"Nas barricadas erguidas em junho de 1848 em Paris, junto às quais foi assassinado o Arcebispo Mons. Affre, ali presente (clichê: litografia da época) em missão de paz, fervilhavam as proclamações comunistas".
METAMORFOSES INTERNAS DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO
Giocondo Mario Vita
Um dos aspectos mais sugestivos do desenvolvimento do processo revolucionário é constituído pelas metamorfoses que nele se verificam.
Os pontos fundamentais relacionados com essas transformações estão indicados na Parte I, cap. IV, do magistral trabalho «Revolução e Contra-Revolução» de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.
Vamos analisar aqui a metamorfose de caráter interno que se realiza no organismo revolucionário quando se faz necessário afastar membros imobilizados em posições ultrapassadas, e trocá-los por outros aptos a avançar segundo as novas linhas da estratégia revolucionaria.
A ESCLEROSE NO ORGANISMO REVOLUCIONÁRIO
Este fenômeno ocorre quando soldados da Revolução se instalam comodamente dentro do terreno conquistado e criam dispositivos que garantem a continuidade de sua própria hegemonia, permitindo-lhes usufruir estavelmente as posições que passaram a dominar.
Ora, a Revolução deve continuar a sua marcha. Entretanto, estes setores de seu exército já estão satisfeitos com o caminho andado, e podem até julgar que o carro revolucionário chegou a seu destino.
Surge então o conflito entre o dinamismo próprio à Revolução e a estagnação dos elementos revolucionários ligados ao poder.
E daí decorre a necessidade de uma operação interna no movimento revolucionário, que consiste na renovação dos quadros de seus agentes. Este trabalho pode comportar fases incruentas de doutrinação e treino de elementos novos, e também fases cruentas de eliminação sumaria dos esclerosados, constituindo os expurgos.
Por ocasião destas mudanças, a Revolução poderá ser obrigada, no plano externo, a contemporizações, recuos e até, como se ressalta no capitulo mencionado de «Revolução e Contra-Revolução», a simular a morte.
Mas, enquanto isso, as transformações «intramuros» prosseguem, assemelhando-se à atividade da crisálida fechada dentro de seu casulo, a elaborar as novas formas, até o momento de romper o invólucro e surdir no mundo exterior com redobradas energias.
A ESTAGNAÇÃO DOS JACOBINOS
Um exemplo muito característico do problema aqui analisado é o da atuação dos jacobinos, durante a fase final da Revolução Francesa, e mais ainda no desenvolvimento ulterior do processo revolucionário na França.
Os componentes do Clube dos Jacobinos pertenciam em grande parte à pequena burguesia e à intelectualidade burguesa. Formaram eles a ala esquerda da Convenção, denominada Montanha, e foram responsáveis pelas atrocidades do Terror.
Empenharam-se com volúpia sanguinária em destroçar o «Ancien Régime» e em seguida começaram a locupletar-se com os despojos dos vencidos, tornando-se uma verdadeira burguesia rica e poderosa, dentro das fileiras revolucionarias.
Não lhes passava talvez pela cabeça que, a partir do momento em que decidiram perpetuar-se nos postos de mando, transformaram-se num trambolho incômodo para a Revolução, um entrave a ser removido do caminho.
ABURGUESAMENTO DA REVOLUÇÃO FRANCESA
O entibiamento da vanguarda revolucionaria se acentuou na tumultuosa fase do domínio napoleônico e na Restauração, para atingir o máximo sob a Monarquia de Julho.
É verdade que a aliança dos republicanos com os orleanistas em 1848 permitiu a instauração de um regime mais conveniente à Revolução do que o anterior. Luís Filipe subiu ao trono como «Rei dos franceses, pela graça de Deus e vontade do povo», o que não era pouco para exprimir o conteúdo avançado do novo governo. Mas os agentes da Revolução que operavam nos quadros oficiais estavam quase todos aburguesados. Guizot, que foi Presidente do Conselho, assim respondia aos que reclamavam a extensão do direito de voto: «Enriquecei-vos pelo trabalho e sereis eleitores».
Era o apogeu da revolução burguesa. Estava-se muito longe da revolução proletária, havendo mesmo quem afirmasse, na época, que a Revolução estava extinta...
REATIVAÇÃO DAS IDÉIAS DE BABEUF NA CLANDESTINIDADE
Babeuf, durante o Diretório, salientou-se pela difusão das ideias de vanguarda, tirando da doutrina revolucionaria consequências mais ousadas, de caráter nitidamente comunista. Não foi tolerado pelos pequenos burgueses, satisfeitos a meio caminho do processo revolucionário, e foi condenado à morte em 1797.
Suas ideias foram renascer nas organizações republicanas clandestinas, que tiveram importante papel na renovação dos quadros revolucionários ao tempo da Monarquia de Julho.
Essas sociedades secretas, deixando de lado os elementos burgueses, foram recrutando seus membros na pequena burguesia mais próxima do proletariado e também nesta última classe. Assim se formaram a Sociedade das Famílias, a Sociedade dos Direitos do Homem, a Sociedade dos Trabalhadores Igualitários e outras, intensamente penetradas de princípios socialistas e comunistas.
Um órgão da imprensa clandestina do fim da década dos 30, «L'Homme Libre», assim apresentava as reivindicações da nova frente revolucionaria: «Reclamamos a comunidade tal qual, ou quase tal qual, a entendeu Babeuf... Cumpriremos um dever destruindo até os fundamentos o edifício social, para em seguida construir sobre novas bases... Está próximo o tempo em que o povo exigirá, de armas na mão, a restituição dos bens... O que o rico possui não é, o mais das vezes, senão o fruto da rapina. A terra deve pertencer a todo o mundo; os que nada possuem foram roubados pelos que possuem...»
Nos últimos anos do reinado de Luís Filipe essas entidades subversivas passaram a pregar um programa abertamente comunista.
Um documento elaborado pela Sociedade dos Trabalhadores Igualitários pronuncia-se desta forma: «A comunidade é a verdadeira república: trabalho comum, educação, propriedade, fruição comuns... Pergunta: Qual a organização social que desejas ver em substituição à ordem anárquica que nos oprime? Resposta: Aquela em que, segundo suas forças e aptidões, cada qual trabalhará por todos e cada um; aí somente reinará a igualdade, em que se verificará a mais nivelada repartição de encargos e benefícios»
Define bem as posições extremistas o «toast» que o editor da folha revolucionaria «L'Egalitaire», Dézamy, pretendia pronunciar num banquete democrático, em 1840, e que foi vetado pelos organizadores. Estava assim redigido:
«A igualdade social! Da igualdade social decorrerão necessariamente todas as reformas políticas mais radicais.
A democracia igualitária!...
A comunidade social! Para extirpar a lepra do privilégio. Para conquistar e consolidar todos os nossos direitos. Para realizar sobre esta terra todos os sonhos deliciosos com que nossa infância foi embalada... »
Para completar o quadro, convém mencionar a tese da união dos proletários no plano nacional e internacional para arrebatar o poder das mãos da burguesia, desenvolvida, embora com a mentalidade da escola socialista utópica, pela propagandista Flora Tristan, já em 1843.
A REVOLUÇÃO DE 1848
Operada em boa parte a renovação dos quadros revolucionários, e sendo favoráveis as outras circunstâncias, tornou-se possível a eclosão da crise de 1848.
Graças ao papel desempenhado pelos novos agentes da Revolução, ia chegar ao fim a fase burguesa do processo revolucionário, iniciada em 1830, e começaria 2 períodos burguês-democrático, da Segunda República.
De fato, o vagalhão revolucionário vinha desta vez mais carregado de energia e não parou ante o princípio monárquico, embora reconhecido «por vontade do povo», mas derrubou a Casa de Orléans e impôs a república, cuja presidência foi ocupada pelo Príncipe Luís Napoleão Bonaparte, eleito por sufrágio universal, direto e secreto.
Nas barricadas erguidas em junho de 1848 em Paris, junto às quais foi assassinado o Arcebispo Mons. Affre, ali presente em missão de paz, fervilhavam as proclamações comunistas, que empolgavam os trabalhadores amotinados.
Aliás, esta revolução é considerada pelos historiadores marxistas como a primeira tentativa de revolução proletária no mundo.
Para encerrar o relato deste episódio, altamente elucidativo quanto à importância da renovação de quadros no exército da Revolução, cabe aqui um comentário de Lenine a esses acontecimentos.
Referindo-se à incompreensão dos jacobinos do grupo parlamentar da Montanha, em 1849, em face da promoção da luta subversiva nas massas proletárias, assim se exprimia o líder bolchevista: «Em 1789 os pequenos burgueses podiam ainda ser grandes revolucionários; em 1848 eles eram ridículos e dignos de dó».
GRANDE LIÇÃO PARA NOSSOS DIAS
As transformações que se operam às vezes no organismo revolucionário podem induzir em lamentáveis equívocos os católicos que andam à espreita de oportunidades de compromissos com a Revolução, com gravíssimas consequências para a causa da civilização cristã.
Deu-se isso com a «desjacobinização» realizada no século passado. O mesmo poderá ocorrer com a «desestalinização» empreendida por Kruchev, de modo aberto, a partir do XX Congresso do Partido Comunista, em 1956, e recebida com absurdo otimismo por certos meios do Ocidente.
A verdade é que na máquina soviética se efetua uma simples substituição de peças obsoletas, a fim de garantir-lhe um funcionamento mais perfeito, segundo as novas necessidades do dinamismo revolucionário.
Confessou-o o próprio ditador bolchevista, no princípio de dezembro último, ao falar aos membros do VII Congresso do Partido Comunista Húngaro. Contestando as censuras que lhe fizeram por ter denunciado o culto da personalidade, causando, transtornos em alguns países socialistas, disse Kruchev: «Entretanto, acredito que isto deveria ser feito. Foi necessário fazer uma grande limpeza e eliminar do partido tudo aquilo que lhe fosse estranho». E, mais adiante: «Afinal, nossa organização foi reforçada e, no momento, é com confiança redobrada que prosseguimos no caminho traçado por Marx, Engels e Lenine, e que conduz à sociedade comunista».
Em outras palavras, a Revolução não abandonou nenhum dos seus objetivos finais. Pelo contrário, procedeu a uma correção de rota a fim de atingi-los mais eficazmente. Os responsáveis pelos desvios, os estalinistas, esclerosados em posições já ultrapassadas, foram removidos, e em seu lugar estão elementos mais capazes de levar avante a bandeira comunista.
Os militantes católicos devem compreender estas lições da história e do presente. Nada de ilusões ante as metamorfoses que ocorrem no interior das hostes revolucionarias; esforcemo-nos antes por tirar todas as vantagens destas circunstâncias delicadas para a Revolução, a fim de frustrá-la e fazer triunfar a Igreja e a civilização cristã.
VERDADES ESQUECIDAS
NAO E LÍCITO AUMENTAR ARBITRARIAMENTE OS PREÇOS
Telegrama da "Associated Press", do dia 17 de novembro do ano passado, informava que a inauguração da primeira loja do Sr. Edouard Leclerc em Paris dera lugar "a grande distúrbio, entrando em choque diante do estabelecimento os partidários e adversários do comerciante". Esclarecia o despacho que este Sr. Leclerc, possuidor de sessenta lojas no interior do país, "compra diretamente dos produtores e limita seus gastos ao mínimo, o que lhe permite estabelecer um preço vinte por cento inferior ao de seus concorrentes". Estes o classificam, por isso, de traidor da classe, adulador, servil.
No século XV, São Bernardino de Siena propôs este decálogo aos mercadores de seu tempo: "I — Não vender a preço maior nem comprar a preço menor do que o permite a justiça; II — Nunca traficar em detrimento do Estado, nem fazer o interesse pessoal passar na frente do bem público; III — Vender suas mercadorias com igual justiça, tanto a estrangeiros quanto a compatriotas, tanto aos simples e ignorantes quanto às pessoas experientes e esclarecidas; IV — Não cobrar preço maior de quem é obrigado a pagar com algum atraso; V — Usar pesos e medidas certos; VI — Respeitar os contratos, pagar na data fixada; VII — Não comerciar nos domingos e dias santos; VIII — Escolher um confessor piedoso e douto; IX — Evitar mentiras, juramentos, duplicidades, toda sorte de fraudes; X — Não permanecer muito tempo longe de sua esposa". — (apud "Osservatore Romano", edição semanal em francês, de 23 de outubro de 1959, p. 3).