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ESCLARECIMENTO

Pe. JOÃO BLOES NETTO

Secretário do Bispado

Tendo recebido várias consultas versando sobre o mesmo assunto, resolvemos respondê-las pela imprensa. Uma das mais típicas, e que por isto como que representa as demais, fê-la o autor da seguinte carta:

"Tenho lido e estudado o livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência", da autoria do Exmo. Sr. Bispo Diocesano D. Antonio de Castro Mayer, de D. Geraldo de Proença Sigaud, Bispo de Jacarezinho, do Dr. Plinio Corrêa de Oliveira e do Dr. Luiz Mendonça de Freitas. Pelo estudo desta obra cheguei ao conhecimento do que a Santa Sé pensa da Reforma Agrária em geral. Estudei com especial cuidado os tópicos em que o livro examina o projeto de Revisão Agrária do Governo Carvalho Pinto, e cheguei à convicção de que, em seus princípios e suas aplicações, a Revisão Agrária paulista é socialista, e não pode ser aceita por um católico. Aconteceu, porém, ler eu na imprensa uma declaração de boa parte dos Exmos. Srs. Bispos de São Paulo, em que se diz que o projeto e o seu substitutivo se inspiram na doutrina social dos Papas. Compreende V. Revma. a minha perplexidade diante de tal declaração, que afirma exatamente o contrário do que meu Bispo Diocesano e o Sr. Bispo de Jacarezinho — aos quais se juntou em carta publica o Sr. Bispo de Bragança Paulista — ensinam. Desta perplexidade brotou uma ansiedade de conhecer os princípios por que me devo guiar no caso presente. Como se deve portar um católico em situações semelhantes? Ficaria imensamente grato a V. Revma. se me indicasse os princípios por que me devo nortear".

Respondendo a esta carta, esperamos satisfazer ao mesmo tempo os demais consulentes que nos procuraram. Sem apreciar os fatos recentes que deram ocasião à perplexidade de nosso missivista, indicaremos os princípios que a Sagrada Teologia nos ensina sobre nossa atitude diante do Magistério Eclesiástico.

CARÁTER E ORIGEM DA AUTORIDADE DO BISPO

Nosso Senhor Jesus Cristo constituiu a sua igreja dando-Lhe a forma monárquica, dotando-A de um Governo central supremo, que é o Santo Padre o Papa, Sucessor de São Pedro. Debaixo da jurisdição do Papa, mas gozando de autoridade própria, Jesus Cristo colocou os Bispos, Sucessores dos Apóstolos, com a missão tríplice de santificar, governar e ensinar os fiéis de suas circunscrições ou Dioceses.

A autoridade fundamental dos Bispos é, portanto, de origem divina, e ninguém a pode abolir. O âmbito do exercício desta autoridade pode ser maior ou menor, conforme a legislação eclesiástica, que em certa escala pode variar. Não depende, pois, da vontade do fiel a autoridade do Bispo que o governa. Submetendo-se a ela, o fiel se submete à autoridade de Cristo.

Não são os Bispos delegados do Santo Padre, no exercício de sua autoridade. Possuem esta prerrogativa a titulo do próprio oficio. A maneira como o Bispo é escolhido para o múnus episcopal pode variar. Mas a origem da autoridade é sempre a mesma: Cristo. É pois em nome dEle que o Bispo administra os Sacramentos, dá os mandamentos, ensina a doutrina.

A AUTORIDADE EPISCOPAL E A AUTORIDADE DO SUMO PONTÍFICE

Sua autoridade, porém, não é irrestrita. Há duas limitações que a enquadram. De um lado, o direito divino, a vontade de Jesus Cristo. De outro lado, a autoridade do Santo Padre.

Embora não seja delegado do Papa, o Bispo tem uma autoridade sujeita à do Santo Padre. O Papa tem sua autoridade limitada apenas pelo direito divino, pela vontade de Cristo, e não somente os Bispos lhe estão diretamente sujeitos, mas cada fiel está na direta dependência da autoridade pontifícia. Assim, por duas formas atinge esta ao fiel: mediante o Bispo Diocesano, e diretamente.

No magistério se verifica este duplo canal que transmite o ensinamento pontifício: o fiel é ensinado pelo Papa na medida em que o Bispo Diocesano lhe transmite os ensinamentos pontifícios, e na medida em que o Papa o atinge diretamente, seja pela palavra falada, como através do rádio hoje é tão fácil, seja pela palavra escrita.

O ensinamento do Bispo Diocesano é autêntico. Ele fala com autoridade. O súdito aceita a doutrina que seu Bispo lhe transmite, não por causa dos argumentos em que este se estriba, mas porque ele fala em nome de Cristo: "Quem vos ouve, a Mim ouve!" (Lc. 10, 16).

Não podendo atingir sempre seus diocesanos, o Bispo delega a Sacerdotes a missão de ensinar em seu nome. Estes transmitem a doutrina do Bispo, que é a da Igreja de Cristo, e os fiéis, ouvindo os Sacerdotes, ouvem o Bispo, ouvem a Igreja, ouvem a Jesus Cristo.

A INFALIBILIDADE, PRIVILÉGIO DO SANTO PADRE

Acontece, porém, que o grau de ligação entre Cristo e os Bispos não é o mesmo que entre Cristo e o Papa.

O Papa é o porta-voz do Divino Mestre, e não pode errar quando ensina doutrinas de fé e de moral oficialmente, definitivamente, ou, como se diz na Teologia: "ex cathedra". Jamais aconteceu nos vinte séculos da história da Igreja, e até o fim do mundo jamais acontecerá que um Papa ensine "ex cathedra" um erro doutrinário. É o que dizemos quando afirmamos que o Soberano Pontífice é infalível. Os Bispos não têm a mesma prerrogativa. Embora mestres autênticos de suas ovelhas, não são infalíveis. De onde a possibilidade absoluta de vir um Bispo a cair em erro. Isto pode acontecer, isto tem acontecido.

Qual é a atitude que o súdito deve tomar diante do magistério do seu Prelado? A atitude normal é receber a palavra episcopal como verdadeira. Esta atitude baseia-se em duplo motivo. Primeiro, porque é de se supor que um Bispo versado na Teologia, cuja função é ensinar, cuja vida se passa entre os mais doutos tratados, conhece melhor a doutrina da Igreja do que o fiel. Esta razão, porém, é secundaria. A razão fundamental por que o católico deve supor que a doutrina que o Bispo Diocesano ensina é verdadeira, provém do caráter de mestre autêntico, embora falível, que este último possui. O Código de Direito Canônico assim resume a doutrina da Igreja, no Canon 1326: "Os Bispos, embora não sejam infalíveis, cada um por si, nem sequer reunidos em Concílios particulares, não obstante são, debaixo da autoridade do Romano Pontífice, verdadeiros doutores e mestres dos fiéis que lhes foram confiados". Seria sinal de fé débil e de soberba estar de ânimo desconfiado e prevenido contra o magistério de seu Prelado.

CONFERIR COM O EVANGELHO DE PEDRO

Esta deve ser a atitude normal do católico diante do Magistério diocesano. Manter uma posição de independência intelectual, de crítica habitual, destoaria da virtude da fé que o católico deve cultivar. No entanto, aquela atitude não é absoluta. Pois, uma vez que o magistério do Bispo não é infalível, pode haver circunstancias especiais em que o súdito se veja em perplexidade de consciência diante de uma doutrina insólita, nova, contrastante com a doutrina tradicional.

Nesta situação, a virtude da fé orientará o olhar do católico com mais frequência e com mais intensidade para a única Cátedra infalível, que é a de Roma, a fim de fazer o que, humildemente, São Paulo fez, após vários anos de apostolado: foi a Jerusalém conferir o seu evangelho com o de Pedro. Quanto mais profundos os conhecimentos religiosos que o fiel tem, quanto maior a sua responsabilidade dentro da Igreja, tanto maior a necessidade deste olhar para Roma, sobretudo quando se agitam as ondas do mar em que navega a barca da Santa Igreja.

Pode pois acontecer que entre Bispos haja divergência na doutrina, ou na apreciação de uma doutrina ou de um fato. Pode haver o caso em que um ou mais Bispos ensinem que uma doutrina é aceitável para os católicos, enquanto outros ensinam que é inaceitável. Quando tal fato sucede, realiza-se aquela situação em que o estudo dos argumentos em que as duas posições se estribam deve suprir a simples norma da autoridade autêntica. E o meio mais garantido de chegar a uma certeza absoluta é procurar, entre os argumentos, aquele que apresenta a nota mais autêntica e infalível: a autoridade dos Papas.

A atitude prática que o fiel neste caso deve tomar é procurar conhecer o ensinamento pontifício para se conformar com ele. Então, no foro interno de sua alma, conservando todo o respeito e todo o acatamento devido ao Pastor de sua Diocese, ao Mestre autêntico mas falível de sua alma, aderirá ao que ensina o Sucessor de Pedro. Evitará críticas ao seu Prelado, e se limitará a esclarecer aquelas almas que poderiam ser prejudicadas se continuassem a seguir a norma corrente e básica da vida católica, isto é, a de aderir às doutrinas daqueles que, normalmente, são os autênticos e fiéis porta-vozes da verdade. Jamais se deixará levar por um anti-clericalismo revolucionário, que se aproveita da situação anormal para dar vazão a seu ódio contra a Hierarquia e minar-lhe a autoridade.

Aplicando estas normas gerais, tiradas da Sagrada Teologia, pode o nosso consulente ou qualquer católico continuar a defender a doutrina do livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência", nele se baseando para considerar o projeto de Revisão Agrária do Governo do Estado de São Paulo, e seu substitutivo, contrários à doutrina da Igreja claramente manifestada nos documentos pontifícios, de que aquela obra é uma farta seara.


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Três faces da Revolução

Plinio Corrêa de Oliveira

Como sucessivas vezes temos exposto em "Catolicismo", a explosão protestante do século XVI, a Revolução Francesa, a Revolução comunista constituem como que as três fases de um imenso movimento, uno pelo espírito, pelos objetivos e até pelos métodos.

Na figura de três de seus chefes, a secção "Ambientes, Costumes, Civilizações" procura fazer ver hoje alguns dos traços de alma desse movimento, isto é, algo do espírito da Revolução.

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No retrato de Lutero morto ( quadro de Lucas Fortnagel, Biblioteca da Universidade de Leipzig ), uma análise detida revela, na grosseria dos traços, a nota característica do demagogo cheio de si, do arruaceiro cuja pregação tantos erros e tanta revolta espalhou, e tanto sangue fez verter. Mas a impressão que salta desde logo aos olhos, e se torna definitiva no espírito do observador, é a sensualidade, o amor exagerado aos regalos de toda ordem, que provoca já no primeiro olhar uma sensação confrangedora.

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Em Robespierre, cuja máscara mortuária conservada no Museu Tussaud aqui reproduzimos, o que se exprime principalmente é o ódio. Um ódio tão profundo, tão avassalador, que, sem ter abolido a sensualidade, constitui a nota dominante da fisionomia. Esses lábios cerrados para sempre parecem entretanto ainda destilar algo das pregações de violência e de morte da era do Terror. Esses olhos que já não veem parecem conservar uma expressão de ódio viperino. A fronte abaulada dá a sensação de ainda ruminar peças oratórias incendiárias e planos de subversão. Ele todo não é senão ódio igualitário, tanto no plano especulativo como no militante, desejo imenso de destruir tudo quanto, a qualquer título, lhe é superior.

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O terceiro clichê apresenta Ernesto "Che" Guevara, o argentino transplantado para Cuba, que exprime tão autenticamente o cunho marxista da revolução cubana.

Os cabelos, que parecem não ser de há muito nem cortados nem lavados, um bigode ralo e esfiapado cujas extremidades acabam por se unir a uma barbicha de contornos incertos, formando tudo para o rosto uma só moldura de desalinho e desordem, causam repulsa instintiva, mas visam despertar uma impressão de naturalidade e despretensão, levada ao extremo.

De sua parte, o olhar, de uma luminosidade incomum, e o sorriso procuram dar uma certa ideia de bonomia e afabilidade um pouco mística.

Este homem dulçuroso é um dos suportes do regime do "paredón" onde tantas vítimas têm sido cruelmente imoladas. Do regime que esta movendo contra a Igreja uma perseguição inteiramente do estilo de Robespierre ou de Lenine.

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Se a fisionomia de Lutero exprime sobretudo a avidez dos prazeres do corpo, e a de Robespierre sobretudo o ódio igualitário, a de "Che" Guevara representa uma das máscaras mais recentes da Revolução, isto é, a bonomia insincera, a velar a pior das violências.