Catolicismo
O transcurso do nono aniversario de "Catolicismo" dá ocasião ao Bispo Diocesano de manifestar-lhe, mais uma vez, seu paterno e afetuoso apoio. Através de mais doze números, a brilhante equipe de intelectuais que redige o jornal apresentou colaborações atraentes, profundas e oportunas, voltadas todas, direta ou indiretamente, a lembrar a seus leitores as verdades esquecidas, cujo olvido é a causa de tanta incerteza e tanta desorientação até entre os melhores. Pode-se mesmo dizer que, ao longo de 1959, "Catolicismo" firmou ainda mais esse seu caráter tão peculiar, de paladino das verdades esquecidas. Não só na secção que traz explicitamente esse título, mas em todas as suas páginas, em todas as suas linhas diríamos quase, sob forma polêmica ou não, se encontra uma verdade esquecida, que é lembrada, justificada e difundida a propósito de algum, fato político, religioso ou cultural.
A forma polêmica, usada com alguma frequência pelo jornal, não é ai senão uma forma, legítima aliás, e conforme à tradição da Igreja, para a realização de uma tarefa genuinamente positiva, qual seja, ensinar a verdade. Tarefa que além do mais é meritoriamente positiva, pois consiste em ensinar as verdades espinhosas, por isto tantas vezes deixadas em cômodo olvido.
Mas a forma polêmica, por ser mera forma, nem por isto deixa de ter sua importância: a indiscutível importância das formas. A um, século que, segundo a expressão conhecidíssima do pranteado Pio XII, não só vive imerso em pecado mas perdeu até a noção de pecado, a forma polêmica serve de exercício para ver onde o mal está, para lhe medir a malícia, e para suscitar contra ele a necessária indignação. Pois nisto consiste "ter a noção de pecado". E ainda aí a missão positiva de "Catolicismo" se cumpre esplendidamente, enquanto contribui para reconstruir no espírito público um valor fundamental, sem o qual o próprio conceito de virtude e de bem é incompleto: a noção de pecado e de mal.
Programa bem genuinamente positivo, pois, o de "Catolicismo", como o Santo Padre recomenda à imprensa católica em sua alocução de 18 de outubro a "L'Avvenire d'Italia".
Dentro deste programa, o fato culminante da vida de "Catolicismo", em 1959, foi a publicação do magnífico ensaio do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira sobre "Revolução e Contra-Revolução".
A correspondência recebida a esse propósito pelo Autor, ou pelo jornal, é impressionante, pois contém numerosas mensagens, das mais expressivas, de figuras de realce no Venerando Episcopado Nacional, no Clero, nos mais altos ambientes de nossa vida política, cultural e social, e de elementos de projeção das Forças Armadas. Além disto, a repercussão do trabalho já excedeu de muito as fronteiras do País. De várias nações, vêm chegando cartas de aplauso. A conceituada revista "Cristiandad", de Barcelona, acaba de editá-lo em tradução espanhola, numa elegante brochura. Também as excelentes revistas "Cruzado Español", da mesma cidade, "Verbo" e "Cruzada", de Buenos Aires, e o "Diário da Manhã", de Lisboa, entre outros, lhe consagraram, extensos e repetidos comentários.
Infelizmente, não foi possível publicar ainda essas repercussões. É que, segundo dizem vários missivistas, a profundidade do trabalho exige leitura atenta e meditada. É o que explica que até agora continuem a chegar cartas. E a direção do jornal julga que convém esperar que cheguem todas para publicá-las em seu conjunto.
O aplauso do Bispo Diocesano deveria, em rigor, ser dada a lume com as demais reações à "Revolução e Contra-Revolução". Mas como os meses vão correndo, pesa-nos ao coração continuar em silêncio. E, a título de arras do que em momento oportuno diremos, é-nos grato aproveitar este aniversario para exprimir nosso inteiro acordo, e nosso vivo comprazimento, com esse estudo que sem dúvida constitui, por sua ortodoxia, sua solidez, sua clarividência e sua originalidade, um marco de primordial importância na história da cultura católica em nossos dias.
Parabéns, pois, ao Autor, extensivos aos que contribuíram para que o no 100 de "Catolicismo" e a respectiva separata se apresentassem na forma primorosa e sadiamente moderna que tanto agradou.
Manda aliás a justiça que se diga de passagem que as qualidades técnicas do no 100 não constituem, senão a manifestação particularmente rica dessa verdadeira escola de originalidade, alta distinção e bom gosto, que inspira a técnica jornalística de "Catolicismo".
Que a Providência Divina difunda largamente, pelas mãos dadivosas de Maria Santíssima, as melhores bênçãos sobre os que, no corpo redatorial, na administração e na propaganda, tiveram uma parte saliente nos êxitos e na expansão do jornal neste seu nono ano de vida, e que faça frutificar no ânimo de todos os seus amigos e leitores os esplêndidos incitamentos que essa folha lhes dá.
† Antonio, Bispo de Campos
“O que pensam o Papa e a Igreja do importantíssimo problema da imprensa católica”
É cunho peculiar do jornal católico o vocabulário aristocrático e digno
Recebendo, no dia 18 de outubro p.p., os redatores e funcionários de "L'Avvenire d'Italia", jornal católico de Bolonha, o Santo Padre João XXIII quis, segundo suas próprias palavras, aproveitar a oportunidade “para fazer conhecer melhor, e de modo mais solene, o que pensam o Papa e a Igreja a respeito do importantíssimo problema da imprensa católica, e o que ambos esperam, nesse particular, dos fiéis".
O inspirado pronunciamento do Augusto Pontífice foi publicado pelo "Osservatore Romano", edição hebdomadária em francês, de 6 de novembro último. Nossa tradução se fez sobre esse texto; os subtítulos são de nossa autoria.
Jornal declaradamente católico
Depois de lembrar que conhecia desde a juventude o prestigioso diário católico de Bolonha, Sua Santidade declarou que o mesmo ocupa uma posição de primeira plana entre os filhos que o Papa sente mais perto de si porque "fazem abertamente profissão de fidelidade ao ensinamento da Igreja e Lhe defendem a causa". Acrescentou que, antes de tudo, "L'Avvenire d'Italia" aparecia a seus olhos "como modelador de consciências, e é esse o mais belo elogio que possa receber um jornal".
Amplitude de campo da imprensa católica
Prosseguindo, disse o Santo Padre:
"Na presença de uma assembleia tão selecionada, animado do desejo de mencionar alguma coisa que se refira a esse setor do apostolado, aproveitamos a oportunidade que se Nos oferece nesta audiência, para vos fazer conhecer melhor, e de modo mais solene, o que pensam o Papa e a Igreja a respeito do importantíssimo problema da imprensa católica, e o que ambos esperam, nesse particular, dos fiéis.
1º) O que caracteriza e justifica a vida de um jornal católico é, antes de tudo, seu programa positivo. Tal como acontece com qualquer atividade humana, o valor da que agora nos ocupa não pode ser aferido por aquilo que ela não é ou não deve fazer — o que seria uma limitação — mas antes cumpre aferi-lo por aquilo que ela realiza, num louvável esforço e numa clara visão de suas próprias atribuições. Ora, a imprensa católica consiste sobretudo em um ato de presença e de testemunho. Presença ativa, inteligente, vigilante, em face dos inúmeros problemas postos pela vida de nossos dias, para interpretá-los segundo o critério infalível da verdade eterna, que se reflete no tempo. Presença à qual não escapa nada do que o leitor deve saber, a fim de ajudá-lo a formar para si uma consciência esclarecida, diante dos pontos de interrogação e das incertezas que o mundo de hoje lhe oferece. Ato de presença, pois, que orienta, precisa, esclarece tudo, à luz da verdade revelada.
Firmeza de posição - Vocabulário aristocrático
Mas também testemunho: isto é, tomada de posição, serena mas segura, sem compromissos e sem respeito humano, com lealdade e paciência. O jornalista católico não segue os frívolos caprichos da opinião pública, e menos ainda os orienta no sentido que agrada a esta última, senão que sente o dever de servir a verdade, lembrado das palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: "Brilhe vossa luz diante dos homens, para que, à vista de vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos Céus" (Mt. 5, 16).
Podereis assim, filhos caríssimos, cumprir sempre dignamente vossa nobre missão e sentir-vos ufanos dela.
2°) Além disso, a dignidade dessa missão se manifesta, igualmente, na apresentação, que deve atrair ainda mais e conquistar por sua graça amável e cheia de bom gosto. Queremos falar do estilo próprio ao jornal católico e que lhe dá um cunho absolutamente peculiar: estilo sempre límpido, mesmo quando assume um tom combativo; estilo marcado de verdade, de caridade, de respeito para com os que erram; estilo que se traduz num vocabulário aristocrático e digno.
A tentação de seguir a correnteza
É infelizmente verdade que um certo modo de fazer e de escrever, que se encontra até nas publicações destinadas às crianças — "flentes dicimus", dizemo-lo chorando — ganha incessantemente terreno, calcando aos pés, com frequência, as mais elementares exigências do gosto, da reserva, do pudor, utilizando uma terminologia e uma documentação fotográfica que repugnam a toda consciência honesta. Em face de tal fenômeno, que frequentemente é condição do êxito de certa imprensa, o jornalista católico pode, por um momento, ser tentado a seguir a corrente, justificando uma visão menos severa da realidade e concedendo aos fatos menos edificantes da crônica mais do que conviria.
Jornalismo inspirado na história, na arte, na beleza
Ora, caríssimos filhos, o estilo de vosso jornal não pode permitir um deslize de vossa consciência. Diante da habilidade dos "filhos do século" (Lc. 16, 8), deveis dar provas de vontade forte e continuar a reagir com vosso bom senso, vossa fé e vossa coragem. Ensinai os leitores a apreciar o que é verdadeiro, o que é bom, o que é belo. Deveis saber haurir a matéria de vossos ensinamentos nessas fontes inesgotáveis da verdade, da beleza e da bondade, que são as diferentes épocas da história, o mundo da arte e da poesia, as conquistas da ciência, as maravilhas do universo, as viagens de exploradores e de missionários. Que esplêndido panorama se pode oferecer às famílias em que reina a boa educação, sem todavia tornar pesadas, por um excessivo aparato de erudição, as páginas destinadas ao sereno parêntesis aberto no trabalho quotidiano.
Não digais que a tarefa do jornalista católico é mais difícil, porque mais "submetida" a exigências e normas morais; mas provai pelos fatos que ela pode ser executada com grandíssima largueza de vistas e de informação, porque, como disse o Apóstolo, "tudo é vosso, mas vós sois de Cristo, Cristo é de Deus" (1 Cor. 3, 22-23).
Verdade elementar, compreendida por bem poucos
3º) Por fim, o jornal que expõe e defende a doutrina católica deve viver do fervor dos católicos. É essa uma verdade elementar, mas que, na prática, é compreendida por bem poucas pessoas. Aproveitando, pois, esta audiência, apraz-Nos participar a Nossos caríssimos filhos a esperança que alimentamos em Nosso coração. Temos confiança de que muitos, no Clero e no laicato, mas especialmente aqueles que têm uma exata concepção do senso cristão, quererão compreender que um dos deveres sagrados do cristão é o da instrução religiosa e social. É certo que essa instrução, segundo as prescrições do Concilio de Trento, dos Sínodos e de mais recentes exortações dos Romanos Pontífices, deve dar-se através do ensino pastoral dos Bispos e do catecismo ministrado pelos Párocos. Mas, na realidade, poucos são os que ouvem essa palavra de vida, por motivo das condições de trabalho e de outras atividades, dos impedimentos, da necessidade de deslocar-se com frequência, a que está sujeito um grande número de pessoas. Pois bem, um dos meios mais potentes de que Deus pode servir-Se para penetrar nas casas, para Se fazer compreender e amar, é precisamente a imprensa católica.
Se daí resulta uma grave responsabilidade para todos os católicos que devem sustentá-la e propagá-la, não é menor o encargo que vos incumbe, a vós que tendes a missão, nobre e solene, de prestar um grande serviço à palavra de Deus, fazendo-a ressoar em toda a sua beleza e atualidade, sem empobrecê-la nem alterá-la, mas pelo contrário, tornando-a viva e atraente. Que honra, que mérito aos olhos de Deus e dos homens!
O belíssimo ensinamento de São Lucas
Permiti, caríssimos filhos, que terminemos Nosso discurso confiante e encorajador por uma exortação que Nos é sugerida pela liturgia deste dia: muito espontaneamente exprime ela votos por vosso labor de jornalistas católicos e de membros da santa escolhida milícia de "L'Avvenire d'Italia".
18 de outubro: festa de São Lucas, o terceiro Evangelista! Para a boa gente que trabalha em Bolonha "propter veritatem et justitiam et pacem", haverá voz mais familiar e mais melodiosa ao ouvido e ao coração, que a de São Lucas e de Nossa Senhora de São Lucas, que, do alto da colina ensolarada, domina e protege, na tranquilidade, a cidade das numerosas torres, carregada de gloria antiga, religiosa e civil, estendida na planície e sujeita ao intenso rigor do trabalho ruidoso.
Recitando Nosso breviário nas primeiras horas da manhã, e pensando já na reunião desta tarde convosco que constituís a grande família de "L'Avvenire", percorríamos as páginas cheias de colorido de Ezequiel, que a Liturgia consagra à celebração do amado Evangelista, representado naquela visão dos quatro Querubins, na qual o simbolismo certamente esmaga o natural; mas a significação profética é surpreendente e enaltecedora. Enaltecedora para São Lucas, um dos quatro Evangelistas; enaltecedora para vós que participais, por vossa vez, dessa afirmação escrita e quotidiana de verdade evangélica, de fraternidade e de paz cristã.
Diz-se, dos quatro Querubins, que cada um andava direito para a frente e que, todos juntos, eles iam para onde o Espírito os dirigia: e, avançando, não olhavam para trás.
Caríssimos filhos! Eis o precioso ensinamento de São Lucas e dos outros três Evangelistas associados ao mistério da evangelização, no que toca ao vosso trabalho e às preocupações que ele causa a todos e a cada um dentre vós: sempre mais para a frente, sem nunca se voltar para trás.
Jornal católico, fautor de progresso cristão
Essa encorajadora advertência se encontra no título de vosso jornal, "L'Avvenire", que não exprime um trabalho histórico e retrospectivo, mas antes uma progressão contínua em direção às conquistas espirituais do progresso humano e cristão, para honra e por amor de Jesus Cristo e de sua Santa Igreja, eterna e benéfica dispensadora de prosperidade e de paz, e para honra da caríssima pátria italiana.
Nestes sentimentos, que a solicitude de Nosso coração Nos ditou e que vos comunicamos com muita simplicidade, asseguramos-vos, que Nossa oração vos acompanha por toda parte, a fim de que, tendo recebido a gloriosa herança de um passado que muito vos honra, possais preservá-la em vosso labor diário, de sorte que nunca desmereçais da boa causa da verdade, da justiça e da paz".
Ao terminar seu admirável discurso, Sua Santidade concedeu a toda a família do "caríssimo diário católico" uma paternal e particular Benção Apostólica.