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JOANNI UNIVERSALI PAPAE, VITA!

O universo católico comemora neste mês um duplo aniversario. Há oitenta anos, nascia aos 25 de novembro, na simplicidade de um lar camponês, Ângelo Giuseppe Roncalli. Há três anos, no dia 4 de novembro, em meio às pompas litúrgicas, era coroado com a tiara pontifícia, na Basílica de São Pedro, o Papa João XXIII. Feliz coincidência de datas que proporciona a todos os fiéis a ocasião de prestar um preito de amor completo ao Pai comum da Cristandade. Pois este amor deve recair de maneira impessoal sobre Pedro sempre vivo em cada um de seus Sucessores, mas deve também estender-se à pessoa individualmente considerada sobre cujos ombros pesa, por disposição da Providência, o terrível fardo que São Paulo chamava o "cuidado de todas as Igrejas" (2 Cor. 11, 28)..

Quem, de qualquer das grandes cidades febricitantes de nossos dias, sai para o campo, não tarda em sentir uma fundamental diferença de ambiente. Na cidade, tudo nos fala do homem, de seu trabalho, de seus anelos, de suas lutas e de seus lazeres. E como o homem hodierno é acentuadamente vário, excitado e trepidante, muito de suas ansiedades, de sua instabilidade e de sua extenuação marca a atmosfera citadina.

No campo, pelo contrário, a sucessão natural, compassada e paulatina dos fenômenos naturais condiciona a vida humana. O ritmo desta tem, pois, muito da regularidade com que Deus rege a natureza.

Daí originar-se — como é bem sabido — nos homens formados em contato com o campo, uma estabilidade, uma serenidade, uma têmpera que lhes permite enfrentar com espírito desanuviado, sobranceiro e distendido as piores tormentas.

Na sua longa vida diplomática, transcorrida em cargos de grande responsabilidade, e em meio muitas vezes a circunstâncias críticas, Mons. Roncalli soube conservar as virtudes nativas que se espelham em sua fisionomia: benevolência imperturbável, calma e destreza para contornar as situações mais difíceis, subtileza distensiva e suavemente maliciosa em meio aos entrechoques mais violentos, e ao mesmo tempo uma estabilidade e uma continuidade de ação docemente invencíveis.

Cada alma tem sua atitude legitimamente característica em face dos obstáculos inerentes a esta grande luta que é a existência terrena. Nada mais contrário à esplêndida e nobilíssima variedade das almas que Deus criou, do que imaginar que em circunstâncias iguais deveriam todas reagir do mesmo modo. Aliás, quando se repetem, inteiramente iguais, as circunstâncias? Nada mais diferente de um Santo que outro Santo, se se comparar um ao outro, não em função da doutrina e dos principias que os guiaram, mas em função das peculiaridades psicológicas e temperamentais, do "estilo" pessoal com que cada qual agiu em vida. Por isto mesmo, na longa sucessão dos Pontífices se nota, a par de uma admirável coerência de doutrina e de metas, uma também admirável diversidade de expressões de personalidade. João XXIII tem um "estilo" pessoal inconfundível. Este "estilo" tão peculiar, tão inimitável, tem uma relação profunda com a hora que passa. Todo chefe de Estado, todo chefe de família, todo Bispo, a fortiori o Romano Pontífice, exerce, uma profunda ação de presença dentro do âmbito respectivo. Aos olhos da humanidade dilacerada, conturbada, ansiosa, João XXIII, pairando sereno sobre o caos, é uma afirmação viva da bondade perene, sábia, plácida e condescendente da Providência Divina.

Representando dois milênios de História cheia de lutas, de vitorias em geral, de derrotas por vezes, o Papa reinante parece olhar para o futuro tendo nos lábios a frase famosa: "Alios ego vidi ventos, alias prospexi animo procellas" (Cícero, "Familiares", 12, 25, 5).

Em todas as épocas, a Providência suscita varões de Deus que dão cada qual o exemplo particularmente saliente de alguma virtude. Uns edificam pela coragem indômita, outros pelo temperamento ardentemente polêmico, outros ainda pela suavidade angélica, pela atividade fecunda, ou pelo espírito eminentemente contemplativo. Sobre toda esta multiforme variedade de almas, perene na Igreja, dispôs a Providência que pairasse em nossos dias como um arco-íris entre a humanidade desvairada e Deus, a figura suave, inteligente e paterna de João XXIII.

ASSIM vista no horizonte moderno a pessoa do augusto Aniversariante, o que acrescentar sobre seu ainda tão curto pontificado?

Dois fatos bastam para o tornar imortal: a decisão de convocar o Concilio Ecumênico e a publicação da Encíclica "Mater et Magistra".

Nada se pode imaginar de mais majestoso do que o ato do 263.° Sucessor de São Pedro, convocando em meio à procela hodierna, os 2.700 Sucessores dos Apóstolos, vindos de todas as latitudes, para estudarem os meios de incrementar a ação da Igreja, salvar as almas e revigorar a civilização cambaleante. A mente que excogitou esta magna reunião, o braço que num gesto dirigido a todos os quadrantes convocou os que devem prepará-lo, merecem já por isto o agradecimento da humanidade inteira.

A par disto, a "Mater et Magistra", condensação, desdobramento a um tempo coerente e original dos ensinamentos dos Pontífices anteriores, é um facho de luz que salva dos tristes escolhos do socialismo e do liberalismo milhões de almas, e desvenda para elas, na solução dos problemas sociais, horizontes até agora insuspeitados. Pela riqueza de seus ensinamentos, pela oportunidade de sua publicação, esta Encíclica se inscreve entre as maiores até hoje promulgadas.

Qual a ressonância de tantos títulos de veneração, de amor, de reconhecimento, no coração do povo cristão? Dão-lhe forma, nestes dias, as esplendidas "Laudes seu acclamationes" que há onze séculos as várias gerações de fiéis cantam empolgadas em Roma, para exprimir de modo harmonioso e altissonante seu jubilo nos grandes acontecimentos da história da Igreja. Os títulos que ali se dão a Nosso Senhor Jesus Cristo se ajustam analogamente também ao seu Vigário na terra:

"...Exaudi, Christe. Ioanni Summo Pontifici et universali Papae, vita!

Salvator mundi. Tu illum adiuva.

Sancte Petre. Tu illum adiuva.

Sancte Paule. Tu illum adiuva.

...Rex regum! Rex noster! Spes nostra! Gloria nostra! Misericordia nostra! Auxilium nostrum! Fortitudo nostra! Arma nostra invictissima! Murus noster inexpugnabilis! Defensio et exaltatio nostra! Lux, via, et vita nostra.

...Tempora bona veniant! Pax Christi veniat! Redemptis sanguine Christi: Feliciter! Regnum Christi veniat! Deo gratias. Amen".