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“REFORMA AGRÁRIA- QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA” - LIVRO ODIOSO COMO A INVASÃO DA HUNGRIA?

Plinio Corrêa de Oliveira

“REFORMA AGRÁRIA - QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA” tem trazido a seus autores - os Exmos. Revmos. Srs. D. Geraldo de Proença Sigaud, há pouco promovido a Arcebispo de Diamantina, e D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos, o economista Luiz Mendonça de Freitas, e o signatário deste artigo - muitas e lidimas alegrias. Como entretanto neste vale de lágrimas a tristeza é companheira constante do homem, não oculto que essas alegrias foram empanadas em parte por uma grande decepção. Estávamos certos, de antemão, de que o livro sofreria muitas críticas, e como pressupúnhamos que, dentre elas, algumas pelo menos seriam substanciosas, destras, corteses, prelibávamos os prazeres intelectuais rijos, inerentes às lutas ideológicas travadas segundo as nobres normas do cavalheirismo e da lógica. A reação prevista veio de fato, mas quão diferente do que esperávamos! Nenhum grande artigo apareceu, contra nosso livro, opondo tese a tese e argumento a argumento, com a lealdade e o vigor do torneio intelectual de boa lei. Pelo contrário, pulularam as pequenas notas de imprensa, carregadas de invectivas pessoais ou afirmações gratuitas, que por sua inteira inconsistência não mereciam e em rigor nem sequer comportavam qualquer réplica. Em uma tentativa de criar condições para um debate de alto nível, escrevi um artigo (“Julio Verne, Homero e o agro-revisionismo”, in “Diário de São Paulo”, de 11-I-1961) convidando os opositores de “Reforma Agrária - Questão de Consciência” a modificarem o tom de suas investidas, despindo-as de seu cunho pessoal e dando-lhes mais conteúdo intelectual. Nada consegui, pois embora a obra continuasse a figurar entre as mais procuradas nas livrarias, as críticas, que já vinham sendo menos frequentes, tanto quanto pude apurar cessaram inteiramente.

Entretanto, não dava eu por frustrada a esperança de um verdadeiro e sério debate sobre a matéria. É que, antes mesmo de ser publicado meu apelo no “Diário de São Paulo”, ouvira dizer que o Sr. Gustavo Corção estava preparando uma série de artigos “de arrasar”, contra “Reforma Agrária - Questão de Consciência”. Jornalista de relevo, polemista lúcido e eficiente, dotado de sólida inteligência e boa cultura, elevaria ele, sem dúvida, o debate ao nível esperado. Aguardava eu, pois, com vivo interesse a temível investida.

Os artigos saíram, por fim, em número de três (“Reforma Agrária: Questão de Consciência”, “Reforma agrária e direito de propriedade” e “Harmoniosa desigualdade”, in “O Estado de São Paulo”, de 22-1-1961, 29-1-1961 e 5-2-1961). Não os li desde logo, pois as semanas em que eles vieram a lume coincidiram com o período da enfermidade e morte de meu velho e querido Pai. Assim que pude, entretanto, tratei de me inteirar deles. E confesso que tive uma decepção a mais, acompanhada de um vivo sentimento de perplexidade.

A decepção veio da nota panfletária do ataque. Esperei que ela não estivesse presente nos artigos, ou que pelo menos espelhasse algo do talento do autor, isto é, que fosse concisa, brilhante, inteligente. Pelo contrário, veio opaca, prolixa e pesadamente injuriosa, sem conseguir vulnerar de fato a parte adversa. Mas o pior da desilusão me veio da circunstância de que, logo no primeiro relance, os três artigos do Sr. Gustavo Corção me deixaram ver que o fogoso crítico não lera seriamente “Reforma Agrária - Questão de Consciência”. Ora, doía-me a perspectiva de ter de afirmar isto de público, a propósito de um intelectual com quem muitas vezes não tenho estado de acordo, mas que merece, não a fúria destemperada com a qual tratou nossa obra e de algum modo nossas pessoas, mas uma real consideração.

Com efeito, o que há de menos curial para um crítico do que fazer acusações, sobretudo violentas, contra um livro, sem ter tido sequer o cuidado de antes o ler atentamente?

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Como tudo passa rapidamente nos dias confusos e angustiados em que vivemos, é provável que o leitor já se tenha esquecido de vários aspectos dos artigos em questão, - se é que teve ocasião de os ler. Assim, talvez não se recorde ou não saiba da violência de suas palavras. Convém lembrar, pois, aqui alguns tópicos dessa longa diatribe: “Discordo total e globalmente da obra precisamente para dizer que a repilo como um todo, e não que impugne esta ou aquela de suas proposições (... ). Não se trata, a meu ver, de obra com tais ou quais lacunas, com estes ou aqueles erros acidentais, e sim de uma obra maciçamente errônea, falsa no todo, no espírito que a anima, na mentalidade que traduz e com que se arrumaram diversas afirmações, algumas verdadeiras, algumas santas, num conjunto que se me afigura monstruoso” (1.º art. cit.). As proposições afirmadas no livro causaram ao Sr. Corção “um espanto cansado, dolorido, até

Cenas da invasão da Hungria pelas tropas soviéticas em 1956. Para o Sr. Gustavo Corção o livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência" merece impulsos de cólera iguais aos que os homens bons e retos sentiram com esse crime inominável.

(continua)