a Dublin. A Jovem Irlanda, que se opusera a O'Connell nos últimos anos do grande líder, era vista com desconfiança pelos seus antigos discípulos. Estes a responsabilizavam, com razão, pela cisão do movimento católico irlandês.
O malogro da universidade acentuou a amargura que dominava o caráter de Newman, e da qual este nunca se libertou dante toda sua vida. Desse defeito temperamental resultaram não pequenos prejuízos ao apostolado desenvolvido por Mons. Wiseman, e mais tarde por Mons. Manning.
NOVA ET VETERA
“A MAIS IMPORTANTE DAS ARTES”
D. A. C.
Do Revmo. Pe. Guido Logger, SS. CC., Assistente do Serviço de Informações Cinematográficas, do Rio de Janeiro — órgão da A. C. B. — recebemos um artigo intitulado «Que fazem os católicos no cinema?», com pedido de publicá-lo na integra ou em resumo. É com satisfação que atendemos à solicitação. Como dispomos de pouco espaço, resumiremos o trabalho de S. Revma., transcrevendo os trechos que nos parecem mais importantes. Acrescentaremos, como contributo nosso, alguns comentários sobre o apostolado do cinema.
13 BILHÕES DE ENTRADAS POR ANO
O Revmo. Pe. Guido Logger lembra a preocupação que a Santa Sé tem mostrado com relação ao assunto. Além das grandes Encíclicas «Vigilanti Cura», de Pio XI, e «Miranda Prorsus», de Pio XII, encontramos referências ao cinema em dezenove alocuções ou escritos do Pontífice a pouco falecido, sendo que um do seus discursos versou especialmente sobre o «filme ideal».
Os motivos que levam Roma a interessar-se pelo cinema são óbvios: diversão para multidões, tem ele influencia incomensurável sobre inúmeras almas. Quem sabe que a missão da Igreja Lhe impõe velar sobre a formação dos povos, das famílias e dos indivíduos, compreende que veja Ela com verdadeira angustia a orientação que vai tomando o divertimento mais popular de nossos dias.
De fato, há hoje no mundo 137.000 salas de exibição, que vendem anualmente quase 13 bilhões de entradas. E qual o valor moral das películas?
«Os filmes — comenta o articulista — para render, devem corresponder ao gosto do uma multidão de gente sem sensibilidade artística, de gente que deseja fugir por algumas horas da realidade cotidiana, sonhar com uma felicidade mesmo fictícia; numa palavra, um filme precisa satisfazer a todos. Por isso, encontramos na produção cinematográfica, 95% de obras estandar-dizadas. Com os mesmos tipos humanos, as mesmas concepções de vida... Desta maneira, enche-se a fantasia do espectador com idéias e desejos saídos de películas feitas sob medida, e vai-se deformando lenta mas seguramente a sua concepção da vida. Foge ele da realidade de sua própria existência para encontrar a mentira, que toma por verdade».
Outros filmes afastam-se «dessa modalidade, e entre esses há, muitas vezes, os que trazem a marca da arte cinematográfica, apresentam o mal como o que há de mais natural no mundo, ou lhe dão a aparência do bem ou do permitido».
Essas considerações justificam plenamente a existência de organismos aplicados especificamente ao apostolado do cinema. Entre eles, o Revmo. Pe. Guido Logger cita três principais:
1)A Comissão Pontifícia para o Cinema, o Rádio e a Televisão, estabelecida em 1954.
Sem caráter oficial, o «Office Catholique International du Cinéma» (OCIC), com sede em Bruxelas, que reúne representantes de trinta e dois países. É um centro de estudos e de informações.
No Brasil há, desde 1938, o Serviço de Informações Cinematográficas (SIC), com sede no Rio de Janeiro e cento e oitenta correspondentes em vários Estados. Empenha-se especialmente na crítica e classificação moral de filmes.
Em resumo, esse o artigo do Revmo. Assistente do SIC, útil não só para informação dos leitores, como também porque salienta de modo claro e convincente o perigo enorme que constitui atualmente o cinema, devido à má orientação a que obedece.
PERIGOS DO APOSTOLADO DO CINEMA
No mesmo sentido, «Catolicismo» teve oportunidade de trazer ao conhecimento de seus leitores, na «Correspondência» de seu no 60, de dezembro de 1955, esta enérgica afirmação do Cardeal Schuster, proferida em 19 de janeiro de 1952: “Em vinte e cinco anos de episcopado, nada me proporcionou tantas magoas e preocupações como os cinemas paroquiais... Condenamos novamente, em matéria cinematográfica, a doutrina do mal menor. A Igreja, que, por essência, é santa, nunca pode oferecer o mal menor”.
Como se vê, o apostolado do cinema não está isento de graves perigos. O maior deles é, devido a uma insensível influência do meio cinematográfico, Ir a pessoa aos poucos amortecendo seu critério moral, de maneira que termine, mesmo sem má intenção, por deixar passar como bem o que a Moral reprova.
Um exemplo atual temos nas discussões havidas por ocasião das Jornadas promovidas pelo OCIC em Paris, em julho do ano findo. Numa das reuniões ventilou-se a questão do cinema russo. Todos estavam de acordo quanto ao fato de que os filmes soviéticos constituem propaganda da ideologia ou dos desígnios imediatos da Rússia. Não obstante, houve quem quisesse aprová-los tais quais são em si, objetiva e esteticamente, prescindindo das intenções de seus realizadores. Por fim, triunfou a opinião do polonês Ruszkowski, atualmente professor universitário em Lima, que os rejeitava, não por motivos propriamente morais, mas porque os russos, desrespeitando a liberdade artística, dirigem a produção e a distribuição com intuitos de propaganda. Por aí se vê que no seio do próprio OCIC não faltam os que reputam de somenos importância o critério moral quando se hão de julgar manifestações de arte. A consequência é das mais graves.
Graças a Deus, tal concepção foi claramente repelida pela quinta conclusão dessas Jornadas Cinematográficas. Faz ela votos de que os críticos, “justamente preocupados pelo aspecto estético de uma obra, não esqueçam por esse motivo a hierarquia de valores, e não deixem nunca de ressaltar o ponto de vista moral, recordando que o cinema deve ser digno do homem” (grifos nossos).
Infelizmente, esse primado absoluto do moral, que comanda toda a estética, é com frequência esquecido pelos que se dedicam ao apostolado do cinema. Lemos numa revista católica, na secção cinematográfica, uma nota necrológica sobre o ator Tyrone Power, que, como se sabe, não primava pelo respeito à lei de Deus. A notícia tem grande destaque, ocupa a parte central da página, e é ilustrada pelo clichê do artista desaparecido. E a certa altura, sai-se com esta, sem a menor censura, como se fosse a coisa mais natural do mundo um homem trocar de esposa a seu talante, e como se as uniões adulterinas merecessem o título nobre de “matrimonio”: “Acompanhara-o a Madrid sua esposa Desbie Ann Minardos, com quem se casara há menos de um ano e que espera o primeiro filho. Power contraíra matrimonio duas vezes anteriormente: com a atriz francesa Annabella e com a mexicana Linda Christian”.
Longe de nós taxar a revista de tendenciosa; acreditamos antes que seja isso fruto de uma como que insensibilidade criada pelo meio deletério com que é forçado a conviver seu redator cinematográfico. Mas, que críticos católicos percam assim a acuidade de julgamento, é coisa que merece a maior atenção, pelas consequências de ordem social que encerra, uma vez que o cinema cria mentalidade, vence revoluções, segundo a frase de Lenine: «De todas as artes, o cinema é para nós a mais importante».
UM ASPECTO IMPORTANTE
Não queremos encerrar estas notas sem abordar um aspecto muito importante do problema. Num inquérito realizado nesta Diocese sobre a influência dos filmes, um congregado mariano fez a seguinte observação: o pior do cinema não está propriamente em exibir por vezes cenas lúbricas, e sim em apresentar a vida comum, ordinária e normal, sem a menor nota de Religião. Isso tende a lançar os espectadores no indiferentismo. — Quem poderá negar a procedência de tal observação, quer quanto ao fato que registra, quer quanto à consequência que assinala?
Por tudo isso, julgamos das mais acertadas a opinião do Exmo. Sr. Bispo de Salto, no Uruguai: “Cremos que seja coisa fora de dúvida: com cinema não tiraremos jamais os católicos do cinema. Ou os tiramos com piedade e vida sobrenatural, ou não os tiramos”. Vê-se que S. Excia. Revma. Mons. Alfredo Viola considera o cinema — ao menos como ele existe hoje — um mal a ser evitado, muito mais do que uma diversão a ser frequentada.