ESCREVEM OS LEITORES
O ESPISCOPADO ESPANHOL E OS BAILES
De um anônimo, Rio de Janeiro (D. Fed.): "Caiu por acaso em minhas mãos um volumezinho intitulado "Normas de Decência Cristiana", de autoria da Comissão Episcopal de Ortodoxia e Moralidade, da Espanha, e editado pelo Secretariado do Episcopado Espanhol (Madrid, 1959).
Nesse folheto,... chamaram-me a atenção os tópicos que vou a traduzir, e que pertencem ao capítulo das "Diversões":
“92. São necessárias as diversões, mas nelas se pode pecar, quer dedicando-se às mesmas mais do que é devido, com perda de tempo ou com descaso de obrigações, quer gastando nelas mais dinheiro do que convém, quer por outros perigos, especialmente atinentes à castidade".
“93. Entre as diversões, talvez nenhuma constitua hoje em dia perigo mais grave e frequente do que os bailes. Por isso, os que desejam para a sociedade uma vida moral sadia não podem deixar de dedicar-lhes cuidadosa atenção. É o caso, muito especialmente, dos pais, autoridades e entidades de apostolado ou sociais".
“94. Mesmo quando os bailes, de si, não são maus — e há danças sagradas e folclóricas muito honestas — é certo que os bailes chamados modernos, entre os quais podemos classificar todos os chamados agarrados (transcrevo a expressão castelhana), constituem sério perigo para a moral cristã. Por isto, mesmo em suas formas moderadas, devem em geral ser desaconselhados, por se converterem facilmente em ocasião próxima de pecado. Muitos, porém, são maus em si mesmos: pelo que significam e pelos gestos e contatos que permitem, e será sempre pecado grave dançar neles, organizá-los, convidar para eles, e até assisti-los sem grave motivo".
“95. Pode-se pecar gravemente no baile: 1°) por permitir pensamentos, desejos ou complacências libidinosas; 2°) por colocar-se em perigo grave e próximo de permiti-los, ainda que de fato não se consinta; 3°) por cooperar para o pecado grave do companheiro ; 4°) em certos ambientes, por escândalo para os que o presenciam. No segundo caso, poderia escusar de pecado uma causa grave, sempre que se procure pôr os remédios oportunos. No terceiro, igualmente, contanto que não se permita nada claramente luxurioso. E depois do baile não é menor o perigo, quando se regressa a desoras e por lugares desertos".
“96. Outras circunstâncias podem tornar grave o baile: por exemplo, o ambiente e condições do salão, a falta de luz, o traje desonesto, as palavras dos que dançam, o fato de terem estes tomado algum tanto de álcool, a pouca idade dos participantes, a falta de vigilância de pessoas de responsabilidade e realmente respeitáveis, etc."
São especialmente graves os bailes em roupa de banho e os de carnaval com máscaras, e outros do gênero, os quais, por outro lado, não são admitidos pela lei espanhola e por isso devem ser denunciados".
Tampouco podem permitir-se os bailes infantis, que são especialmente prejudiciais, máxime se neles se usam fantasias impróprias dessa tenra idade".
E depois de uma disposição mais atenuada sobre os bailes de gala (n.° 100), vêm mais estes tópicos:
“101. Os bailes de sociedade também apresentam perigo, e este dependerá, em não pequena medida, das pessoas e circunstâncias, como acontece nos demais casos".
“102. Tampouco os bailes familiares estão isentos de perigo, máxime se são frequentes, pois, além dos perigos inerentes de si aos bailes modernos, os pais e pessoas mais velhas podem deixar a sós a juventude irresponsável, e até não é raro que um ou outro dos mais velhos agrave o mal com o escândalo que dá".
“103.Tratando-se de bailes não lícitos, tampouco será lícito organizá-los, fomentá-los de qualquer forma, ou que os autorize quem deve impedi-los (n° 94)".
Desejo conhecer o juízo desse jornal sobre tais normas, que a mim me parecem, mais bem, exageradas, e como tais contrarias ao sentir da Igreja.
Desculpe que eu não possa assinar a presente, pelos motivos que facilmente se compreendem".
R. Em princípio não damos atenção a cartas anônimas.
Mas a presente é, por assim dizer, semi-anônima. Pois, se ela não traz o nome do autor, é porém evidente que, exprimindo-se embora de modo menos grosseiro, são muitos os que pensam desse, modo.
Esta circunstância leva-nos a responder, não para esclarecer o missivista, mas os que como ele pensam, e que por certo merecem muito mais consideração do que ele.
Antes de entrar na matéria, convém mencionar que a tradução do leitor anônimo está correta. Deixou ele, todavia, de traduzir a expressão espanhola "bailes agarrados", que se lê no tópico no 94.
Não se trata ai — como poderia parecer — de dançarinos que evoluem colados um ao outro, pois, na linguagem corrente na Espanha, a dança se chama "agarrada" quando os pares dançam de mãos dadas, de braços dados, ou abraçados.
Passamos a responder.
1o) Preliminarmente, lembremos que o Episcopado Espanhol, como o de qualquer outra nação, não está sujeito a nosso juízo. Pois o fiel não tem autoridade para julgar aqueles que exercem, na Igreja uma função hierárquica.
2o) Seria, ademais, ridículo que procurássemos julgar os quatro Cardeais, sete Arcebispos e 54 Bispos que constituem a Hierarquia da Espanha, uma fração das mais tradicionais e ilustres do Episcopado católico.
3o) A vista de um pronunciamento tão autorizado como o dessa publicação oficial do Secretariado do Episcopado Espanhol, ser-nos-ia apenas licito perguntar se contém ele alguma discrepância com a tradição da Igreja, o ensinamento dos Sumos Pontífices ou dos Concílios, e a opinião dos Doutores e dos Santos.
Ora, a isto é fácil responder:
a) Em nenhum documento pontifício ou conciliar, em nenhum dado da tradição, em nenhum escrito de Santo se lê o contrário do que ensinam as presentes diretrizes episcopais.
b) Antes, não é difícil encontrar em todas essas fontes tópicos que, de um modo mais genérico ou mais pormenorizado, têm o mesmo espírito.
Mais particularmente quanto aos Santos, muitos foram mais "exagerados" que o Episcopado da Espanha. Por exemplo, o Santo Cura d'Ars, que proibia os bailes (cf. "São João Maria Vianney, modelo de Pároco eficiente", D. Antonio de Castro Mayer, CATOLICISMO, n° 104). É verdade que certo escritor insinuou que São João Maria Vianney tinha algum ressaibo de jansenismo, opinião absurda que não é o caso de refutar aqui. De qualquer forma, o dulcíssimo São Francisco de Sales, que ninguém irá suspeitar de cripto jansenista, escreveu sobre os bailes o seguinte: "Falo-vos dos bailes, Filotea, como os médicos falam dos cogumelos: os melhores de nada valem, dizem eles; e eu vos digo que os melhores bailes não são bons... Se por qualquer motivo de que não conseguirdes desculpar-vos, vos for necessário ir ao baile; velai por que vossa dança seja decente. Dançai pouco, e poucas vezes, pois que do contrário correreis o risco de vos afeiçoardes às danças..., e estas recreações dissipam o espírito de devoção, tornam langorosas as forças, entibiam a caridade, e despertam na alma mil variedades de maus afetos. Eis porque é necessário servir-se delas com grande prudência" (Introdução à Vida Devota, 3° parte, cap. 33).
Como se vê, em via de regra, o Santo, que não pactuava com os bailes, só considerava possível participar deles por eventuais motivos irremovíveis.
Essa a atitude do grande Doutor da Igreja em relação às danças de seu tempo. Eram estas, entretanto, em comparação com as de hoje, bastante compostas e comedidas em matéria de pureza. É certo que, em presença das danças atuais, São Francisco de Sales levaria sua censura muito além.
De qualquer modo, vejamos os pensamentos que o Santo propunha para durante o baile, a fim de compensar os graves inconvenientes de danças que a sensibilidade deformada de nossos dias não hesitaria em qualificar de excessivamente comedidas e sensaboronas. Como, normalmente, acalentá-los e desenvolvê-los em uma sala de baile de nossos dias? Diz o autor da "Filotea": "Pensai nas almas que ardem no inferno por causa das faltas que cometeram em bailes; pensais nos santos Religiosos que, enquanto vos divertis, cantam os louvores de Deus; pensai nos homens que no mesmo momento estão sofrendo ou morrendo; pensai em Nosso Senhor, em Nossa Senhora, nos Anjos e Santos que vos veem no baile, e que têm grande pena de encontrar vosso coração distraído com tão grande tolice e atento a uma tal sensaboria; pensai na morte que se aproxima zombando de vós, e que vos faz sinal para que entreis na dança macabra onde os gemidos substituem o violino, e onde fareis vosso transito da vida à morte" (ibid.).
Se passamos destas abalizadas opiniões para os documentos de Autoridades Eclesiásticas, podemos lembrar os decretos da Sagrada Congregação Consistorial, de 31 de março de 1916 e 10 de dezembro de 1917, que publicamos em nossos nos 67 e 69. Tornara-se costume nos EE. UU. e no Canadá que dirigentes de associações religiosas e até Párocos promovessem e presidissem festas com danças, a fim de fomentar a mútua caridade entre os católicos e dar aos jovens de ambos os sexos ocasião para se conhecerem, favorecendo a formação de lares católicos e evitando o casamento com protestantes; ao mesmo tempo, serviam essas reuniões para se angariarem fundos para obras pias. Tendo conhecimento disso, a Sagrada Congregação decretou que "todos os Sacerdotes, quer seculares, quer regulares, e demais Clérigos estão absolutamente proibidos de promover ou fomentar os referidos bailes, ainda que seja para o proveito e auxilio de obras pias, ou para qualquer outro fim piedoso; bem como todos os Clérigos estão proibidos de assistir a esses bailes, se por acaso forem promovidos por leigos. O Sumo Pontífice ordenou que o presente decreto fosse publicado, e por todos religiosamente cumprido, não obstante quaisquer disposições em contrario".
Ora, se a Igreja vê com tanta apreensão os bailes só entre católicos, no melhor dos ambientes, que é logicamente o das associações religiosas, sob a vigilância direta do Clero, e isto a tal ponto que veda aos Clérigos favorecer tais bailes, como não compreender os Bispos que desaconselham formalmente, ou mesmo proíbem hoje em dia, a exemplo do Santo Cura d'Ars, que os fiéis frequentem bailes ou dancem?
Em 1924, a Europa sofria a invasão de certas danças americanas, que hoje nos parecem tão moderadas, e que suscitaram entretanto inúmeras condenações da Hierarquia na França. O Cardeal Dubois, o Arcebispo de Chambéry, o Bispo de Lille condenaram sucessivamente as danças novas. O Arcebispo de Cambrai escreveu: "O tango, o foxtrote e outras danças análogas são diversões imorais em si mesmas. Elas estão proibidas pela própria consciência, por toda parte e sempre, anteriormente às condenações episcopais e independente delas". E Bento XV, na Encíclica "Sacra Prope Diem" exclama: "Essas danças exóticas e bárbaras, recentemente importadas nos círculos mundanos, mais chocantes umas que as outras, são o que há de mais próprio para banir todos os vestígios de pudor". Muitas destas danças provinham das mais baixas camadas de indígenas americanos, e delas disse em Carta Pastoral Mons. Charost: "Edulcore-se quanto se queira este enxerto bárbaro, corrija-se com maior ou menor perícia seu despudor nativo. Logo que encontre um temperamento propício, este enxerto retomará seu ardor e sua violência natural. Ele é o vírus da carne pagã penetrando em um organismo social que dezessete séculos de espiritualismo cristão e de dignidade moral haviam modelado. Ele é mais do que a revolta — de que nenhum século cristão foi isento — ele é, no fundo e por tendência, a anarquia do instinto" (cf. "Em Defesa da Ação Católica", Plinio Corrêa de Oliveira, Ed. Ave Maria, 1943, pp. 256-257).
Das danças modernas, muitas das quais também não passam de adaptações de velhas danças pagãs, que se poderia dizer?
Assim, pretender que as "Normas" do Secretariado do Episcopado Espanhol discreparam do sentir da Igreja neste ponto, ou é mostra de ignorância religiosa grosseira, ou é má fé. E, pelo contrário, só merece louvor quem se abstém dos bailes por neles ver todos os inconvenientes que aquele documento denúncia.
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Revmo. Pe. Guido Barra, S. D. B., Conselheiro da Congregação Salesiana, Casa Generalícia, Turim (Itália), em carta a nosso colaborador Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: "Acabo de receber CATOLICISMO de novembro e li "d'un fiato" seu maravilhoso artigo sobre a novíssima arma, da estratégia soviética: K. é isso mesmo! um perfeito saltimbanco, consumado na arte da cena, bonachão e truculento conforme o momento e o auditório, para obter mais efeito. No clima da chamada distensão veio a Radio Moscou derramar sobre o mundo as blasfêmias mais idiotas contra o Natal: os comunistas não ouviram nada; quando, porém, o Cardeal Ottaviani falou em S. Maria Maggiore aos prófugos de todos os países e lembrou a realidade irrefutável de tantas nações e de milhões de almas, então os jornais comunistas fizeram um grande alarde.
... Agradeço a remessa de CATOLICISMO, que leio sempre com grande agrado e serve para manter-me em dia e "in forma", pois no ano próximo (1960) espero chegar a São Paulo para o congresso interamericano dos ex-alunos salesianos,... Saudações cordiais aos amigos todos de CATOLICISMO".
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Sr. José Maria de Estrada, Buenos Aires (República Argentina): "... lo felicito por la gran tarea intelectual e espiritual que Ud. y sus amigos realizan en la prestigiosa y bella revista CATOLICISMO. Aprovecho también, pues, para agradecerle el asiduo envio de la mencionada Revista y la oportunidad que me da así de estar al tanto de las nobles y elevadas actividades de Uds. en bien de nuestra civilización y de la Iglesia".
AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES
Paz de alma no Tabor e no Calvário
Plinio Corrêa de Oliveira
O presente comentário constitui uma tentativa para ilustrar, dentro da linha típica desta seção, a Mensagem de natal do Santo Padre João XXIII ( vide "Catolicismo", n.º 110, de fevereiro de 1960 ). Magnífica Mensagem, na verdade, de um Papa que em tão pouco tempo já se impôs à consideração de todos como um grande Papa; mas Mensagem que, para ser inteiramente assimilada pelo contemporâneo, tão exposto a influências contrárias, precisa ser comentada e lembrada a cada passo.
De certa forma, duas verdades constituem como que as colunas sobre que se baseiam os múltiplos ensinamentos daquele documento.
a) - a paz é indivisível; para existir na esfera internacional, precisa existir também em cada país ( na esfera política, social e econômica, na família, na cultura, em todos os terrenos enfim ) e principalmente no interior de cada pessoa;
b) - essa paz, que é a tranquilidade da ordem, só em Nosso Senhor Jesus Cristo, e pois na Santa Igreja, sua Mística Esposa.
Parece-nos interessante ilustrar com duas fotografias a noção de paz de alma, essa paz que o homem moderno procura e não encontra, e que entretanto está a dois passos dele, no recesso amoroso da única e verdadeira Igreja de Deus.
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Um amanhecer no pátio interno do Convento de Saint-Gildard. Casa Mãe das Irmãs da Caridade de Nevers na França. A essa Congregação, correntemente chamada das Irmãs da Caridade de Nevers, pertenceu Santa Bernadette. A vida religiosa da vidente de Lourdes transcorreu precisamente nessa casa, e foi entre suas paredes benditas que ela exalou seu último suspiro.
Ordem grave, profunda e entretanto radiosa tranquilidade na natureza, serenidade das linhas arquitetônicas da fachada... as folhas dos imensos castanheiros dir-se-iam lâminas delgadíssimas de prata ou de cristal, nas quais se condensam os raios solares castos e jubilosos desse esplêndido amanhecer. Paz, enfim, uma grande paz natural nesse ambiente onde a presença de uma religiosa, como se fora a de um Anjo, parece trazer como riqueza transcendental, algo da paz sobrenatural indizivelmente mais preciosa que habita na alma dos filhos da luz.
E assim como os raios solares, penetrando nas folhas, parecem transformá-las em gotas de sol, dir-se-ia que a paz da natureza e, sobretudo, a paz inefável da graça penetram na alma dessa Religiosa, transformando-a como que numa personificação ou num símbolo vivo da paz interior.
Quando Santa Bernadette passeava por este jardim, quem sabe se todas essas austeras e doces magnificências a ajudavam um pouco a lembrar-se da figura indescritivelmente bela, toda inundada de paz sobrenatural, d’Aquela que o Apocalipse (12, 1) descreve como a Mulher vestida de sol, do sol da verdadeira paz, que é o dom das almas unidas a Deus.
O que são, perto das alegrias dessa paz de alma, as correrias, a agitação, as tempestades passionais, as angústias, a que o mundo, sempre mentiroso, chama de alegria?
É para essa paz que, como novo João Batista, o grande Pontífice que Maria Santíssima nos deu quer preparar todos os homens.
É a paz do Tabor.
Pensando nisto, teríamos o desejo de dizer à humanidade as palavras de Nosso Senhor à Samaritana: "Se conhecesses o dom de Deus... ( Jo. 4, 10 ).
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Não é porém só para a paz do Tabor que nos convida o Vigário de Cristo. É também para a paz do Calvário.
"Ecce in pace amaritudo mea amarissima". Essa frase do Rei Ezequias ( Isai. 38, 17 ) costuma ser transcrita junto a estampas representando Nosso Senhor ou Nossa Senhora durante a Paixão.
Quem sabe vislumbrar através dos traços de uma fisionomia um estado de alma não pode deixar de pensar que essas palavras mereceriam estar escritas ao pé desta segunda fotografia, que nos mostra uma figura sorridente mas indizivelmente dolorosa.
O sorriso não procura esconder a dor, mas afirmar-se por um prodígio de virtude, de fidelidade à graça, apesar da dor. Os lábios sorriem só porque a vontade quer que eles sorriam, e a vontade o quer porque essa alma tem fé, e sabe que depois das provações e das trevas desta vida terá como prêmio Aquele que disse de Si: "Serei Eu mesmo vossa recompensa demasiadamente grande" ( Gen. 15, 1 ). Essa recompensa será Aquele de quem Santa Teresa de Ávila proclamou: "Ainda que não houvesse Céu eu Vos amara, ainda que não houvesse inferno eu Vos temera". Nessa alma há ordem, e há aquela tranquilidade inconfundível que vem da ordem: apesar de um oceano de dor, há verdadeira paz.
De um oceano de dor, dizíamos. Um desses oceanos de aridez e sofrimento tão grandes que não cabem na terra, e só em uma alma católica e generosa podem caber.
Vítima do Amor misericordioso, Santa Teresinha se oferecera em holocausto, e esse holocausto fora aceito. Ela estava a dois passos da morte, por efeito de uma moléstia implacável, e provas interiores misteriosas e terríveis enchiam sua alma. Dias antes de morrer, escreveu. "O demônio anda em volta de mim: não o vejo, mas sinto-o, porque me está atormentando e segurando-me com mão de ferro, sem me deixar o menor alívio, para com a força das dores me fazer desesperar... Quão necessária é aquela oração de completas: "Livrai-nos, Senhor, dos fantasmas da noite" ( Hist. de uma Alma, cap. XII ).
É toda essa dor que se exprime no olhar luminoso e triste, que parece chorar enquanto os lábios sorriem.
É uma tristeza ordenada, sem revolta, nem sentimentalismo, nem vaidade. Uma tristeza que na mera criatura lembra o divino modelo da tristeza profunda, mas santamente sujeita à vontade divina, do Cordeiro de Deus.
Junto à Santa, dois símbolos: o lírio e a cruz fria e nua de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ai está a tranquilidade da ordem, em meio à aridez e à dor.
E ainda aqui, se poderia dizer à humanidade: "Se conhecesses o dom de Deus..." ( Jo. 4, 10 ).
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Se todas as almas, na alegria como na dor, procurassem a paz verdadeira, então sim, o mundo teria essa paz que não é Kruchev que lhe poderá dar.
Mas, dirá alguém, isto é para Freiras. Objeção ignóbil e ridícula, como a do indivíduo que, vendo um regimento desfilar com garbo ou morrer com bravura, dissesse: "Patriotismo não é comigo. É coisa para soldado".