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VERDADES ESQUECIDAS

Na formação moderna "deve-se insistir de modo especial na antinomia estabelecida pelo Salvador entre o seu espírito e o espírito do mundo, daquele mundo pelo qual Cristo não quis rezar, exatamente porque está submerso no espírito do maligno e impenetrável ao influxo da graça, e ao qual, portanto, não devem pertencer os seus, como Ele próprio não lhe pertenceu"

(continuação)

a física, podendo tal fato determinar deduções falsas em quem se detiver só nas aparências".

CONTRAPRODUCENTE PREFERIR O NÚMERO À QUALIDADE

Lembrando que o juízo sobre a vocação dos candidatos ao Sacerdócio deve basear-se em argumentos positivos que deem certeza moral, observa a Sagrada Congregação:

"O peso enorme da cura de almas que quotidianamente se pede ao Sacerdote, a contínua e fatigante tensão a que é submetido pelos mais vários e absorventes problemas, os numerosos perigos que a cada passo o assaltam no contato forçoso com um ambiente que muitas vezes perdeu todo o sentido cristão e obedece a uma moral paganizante, impõem à Igreja a maior cautela na escolha dos candidatos. O dano que Ela sofreria quer na sua boa fama, quer no bem comum dos fiéis, seria demasiado grande, se permitisse o acesso às Ordens Sacras, mesmo só aos menos idôneos. O inepto de hoje será o indigno de amanhã. Só com uma juventude moralmente sã, aberta aos mais santos ideais, forte de convicções profundas, pronta ao sacrifício e à oblação de si mesma, pode a Igreja contar para apresentá-la ao seu Esposo a fim de que a marque com o selo de sua consagração".

E logo abaixo:

"Infelizmente, tem de se verificar que, não obstante as severas instruções da Sagrada Congregação dos Sacramentos — "Quam ingens" (27 de dezembro de 1930) e "Magna equidem" (27 de dezembro de 1955) — não faltam candidatos que são admitidos às Ordens Sacras sem verdadeira vocação. E não se trata de erros humanamente inevitáveis, pois que, analisando a história de muitos naufrágios, não raro se descobre que indícios claros de ausência de vocação eclesiástica, podiam bem ter sido notados já durante a própria vida de Seminário. Além disso, esta Sagrada Congregação pode também comprovar, mediante as Visitas Apostólicas decretadas periodicamente nos países sujeitos à sua jurisdição, que não raro se peca por um insuficiente exame dos candidatos, e se mantêm no Seminário elementos de escasso valor humano e sobrenatural. Parece que na atitude de muitos superiores pesa a consideração do triste estado em que se encontram muitas Dioceses que sofrem de uma grande escassez de Clero. Como proceder de outro modo - afirma-se - quando faltam os quadros indispensáveis para uma assistência pastoral que se reduza mesmo à simples administração dos Sacramentos? Não é porventura melhor ter Sacerdotes, ainda que sejam medíocres, contanto que se possa fazer frente às extremas necessidades espirituais dos fiéis? Tal concepção pragmatista do Sacerdócio constitui uma negação da íntima essência da vocação e do ministério sacerdotais; porque, se é verdade que os Sacramentos não dependem na sua eficácia da bondade do Sacerdote, não é menos verdade que o progresso da vida cristã está profundamente ligado à santidade dos ministros de Deus, cuja missão, segundo o mandato evangélico, consiste precisamente em iluminar e preservar da corrupção não só com os meios da Graça mas também com os exemplos da própria vida (cfr. Mat. 5, 13-14). Prescindir das qualidades pessoais do Sacerdote, reduzi-lo ao nível de simples burocrata das coisas de Deus, tirar-lhe o diadema da íntima semelhança com Cristo, que deriva não apenas da participação nos seus poderes, mas também da reprodução das suas virtudes, significa ignorar na pratica as indeclináveis exigências do Sacerdócio católico e a transcendência da sua dignidade.

A preocupação do número, separada da preocupação da qualidade, revela-se, além disso, um cálculo errado. A introdução no ministério sagrado de Sacerdotes, ainda que apenas medíocres, age como causa deprimente não apenas sobre o zelo dos outros Sacerdotes cujo entusiasmo apostólico é assim atenuado, como sobretudo sobre a intensidade da vida religiosa do povo, condição necessária para o desabrochar de numerosas e boas vocações. É oportuno lembrar com efeito, que, de ordinário, tanto o surgir como o desenvolver-se das vocações sacerdotais estão ligados, como à sua causa instrumental, à ação pessoal e exemplar do Sacerdote. É um fato inegável que as vocações florescem onde autênticos homens de Deus, compenetrados e enamorados das altíssimas coisas que tratam, fazem brilhar no seu encanto virginal o ideal que pregam, e, agindo como polos catalisadores, provocam a chama do apelo divino no coração de almas generosas, sensíveis, mais do que às palavras, ao exemplo da vida.

Fique, por conseguinte, bem claro que a preocupação do número, quando de qualquer modo venha comprometer a qualidade, peca contra si própria, tornando cada vez mais árido o terreno mais propicio ao desabrochar das vocações, e impedindo a obra mesma da Graça divina. E é ainda um ato de pouca fé, como faz notar energicamente o grande Pontífice Pio XI, citando o pensamento do Doutor Angélico: "E nem... afrouxem, sequer um ponto, na devida severidade, pelo temor de que... venha a diminuir o número dos Sacerdotes. Este sofisma já São Tomás de Aquino o preveniu e desfez com a sua habitual agudeza e singeleza de expressão: "Deus nunca desampara a sua Igreja, a ponto de não se encontrarem Sacerdotes idôneos em número suficiente para as necessidades do povo, uma vez que se promovam os dignos e se eliminem os indignos"... Observamos que sem dúvida vale mais ter um só Sacerdote que esteja integralmente formado para o seu sacratíssimo ministério, que muitos sem nenhuma ou com pouca formação para ele. Com estes é claro que não pode a Igreja contar para nada, se é que não há de ter que derramar muitas lágrimas por causa deles" (Enc. "Ad Catholici Sacerdotii": AAS, XXVIII, p. 44).

Esta Sagrada Congregação pede, portanto, com toda a força que lhe advém do seu alto mandato de vigilância, que se dê a mais solicita e escrupulosa atenção à escolha dos candidatos, exortando todos os responsáveis a não transigir o mínimo que seja, nas sabias normas fixadas a propósito, pela Santa Igreja. Deixar-nos-emos ultrapassar, ainda neste ponto, pelos filhos das trevas? Bem sabemos com que severa seleção eles preparam os elementos que mais se distinguem pelos seus dotes naturais e pela sua capacidade de influxo válido sobre os outros, no intuito de fermentar, por seu intermédio, as massas e ganhá-las aos seus desígnios. É um princípio humano e divino ao mesmo tempo, que a sorte das instituições depende mais da qualidade do que do número. "Gedeão, que tem às suas ordens uma turba imensa, aparentemente pronta a enfrentar todos os perigos e dificuldades, ouve o Senhor dizer-lhe que nas grandes empresas é preciso contar não com muitos mas com poucos. A seleção é uma lei de vida, de progresso, de perfeição" (João XXIII, Discurso aos Alunos dos Colégios Romanos, 28 de janeiro de 1960: AAS, LII, p. 272).

Ponhamos, pois, as nossas esperanças apenas nos eleitos do Senhor: cheios do espírito de Cristo, eles serão o vigoroso manípulo que, com a integridade da vida e o seu inflamado zelo apostólico, reconduzirá o povo de Deus às fontes puras da vida cristã, garantindo assim o surgir de uma vigorosa milícia sacerdotal".

O PENSAMENTO VICENTINO SOBRE A FORMAÇÃO DOS FUTUROS APÓSTOLOS

Após a citação de alguns textos vicentinos relativos à excelência da missão de formar Padres, prossegue o documento:

"Para São Vicente de Paulo, aqueles que têm o encargo de educar os alunos do Santuário, outra coisa não são do que o prolongamento histórico de Jesus na mais excelsa das missões sacerdotais. Perpetuam a obra educadora de Cristo, infundindo nos jovens, chamados a seguir o Mestre, aqueles princípios que Ele próprio adotou na formação dos Apóstolos, antes de os enviar para pregarem aos homens a mensagem de salvação. De onde se conclui que, para o Santo, o Seminário deve ser a escola onde, através de uma adequada preparação, se aprendem, dos superiores que fazem as vezes de Jesus e são capazes de infundir nos discípulos o espírito do Mestre, as coisas divinas e humanas necessárias para produzir depois frutos duradouros de salvação.

A espiritualidade do Santo é robusta; a alguns que se ficaram na letra de certas expressões mais fortes, sem considerar o conjunto do seu pensamento, chegou a parecer dura. Com efeito, ele não se cansa de pregar a renúncia, o sacrifício, desapego da família e dos bens terrenos, exige a oblação incondicional da vontade, condena com palavras severas a indolência e a preguiça, aponta o orgulho como o principal obstáculo ao triunfo da Graça na alma sacerdotal, requer a penitencia como meio indiscutível para produzir frutos no ministério sagrado, exalta o valor da cruz como meio indispensável para a redenção própria e dos outros, e, acima de tudo, o despojamento total do espírito próprio para posse completa do espírito de Cristo. Estamos na pura linha do Evangelho, livre de compromissos e de entendimentos humanos. E do Evangelho tirou a pedagogia eclesiástica vicentina toda a sua força e vigor: se o Santo exige a renúncia e o sacrifício, é pelas almas. Também ele prega a morte, mas para que se possa chegar a uma vida mais abundante; também ele tira à videira, com a poda, os ramos do que é desordenado e supérfluo, mas só para que dai resulte um desenvolvimento maior; também ele prega a imolação com Cristo, mas para que se possa renascer na manhã triunfante da Páscoa e se chegue à maturidade, ao sopro de Pentecostes. Não podendo suportar o egoísmo, ainda o mais sutil e capaz de se dissimular atrás dos mais capciosos pretextos, ele teve um coração vasto como o mar; um coração terníssimo, sempre pronto a comover-se diante de todas as formas de miséria, e de palpitar com um zelo que nele foi chama devoradora. Digno amigo de São Francisco de Sales, possuiu as delicadezas da mansidão o da longanimidade que o tornaram capaz tanto de ultrapassar com as asas do sobrenatural as angústias da natureza, como de se inclinar compreensivo sobre as suas misérias. Na natureza humana, de que ele foi o Bom Samaritano, viu a humanidade de Cristo, e por isso a pôde olhar sereno e benigno, como o substrato necessário para nela edificar, sublimando-a, a dignidade do homem redimido. Cônscio, além disso, das suas enfermidades, não lhe concedeu mais do que o papel de instrumento, não de fim, "porque quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem tiver perdido a sua vida por amor de mim, encontrá-la-á" (Mat. 16, 24-25).

EDUCAÇÃO NIVELADORA: ESTÚPIDA MISTIFICAÇÃO

Costuma repetir-se, e com muita verdade, que, antes de formar Sacerdotes, os educa- dores dos nossos Seminários deveriam preocupar-se com formar homens honestos, querendo-se com isto sublinhar toda a importância que têm os valores humanos na formação de uma personalidade sacerdotal completa. E este é também o genuíno pensar da Igreja que, exigindo precisamente a presença de notáveis dotes naturais para a formulação de um juízo positivo sobre a idoneidade dos candidatos, com isso mesmo os declara pontos de partida para uma sólida formação eclesiástica. A vocação não é, com efeito, o renegar do homem, mas antes a sua valorização suprema naquilo que ele é por natureza e por Graça, pois o Deus que chama é o mesmo Deus que concedeu os seus dons e que um dia pretenderá o fruto dos seus talentos (cfr. Luc. 19, 22 s.). A Graça não destrói a natureza: mas antes — segundo o princípio tomista, tão fecundo em teologia — a eleva, a transforma (cfr. S. Th., I, q. 2, ad 1; a. 8, ad 2). Pode mesmo dizer-se que, de certo modo e em via ordinária, a natureza condiciona a Graça, enquanto a ação desta é facilitada pelas naturezas ricas de dons, e dificultada nas naturezas pobres e ingenerosas. Portanto, tudo o que é natural nada tem que ver com a virtude cristã e sacerdotal; e uma obra de educação desdenhosa e niveladora, mesmo se empreendida em nome dos valores mais santos, não passaria de uma estúpida mistificação, fértil das mais desastrosas consequências. Poderia mesmo constituir o escolho contra o qual viriam a bater miseravelmente as frágeis barquinhas de muitas vocações dirigidas por timoneiros inábeis. Muito mais encorajante é, pelo contrário, a exortação do Apóstolo: "Irmãos, com quanto é verdadeiro, com quanto é nobre, com quanto é justo, com quanto é puro, com quanto é amável, com quanto pode haver de bom na virtude e no louvor humanos, com isso deveis ocupar-vos" (Filip. 4, 8). Um educador atilado, consciente das suas responsabilidades diante dos seus alunos e da Igreja, saberá, portanto, olhar com religioso respeito para a personalidade de cada um e dela tirar, estimular e desenvolver as mais preciosas energias.

IMPORTANCIA PEDAGÓGICA DO IMPÉRIO DA NORMA E DO ESTÍMULO DA SANÇÃO

Verifica-se hoje, no entanto, mesmo no campo eclesiástico, e em não poucos educadores, a tendência para abdicar excessivamente de sua função especifica, cedendo demasiadamente ao individualismo rebelde a qualquer disciplina, que é próprio dos jovens do nosso tempo. Fala-se com efeito da necessidade de educar para a liberdade mediante a liberdade, quer dizer, mediante a espontânea autodeterminação do educando; e, transferindo o princípio do campo individual para o coletivo, exalta-se o autogoverno, o necessário espírito democrático com decisões de grupo, com uma intervenção, ou — como por vezes se diz — com uma "ingerência" sempre cada vez mais reduzida da autoridade. Aceitam-se assim, se não em teoria ao menos na prática, as conclusões de correntes pedagógicas que, pelo fato de estarem hoje muito em voga, não deixam por isso de ser reprováveis. "Tais são na sua generalidade aqueles sistemas modernos, de vários nomes, que apelam para uma pretendida autonomia e ilimitada liberdade da criança, e que diminuem, ou suprimem até, a autoridade e a ação do educador, atribuindo ao educando um primado exclusivo de iniciativa e uma atividade independente de toda lei superior natural e divina, na obra da sua educação ... Estes iludem-se miseravelmente com a pretensão de libertar, como dizem, a criança, enquanto que antes a tornam escrava do seu orgulho cego e das suas paixões desordenadas, visto que estas, por uma consequência lógica daqueles falsos sistemas, vêm a ser justificadas como legítimas exigências da natureza pseudo-autônoma" (Pio XI, "Divini Illius Magistri": AAS, XXII, pp. 69-70).

Tais teorias partem de uma concepção demasiado otimista da natureza humana de quem desconhecem as enfermidades, as insuficiências, e a necessidade que tem, no estado de decadência em que se encontra, de ser ajudada para chegar ao domínio de si própria. Este é de modo especial o caso dos adolescentes e dos jovens, que são, por definição, imaturos, fascinados muitas vezes por entusiasmos efêmeros e dominados por inclinações contraditórias: "Non enim idem est possibile ei, qui non habet habitum virtutis, et virtuoso: sicut etiam non est idem possibile puero, et viro perfecto" (S. Th., I-II, q. 96, art. 2).

Falhos ainda da clareza e da constância necessárias, nunca os jovens poderão chegar a dominar o instinto, se mão amiga lhes não faz aceitar o império da norma e não consegue torná-los sensíveis ao estímulo da sanção, levando-os assim a adquirir hábitos sólidos e profundos que, em vez de embotarem a consciência e impedirem a liberdade, lhes asseguram ao contrario o exercício, e são muitas vezes a sua mola propulsora. O encontro entre a autoridade do Superior e a liberdade do aluno deve, evidentemente, realizar-se no plano de uma troca mutua, de uma colaboração efetiva, de uma doação recíproca e de uma amorosa compreensão, para que o desenvolvimento da personalidade do educando seja verdadeiramente vital e não se fique numa docilidade meramente passiva.

AUTORIDADE E LIBERDADE

Não se pode, por conseguinte, aprovar a orientação que vão assumindo alguns Institutos de formação onde não se insiste devidamente no valor primordial do Regulamento na formação do jovem eclesiástico. "A disciplina é a regra da vida e o caminho da virtude; se para todos esta regra é necessária, muito mais para os clérigos que são chamados ao Sacerdócio. Por isso, devem os clérigos ter a peito a disciplina do Seminário, a observância da regra, mesmo nos seus mais pequenos pormenores. Os Superiores são necessários; é preciso que os seus olhos vigiem sobre vós; mas um clérigo deve comportar-se de tal modo que não seja precisa a vigilância para ele cumprir o seu dever" (São Pio X, Discurso aos Seminaristas de Milão, 14 de outubro de 1908: Ench. Cler. n° 827).

Pedir a jovens seminaristas, ainda em processo de formação, que se autodeterminem nos seus múltiplos deveres sem o auxílio de normas bem precisas e completas; não lhes prestar o concurso de uma organização externa feita de ordem, de disciplina e de clareza, mesmo nos pequenos particulares: significa abandoná-los à incerteza e ao capricho individual, e privá-los de um ambiente que secunde o seu próprio esforço pessoal. O "sustine et abstine" quotidiano de uma regra cumprida mesmo nas pequenas coisas, é assaz fecundo: acumula energias imensas de vontade, prepara temperas robustas e pacientes, cria espíritos equilibrados e metódicos, que, no inevitável choque com as dificuldades da vida, saberão um dia dominar-se a si próprios e dominar os acontecimentos. Repetimos: uma coisa é procurar que os jovens, enquanto são obrigados ao cumprimento dos seus mais pequenos deveres, estejam imbuídos dos retos princípios humanos e sobrenaturais que lhes permitam agir responsavelmente; e outra coisa é excluir ou comprometer, desde o princípio, o próprio valor da obrigação. Por isso, para que a disciplina atinja verdadeiramente os seus fins, é necessário que os educadores não fiquem isolados entre si, mas, embora sem interferirem nas funções alheias, todos colaborem com identidade de convicções e constância de esforços para o progresso do Seminário.

ONDA DE NATURALISMO PARECE TER PENETRADO EM INSTITUIÇÕES CATOLICAS

“Não é nossa intenção desenvolver de modo exaustivo este ponto, mas não podemos deixar de verificar com tristeza que uma onda de naturalismo parece ter penetrado em alguns Institutos de formação eclesiástica, muitas vezes com a cumplicidade de quem, condenando em bloco um passado julgado insuficiente para plasmar as jovens gerações sacerdotais, se afadiga na procura afanosa de métodos atualizados; ou então com a passividade um tanto fatalista dos que, embora lamentando no seu íntimo a perigosa aventura pedagógica, a aceitam resignados como inevitável resultado dos tempos. Trata-se, nestes casos, de um processo depressivo, que investe um pouco todos os aspectos da pedagogia eclesiástica. O seu denominador comum pode encontrar-se numa sensível diminuição do elemento sobrenatural. As grandes realidades de uma autentica formação eclesiástica — a oração, a união íntima com Deus, o espírito de mortificação, a humildade, a obediência, o escondimento, a separação do mundo — vão-se perdendo cada vez mais, em nome de um ativismo que se apelida de caridade. Quer-se "compreender" o nosso tempo e os jovens seus filhos; mas, na realidade, o que se faz, é ceder aos seus defeitos. Tem-se quase a impressão de que muitos educadores estejam dominados pelo complexo do novo, do desconhecido, e, em vez de travarem a corrida a ele, a alimentam numa embriaguez desatinada. Mais solícitos em conceder o agradável do que em exigir o útil, não têm coragem de pedir nem renúncia nem sacrifício.

Mas Jesus pede a renúncia e o sacrifício. O "abneget semetipsum" (Mat. 16, 24) está na base de todo O seu ensinamento, e nele está o sentido da vocação cristã, e, de modo eminente, da vocação sacerdotal. O Sacerdote é o homem do sacrifício, destinado — com as suas penas, com o seu desapego, com as suas imolações de cada dia — a "completar em si o que falta à paixão de Cristo" (cfr. Col. 1, 24). É chamado a produzir frutos de Graça: mas sem cruz não há redenção (cfr. Heb. 9, 22) ; é chamado a iluminar : mas com a condição de se transformar em chama de puro holocausto. Será preciso dizer que esta semelhança com Cristo Sacerdote e Vítima deve ter o seu início no Seminário? Bem sabemos como é longo o caminho, e quanta resistência lhe opõe a natureza humana, porque "muitos seguem Jesus até à fração do pão, mas poucos vão até beber o cálice da Paixão" (Imit. de Cristo, II, 11, 1). É necessário, portanto, que os nossos jovens se iniciem na renúncia e no sacrifício, e cheguem a compreender a consoladora verdade daquelas palavras: "Só é feliz, ó Senhor, a alma que, por teu amor, se desprende de todas as criaturas, combate a natureza, e crucifica no fervor do espírito, as concupiscências da carne, para poder oferecer-te, com consciência serena, uma oração pura, e ser digna de estar com os coros dos Anjos, depois de se ter esvaziado das coisas terrenas" (Imit. de Cr., III, 48, 6).

Dever-se-á insistir de modo especial na antinomia estabelecida pelo Salvador entre o seu espírito e o espírito do mundo, daquele mundo pelo qual Cristo não quis rezar, exatamente porque está submerso no espírito do maligno e impenetrável ao influxo da Graça, e ao qual, portanto, não devem pertencer os seus como Ele próprio não lhe pertenceu (Jo. 17, 9 e 14-16; cfr. I, Jo. 5, 19). Será preciso tornar-lhes familiar o pensamento de que são destinados às coisas celestes, e que, tirados do mundo, mas permanecendo nele, só na medida em que se subtraírem às suas seduções, se podem tornar o sal que preserva e a chama que ilumina; persuadi-los de que um clérigo não se torna estranho ao seu tempo só porque não lhe aceita os desvios; resumindo, que "o eclesiástico caminha sobre a terra, mas os seus pensamentos, o seu coração, os seus olhos estão fixos no Céu" (João XXIII, Discurso aos Alunos dos Colégios de Roma, 28 de janeiro de 1960: AAS, LII, p. 277).

Também neste delicadíssimo campo da formação ascética será preciso proceder com sabia graduação, com discrição, mas com perseverança e com doce firmeza: "fortiter in re, suaviter in modo", ou, para citar o nosso Santo, "firmeza e constância no fim, doçura e humildade nos meios" (S. Vincent de Paul, Corresp., Entret., Docum.; édit. P. Coste, Paris 1920-25: II, 298-300). Em tudo, portanto, tomar como ponto de referência a vida e doutrina do Salvador, que, se bem apresentadas, exercem uma fascinação e são de uma eficácia incomparável sobre a alma dos jovens. É necessário levar os nossos jovens à intimidade com Jesus Cristo, a viver do conhecimento dEle, que é a verdade libertadora do espírito, a crer nEle, segundo a forte expressão de São João (14, 1), que indica ao mesmo tempo, certeza na sua palavra, confiança total no seu auxílio, fidelidade e correspondência até ao esquecimento de si próprio. Do trato quotidiano com o Mestre, lhes virá o estimulo de se Lhe assemelharem (cfr. 2 Cor. 3, 18), de se imbuírem do seu espírito, chegando pouco a pouco "à viril maturidade, à medida da idade perfeita de Cristo" (Efes. 4, 13).

CONSEQUÊNCIAS LAMENTAVEIS DE UMA PRESUMIDA "ESPIRITUALIDADE DA AÇÃO"

Este nos parece ser o caminho real e único para fazer dos nossos clérigos futuros apóstolos, perfeitos homens de Deus, prontos para toda a obra boa (2 Tim. 3, 17), e para contribuir eficazmente para a edificação do Corpo de Cristo (cfr. Efes. 4, 12). Com efeito, o zelo autêntico pela salvação das almas encontrou sempre o seu alimento e o seu calor numa profunda vida interior e numa ascese que se oriente totalmente para a santificação pessoal.

Há, porém, o perigo de destruir com uma das mãos e em breve tempo, o que a outra, com grande fadiga edificou. Aludimos em modo particular à impaciência hoje tão espalhada, pela qual com demasiada facilidade, e sem as cautelas devidas, se querem submeter os nossos jovens clérigos a provas desproporcionadas às suas forças, para que, como se pretende, "tomem consciência" do mundo que será o campo do seu apostolado. Tem-se assim a ilusão de os imunizar contra os perigos inevitáveis, e, ao mesmo tempo, solicitar bem cedo, "na ação e pela ação", o espírito que deve animar o apóstolo de amanhã; julga-se que poderão as Dioceses ter um Clero capaz de começar a render, imediatamente, mais, e com resultados de mais alto valor qualitativo: um Clero presente no mundo, animador de homens, e verdadeiramente em condições de dar bom testemunho do Evangelho.

Esta posição não se funda apenas num erro de perspectiva — põe-se em primeiro plano o que deve ser uma sequência, na ordem quer hierárquica quer cronológica — mas supõe-se o que não existe, isto é, a maturidade espiritual, intelectual e moral necessária para que tais experiências possam ser úteis e proveitosas. Além disso, tal posição desfigura a natureza e o fim do Seminário como o concebe a legislação eclesiástica. Este, com efeito, não é nem pode ser uma escola de aplicação, e muito menos um campo de exercícios arriscados e comprometedores, mas apenas um lugar de profunda formação espiritual e intelectual. Em tal formação, o apostolado futuro entra e deve, naturalmente, entrar como motivo inspirador; mas a sua iniciação prática deve ser apenas um complemento moderado e gradual, e só na medida consentida pelos fins essenciais. Tal é o pensamento dos documentos pontifícios que tanto se têm preocupado com conservar ao Seminário as suas genuínas finalidades, e que preveem a necessidade de uma instituição particular com a função específica de iniciar os novos Sacerdotes nas várias funções sacerdotais, para que a saída do sossego do Seminário se efetue com maior simplicidade e naturalidade, sem o perigo de eventuais desequilíbrios espirituais e com uma mais adequada preparação teórica e prática (cfr. "Menti nostrae": AAS, XLII, pp. 691-692; Motu Proprio "Quandoquidem": AAS XLI, pp. 165-167).

Mudar, em nome de uma presumida "espiritualidade da ação", o eixo à volta do qual se move com fruto toda a vida dos nossos Institutos não pode deixar de ser grandemente prejudicial. É de temer, com efeito, que os futuros Sacerdotes, quando formados com uma tal pedagogia baseada no ativismo, não sejam capazes de um trabalho apostólico verdadeiramente profundo, de superar vitoriosamente dificuldades e desalentos, e venham a ser presa fácil do enfraquecimento moral num mundo agitado e insidioso como é o nosso. A experiência demonstra que o domínio das paixões é obra íntima que deve realizar-se no segredo da alma, e que lentamente amadurece na reflexão e no recolhimento. Permitir aos nossos clérigos a efusão para o exterior, deixar-se vencer pelo entusiasmo com que eles podem acolher — seja embora para realizar experiências apostólicas — as evasões da sua severa mas necessária vida de piedade e de estudo, não será, porventura, distraí-los da disciplina quotidiana que se alimenta nas fontes salutares da oração, do estudo, do sacrifício? E quando eles, terminado o ciclo do seu tirocínio seminarístico, afrontarem sem a devida preparação a crua realidade da vida, não será de recear o regresso da ofensiva das paixões, esquecidas, adormecidas, mas não subjugadas?

Os resultados de uma semelhante posição pedagógica podem notar-se já no Seminário. O enlanguescimento da piedade, o desamor pelo estudo em geral e pelo estudo especulativo em particular, a disciplina abalada nos seus aspectos fundamentais — o silêncio, por exemplo — e, sobretudo, a grande superficialidade que se nota em vários setores educativos não são de certo as melhores premissas para o êxito dos autênticos apóstolos que se quereria dar à Igreja. É o caso de citar aqui uma máxima de São Vicente, máxima que, se pode servir como norma geral de conduta, tem um valor especialíssimo no campo educativo: "Estragam-se as boas obras porque se quer andar com pressa demasiada, porque se age segundo as próprias inclinações que ofuscam o espírito e a razão, e fazem pensar que o bem que se quer fazer é possível e oportuno, quando o não é, como demonstra o insucesso que vem em seguida" (ob. cit. IV, 122). Antes portanto de pensar — baseando-se em métodos de validade duvidosa — em formar o Sacerdote do momento presente, ponhamos o nosso empenho em formar o Sacerdote de sempre".

O documento se encerra com a recomendação do Sagrado Dicastério aos educadores dos clérigos, no sentido de que "procurem com todos os meios que as boas disposições dos jovens encontrem sempre no Seminário a ajuda apta a tornar-lhes mais fácil o atingir daquele estado de perfeição que se chama, santidade sacerdotal".


QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA

Pe. Sales BRASIL

Livro profundo, equilibrado e irredutivelmente católico

SALVADOR, março — A meu ver, depois da morte do Padre Leonel Franca, ninguém, no Brasil, sobre assuntos de sociologia, escreveu com mais alta média de erudição, dignidade, ortodoxia, independência e equilíbrio do que a que foi atingida pelos providenciais Autores de «Reforma Agrária — Questão de Consciência» (Editora Vera Cruz Ltda. — São Paulo — 1960).

A meu ver, digo eu, que estou tão longe de ser infalível e que, por isto mesmo (...), só reconheço como certas as teses sociológicas que se fundam, não nos princípios adotados por... Bernanos ou qualquer dos escritores, por maiores que sejam, citados e assinados contra o livro que estamos a apreciar, porém nos princípios adotados pela Igreja e por Ela mesma comentados — em documentos oficiais. Documentos que não se compõem de textos insulados ou frases de algibeira; compõem-se de um longo sistema, de um denso contexto — que, diga-se de passagem, é o sol que ilumina toda a paisagem, todo o sitio das ideias tão sociais e antissocialistas de «Reforma Agrária — Questão de Consciência».

O NOSSO MERCADO DE LIVROS

O nosso mercado de livros, esta é que é a verdade, não nos apresenta, particularmente quando tratam de reforma agrária, grande estoque de teses catolicamente equilibradas.

Ao falar em equilíbrio, não me refiro, é claro, aos equilibristas nem àqueles para quem a virtude do equilíbrio consiste, profissionalmente, em desequilibrar a sociedade.

Temos equilibristas que, incontestavelmente, escrevem com muito talento. Mas o mesmo fato de serem equilibristas é-lhes um empecilho para proceder com equilíbrio.

Temos escritores equilibrados, mas de fôlego curto e passos atrasados. E temos sociólogos de fôlego admirável e passos gigantescos, mas fora do caminho: relativamente em grande número, não católicos, — fato este que constitui (para os que estão convictos de que só as soluções autenticamente católicas são harmoniosas) uma desarmonia.

O LIVRO "REFORMA AGRÁRIA — QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA"

O livro «Reforma Agrária — Questão de Consciência» é um trabalho digno das consciências a que se dirige: um trabalho profundo, erudito, equilibrado e irredutivelmente católico.

Divide-se em duas partes.

A primeira foi escrita por duas personalidades reluzentes e intrépidas, dois famosos representantes do Episcopado brasileiro: Dom Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos, e Dom Geraldo de Proença Sigaud, S.V.D., Arcebispo eleito de Diamantina. É também Autor dessa primeira parte o não menos erudito e não menos famoso Plinio Corrêa de Oliveira, simples congregado mariano, simples leigo, cuja ciência religiosa e ortodoxia — vivesse ele nos primórdios do Cristianismo — talvez lhe conquistassem, com os louros da combatividade impertérrita, o título de Santo Padre da Igreja.

A segunda parte, mais técnica (no sentido original que se deu a esta palavra: sentido econômico), foi confiada ao economista Luiz Mendonça de Freitas, cuja evidente segurança no assunto só pode enriquecer o espírito dos leitores.

ESCÂNDALO NECESSARIO

É um livro fadado às maiores e (o que já aconteceu, sendo que, à luz do Evangelho, era necessário que acontecesse...) às mais escandalosas, injustas e grosseiras oposições, mesmo, ou principalmente, por parte daqueles que, na estacada dos preconceitos, se negam a ler o volume todo, e, mais particularmente ainda, por parte daqueles que não entendem ou — o que é mil vezes pior — por parte dos que fazem de conta que não estão entendendo a grande Filosofia que ele, desassombrada e fielmente, guarda e transmite.

Mas é um livro fertilíssimo. Tão fértil, que já tem provocado, na atmosfera da imprensa brasileira, relâmpagos nervosíssimos e grossas trovoadas. Algumas, de todo, secas. Outras serão seguidas da chuva e do orvalho com que Deus costuma abençoar o grupo dos que lhe continuam fiéis, o qual, na comparação do divino Agricultor, é aquele terreno bom - que produz cento por um.

A meticulosa fidelidade de «Reforma Agrária — Questão de Consciência» ao pensamento cristão resplandece nas primeiras palavras com que os Autores se dirigem ao público brasileiro: — «De pouco tempo a esta parte, dizem eles, vem sendo cada vez mais frequente entre nós, não só em discursos e conferências, como em entrevistas, artigos, livros, relatórios oficiais e projetos de lei, a expressão reforma agrária. Não é difícil, entretanto, notar que esta designação genérica tem servido de rótulo a sugestões ou projetos muito diversos em seus objetivos e no espírito que os anima.

«Assim, pode-se falar de uma reforma agrária sadia, que constitua autêntico progresso, em harmonia com nossa tradição cristã. Mas também se pode falar de uma reforma agrária revolucionaria, esquerdista e malsã, posta em desacordo com esta tradição. Este último tipo de reforma agrária importa em golpear a fundo ou até em eliminar a propriedade privada. Por isto mesmo ele deve ser tido como hostil também à família. Com efeito, como veremos, propriedade e família são instituições correlatas e fundadas nos mesmos princípios.

«Para evitar possíveis confusões, fica declarado que neste livro a reforma agrária revolucionaria, esquerdista e malsã, é sempre mencionada com iniciais maiúsculas e entre aspas: «Reforma Agrária».

«As críticas feitas à «Reforma Agrária» não se referem, pois, de modo algum, a medidas que promovam um autêntico progresso da vida do campo ou da produção agropecuária; seria essa uma reforma agrária sadia».

COM VISTAS À AGRICULTURA

Uma das provas de que os Autores não se opõem ao tipo de reforma agrária sadia é a apresentação (que eles reconhecem «escapar ao âmbito do livro» e na qual devemos também reconhecer um sincero, esclarecido e apostólico desejo de que esta reforma se realize o quanto antes) a apresentação de «alguns pontos que poderiam enriquecer de conteúdo cristão» um projeto de lei agrária. Observemos o condicional: poderiam, modo verbal que, no caso, é uma expressão da humildade com que os Autores apresentam sugestões pessoais — que não se devem confundir com os princípios da Igreja, que estes sim, eles defendem com o brio de verdadeiros militantes — submetendo-as ao parecer de outros especialistas e, mais humildemente, ao veredicto da mesma Igreja.

Com vistas à agricultura, sugerem e exemplificam: — «1) Fixação, por lei, das condições muito excepcionais em que a desapropriação de imóveis rurais, mediante justa indenização, pode ser feita. — 2) Crédito fácil para os proprietários de grandes áreas que as desejem colonizar. Crédito fácil também para financiamento da compra de glebas. — 3) Crédito fácil para o equipamento das propriedades. — 4) Assistência técnica aos agricultores. Fomento da agricultura, sem dirigismo. — 5) Concessão de terras devolutas aos pequenos agricultores, sempre que por este meio possam elas ser convenientemente exploradas. — 6) Fomento de formas de contrato de trabalho que possibilitem um aproveitamento intenso da terra e ao mesmo tempo beneficiem o assalariado, permitindo-lhe uma situação econômica mais favorável e a constituição paulatina de um patrimônio. Por exemplo: a parceria, as empreitadas. — 7) Crédito especial para a melhoria das moradias dos colonos e medidas congêneres».

Com rigor científico e edificante prudência para com possíveis pronunciamentos de Autoridade maior, os Autores acrescentam: «Excederia os limites deste trabalho analisar quais dessas medidas seriam praticáveis e desejáveis na atual conjuntura. Foram elas lembradas a título meramente exemplificativo».

COM VISTAS AO TRABALHADOR RURAL

Com vistas ao trabalhador rural, não é menos prudente nem menos louvável a posição dos quatro campeões — que assinalam textualmente: «No que diz respeito mais particularmente à situação dos trabalhadores rurais, os objetivos de uma sadia reforma agrária podem encontrar-se no discurso dirigido por Pio XII, em 11 de abril de 1956, aos participantes do X Congresso da Confederação Nacional dos Cultivadores Diretos da Itália. O mesmo Pontífice condenara, em outra oportunidade, a opinião dos que desejam uma estrutura agrária em que só haja pequenas propriedades, afirmando que, embora tenham estas um papel importantíssimo na vida rural, o reconhecimento disto (palavras textuais do Papa) «não importa em negar a utilidade e frequentemente a necessidade de propriedades agrícolas mais vastas» (Discurso de 2 de julho de 1951, ao 1° Congresso Internacional sobre os Problemas da Vida Rural)».

IDENTIDADE FILOSÓFICA ENTRE SOCIALISMO E COMUNISMO

Será, portanto, uma injustiça atribuir ao livro «Reforma Agrária — Questão de Consciência» inspirações inferiores às da própria consciência. É bom que os Autores continuem falando: — «Entre o socialismo e o comunismo não existe nenhuma distinção doutrinaria essencial e consistente. A palavra «socialismo», de fato, é empregada às vezes para designar um conjunto de tendências, e de aspirações de reforma, que, sem visarem a realizar inteiramente o programa comunista, entretanto querem aplicá-lo gradualmente, e sem derramamento de sangue, neste ou naquele setor da estrutura econômica e social. Neste sentido, o socialismo é uma preparação para o comunismo, uma realização paulatina deste. Voltaremos ao assunto. Lembremos aqui, apenas, e sumariamente, que tudo quanto debilita as instituições que o comunismo deseja suprimir é, em última análise, uma contribuição para a vitória deste. E, pois, a «Reforma Agrária», que lança em estado agônico ou pré-agônico a propriedade rural e a elite social que nela se apoia, só pode favorecer os desígnios dos comunistas».

ÓTIMA RESPOSTA

Se alguém objetar que escritores não comunistas e não socialistas, e até escritores católicos (pois não?) se opõem a esse livro que apenas transmite as teses da Igreja, — é ainda nos próprios Autores que encontraremos a mais ajustada resposta: — «As minorias organizadas lucram muito quando a confusão e a divisão se estabelecem nas fileiras da maioria».

E não é mesmo?...

UM LIVRO PARA OS FAZENDEIROS

Não me consta que os nossos fazendeiros tenham encontrado, na imprensa brasileira dos últimos tempos, alguma defesa mais científica e mais vigorosa, mais de acordo com as leis da justiça e da caridade — para com eles e para com os trabalhadores — do que a que foi organizada pelos Autores de «Reforma Agrária — Questão de Consciência».

Nesta hora em que a propriedade particular está sofrendo a mais cruel e mais profunda perseguição conhecida na História; neste momento (que passará, é certo, como passam todas as durações que estão fora da eternidade), no qual todo chefe que não seja o Senhor Estado; todo pai e toda mãe que não seja o amoroso Pai Estado e a tão carinhosa Mãe Estado; todo ensino que não provenha do Professor Estado; toda redenção que não seja fruto econômico do Redentor Estado; enfim: toda hierarquia que não se anarquize no monopólio do Estado deve desaparecer, — será de máximo proveito para os nossos fazendeiros a leitura de um livro que não desfigura a importância e dignidade deles, no cenário do progresso nacional.

Os proprietários de terras que só conhecem a mencionada obra através de compridos ataques e curtas citações — quando não de nenhuma — precisam ler as páginas 15, 16 e 17, fidelíssimo quadro da ascensão cultural e econômica do Brasil, efetuada pelos patrões e trabalhadores rurais.

Quem objetar que muitos fazendeiros não correspondem à elogiosa descrição que todos podem ali apreciar, não se esqueça de que não somente na dos fazendeiros, mas em todas as classes e condições, nem todos correspondem, como, por exemplo, não corresponde o signatário deste artigo à grandeza de sua missão sacerdotal. Pais e filhos, Sacerdotes e leigos, professores e alunos, médicos e clientes, juízes e réus, patrões e operários, sempre os houve melhores e piores, bons e maus. É, portanto, aos bons fazendeiros que se refere a justa, erudita, iluminada e respeitosa descrição que aquelas páginas nos fazem saborear.

Esta é que é a verdadeira história dos bons fazendeiros de nossa terra, e não aquela — descrita pelos profissionais do logro, da anarquia, do assalto e do xingamento.

ACUSAÇÕES FALSAS

Até agora não apareceu, contra o livro em apreço, uma só acusação que tivesse fundamento na verdade.

O pior, não para os autores do livro, mas para os seus acusadores, é terem-se feito, estes, ordinariamente conhecidos como infensos a atitudes negativas... Chegam alguns a dizer, e um chegou a escrever, que «o Cristianismo é a Religião sempre do sim, e jamais do não» (como se este «jamais» não fosse o próprio não, tomado universalmente). São católicos que reprovam a Apologética, homens sorridentes e pacíficos, que jamais fazem polêmica (com os ímpios...), porque afinal de contas, dizem eles, fazer polêmica é falta de caridade. Só reconhecem como comportamento cristão o «diálogo», o «testemunho», como se o testemunho não pudesse ser afirmativo ou negativo. Pode ser até falso, o testemunho...

O que não pode ser caridade são as atitudes agressivas para com esforçados e verdadeiros irmãos na Fé, principalmente quando, para com os inimigos de Deus, aqueles agressores «cristocêntricos» e católicos não têm senão atitudes excêntricas...

Podem os ímpios dizer o que quiserem — no rádio, na televisão, no cinema, no livro, na revista e no jornal. A turma do «diálogo», por caridade, não escreve nada contra eles. Alguns, por causa daquelas preferências positivas, chegam a colaborar com a mais negativa imprensa de grupos notória e publicamente comunistas. Mas quando aparece um jornal como, por exemplo, «Catolicismo» (verdadeira e, por isso mesmo, perseguida honra da boa doutrina em nossa Pátria), então a coisa muda de figura: eles não somente não colaboram, mas laboram contra. Quando aparece um livro como «Reforma Agrária — Questão de Consciência», a mesma turma deixa de dialogar e passa a agredir; deixa o tom da «caridade», e assume o tom polêmico; transmuda a sua própria filosofia do Sim na mais contraditória filosofia do Não.

Para encerramento destas

(continua)