O MOVIMENTO PAN-ÁRABE EMPREITA OFICIALMENTE UMA IMENSA OFENSIVA MAOMETANA
(continuação)
e comerciais do Brasil com alguns países satélites de Moscou.
*
Em princípio, de todo governo e todo regime comunista deve-se dizer que é usurpador e ilegítimo. Com efeito, um regime ou um governo existe para o bem comum, tanto espiritual quanto temporal. Quando um ou outro faz praça, de modo estável, oficial, insofismável, de negar a Deus, de oprimir a Igreja, e de assentar sobre a negação do Decálogo toda a vida civil, ele trabalha confessadamente contra o bem comum, e perde pois seus títulos de legitimidade.
Isto posto, não se pode reconhecer tal regime ou tal governo, pelo princípio de que com usurpadores não se trata.
A esta razão acresce que, tratando com o usurpador, não só se presta algum apoio à usurpação, mas se concorre por esta via para prestigiar ou apoiar o mal que o usurpador faça à Religião e às almas. Assim, pois, falando em tese, um país católico não deve estabelecer relações com países comunistas, sejam eles “planetas” ou “satélites” do cosmo marxista.
*
É verdade, poder-se-ia objetar, que pelo menos o simples entabular de relações comerciais não se identifica com o reatamento de relações diplomáticas. E, como nossas relações com os Estados comunistas têm muito mais alcance comercial do que político, não devem elas ser tão severamente censuradas.
Não concordamos com esta asserção. Aceitamo-la, no entanto, para mero efeito de argumentação.
Se, por hipótese, entre dois países se estabelecesse um hábito de comerciar, mas as relações diplomáticas inexistissem, a própria carência destas últimas indicaria, realmente, um estado de estremecimento recíproco, bem diverso da plena normalidade do convívio entre nações.
Entretanto, num mundo em que a diplomacia vai cada vez mais se reduzindo a negócios, a distinção entre relações diplomáticas e relações comerciais se vai tornando sempre mais inexpressiva. E as melhores relações diplomáticas - se ficarem alheias ao plano econômico - prendem menos do que as relações comerciais, desde que estas sejam vivazes e pujantes.
*
Mas, dir-se-á, os EUA, a Inglaterra, todas as nações ocidentais em suma, deveriam então cortar suas relações com a Rússia e seus satélites?
Quando um usurpador está fortemente radicado no poder, e se torna indispensável para os governos limítrofes, ou próximos, resolver com ele os mil problemas quotidianos inerentes à vizinhança, o estabelecimento de relações entre uma e outra parte se torna indispensável. E, pela força das coisas, devem estas revestir-se do caráter diplomático. É evidente que, neste caso, o reconhecimento de um governo não envolve uma afirmação de sua legitimidade. Assim, a Alemanha Ocidental não pode deixar de ter relações diplomáticas com a URSS.
Mutatis mutandis, se encontram no mesmo caso certas nações, geograficamente distantes da Rússia, como os EUA, que ou aceitam ter relações diplomáticas com Moscou, ou criam um estado de coisas que põe o mundo a dois passos da guerra. Compreende-se também aí a existência de tais relações, que obviamente não importam em afirmação de legitimidade, nem do governo soviético, nem do regime.
*
Segundo toda a evidência, no Brasil estas circunstâncias não existem. O estabelecimento ou reatamento das relações diplomáticas com os Estados comunistas é para nós um “non sense”.
*
E as relações comerciais?
Transponhamos o problema para a esfera privada. Pode alguém manter relações sociais com o perseguidor de sua mãe, o assassino de seus irmãos? Evidentemente não. E se forem meras relações de negócios? O mal será menor, mas ainda assim será muito grave. Pois as relações econômicas são, elas também, relações humanas. E envolvem portanto, de um ou outro modo, certa aproximação entre as partes. Ora, o pundonor impede que estabeleçamos qualquer ligação com os opressores e verdugos de nossos parentes ou amigos. Este princípio, aplicado na esfera internacional, impõe aos povos cristãos que se abstenham de toda relação com o anticristo hodierno, que é o bloco comunista.
Conta-se que o assassino de Santa Maria Goretti, ao sair do cárcere, foi recebido pela mãe da pequena e gloriosa mártir. Essa é, dir-se-á, a misericórdia que se deve ter para com o pecador. Mas tratava-se de um criminoso arrependido, que, ademais, havia cumprido sua pena.
A Rússia e seus satélites são inimigos ferocíssimos e capitais da Igreja nossa Mãe, e perseguem os católicos, nossos irmãos. Neles não há nenhum sinal de arrependimento, mas uma pavorosa jactância no mal. Desaprovamos, pois, in totum nossas relações com esses países.
*
Mas, dir-se-á ainda, e se as negociações forem muito lucrativas de parte a parte?
Pergunta-se: se podem ser lucrativas para os comunistas, não há precisamente nisto um motivo para não as entabular? Não concorreremos assim para consolidar as bases em que o monstro marxista se apoia?
E se não o podem ser, com que intuito as desejam o Kremlin ou os governos-títeres que ele maneja?
*
Por fim, perguntará alguém se as vantagens do lado brasileiro não justificam essas relações de negócios.
Se nosso País estivesse num tal estado de pobreza, que só por meio dessas relações se pudesse reerguer, elas se compreenderiam. Um chefe de família pode negociar com o pior adversário, para evitar que os seus morram de fome.
Porém, evidentemente esta hipótese não corresponde ao caso brasileiro. Para não focalizar senão o mais típico dos exemplos, será que o Brasil morrerá de fome se não comerciar com a Albânia?
*
Estas são as considerações que o reatamento com certos satélites de Moscou nos sugere. Não queremos, por amor à brevidade, espraiar-nos sobre os perigos óbvios de penetração comunista que o País correrá ipso facto.
Registramos aqui nosso pensamento sem qualquer intenção partidária, e com todo o respeito que o católico tem naturalmente para com o Poder Público.
*
O Sr. Lopo Coelho, Presidente da Assembleia Constituinte da Guanabara, ao ser promulgada a Constituição do novo Estado, declarou: “Não posso, nesta segunda-feira santa, em que se inicia, no simbolismo místico de nossa Igreja, a Semana Eucarística da Redenção, calar a emoção que me domina ao dar por terminados os trabalhos desta Assembleia, com a promulgação da carta magna desta unidade federativa”.
E mais adiante S. Excia. acrescentou que, se inovações houve naquele diploma, não foram feitas “senão para inscrever (nele) o signo da nossa civilização humana e cristã”.
*
Estas afirmações contrastam dolorosamente com o art. 56 da Constituição, que cria um enorme Fundo Estadual de Educação e Cultura (22% das rendas tributárias do Estado lhe são reservadas), e dispõe que seus recursos sejam aplicados exclusivamente no ensino público. Pouco adiante (art. 57), a Carta autoriza o auxílio ao ensino privado, mediante financiamentos. Mas tão grande é a verba destinada compulsoriamente ao ensino público, que bem se vê que a ajuda ao ensino privado — além de não poder passar de empréstimo — será irrisória, se existir.
Merecem pois a maior atenção da parte dos católicos as palavras proferidas através da Rádio Vera Cruz, do Rio de Janeiro, pelo Emmo. Sr. Cardeal D. Jaime de Barros Câmara, sobre o assunto.
Sua Eminência qualificou de “desrespeito gravíssimo à Constituição Federal e verdadeira traição à vontade do povo” esses dispositivos. E aconselhou aos eleitores do novo Estado que “marcassem bem quais os deputados que os decepcionaram com tão criminosa injustiça”.
*
Vai longe a mania da socialização. De um matutino paulista, extraímos esta informação importante: “Um dos setores mais atingidos pelas falsidades dos números consignados no orçamento (federal) do corrente exercício é justamente o da Viação e Obras Públicas. A dotação estabelecida, por exemplo, para o Lloyd Brasileiro e para a Companhia Nacional de Navegação Costeira, embora se destine a cobrir as despesas de todo o ano, é apenas suficiente para um único mês dos gastos daquelas autarquias. Por outro lado, a Rede Ferroviária Federal não encontra no orçamento os meios de fazer face aos seus compromissos de toda natureza”.
O interesse do povo pediria, pois, e urgentemente, que fossem entregues à iniciativa privada o Lloyd, a Costeira e a RFF.
Mas em nenhum setor político, ao que nos consta, se fala, disto!
*
Habitualmente, esta secção consagra a maior parte de seus comentários a assuntos internacionais. Circunstâncias várias conduziram-nos a tratar hoje quase exclusivamente de temas brasileiros.
Um assunto internacional há, entretanto, de tal monta que merece especial registro. Segundo informa o jornal “La Nation Française”, de Paris, em sua edição de 15 de fevereiro pp., Nasser se empenha agora vivamente na expansão maometana na África e na Ásia. O Corão, por ordem dele, está sendo traduzido para todos os idiomas árabes. E “adidos religiosos” muçulmanos estão sendo designados para todas as embaixadas egípcias na Ásia e na África.
Assim, o movimento pan-árabe, que até aqui se afirmava religiosamente neutro, empreita oficialmente uma imensa ofensiva maometana!
MONJA E POETISA
DAC
A10 de janeiro de 1911, a filha predileta de Capistrano de Abreu entrava para o Carmelo de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Embora homem sem fé, não quis o pai contrariar a vocação da jovem Honorina que, escrevia ele, «obedeceu à sua consciência», «a única forma verdadeira de ser feliz». Esperemos que Nosso Senhor Se tenha compadecido da alma do grande historiador pátrio, no momento misterioso da morte. Pois, se Capistrano de Abreu morreu afastado da Igreja, bem podem as orações de sua filha ter pesado na balança da Misericórdia Divina para alcançar-lhe a graça do arrependimento final.
Madre Maria José de Jesus - nome que Honorina tomou em Religião - deve ser considerada a restauradora do Carmelo de Santa Teresa. Não que naquele cenóbio faltasse antes o bom espírito; porém, em virtude de muitas circunstâncias adversas, não se observavam ali as práticas comuns a toda a Ordem. No seu longo priorado, de mais de 25 anos, Madre Maria José pôde, suave mas firmemente, ir introduzindo entre suas filhas todas as observâncias recomendadas por Santa Teresa. Além disso, foi mãe espiritual eximia, pela palavra e mais ainda pelo exemplo. Ainda quando enferma, só a obediência a afastava da conformidade exata à Regra e aos costumes do Carmelo. E distinguiu-se sempre pela pureza, pelo espírito de pobreza, e sobretudo pela caridade ardente com que, Priora e Mestra de noviças, orientou e formou esposas do Cordeiro Imaculado, inclusive tantas Madres que levaram o mesmo espírito a outros cenáculos de oração e penitência. Após uma provação final - a noite escura de que fala São João da Cruz - chamou-a o Esposo Divino para as núpcias eternas.
Estas linhas brevíssimas têm a intenção apenas de excitar nos leitores o desejo de conhecer melhor essa grande Religiosa. Nossas notas foram tiradas da circular escrita por ocasião de sua morte; o Carmelo do Rio anuncia - e com vivo interesse a esperamos - uma vida de Madre Maria José de Jesus.
•
Não só como Carmelita eximia imitou ela sua Mãe Santa Teresa. Também foi escritora. Devemos-lhe a tradução fiel das obras da reformadora do Carmelo, empresa aceita em nome da obediência e levada a termo em meio dos sofrimentos intensos que assinalaram os últimos anos de sua existência. São dela também diversos livros de piedade que por aí correm fazendo bem às almas: «O Coração Divino», «O Senhor Menino Deus», «Deus presente», «Opúsculos marianos», «Nosso Pai São José», «O Santo Rosário». Redigiu, a pedido do Cardeal Leme, a fórmula da consagração do Brasil ao Sagrado Coração de Jesus, recitada quando da inauguração do monumento a Cristo Redentor no alto do Corcovado. Madre Maria José sobressaiu-se igualmente como poetisa. Escreveu muitas poesias para edificação de suas irmãs carmelitas e de pessoas amigas. Agora, após sua morte, teve o mosteiro do Rio a feliz ideia de publicá-las. Constituirão quatro volumes, dos quais já saíram a lume os dois primeiros e que levam como título: «Sonetos e poemas»; «A Virgem Santíssima e outros poemas»; «Ciclo litúrgico»; «Festas do Carmelo». Sobre o seu valor literário assim se exprime o prefacio: «A santa Priora cultivava a poesia metrificada e rimada com uma perícia que, segundo testemunho fidedigno de um amigo de Alberto de Oliveira, despertava a admiração do grande poeta». Mais tarde escreveu também poemas em prosa, com a mesma maestria e inspiração. Essas produções são sempre repassadas de piedade, de unção, de amor ardente a Deus Nosso Senhor, à Santa Igreja e às almas. Vale a pena ler as poesias de Madre Maria José de Jesus. São versos de uma santa Religiosa e fazem bem a quem os lê.
REFORMA AGRÁRIA
QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA
LIVRO QUE O SR. CORÇÃO
NÃO LEU
Plinio Corrêa de Oliveira
Comentei no último número desta folha ( ), os três artigos que o Sr. Gustavo Corção escreveu contra o livro “Reforma Agrária — Questão de Consciência” do qual, com os Exmos. Revmos. Srs. D. Geraldo de Proença Sigaud, recentemente promovido a Arcebispo de Diamantina, e D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos, bem como com o economista Luiz Mendonça de Freitas, sou autor.
Naquele artigo, mostrava minha surpresa diante do fato de que o Sr. Gustavo Corção não lera senão alguns trechos — e mesmo estes superficialmente — de um livro contra o qual investia com a maior violência, a ponto de declarar que ele merecia ser objeto de impulsos de cólera idênticos aos que S. Sa. experimentara ao tomar conhecimento do crime tremendo que foi a ocupação da Hungria pelas tropas soviéticas.
Para pôr em realce o infundado da posição do fogoso jornalista, o artigo apresentava uma condensação das principais teses de “Reforma Agrária — Questão de Consciência”. Já por aí se podia ver quanto era sem base a acusação capital de nosso opositor, de que se tratava de obra escrita para favorecer os ricos, combater os pobres e manter em um estranho imobilismo nossa vida rural.
Parecia-me ainda conveniente considerar alguns argumentos do Sr. Gustavo Corção contra o livro, para tornar ainda mais claro aos olhos do leitor que S. Sa. havia lido tão somente “à vol d’oiseau” nosso trabalho.
*
A primeira crítica do Sr. Gustavo Corção a “Reforma Agrária — Questão de Consciência” (artigo “Reforma Agrária: Questão de Consciência” in “O Estado de São Paulo”, de 22/1/1961) consiste em que o igualitarismo rural, enunciado em muitas proposições impugnadas na parte I, secção II, do livro (pp. 62 e segs.), e baseado “na igualdade, não apenas de natureza essencial e de direitos fundamentais, mas também de condições e atributos de todos os homens”, não é socialista. Nem é próprio aos modernos nacionalistas, sempre prontos “a invocar o monopólio estatal e a Terrabrás”. É tese de “algum utópico distributista meio bobo, que ouviu cantar o galo da pequena propriedade mas não sabe onde”. E conclui S. Sa. com superioridade: “Por mim jamais escreveria um livro para responder àquelas teses, tendo forçosamente de dizer coisas enfadonhas de tão óbvias”.
Ora, se o Sr. Corção tivesse lido com o necessário vagar a nossa obra, teria notado dois pontos que por certo lhe evitariam de formular uma acusação tão sem base.
Em repetidas passagens, o livro acentua a importância capital, como elemento propulsor do movimento agro-reformista, de algo que ele distingue da doutrina socialista propriamente dita. Este elemento propulsor, os autores o chamam um “preconceito passional” (p. 3), um “complexo” (pp. 3 e 4), a expressão de uma “mentalidade esquerdista” (p. 4), algo que não é propriamente a doutrina socialista, mas a exalação de um “espírito socialista” (pp. 4 e 8), um conjunto de “princípios que contém em si, implícita ou explicitamente, a ideia de que o interesse público é oposto ao interesse particular, e que, em consequência, o proprietário rural não é um benemérito, mas um parasita” (p. 28), um “imenso movimento ideológico e temperamental” (p. 52). Ora, é deste elemento propulsor que cuida a secção II do livro, constituída por proposições afirmadas e impugnadas, seguidas de comentários e textos pontifícios, secção esta que o Sr. Gustavo Corção folheou, e contra a qual, em consequência, mais especialmente assenta suas baterias. Por isto mesmo, o título da secção não é “Erros socialistas”, mas “Opiniões socializantes que preparam o ambiente para a Reforma Agrária” (p. 57). E em conformidade com isto, na introdução à referida secção II (p. 59) esclarece o livro que ela “tem por fim considerar, não mais o sistema de ideias socialistas, mas as mais importantes dentre as opiniões que preparam o ambiente — até mesmo em círculos que se reputam conservadores e anti-socialistas — para uma certa receptividade em relação a reformas socializantes de nossa organização social e econômica, e portanto também para a Reforma Agrária. O sistema socialista ( ... ) é abordado agora em plano apenas secundário”, isto é, acrescenta a introdução, tão somente na medida em que aquelas opiniões forem comuns ao socialismo.
Se não é pois do socialismo que se trata na secção II, mas de algo que, afim com ele, dele entretanto perfeita e cabalmente se distingue, é normal que ali não haja o que o Sr. Gustavo Corção chama “o sotaque dos socialistas”. S. Sa. nos acusa, em outros termos, de não apresentarmos na dita secção o verdadeiro socialismo. A acusação provém do fato de que ele não nos leu bem. Pois não foi o socialismo que os autores ali quiseram apresentar.
*
Nosso pobre livro, tão mal lido pelo seu apressado crítico, trata em três capítulos do socialismo propriamente dito, e mostra em quantos matizes este se divide (pp. 29 a 44). O Sr. Gustavo Corção parece achar que o que ele chama de “igualdade não apenas de natureza essencial e de direitos fundamentais, mas também de condições e atributos de todos os homens”, nada tem de comum com o socialismo, genericamente considerado, e sem exceção de qualquer matiz (S. Sa. se refere ao socialismo como se fosse um bloco homogêneo e maciço). Ora, pelo contrário, a nós se afigura que tem que ver: implicitamente em alguns matizes, explicitamente em outros. Teremos entendido mal os autores socialistas? Então o grande Leão XIII caiu no mesmo erro. Pois afirmou que “os socialistas não cessam, como todos sabemos, de proclamar a igualdade de todos os homens segundo a natureza” (Encíclica “Quod Apostolici Muneris”, de 28/XII/1878). E, também, que “é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os socialistas” (Encíclica “Rerum Novarum”, de 15/V/1891). Se o Sr. Corção tivesse lido a p. 65 de nosso modesto trabalho, teria encontrado ali esses textos, e por certo não teria formulado mais esta objeção.
*
O Sr. Gustavo Corção lança ao livro uma grave acusação: a de “comprometer o que temos de mais sério, de mais santo, numa estranha e incompreensível defesa do statu quo, das classes dirigentes, das boas famílias que ainda merecem mais aspas do que a tal Reforma Agrária, dos grandes proprietários agrícolas, inclusive aqueles cujas terras excessivas ainda estão improdutivas” (art. cit.). Falarei, adiante, de nossa posição relativamente ao que S. Sa. intitula as “boas famílias que ainda merecem mais aspas do que a tal Reforma Agrária”. Quanto ao livro, é verdade que ele advoga o imobilismo, o statu quo? É verdade que defende de modo injusto e indiscriminado os “grandes proprietários agrícolas (...) cujas terras excessivas ainda estão improdutivas?”
Tivesse o Sr. Gustavo Corção simplesmente lido com seriedade o aviso preliminar do livro (p. IX), e teria visto que nossas críticas à “Reforma Agrária”, como fica ali declarado, “não se referem, pois, de modo algum, a medidas que promovam um autêntico progresso da vida do campo ou da produção agropecuária”. Tivesse lido a p. 9, e teria visto que, “se por reforma agrária se entende uma legislação que, sem exorbitar das funções do Estado e sem atacar o princípio da propriedade privada, visa a melhorar a situação do trabalhador rural e do agricultor, só aplausos lhe temos a dar”. E ali mesmo acrescentamos: “Não nos opomos senão a uma reforma agrária de sentido igualitário e socializante, que altere nossa estrutura agrária injustamente, de maneira a abalar o instituto da propriedade, no qual vemos, como já dissemos, a base e a condição de toda economia sadia”. Outros tópicos, ainda, seriam elucidativos para S. Sa. se os tivesse lido. Assim, na p. 10, teria conhecido as sugestões que, a título exemplificativo, fazemos para uma sadia reforma agrária, entre as quais figuram a concessão de terras devolutas para os pequenos agricultores, e o “fomento das formas de contrato de trabalho que possibilitem um aproveitamento intenso da terra e ao mesmo tempo beneficiem o assalariado, permitindo-lhe uma situação econômica mais favorável e a constituição paulatina de um patrimônio”, como por exemplo a parceria e as empreitadas. Ou ainda, o “crédito especial para melhoria das moradias dos colonos e medidas congêneres”. Na p. 11, poderia o belicoso articulista ter visto que aspiramos ao “fomento criterioso da pequena propriedade” e chamamos a atenção dos estudiosos para as múltiplas medidas de reforma social do campo aventadas por Pio XII, as quais ali transcrevemos.
Na p. 182 deploramos a carestia de vida e a “condição subumana de muitos trabalhadores agrícolas”. Mais adiante, afirmamos que o atual regime rural “pode e deve ser urgentemente melhorado, para obedecer aos ditames da justiça e satisfazer às exigências do bem comum. Assim, lugares há em que as condições de vida do homem do campo estão a clamar por uma grande melhoria. Em várias zonas é conveniente substituir propriedades grandes por outras médias, ou até pequenas, facilitando-se deste modo o acesso do trabalhador à condição de proprietário”. E acrescentamos: “a lei pode e deve favorecer com toda a diligência e por todos os meios ao seu alcance, uma e outra dessas transformações”. Lembramos com Pio XI (p. 93) que, existindo hoje um “clamoroso contraste entre o pequeno número dos ultra-ricos e a multidão inumerável dos pobres, não há homem prudente que não reconheça os gravíssimos inconvenientes da atual repartição da riqueza”. Dissociamos expressamente nossa posição de qualquer solidariedade com essa situação abusiva, afirmando: “Aprovar que haja classes desiguais, grandes e pequenos, patrões e empregados, fortunas grandes, médias e pequenas, enfim pessoas ou famílias que vivam digna e suficientemente de salário, não é aprovar a coexistência de ultra-ricos e indigentes” (p. 94).
O que nesta posição compromete o que temos de mais sério e mais santo? Não inclui ela um sadio desejo de urgentes e necessárias reformas? Então, no que favorece o statu quo?
*
Passemos agora à defesa que o livro faz dos “grandes proprietários agrícolas (...) cujas terras excessivas ainda estão improdutivas” (art. cit.). Dê-se o Sr. Corção o trabalho de ler a p. 122 de “Reforma Agrária — Questão de Consciência”, e verá que, em resumo, afirmamos que a propriedade da terra não se confunde com o uso dela. É o que ensinam os textos pontifícios ali transcritos. Assim, o simples fato de uma terra não ser cultivada não constitui motivo suficiente para uma ação repressiva da lei.
Mas — e nós o dizemos na p. 153 como em muitos outros tópicos do livro (pp. 120, 121, 151, 183, 196 e 197) — desde que a improdutividade de uma gleba seja provadamente nociva ao bem comum, cabe ao Estado analisar a situação.
Se a improdutividade resultar de carência de meios do proprietário, o Estado deve ajudá-lo a vencer essa carência. Se ele recusar tal auxílio, o Estudo tem o direito de desapropriar suas terras, mediante justo preço. É este o ensinamento de todos os moralistas católicos. Diga o leitor se nisto há qualquer coisa de faccioso ou injusto em favor dos proprietários de terras incultas.
*
Abordemos em seguida o assunto “boas famílias”. Sustentamos em nosso livro (pp. 15 a 17) que a classe dos proprietários rurais é benemérita da nação, e desenvolvemos com prazer os vários títulos dessa benemerência. Com prazer, insisto, e sem acanhamento, pois nenhum dos autores é fazendeiro. Ao mesmo tempo (pp. 17 e 18), mostramos que uma das benemerências dessa classe consiste em ter aceito sempre, inclusive em nossos dias, a incorporação de elementos sadios e novos que a ela têm ascendido, e a depuração gradual de grande número de elementos que dela têm merecidamente decaído para situações de menos responsabilidade e relevo no corpo social. Bem precisamente o contrário, pois, da ideia estúrdia de que o mundo se divide em duas partes, as boas famílias, que têm todas as qualidades por definição e a título inalienável, e as outras, que não valem nada.
A este propósito importa recordar outro princípio, que também afirmamos (p. 208). É que a superioridade social e econômica envolve graves obrigações. E, em consequência, lembramos que à elite incumbe ter “um cuidado extremo em reconhecer os direitos dos que lhe são subordinados” (p. 208), pois nisto reside umas de suas características necessárias. Os autores incitam os proprietários agrícolas a que tomem a dianteira sobre a demagogia revolucionária na missão de “soerguimento das condições de vida dos trabalhadores rurais”. Recomendam que eles “sejam ciosos de lhes pagar sempre o salário justo, familiar e não inferior a um mínimo razoável”. Que “sejam propensos a admitir outras medidas com o mesmo fim, quando couberem, como a parceria, ou a difusão da pequena propriedade pelo sistema de loteamento”, etc. Que “procurem criar nos seus empregados apreço sempre maior pela poupança, pelo asseio e pelo bom-gosto no lar”, “o desejo não só de bem-estar como de prosperidade” (ibid.). E que façam quanto puderem para promover a instrução religiosa dos colonos, regularizar as uniões ilegítimas, reprimir o alcoolismo e favorecer as boas diversões (p. 209).
Na p. 218 pleiteiam “uma legislação protegendo melhor o trabalhador rural do ponto de vista do salário”, etc.
Não contentes com isso, mostram os autores que uma ordem social cristã deve tender quanto possível para um luxo popular à maneira do que em várias partes da Europa alcançaram outrora os camponeses, com seus ricos trajes regionais, suas jóias de ouro, seus móveis espaçosos e artísticos, suas vivendas pitorescas, etc. (p. 209).
Na p. 187, publicam dois tópicos da Encíclica “Rerum Novarum” que contêm uma súmula dos direitos do trabalhador em face do proprietário.
Na p. 26 enumeram os deveres dos fazendeiros relativamente à formação espiritual dos colonos.
Reiteradamente afirmam que esse programa de medidas concretas não lhes parece suficiente. Lembram os princípios e o espírito que devem nortear uma reforma agrária sadia — pois isto está na competência especial deles — e os erros que devem ser evitados para que não se chegue a uma reforma agrária malsã. Por outro lado, convidam os técnicos e os especialistas a elaborarem um programa completo de boa reforma agrária. Aconselho ainda o Sr. Gustavo Corção a ler as declarações feitas nas pp. 6, 11 e 208.
Além de falar dos especiais encargos desta elite, trata o livro também de seus senões.
Logo depois de ter proclamado o
(continua)