UM COMPROMISSO MERCADEJADO A VIL PREÇO
MÉTODO DE APOSTOLADO SOCIAL QUE SE INSPIRA NUMA IDEOLOGIA DE TODO OPOSTA AO EVANGELHO
O "Osservatore Romano" publicou, no número de 2-1-1959 da sua edição semanal em língua francesa, um importante comentário sobre o livro "Esperienze Pastorali" escrito por D. Lorenzo Milani.
Essa obra, que pretende apresentar novos métodos de apostolado, inspirados por um afã febril de atrair as massas proletárias afastadas da Igreja, acaba de ser atingida por enérgicas sanções emanadas da Suprema Sagrada Congregação do Santo Oficio.
Traduzimos integralmente as observações do jornal oficioso da Santa Sé, no desejo de contribuir para o esclarecimento das ideais, obscurecidas em muitos espíritos pelas concepções revolucionarias da luta de classes.
O título e os subtítulos são de autoria desta Redação.
Um livro aprovado pela imprensa comunista...
Escreve o "Osservatore Romano":
"Uma leitura imparcial do livro "Esperienze Pastorali", de D. Lorenzo Milani (Livraria Editora Florentina, 1958, 477 pp.), nos dá a impressão de que o autor, atormentado por um ardente zelo apostólico, está animado das melhores intenções. Mas devemos perguntar-nos se, neste caso concreto, se trata de um zelo esclarecido, e se as boas intenções bastam para legitimar o programa que o autor traçou para seu apostolado e que agora propõe à reflexão e às críticas de seus confrades no Sacerdócio.
As severas apreciações já feitas pelas melhores publicações católicas sobre o novo método de apostolado proposto por D. Milani, não depõem em favor destas Experiências Pastorais. De outra parte, as aprovações concedidas ao livro por certa imprensa comunista — embora com algumas reservas — são por si mesmas suficientes para causar uma legítima desconfiança em relação à ortodoxia do novo método pastoral de D. Milani.
"Classismo" proletário de inspiração marxista
O autor de "Esperienze Pastorali" sustenta que o melhor método de apostolado e o mais eficaz para reconquistar as almas do proletariado consiste em descer francamente ao próprio terreno deste último, adotando em tudo e para tudo uma mentalidade "rigorosamente" de classe. Optando pelo "classismo" de caráter proletário, D. Milani por certo não se deu conta de que se alinhava frequentemente com os inimigos da Igreja contra a doutrina social cristã, e contra as diretrizes bem conhecidas da Hierarquia católica.
Seguramente, não há que pôr em dúvida as boas intenções do autor de "Esperienze Pastorali", e não se deve também esquecer que D. Milani repudia resolutamente o marxismo ateu e materialista. Mas não é menos verdade que, para alcançar os jovens proletários de sua pequena paróquia, o Cura de São Donato julgou bom partilhar plenamente com eles o "classismo" mais rígido e mais exasperado, o método da luta sindical e política, a revolta contra a sociedade em suas atuais estruturas e organizações, a crítica sistemática aos militantes católicos em matéria social e política, a não menos sistemática e inexorável condenação da burguesia, apresentada constantemente como o inimigo "número um" dos pobres.
Remédio pior que o mal a debelar
Sabemos bem, que em alguns sectores da vida econômico-social da Nação se cometem, por vezes, gravíssimas injustiças que clamam diante do Senhor. Certos exemplos citados oportunamente pelo autor de "Esperienze Pastorali" são dos mais eloquentes e convidam a uma seria meditação. É dever de todas as pessoas de bem, e particularmente das que se esforçam por instaurar uma autêntica justiça social inspirada pelos princípios mais fundamentais do Evangelho, denunciar tais estruturas e trabalhar eficazmente para eliminar essas manchas que deson-ram a sociedade. Não se poderá certamente censurar D. Milani por ter colocado o dedo numa chaga que aflige não só os que são vítimas dá injustiça, mas ainda todo cristão que se empenha em instaurar neste mundo a mensagem do Divino Mestre.
Porém, o método de apostolado social preconizado com tanto entusiasmo pelo autor de "Esperienze Pastorali", é verdadeiramente a pedra de toque, o meio infalível para destruir toda iniquidade, ou é antes um remédio pior do que o mal que se quer debelar? Para defender os di-reitos sagrados da justiça, todo cristão digno desse nome deverá tomar firme resolução nesse sentido e aplicar-se a isso seriamente; mas seria fatalmente levado a trair esse mesmo ideal da justiça se ultrapassasse os justos limites fixados por um sadio equilíbrio de pensamento e de ação, acompanhado de equidade e caridade. É doloroso constatar que equilíbrio, equidade, caridade e justiça não desempenham, por certo, um papel saliente nessas 477 longas páginas de "Esperienze Pastorali".
Em suma, as “Esperienze Pastorali”, apesar dos frutos alardeados pelo autor, acabam sendo mais uma prova do malogro de um método inspirado por perigoso compromisso ideológico, de que a doutrina social cristã é inexoravelmente a vítima.
Fruto amargo: ser "convertido" pelo inimigo
Assim se repete uma vez mais a dura experiência que já deu frutos tão amargos em outros países, no decurso destes últimos anos: Sacerdotes que descem resolutamente à liça para esclarecerem os espíritos com a mensagem evangélica, e terminam por ser gradualmente "con-vertidos", eles próprios, até o ponto de participar de uma mentalidade e aceitar um método que se inspiram, por mais parcialmente que seja, numa ideologia de todo oposta ao Evangelho.
Na escola popular de São Donato, não foi o Cura quem comunicou ideais e princípios sãos a seus discípulos proletários. Foram estes, antes, que ganharam a partida ao conseguir praticamente impor a seu mestre as suas ideais. É o que se compreende facilmente à leitura de "Esperienze Pastorali", e disto, aliás, se encontra clara confirmação na confissão cândida do próprio autor, que escreve à página 235: "Devo tudo o que sei aos jovens operários e camponeses a quem lecionei. Aquilo que eles criam aprender de mim, fui eu que aprendi deles. Apenas os ensinei a se exprimirem, ao passo que eles me ensinaram a viver. Foram eles que me levaram a pensar o que está escrito neste livro. Eu não o havia encontrado nos livros de escola".
Depois de tudo o que dissemos, não é para admirar que se leia ao fim do livro (p. 473): "Colaboraram nesta obra os alunos de São Donato, quanto ao quadro ideológico de todo o trabalho".
É necessário então aconselhar que o Clero adote o novo estilo de apostolado tal qual o imaginou D. Milani, que renuncie à missão doutrinaria que lhe confiaram Cristo e a Igreja, para tornar-se discípulo de tais mestres, para aceitar um compromisso mercadejado a vil preço com uma ideologia que teve origem e se desenvolveu num clima rigorosamente "classista" e por isto totalmente diferente do Evangelho? Tal proclamação ideológica, feita com todas as conclusões errôneas que dela se deduzem logicamente, é uma contraprova luminosa da necessidade que se impõe a todos os verdadeiros apóstolos, de não se afastarem das sabias diretrizes repetidas sem cessar por nossa Madre Igreja.
Acrimônia indiscriminada contra métodos comuns de apostolado
Numerosas e às vezes implacáveis são as críticas dirigidas por D. Milani ao método apostólico adotado comumente pelos Sacerdotes que têm cura de almas, encorajados por seus Bispos e pela própria Santa Sé. O objetivo preferido destas recriminações são os divertimentos. Concedemos também que, no apostolado realizado por Padres no terreno dos lazeres, nem tudo esteja perfeito e se devam preencher lacunas e eliminar certas sombras. Mas uma condenação em bloco de tais métodos não se explica senão por uma ideia preconcebida: que poderia pensar da atitude adotada com esse fim por D. Milani um São João Bosco, a quem não se negará com facilidade uma certa competência em matéria de experiências apostólicas junto aos jovens?
Oportuna intervenção do Santo Oficio
Um livro como este terá por consequência aumentar ainda mais a confusão das ideias, e desorientar, em vez de orientar sabiamente os homens de boa vontade chamados por vocação divina a executar sua atividade missionária em campo tão delicado e difícil: por isto ele não deveria ter sido publicado. Para explicar porque o "Imprimatur" foi concedido a "Esperienze Pastorali", é necessário saber que na concessão da aprovação eclesiástica interveio uma série de equívocos a que a autoridade superior diocesana é completamente estranha: foram justamente esses equívocos que impediram um exame completo do livro.
Estamos informados de que a Sagrada Congregação do Santo Oficio ordenou que o livro "Esperienze Pastor ali" de D. Milani seja retirado do comercio; e ademais proibiu qualquer reimpressão e tradução do mesmo. Tal medida quer muito certamente significar uma séria advertência aos filhos da Igreja, e de modo particular aos Padres, para que não se deixem seduzir pelas novidades ousadas e perigosas que ameaçam infiltrar-se no espírito de certos elementos menos preparados para o grave e árduo dever do apostolado de caráter social.
Em consequência, resta-nos concluir esta breve nota com um sincero desejo e uma esperança: que a intervenção oportuna e providencial do Santo Oficio sirva de esclarecimento a todos os Sacerdotes que, com tanta abnegação e fidelidade a toda prova aos ensinamentos da Igreja, consomem suas energias para levar às almas a doutrina evangélica".
ESCREVEM OS LEITORES
No artigo que publicamos a propósito da eleição do Santo Padre João XXIII, na 1a página de nosso n° 96, de dezembro de 1958 ("Pai dos Príncipes e dos Reis, Guia do mundo"), escrevíamos: "João XXIII, que é Pio XII, que é Pio X, que é Pio V, Gregório VII, Leão Magno, por fim Pedro, pode olhar tranquilamente a borrasca, dizendo como Virgílio alios vidi ventos, aliasque procellas..."
A propósito dessa frase que atribuímos a Virgílio, recebeu um de nossos redatores esta carta do Prof. Dr. José dos Santos Rodrigues, Catedrático na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:
"Cícero tem a seguinte frase nas suas "Familiares" (12, 25, 5): "Alios ego vidi ventos; alias prospexi animo procellas".
A frase "Alios vidi ventos aliasque procellas - pode ser formada muito bem daquela, não sendo, contudo, um verso hexâmetro completo. Dar-se-ia, porém, tal, se começasse, por exemplo, por "Atque" ficando: "Atque alios vidi ventos aliasque procellas".
Perfeito verso este de seis pés assim distribuídos: "Atque ali/os vi/di ventos ali/asque pro/cellas". Podia, portanto, muito bem ser, que alguém quisesse fazer das palavras de Cícero um verso, o que não seria difícil pois era só escrever as próprias palavras do grande orador na mesma ordem, suprimindo-se "ego" e "prospexi animo"; e a "alias" acrescentar-se a conjunção pospositiva "que", ficando - aliasque". Podia também muito bem ser, que, quem usou a frase, não tivesse intenção de fazer verso, limitando-se apenas a enunciar as palavras de Cícero (com a supressão das já indicadas) e fazer só a ligação da primeira parte com a segunda, por meio da conjunção pospositiva "que" em -alias". Digo isto, ou faço esta explicação, por não ter encontrado em Virgílio semelhante verso, ainda que possa atribuir-se-lhe um sabor virgiliano.
P. S. Aproveito a ocasião para dizer que a frase de Cícero é muito mais frisante e bela do que a nela fundamentada ou por uma casualidade parecida, pertença a quem pertencer; e na suposição de que antes de Cícero ninguém a escrevesse, para não se dizer que foi ele que se fundamentou nela, se bem que podem dar-se e conceber-se ideias semelhantes, e mais ou menos frases iguais em quem pensa e escreve, quando as lança ao papel. A frase, portanto, parece ser de Cícero".
AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES
Triunfos da técnica e encantos da natureza
Plinio Corrêa de Oliveira
O que come em um ano uma família norte-americana constante dos quatro membros que se veem no clichê. Um primeiro golpe de vista causa uma impressão de fartura, acentuada pelo aspecto risonho e saudável de pais e filhos. Entretanto, uma consideração mais detida do quadro faz pensar. Com exceção do cacho de bananas à esquerda, o resto são conservas enlatadas ou não, e alimentos encaixotados. Em outros termos, são viveres industrializados uns, naturais outros, e sujeitos uns e outros às demoras, às trepidações e aos frigoríficos que impõe um longo transporte, do ponto de produção ao de consumo, quiçá através de uma cadeia de intermediários.
Dada a excelência da matéria-prima, e tomando-se em consideração todos os aperfeiçoamentos a que chegou a técnica de transporte e conservação dos gêneros, é bem compreensível que não se perceba nenhum efeito diretamente nocivo da ingestão desses alimentos. Mas quando se veem tantos produtos em um estado muito diverso do que lhes é natural, e se pensa que não é só uma família, nem são só os Estados Unidos, mas são nações inteiras, é o inundo inteiro, que vão cada vez mais vivendo nesse regime, fica-se pensativo... E a pergunta aflora incoercível aos lábios: realmente não haverá mal nenhum em tanta "desnaturalização"?
E isto tanto mais quanto não é só em matéria de alimentação, mas em quase tudo, que a técnica se vai apoderando do homem e o distancia da natureza.
Não haverá algum limite a impor a esta tão extensa, tão universal "tecnicização"?
* * *
Na pitoresca capital da Bahia, tão querida por todos os brasileiros, os víveres estão expostos ao natural em um mercado. Não passaram por toda uma complicada cadeia de intermediários, nem estacionaram, hirtos e enregelados, nos frigoríficos, pois ali o sistema de transporte e comércio é muito mais elementar. Cheios de sabor e de vida, irão do mercado para as panelas, em que serão transformados em quitutes pelas famosas cozinheiras de Salvador.
Mais atraso? Talvez. Mas quanto mais humano, mais aprazível, mais doce este atraso que deixa subsistir um delicioso aspecto de vida naquilo de que se nutre o homem!
Não haverá aí algo a proteger contra a ação onimodamente invasora da técnica?