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O BAILE

Pe. Ralfy Mendes, S. D. B.

Psicólogos, moralistas, sociólogos, médicos e psiquiatras preocupam-se muito, em nossos dias, com o baile.

Estudam as causas desta contagiante mania, procuram sua influência sobre a moral do indivíduo e da sociedade, e reconhecem doenças físicas e mentais como consequências do excesso de dança.

Sob o ponto de vista psicológico, a mania do baile provém do desejo de alegria, inato em todo ser humano. Na falta de uma alegria interior completa (Deus, paz de consciência), o homem é levado a procurar os divertimentos, como sucedâneo, para encher de algum modo o vazio de sua alma. Quanto mais apagada for a alegria interior, tanto mais veemente será a sede de diversões, entre as quais se encontra em primeira linha o baile, pelo conjunto de atrativos que apresenta para todos os sentidos. Satisfaz-se a vista: pessoas adornadas, luxuosas vestes, jóias cintilantes, salões suntuosos; a audição: orquestra, jazz; o olfato: perfumes; o tato: pares enlaçados; o paladar: bebidas alcoólicas, refrigerantes, petiscos. E não esqueçamos a espantosa força que o ritmo exerce sobre todo o nosso ser, em qualquer idade, do berço à tumba.

Os moralistas de bom senso são concordes em afirmar que os bailes, como se realizam hoje em dia, são, na melhor das hipóteses, ocasião perigosa de pecado.

Um jovem e uma jovem (de quatorze anos para cima, em geral) que permanecem horas e horas, abraçados, ao ritmo da orquestra ou do jazz, e nos dizem que tal atitude não lhes inquieta a consciência, ou não são pessoas normais, ou não são sinceros, ou então já «calejaram» a consciência, o que será ainda mais lamentável.

Sem receio devemos, pois, condenar os bailes, a não ser que queiramos passar por simplórios ou falseadores da consciência.

Abomináveis são também os bailes infantis no Carnaval e em qualquer outra circunstância. Embora a criança não sinta ainda as consequências da dança e, por isso mesmo, não perceba a malícia do baile, seria grave pecado, pedagógico acostumá-la àquilo que um dia se transformará para ela em vício imperioso.

E as impressões recebidas inconscientemente nestes bailes infantis não exercerão, por acaso, sua atividade subterrânea, oculta, para proporcionar com maior intensidade, mais tarde, pensamentos e desejos estranhos? E não existirão, porventura, outras maneiras de comemorar aniversários e divertir as crianças?

Vai se tornando praxe, nas cidades grandes e pequenas, o baile das «debutantes», com o qual a adolescente, ao completar quinze anos, comemora sua entrada na sociedade. Coisa muito apropriada para que ela comece, daí por diante, uma vida mais superficial, mais dissipada e menos religiosa. E isto é lamentável sobretudo nessa idade tão importante e decisiva em que a jovem necessita de mais recolhimento, mais reflexão, mais religiosidade para vencer as tentações próprias deste período. É a idade em que, na mulher, se afirma a própria personalidade; ocasião oportuna para uma orientação segura acerca de sua futura missão de esposa, mãe, educadora. E nem falemos das vocações religiosas que se perdem desastrosamente em tais circunstancias...

Os médicos nos falam de doenças causadas, às vezes, pelos bailes prolongados e repetidos: desde as enfermidades relacionadas com as vias respiratórias (resfriados, bronquites, pulmonites, pleurisias, tuberculose) até os esgotamentos, neurastenias e perturbações mentais.

Os psiquiatras já andam meio assustados com a «coreomania» característica dos indivíduos que, por se prenderem demasiadamente à paixão da dança, vivem sempre fora da realidade. O aspecto apalermado de tais criaturas dá-nos a impressão de que elas estão sempre embevecidas e inebriadas com uma música imaginaria que as convida insistentemente a dançar.

Tão grande atração exerce o baile sobre certas pessoas, que todo sacrifício lhes parece pequeno diante da perspectiva de uma festa em que haja dança. E não são poucos nem pequenos os sacrifícios... Imaginemos as preocupações com o vestido custoso, os penosos artifícios para corrigir os defeitos do físico, o tempo empregado no cabeleireiro, na manicura, na pedicura, na «maquillage», o sapato apertado e de salto altíssimo, as guerrilhas domésticas para arrancar do pai e dos irmãos a permissão para ir e o favor da companhia; depois, a desilusão da festa, o par desejado e... ausente, os triunfos das amigas, as esperanças que florescem e caem em poucas horas, os castelos no ar, os devaneios, os mexericos, as horas de sono perdidas, o cansaço e, sobretudo, a alma perturbada, com o subsequente sentimento de insatisfação, desgosto e tédio.

A Sagrada Escritura, embora louve a dança sagrada de Davi que saltava tocando a citara, no Eclesiástico (9, 4 e ss.) admoesta: «Não sejas frequente em te achares com a mulher bailadeira; nem a ouças, para que não suceda pereceres à força dos seus encantos». Dançou Salomé para Herodes: o resultado foi o Batista decapitado.

São João Crisostomo resume o pensamento dos Padres da Igreja sobre a dança, quando nos diz: «Onde há baile, aí está o diabo: ubi saltatio, ibi diabolus».

Não pensemos, porém, que somente a Bíblia e os Santos Padres condenam os bailes.

Platão, o filósofo da mente divina, afirma que só as pessoas sem honra apreciam a dança. Demóstenes, o grande orador grego, para lançar o descrédito sobre os partidários do invasor Filipe da Macedônia, acusa-os de terem dançado em público. Salustio, para demonstrar os maus costumes de uma tal Sempronia, que aderira à famosa conjuração de Catilina, diz que ela sabia dançar. Horacio, que não era um puritano, proclama que a dança é uma das tantas infâmias romanas, e o voluptuoso poeta dos Amores, Ovidio, escreve que as salas de baile são «lugares de naufrágio para o pudor». Cícero, embora tenha vivido no calmo e longínquo século I A. C., parecia já estar vendo as contorções epiléticas e as delirantes cabriolices do selvagem «rock'n'roll» da nossa época dos «sputniks»; quando, com tanto acerto, afirmou que «quem dança ou está louco ou está bêbado».

Os escritores da Idade Média são severíssimos (e justíssimos) para com as danças. Petrarca, que sobre elas muito escreveu, nota que o baile é «espetáculo tolo, odioso aos olhos dos honestos, indigno do homem, causa de muitas infâmias». E, diga-se de passagem, ele não era um santo...

Entre os escritores e filósofos mais vizinhos à nossa época, recordemos Rousseau que, apesar de otimista acerca da natureza humana, desaconselha a dança pelos seus inúmeros perigos; e Pedro Bayle, cético e propagador do ceticismo, que escreve no seu Dicionário: «A dança só serve para corromper os corações».

São Francisco de Sales, falando dos bailes do seu tempo — século XVII — que, sem dúvida, não eram como os de agora (basta dizer que o cavalheiro tocava apenas a extremidade da mão da dama), já dizia que, «pelo modo de dançar, tais bailes pendem muito para o lado do mal e, portanto, são cheios de perigo». Que diria o Santo se entrasse em um salão dos nossos dias?

Dom Bosco, ainda menino, acabou com um baile público em sua aldeia: fez com que dele se afastassem os dançarinos, atraindo-os para a igreja com sua voz maviosa. Quando seminarista quebrou seu violino ao perceber que, ao som de sua música, bailavam alguns pares.

Mas já é tempo de acabar. E a conclusão é a seguinte:

1 — O fato de encontrarmos tantas pessoas que dançam habitualmente e que sustentam não haver maldade no baile, é um triste sintoma de que grande parte da humanidade «parece estar perdendo o senso do pecado», como disse Pio XII.

2 — O único remédio contra a doença do baile é saciar plenamente a sede de alegria, inata no homem. De que modo? Tornando Deus presente nas almas, pela graça. Eis a única terapêutica capaz de cortar pela raiz o vício da dança. Há paliativos: diversões sadias, teatrinhos, esporte, clubes culturais, associações juvenis, e até mesmo danças folclóricas e bailados clássicos quando as vestes são decentes, os movimentos moderados e os pares não se abraçam. Mas... cuidado e moderação, pois o abuso do paliativo enfraquece e envenena o organismo.

O melhor é cortar o mal pela raiz. Despertemos em nossos corações o gosto de Deus em nós, saibamos saborear sua presença, e teremos a alma inundada de tão grande paz e alegria celeste, que de nada mais precisaremos para sermos felizes.


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Suntuosidade e amor aos pobres na doutrina católica

Plinio Corrêa de Oliveira

A Revolução é exímia em deformar aos olhos da posteridade a verdadeira fisionomia moral dos Santos.

Houve tempo em que ela se servia, para tal, da injúria e da mentira. Falsificando diretamente os fatos históricos, procurava denegrir este ou aquele Santo, para atacar assim a Igreja. Mas a contra-ofensiva vitoriosa dos historiadores católicos desmoralizou esta estratégia.

Veio depois uma tática diferente: a da unilateralidade histórica. São Vicente de Paulo foi especialmente visado por ela. Assim, pondo em relevo a caridade verdadeiramente angélica desse Santo admirável, procurou-se ocultar sua intrépida e inflexível combatividade contra o jansenismo. É que a combatividade dos bons é virtude que a Revolução se empenha particularmente em evitar que os fiéis conheçam e pratiquem. E por isto ela a passa sob silêncio na vida dos Santos. O êxito dessa manobra é patente. O número dos que ouviram falar das lutas de São Vicente contra o jansenismo é tão pequeno...

Não é raro, hoje em dia, encontrar nos arraiais socialistas e outros, pessoas que desejariam da Igreja uma transformação igualitária. Não se trata de vender estes ou aqueles tesouros para acudir excepcionalmente necessidades de emergência dos pobres. Trata-se, sim, de a título definitivo modificar o aspecto das funções litúrgicas e da arte sacra. Nada de paramentos preciosos, de relicários de alto valor, de edifícios sagrados luxuosos como palácios. Isto não quadra, dizem, com a caridade evangélica. Convém reservar todo o dinheiro para os pobres.

Como se sabe, a pobreza na França era frequente, ao tempo de São Vicente. Este não só obteve e distribuiu uma quantidade imensa de esmolas, mas moveu muitos membros da nobreza e da burguesia a visitar os pobres, ajudando-os não apenas com dinheiro, como com assistência moral.

Entretanto, o Santo usou para o culto paramentos esplêndidos, verdadeiramente régios.

Nossa primeira gravura mostra a riquíssima casula que pertenceu a São Vicente de Paulo, e se encontra hoje no museu da Primacial de Lyon.

O segundo clichê ( gravura de Abraham Bosse - Museu Carnavalet ) representa a visita a um enfermo pobre, feita por pessoas de categoria, costume que o Santo incentivou tanto.

Manifestam-se assim dois aspectos harmônicos dessa alma admirável.