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Como o Batista, seu homônimo e patrono, João XXIII tem a missão de "apresentar a Deus um povo perfeito" (Lc. 1, 17). Por isso, ele deseja conduzir os homens à paz, àquela verdadeira paz à qual só se chega pelos caminhos de Belém. Pois não existe perfeição mais alta e mais preciosa que a da paz cristã. — Com o comunismo não pode haver paz, uma vez que o Kremlin é hoje em dia o polo diametralmente oposto a Roma e Belém. Uma negociação com seus déspotas pode, talvez, afastar um pouco a guerra. Nunca, entretanto, poderá instaurar a verdadeira paz. Clichês: 1. São João Batista, desenho de Botticelli; 2. O Presidente Eisenhower recebe o casal K. em Washington.

A Missão do Papa Atual:

“APRESENTAR A DEUS UM POVO PERFEITO”

A segunda Mensagem de Natal do Santo Padre João XXIII se revestiu de tão alta importância que nos parece útil publicá-la na integra e comentá-la.

Assim, damos em nossa edição de hoje o texto completo do importante documento, diretamente traduzido do «Osservatore Romano», em sua edição em francês de 1° de janeiro p. p. Os subtítulos são do próprio original.

Para maior clareza, dividimos nossos comentários em duas partes: uma nota introdutória e observações intercaladas, em corpo 6, no próprio texto.

Apresente alocução tem um cunho ao mesmo tempo doutrinário e político. Ela define o ideal cristão da verdadeira paz: é este o seu aspecto doutrinário. De outro lado, confronta esse ideal com a atual situação do mundo, e nisto consiste sua significação política.

Esquematizando os ensinamentos doutrinários essenciais da Mensagem, pode-se enumerá-los assim:

— A paz não é qualquer tranquilidade, mas somente a tranquilidade que resulta da ordem.

— A paz entre as nações, isto é, a existência de relações tranquilas e ordenadas entre elas, é necessariamente fruto da paz em outros campos: no homem na família, na sociedade, no Estado, etc.

— Ora, a paz no íntimo do coração humano, condição primeira para que ela também exista nos outros campos, foi prometida unicamente aos homens de boa vontade, e só eles a podem possuir.

— Homem de boa vontade é o que tem «o propósito sincero de respeitar a lei eterna de Deus, de se conformar com seus mandamentos, de seguir suas vias: numa palavra, de manter-se na verdade. Ora, isto só se consegue em união com o Divino Infante que em. Belém repousou sob os olhares enternecidos e respeitosos de Maria e de José.

O caminho da paz passa por Belém, diz o Pontífice. Em outros termos, só pela influência de Jesus Cristo e da Igreja pode o mundo ter a verdadeira paz.

Na conjuntura histórica em que o discurso foi pronunciado, o seu alcance político é patente.

A humanidade inteira geme sob a ameaça de um conflito que pode acarretar o fim da presente civilização, e quiçá a destruição da maior parte do gênero humano. A vista disto, há um clamor universal pela paz. Em todos os setores da vida política e intelectual, estadistas e escritores se movimentam para evitar a catástrofe por meio de uma verdadeira paz.

Ora, o que distingue a grande maioria destes esforços é seu caráter leigo e circunscrito. Em outros termos, o que se procura não é a paz, porém, segundo ensinamento de João XXIII, uma contrafação da paz. Em geral, não se cogita de dar-lhe como fundamento a única verdadeira Igreja de Jesus Cristo. Espera-se obtê-la de um conjunto de tratados regulando satisfatoriamente os problemas econômicos e, em medida secundaria, certos problemas políticos. Quando muito, em uma ou outra peça oratória de estadistas do Ocidente, vem alguma vaga referência a Deus. Mas o coração dos homens, de modo geral, pôs toda ou quase toda sua esperança de paz em uma boa ordenação da economia. Este é o caminho de Mamon. Não é o caminho de Belém. Ele traz a guerra e não a paz.

O caráter circunscritos da maioria dos esforços feitos em prol da paz está em que, geralmente, ou não se pensa em conferir a esta uma base moral, ou, se se faz, é na ilusão de que possa bastar para tanto um vago humanitarismo. Quão poucos são os que se podem dizer compenetrados de que a paz é um todo indivisível, e que, ou ela existe em todos os níveis, desde o individual e privado ao internacional, ou é impossível.

Em conclusão, a maior parte dos homens, não o querendo embora, caminha para a guerra e não para a paz.

Mais especialmente, o Papa põe em evidencia a incompatibilidade do comunismo com a verdadeira paz. Materialista, contrario irredutivelmente à doutrina católica, afasta ele os homens do caminho de Belém. Como crer então na autenticidade e na durabilidade da paz que se oferece?

Estas considerações levam inelutavelmente o leitor a pensar em todo o esforço de distensão que se tenta no mundo, e que parece ter aberto uma era nova na história com os colóquios de Camp David, entre o Presidente Eisenhower e Kruchev.

É tão evidente que de um acordo com comunistas não pode nascer a paz de Cristo, que não é necessário insistir sobre o assunto.

O Vigário de Jesus Cristo, Príncipe da Paz, não desespera diante de tal situação. Sua missão consiste em, como São João Batista, preparar as vias do Senhor. E, para isto, conta com o auxílio divino.

Os esforços dos homens para evitar quanto possível a guerra, ele os vê sem ilusões, não porém sem uma paterna simpatia quanto ao objetivo que visam.

Enquanto assim a tormenta se vai dia a dia procrastinando, o Sumo Pontífice trabalhará para oferecer ao Redentor, como fruto de suave odor, um mundo recristianizado e firmado na verdadeira paz.

São as seguintes as veneráveis palavras de Sua Santidade:

«Veneráveis Irmãos, amados filhos,

Eis-nos chegados ao Natal, o segundo Natal de Nosso Pontificado. Percebendo-o ao longe, quando estamos unidos em espírito a Maria e a José em marcha rumo a Belém, desde há vários dias experimentamos já a suavidade do cântico dos Anjos que vêm ao nosso encontro, anunciando a paz celeste oferecida a todos os homens de boa vontade. Assim, dia a dia, nos capacitamos de que o caminho de Belém marca verdadeiramente o caminho certo da paz, desta paz cujo desejo se encontra nos lábios, nas preocupações e no coração de todos.

N. 1 — O Sumo Pontífice enuncia a tese geral da alocução: o caminho da paz é o caminho de Belém.

Os apelos da Liturgia já nos alertavam no jubiloso convite do Papa São Leão Magno: «Exultai no Senhor, filhos caríssimos, alegrai-vos com jubilo espiritual, pois eis aí de novo o dia da redenção, o dia há tanto esperado, o anuncio da felicidade eterna» (Serm. XX in Nativitate Domini; PL 54, 193). Ao lado desta voz solene e tocante que nos vem do século V, e em harmonia com ela, ouvimos como que se elevarem reunidas as suplicas dos Soberanos Pontífices que governaram a Igreja antes e depois das duas guerras que dilaceraram a humanidade no século em que vivemos, e a voz ainda próxima

(continua)