“Para se ter uma ideia do poder da ação erosiva das águas, e da extensão de tempo necessária para a constituição dos estratos de rochas sedimentarias, basta dizer que, no corte rochoso do Grand Canyon, provocado pela ação erosiva do Rio Colorado, existem formações de rochas sedimentarias que vão até nada menos de 2 mil metros de espessura”.
Evoluções das espécies: apriorismos e confissões gnósticas
A. Registro fóssil. Cronologia geológica, e a criação dos seis dias vista por Santo Agostinho.
Antes de entrarmos no tema especificado pelo título deste artigo, é de conveniência, para fixação das ideias, termos em mente certos conceitos básicos, de ordem cientifica e teológica.
O conhecimento da história da vida na terra nos é possibilitado pela existência de um vasto registro fóssil contido em estratos de rochas sedimentarias. Rochas sedimentarias resultam de materiais acumulados no fundo de lagos e mares pela ação erosiva de rios e chuvas atuando ao longo das idades, assim como pela deposição de carapaças de animais marinhos. Esses materiais, trabalhados pela ação química e a pressão, se constituem em substancias mais ou menos duras, que são as rochas sedimentarias. Exemplos: calcáreo, arenito, xistos. Uma parte considerável das rochas sedimentarias conhecidas provém da deposição, no decurso das idades, de um número inimaginável de carapaças de animais unicelulares marinhos, que são os foraminíferos e os radiolários. Também uma boa parte das areias das praias são constituídas de tais carapaças. Esqueletos, carapaças, impressões de plantas e animais extintos têm sido através dos tempos depositados juntamente com os materiais que se transformam nas rochas sedimentarias. Processos tectônicos cataclísmicos como as orogenias (processos que levantam as cadeias de montanhas), ou mesmo movimentos plásticos lentos da crosta da terra, têm levantado os estratos de rochas sedimentarias, do fundo de lagos e mares, para constituir massas continentais, fato feliz e providencial para os geólogos e paleontólogos, pois põe ao alcance do homem o registro fóssil depositado em profundidades inacessíveis. Para se ter uma ideia do poder da ação erosiva, e da extensão de tempo necessária para a constituição dos estratos de rochas sedimentarias, basta dizer que, no corte rochoso do Grand Canyon, provocado pela ação erosiva do Rio Colorado, existem formações de rochas sedimentarias que vão até dois mil metros de espessura.
O fato dos processos de sedimentação foi, no século passado, um ponto de partida para a medida de tempo dos acontecimentos geológicos e biológicos do passado fóssil. Geólogos fizeram medidas da velocidade de sedimentação dos rios atuais, e, tendo em vista a espessura dos estratos de rochas sedimentarias, computaram idades de formações dessas rochas. Acharam, para estratos da base do período cambriano, em que aparecem os primeiros animais marinhos de carapaça, valores que iam de 50 a 600 milhões de anos atrás. A ordem de grandeza é verossímil, mas as discrepâncias mostravam que os métodos usados não eram seguros, o que se explica facilmente pelo fato de que, tendo a crosta da terra sofrido tantas modificações ao longo da história geológica, a velocidade dos processos erosivos também sofreu grandes variações, e portanto resultou dificilmente computável em função das velocidades atuais.
Foi a partir de 1917 que se começou a cronologizar com segurança a história geológica e paleontológica. Isso, graças às medidas de radioatividade de rochas vulcânicas intrusas, assim como de camadas de lava e cinzas vulcânicas imersas entre camadas de rochas sedimentarias (F. E. Zeuner — «Geocronologia» — tradução espanhola da 2ª edição inglesa do «Dating the Past» — Ediciones Omega, Barcelona — 1956). As series radioativas são, por assim dizer, verdadeiros relógios atômicos, ou melhor, nucleares, que a Providência constituiu na natureza. Os métodos físico-químicos de medida de radioatividade de rochas permitem estabelecer uma tabela cronológica das diversas fases da história da vida na terra, incrustrada nas rochas sedimentarias. A segurança do método está em que a radioatividade é um processo estatístico muito bem determinado, referido ao núcleo atômico de certos elementos, processo este que não pode sofrer nenhuma influência dos processos químicos e mecânicos associados aos acontecimentos geológicos. As indeterminações nas medidas de tempo em função da radioatividade estão ligadas geralmente à indefinição estratigráfica das rochas e cinzas vulcânicas. Essas indeterminações são razoáveis em muitos casos, pois as medidas mais recentes para a base do período cambriano (começo da era paleozóica) dão 600 milhões de anos com a precisão da ordem de 3% (A. Holmes — «A Revised Geological Time-Scale» — Transactions of the Edinburgh Geological Society, vol. 17, p. 183 — 1959; C. F. Davidson — «Age of the Cambrian System» — Nature, vol. 187, p. 1020 — 1960). E para a base da era cenozóica, um valor de 60 milhões de anos com uma precisão, também, de 3% (J. Laurence Kulp — «Geologic Time-Scale» — Science, vol. 133, p. 1105 — 1961).
A paleontologia e a geologia nos fornecem o seguinte quadro da divisão das eras geológicas, começando-se com a mais recente:
Era Cenozóica: Registro fóssil em que aparecem as populações de mamíferos. É no último período dessa era, o período pleistoceno, idade glacial, que, é criado o homem e grande parte da fauna atual; este período se inicia por volta de 600 mil anos atrás. A era cenozóica começa, como vimos antes, há 60 milhões de anos, quando se verificou a orogenia que elevou o sistema Andes-Rocky Mountains e o sistema do Himalaia.
Era Mesozóica: Registro fóssil em que aparecem os sáurios e aves. Os dinossauros são os sáurios característicos dessa era. Os repteis de nosso tempo são, em parte, «sobras» da era mesozóica.
Era Paleozóica Superior: Registro fóssil caracterizado pelo aparecimento de peixes, anfíbios e plantas terrestres. Também, como na era mesozóica, a fauna possui muitas espécies de grandes dimensões. Os anfíbios de nossos dias são espécies modestas em número e dimensões, comparadas com os anfíbios dessa era.
Era Paleozóica Inferior: Registro fóssil que acusa só vida marinha. Animais de carapaça que se arrastam no fundo das águas, e plantas marinhas. Como vimos antes, esta era se inicia há 600 milhões de anos.
Era Pré-Cambriana: Registro fóssil que também só acusa vida marinha, constituída por animais de corpo mole e gelatinosos, algas, e animais unicelulares. As medidas de radioatividade dão valores que vão de 1,5 a 2 bilhões de anos para o começo dessa era, isto é, para o começo da vida na terra (F. E. Zeuner — «Geocronologia» — tradução espanhola da 2ª edição inglesa do «Dating the Past» — Ediciones Omega, Barcelona — 1956; Martin F. Glaesner — «Poz-Cambrian Animais» — Scientific American, March, 1961).
Registremos o fato importante de que existe uma sucessão hierárquica, ao longo do tempo, das formas de vida apresentadas pelo registro fóssil, ou seja, quanto mais antigos os estratos, mais inferiores são as espécies da escala biológica. Na secção seguinte veremos melhor isto.
Notamos que as durações das fases da vida na terra são extraordinariamente dilatadas em relação à história humana. Isto nos leva a uma reflexão teológica.
São Tomás de Aquino («Suma contra os Gentios», liv. 2, cap. 25) demonstra que a ordem criada é múltipla e diferenciada em extremo porque é um espelho da infinitude do ser de Deus. Podemos estender o argumento e dizer que as durações das eras geológicas são extremamente dilatadas porque são um espelho da infinitude da duração de Deus, isto é, de sua eternidade. Ainda devemos dizer que as duas razões são conexas, porque a espantosa multiplicidade de seres vivos concebida pela sabedoria divina não poderia coexistir no tempo, dentro do exíguo espaço da superfície da terra. Da sua distribuição ao longo do tempo. Assim, por exemplo, seria impossível ao homem e à fauna hodierna subsistir em convivência com os dinossauros da mesozóica e os anfíbios da paleozóica. Não haveria espaço suficiente para escaparem àqueles terríveis predadores. As feras de nossos dias são tímidos animaizinhos em comparação com os monstros de antanho. Vemos pois, nisto, a verdade daquelas palavras da Sagrada Escritura: «Dispuseste todas as coisas em medida, número e peso» (Sab. 11, 21).
E, por outro lado, os milhões de anos não são nada diante da eternidade de Deus, segundo diz o Real Profeta: «Porque mil anos aos teus olhos são como o dia de ontem, que passou, e como uma vigília da noite» (S1. 89, 4).
Santo Agostinho, analisando a criação dos seis dias no Genesis («Cidade de Deus», liv. XI, cap. 9), tem o cuidado de não interpretar «dia», ali, como sendo um intervalo de tempo de 24 horas. O Santo Doutor interpreta «dia» como significando «luz», e «luz» dos Anjos testemunhando a criação de Deus. Os «seis dias» falam de uma ordem na criação ao longo do tempo, e não propriamente de uma medida cronológica da criação. Aliás, outras passagens da Sagrada Escritura, em que se fala de unidades de tempo, devem ser interpretadas com muito cuidado, pois não significam necessariamente uma medida de tempo; assim por exemplo: os «mil anos» no Apocalipse, cap. 20, vers. 2 e 4.
Comparemos com a Revelação dados científicos que aduzimos, e vejamos como isso não sugere a evolução das espécies, a filogênese.
B . O Barão de Cuvier, cientista católico, fundador da paleontologia. Uma objeção séria contra o evolucionismo
Barão de Cuvier (Remy Collin — «L'Évolution, Hypothèse et Problèmes» — Arthème Fayard — 1958; Richard Carrington — A Guide to Earth History» — Penquin Books — 1958), cientista francês e católico, foi quem no começo do século passado iniciou de modo sistemático e metódico as disciplinas da anatomia comparada e da paleontologia. Ele é considerado o pai dessas ciências. A divisão da história da vida na terra, que vimos antes, é em parte devida a ele.
Cuvier chegou à conclusão de que as várias fases da criação biológica evidenciada pela estratigrafia geológica deviam ter sido encerradas por cataclismos, já que havia uma pronunciada descontinuidade entre eras geológicas no que diz respeito à sucessão biológica. Assim, por exemplo: os animais de carapaça aparecem abruptamente na base da era paleozóica. Os anfíbios daquela era desaparecem do mesmo modo, assim como os dinossauros no fim da era mesozóica. Outros exemplos desse gênero podem ser apresentados em referência aos períodos e épocas que subdividem as eras. Ora, os cientistas têm usado como critério geológico para a divisão e subdivisão das fases da história geológica, a presença de vestígios de orogenias universais e orogenias localizadas. Mas, essas orogenias são processos cataclísmicos de levantamento de montanhas. As eras geológicas que apresentamos estão separadas por grandes orogenias, como, v. g., a que mencionamos antes, isto é, a elevação dos sistemas Andes-Rocky Mountains e Himalaia que constituem o círculo de fogo do Pacifico. E o que salta à vista é que os sistemas de fosseis separados pelas fases orogênicas são extraordinariamente diferentes. Assim, para exemplificar, o fim da era paleozóica inferior vê a extinção de grandes famílias de animais de carapaça e a paleozóica superior assinala o aparecimento de peixes de grande porte. O mesmo podemos dizer com respeito à extinção total dos dinossauros na passagem da era mesozóica para a cenozóica, assim como ao aparecimento ex-abrupto de mamíferos no começo desta última era. Desses fatos o Barão de Cuvier não deduziu nenhum evolucionismo, e sim a ideia bíblica da criação sucessiva.
Essa descontinuidade no registro fóssil é uma seria objeção contra a filogênese. Os evolucionistas procuram contornar a dificuldade com o conceito de evolução explosiva, processo acelerado de evolução pelo qual se justificaria tal descontinuidade. Mas, outra objeção nos fornece a paleontologia, a saber: se de fato existiu tal processo evolutivo acelerado os estratos geológicos referidos a essas fases deveriam ser ricos de espécies intermediarias que ligassem os dois sistemas de fosseis. Ora, o registro fóssil é extraordinariamente mudo quanto a isso. Para contornar essa segunda objeção, os evolucionistas criaram a teoria da ontomutação (Remy Collin — «L'Évolution, Hypothèses et Problêmes» Arthème Fayard - 1958; A. Dalcq — «La Pensée Moderne devant le Problème de la Forme» — Problèmes de Philosophie dês Sciences — Act. Sci. et Industr. n.° 1068 — 1949), pela qual, nessas fases de descontinuidade, as espécies inferiores gerariam diretamente espécies superiores: por exemplo, um anfíbio geraria um réptil - (A. Dalc - ibid.; E. Schroedinger — «What is Life» — Cambridge University Press - 1944). Como vemos, essa teoria além de negar a filogênese clássica dos evolucionistas, sugere a presença da varinha mágica de alguma boa fada inimiga das espécies inferiores.
C. Outras objeções da paleontologia. Os “fósseis vivos”. Uma objeção séria da física estatística. As “leis” da filogênese.
Outra objeção à filogene, é apresentada pelos “fosseis vivos”.
Por que razão várias espécies, gêneros e famílias atravessaram muitos milhões de anos, sem sofrer o processo evolutivo que os evolucionistas gostariam de encontrar? De acordo com os adeptos da filogênese a maioria das espécies sofre «evolução explosiva», hábil expediente para justificar as aludidas descontinuidade na história paleontológica. Quanto ao fato inverso dos «fósseis vivos» os evolucionistas nem sequer um expediente apresentam. Curioso: as espécies, gêneros, famílias, etc., que se transformam, o fazem pela tal «evolução explosiva», em marcha acelerada, e outros atravessaram muitos milhões de anos até nossos dias sem conhecer nenhuma evolução filogenética. Observemos que as grandes durações da história geológica, que à primeira vista pareceriam favorecer as especulações dos evolucionistas, fornecem, muito pelo contrario, com os achados a que aludimos, objeções a tais especulações. Vejamos alguns exemplos de fosseis vivos.
Do registro fóssil da era paleozóica superior, é conhecido um peixe, o coelecanth, que aparece em estratos de 300 milhões de anos atrás. Conhecem-se fosseis desse peixe até em estratos do começo da era cenozóica, isto é, até 60 milhões de anos atrás. Pensava-se até 1938 que o coelecanth tivesse existido durante esse intervalo de tempo de 240 milhões de anos. Acontece que, de 1938 para cá, vários espécimes, vivos e saudáveis, foram pescados no Oceano Indico. Quer dizer: esse peixe atravessou 300 milhões de anos até nossos dias, enquanto que, de acordo com os evolucionistas, ao longo dessa duração houve «evoluções explosivas» de peixes em anfíbios, anfíbios em repteis, e repteis em mamíferos.
Na secção A, tivemos oportunidade de fazer referência aos foraminíferos e radiolários, animais unicelulares, aliás carapaças são responsáveis por grandes espessuras de rochas sedimentarias. Os foraminíferos constituem uma ordem biológica que aparece no pré-cambriano e que existe até hoje. Vários gêneros e famílias se extinguiram e várias famílias sobreviveram ao longo do tempo que vai da era paleozóica superior a nossos dias. Também fato científico estranho para a teoria da filogênese. Pois devemos considerar que esta faz remontar a origem dos animais pluricelulares aos animais unicelulares. Por que, então, os foraminíferos e radiolários não se transformaram em animais pluricelulares, ao longo de tão dilatada história biológica? Mistério...
Outro postulado da teoria evolucionista é o que julga o processo biológico como resultado evolutivo de um processo físico-químico. Assim, pois, em certa época da história da terra, as substancias químicas minerais se organizaram constituindo substancias químicas orgânicas, que por sua vez se organizaram nos primeiros entes vivos unicelulares. A este modo de ver a origem da vida, além de se opor o princípio filosófico de que do inferior não pode proceder o superior, opõe-se um princípio cientifico fundamental da física estatística, a saber: os processos físico-químicos de um sistema se realizam de tal modo que a entropia é não-decrescente. Este princípio também é conhecido como o segundo princípio da termodinâmica. Vejamos o que significa isso.
O conceito de entropia é um ente ideal físico-matemático que representa o grau de desordem estatística de um sistema material. O princípio anunciado diz que nos sistemas físicos os processos se verificam, ou com grau de desordem estacionários, ou com grau de desordem crescente. Podemos dizer que este princípio define em termos físico-matemáticos a conhecida verdade da filosofia de Aristóteles e São Tomás, de que os processos materiais estão sujeitos à passividade e à «corruptio». Exemplo: quando dois recipientes contendo gases distintos são ligados, os dois gases se misturam homogeneamente, não sendo praticamente possível o processo inverso de eles se separarem espontaneamente. O processo inverso seria uma diminuição do grau de desordem estatístico, que é negada pelo segundo princípio da termodinâmica.
Ora, os processos biológicos seguem um sentido diametralmente oposto ao dos processos dos sistemas físico-químicos. O ser vivo se constitui em processos bioquímicos com decréscimo do grau de desordem, com decréscimo de entropia. Vários cientistas já tiveram ocasião de apontar isto, como por exemplo: Erwin Schroedinger («What is Life» — Cambridge University Press — 1944), célebre físico teórico, os matemáticos Fantappié e Van Esbroeck (Van Esbroeck — «L'Horizon de Notre-Science» — Pensée Catholique, no 50-51 — 1957), o biologista Lecompte du Nouy («Human Destiny» — Longmans — 1947), que, aliás, era evolucionista. Recentemente dois físicos teóricos fizeram uma análise termodinâmica do processo bioquímico básico dos vegetais, a fotossíntese, em que se torna manifesto um fato bioquímico com decréscimo de entropia, com decréscimo de desordem (Wesley Brittin e George Gamow — «Negative Entropy and Photosynthesis» — Proceedings of the National Academy of Sciences, vol. 47, p. 724 — 1961).
Ora, o postulado evolucionista considerado, a evolução da matéria inorgânica para a matéria viva, fala de um processo com decréscimo de entropia, com decréscimo do grau de desordem, o que viola a natureza dos processos na matéria inorgânica, que tendem para maior grau de desordem. A matéria inorgânica, pois, de acordo com esta lei básica da física estatística, não pode tender para um estado de organização superior, como é o da matéria orgânica.
Outra objeção à teoria evolucionista pode ser visualizada na sua própria estrutura de leis hipotéticas e não verificáveis. As assim chamadas leis da filogênese constituem um edifício sumamente frágil, já que todas elas, além de inverificáveis no laboratório, têm sido constantemente refutadas, modificadas e substituídas. Assim, por exemplo, a seleção natural através da luta pela vida (de Darwin), a transmissão dos caracteres adquiridos (de Lamarck), o mutacionismo, a orogênese, o ontomutacionismo (analisado antes), que se apresentaram como se descrevessem o mecanismo da filogênese, foram sucessivamente abandonados, devido às objeções científicas que suscitaram. Hoje em dia existe uma corrente evolucionista, chamada de Escola sintética, que abraça todas essas «leis», num sincretismo científico simplesmente desabonador. Recentemente, um conhecido paleontólogo evolucionista, Lehman, declarou, não sem uma nota de desespero: «On ne croit plus guère aux lois de l'évolution» (apud George G. Simpson —«Some Problems of Vertebrate Paleontology» — Science, vol. 133, p. 1679 — 1961). Declaração que retrata bem o estado de espírito dos homens que crêem numa teoria, mas vêem que suas próprias leis não lhe oferecem fundamento sólido. O desacordo entre os cientistas no que se refere às «leis da evolução» é um fato que depõe contra a teoria, e contra os evolucionistas, já que a atitude destes tem mais de crença cega numa teoria, do que de espírito lógico-crítico próprio ao mundo da ciência. E essa atitude não será a manifestação de um espírito de idolatria?
Notemos este fato insólito na história da ciência: a teoria evolucionista é das mais defendidas e propaladas, e a mais desprovida de provas. Não haverá atrás disso uma segunda intenção dos seus propugnadores? É o que nos sugere certo professor de filosofia nos Estados Unidos, o qual procura, num grande esforço de pseudológica, justificar o darwinismo pela teoria do conhecimento. Cônscio de que as afirmações de Darwin carecem de verificação no laboratório, encontra todavia o seguinte pensamento «consolador»: «... não podemos avaliar a contribuição de Darwin, senão comparando a extensão do domínio de suas explicações com aquele domínio em que só podemos e precisamos apelar para explicações do tipo que Líneos (ou qualquer outra pessoa que tenha pensado que as espécies foram criadas separadamente e por sua natureza fixas) teria achado perfeitamente aceitável» (Michael Scriven — «Explanation and Prediction in Evolutionary Theory» — Science, vol. 130, p. 477 — 1959). Não está aqui um preconceito anticriacionista, antibíblico, alimentando a Babel das «leis da evolução»? Não é esta uma das segundas intenções que sustentam a teoria em apreço?
Esta pobreza científica da teoria evolucionista salta à vista, mesmo entre seus propugnadores, como mostramos. O que a alimenta é um espírito antimetafísico e antiteológico por excelência. O paleontólogo R. A. Stirton, evolucionista, diz em termos cautelosos que ninguém possui toda a evidência de filogênese para qualquer grupo de organismos, e que é dificilmente provável que alguém venha a possuí-la (R. A. Stirton — «Time Life and Man» — p. 66 — John Wiley — 1959).
D. Em que termos os dados paleontológicos sugerem uma evolução possível. A base "científica" do evolucionismo do Pe. T. de Chardin, vista por um biologista e um paleontólogo. Confissões gnósticas de um pré-historiador.
Um dos argumentos aventados como favoráveis à tese evolucionista — aliás o mais propalado deles — é o das series de fosseis de espécies que apresentam certa continuidade temporal de semelhança e diferenciação. Exemplos: a série da evolução do cavalo, a série da evolução dos proboscídeos (animais de tromba, como o elefante atual, e espécies extintas como o mamute, o mastodonte, o estegomastodonte, e outros), a série da evolução dos trilobites (animais de carapaça da era paleozóica inferior).
Em primeiro lugar, a existência de relações de semelhanças morfológicas sucessivas no tempo, não constitui necessariamente argumento para se concluir uma relação genética. Depois, esses dados não parecem sugerir filogênese, mas evolução racial, o que não se opõe ao fixismo das espécies.
Sabemos pelos dados paleontológicos que o cavalo contemporâneo ao homem do paleolítico tinha características distintas do cavalo atual. Ao longo da era cenozóica esse animal sofreu modificações morfológicas. Entretanto, esta serie fóssil não fala de filogênese, pois tais modificações dizem mais de evolução dentro da espécie. O mesmo podemos afirmar dos trilobites. Essas diferenciações morfológicas não são suficientes para justificar a existência de espécies distintas em evolução. Observemos que certos animais contemporâneos que, morfologicamente, parecem à primeira vista espécies diferentes, na realidade não o são. Assim, por exemplo: o cavalo e o burro, em todo o rigor da filosofia natural e da biologia, dificilmente podem ser vistos como espécies diferentes, pelo fato de serem interferteis, com descendente fértil às vezes. A mula é o resultado do cruzamento do cavalo com o burro. Em biologia costuma-se definir a distinção entre duas espécies pela impossibilidade de cruzamento que apresente descendente fértil. Este critério, como vemos, concorda com o conceito de «espécie» da filosofia natural. .
Os diferentes proboscídeos que se sucederam ao longo da era cenozóica sugerem, como no caso dos trilobites e dos cavalos, uma evolução de tipo racial, dentro da espécie, e não evolução filogenética, já que as distinções morfológicas consideradas não são suficientes para estipular diferenças de espécies, em termos ontológicos.
O tipo de registro fóssil em questão é o que apresenta mais semelhança de evolução. Entretanto, como vemos, essa sucessiva variação morfológica não é argumento para a evolução das espécies, já que pode favorecer a idéia de evolução racial apenas. Trata-se de um argumento demasiadamente pobre em calorias e vitaminas, para alimentar a fome de provas dos evolucionistas. Desafortunadamente, essa verossimilhança tem sido explorada mediante desenhos sugestivos em escritos de divulgação pseudocientífica, destituídos de crítica, que fazem a propaganda tendenciosa do evolucionismo.
O que é mais lamentável na história da teoria da evolução das espécies, e representa um escândalo na história das ciências, é o idílio de certos católicos de responsabilidade com a teoria evolucionista. Um dos exemplos mais tristes desse idílio é dado pelo Pe. Teilhard de Chardin, S. J., cujos escritos pan-evolucionistas e gnósticos foram proibidos, pelo Santo Oficio, de figurar nas bibliotecas dos Seminários (ver «Catolicismo», n° 102, de junho de 1959). A linguagem utilizada por aquele Sacerdote em seus escritos não é nem cientifica nem teológica. Toda a sua terminologia é carente daquela precisão de termos e juízos que é própria aos trabalhos científicos e à teologia tradicional da Igreja. O Pe. Teilhard de Chardin, pretendendo, como proclamou em suas obras, partir de bases científicas, se desdiz, porque não usa argumentos científicos, e, o que é pior, faz péssima teologia, na qual se nota a presença de um jargão gnóstico aparentado com as teorias panteístas e evolucionistas dos hindus. Os erros teológicos desse Religioso têm sido apontados por vários autores, dentre os quais podemos citar René Charnay («Une metaphysique néo-chrétienne» — Pensée Catholique, n° 8 — 1948), Pe. Julio Meinvielle («La Cosmovisión de Teilhard de Chardin» Ediciones Cruzada —1960), Guérard des Lauriers, O. P., e Philippe de la Trinité, O. C. D. (Guérad des Lauriers, O. P. — «Démarche du P. Teilhard»; Philippe de la Trinité, O. C. D. — «Synthèse ou Confusion?» — Pensée Catholique, n° 63 - 1959).
Com respeito ao fundo cientifico dos escritos do Pe. Teilhard de Chardin, S. J., é interessante darmos testemunhos muito elucidativos de dois conhecidos cientistas. O Prof. Remy Collin, biologista, católico, evolucionista muito moderado, pois considera a filogênese tão somente uma hipótese de trabalho, uma teoria condicional, opõe à crença incondicional do Pe. Chardin na evolução, uma atitude científica de crítica e cautela diante de uma teoria. Depois de citar trechos do «Phénomène Humain» do Jesuíta, em que este considera a evolução, não uma hipótese, uma teoria, mas uma doutrina a priori necessária para se entender a realidade toda, Remy Collin mostra que a atitude do verdadeiro cientista é muito mais humilde, devendo encarar a teoria evolucionista como uma hipótese de trabalho, um sistema de idéias provisório, sujeito às modificações que as pesquisas futuras possivelmente determinarão (Remy Collin — «L'Evolution, Hypothèses et Problèmes» Arthème Fayard — 1958).
O outro pesquisador que queremos mencionar aqui é o paleontólogo norte-americano Prof. George Gaylord Simpson, que, em artigo recente na revista Science («Some Problems of Vertebrate Paleontology» — Science, vol. 133, p. 1679 — 1961), órgão oficial da American Association for the Progress of Science, aponta o caráter anticientífico dos postulados do Pe. Teilhard de Chardin. Diz o Prof. Simpson, a respeito das «leis da evolução» e dos eventuais postulados metafísicos usados para justificar o evolucionismo: «Dificilmente se pode falar de modo absoluto em provar ou desaprovar qualquer dessas visualizações baseando-se em evidencia da paleontologia dos vertebrados, mas esta evidencia certamente pesa na escolha das visualizações que devem ser consideradas mais prováveis e menos prováveis. Estas questões são sempre atacadas com base em postulados a priori, raramente enunciados de modo explícito, comumente não-científicos e às vezes até anticientíficos. “Na União Soviética, postulados puramente políticos forçaram o apoio ao michurinimismo, uma forma de neo-lamarckismo, apesar de a maioria dos biologistas russos ter sempre sabido que a evidencia acumulada torna essa teoria extremamente improvável». Com referência aos postulados finalísticos e vitalistas do Pe. Teilhard de Chardin diz ainda o que- segue: «Desafortunadamente, os postulados não são científicos na mais conspícua contribuição recente de um paleontologista neste campo: as obras místicas do falecido Teilhard de Chardin, sacerdote jesuíta, que partiu de postulados puramente metafísicos e rejeitou a evidencia científica que se opunha a eles».
Como vemos pelo depoimento do paleontologista norte-americano, geralmente existem apriorismos não-científicos, e até anticientíficos, na base das especulações sobre a filosofia do evolucionismo. Neste particular, os russos e o Pe. Teilhard de Chardin procederam de modo análogo. Enquanto que o a priori entre os primeiros é o materialismo dialético, que é uma modalidade de historicismo, e portanto de evolucionismo, o do Pe. de Chardin é um espiritualismo gnóstico, um pan-evolucionismo de sabor panteísta. Esse espiritualismo gnóstico servindo de background para a filogênese é especialmente nítido em um dos últimos escritos do Sacerdote francês, «Le Milieu Divin.» (Editions du Seuil — 1951). Ai o autor nos fala em liturgia cósmica, na Eucaristia como termo de uma evolução cósmica, no Cristo Universal, Centro divino do Universo para que evoluem todos os seres, nos quais Cristo se difunde no seio da consanguinidade humana, de modo tal que toda matéria se santifica numa participação entitativa do Cristo Universal.
Este fundo gnóstico também o vamos encontrar em outro evolucionista fanático, o pré-historiador alemão Herbert Kuhn. Eis algumas de suas afirmações gnósticas: «No homem há algo de divino que transcende o presente, algo que é espírito, logos, pneuma». Interpretando o Evangelho à sua moda, negando os ensinamentos tradicionais da Igreja, afirma: «Mas o fato decisivo continua sendo que o Homem é Homem porque é espírito — e Deus é Deus porque é espírito. O Homem e Deus se encontram face a face, tão próximos um do outro, que na mais profunda subjetividade o Homem sobe até Deus e Deus se torna Homem. É este relacionamento, esta identificação de Deus com o Homem, que me parece o mais significativo» (Herbert Kuhn — «On the Track of Prehistoric Man» — Grey Arrow — 1958). Como vemos, Kuhn interpreta a revelação do mistério da união hipostática como símbolo de uma união panteísta, já que tanto o homem como Deus são vistos como espíritos e se identificam no fundo da subjetividade (veja-se a heresia modernista condenada por São Pio X na «Pascendi»). Concluindo sua divagação gnóstica, o professor alemão ainda confessa o seguinte: «Nosso conhecimento cresce sempre, e, quanto mais aprendemos, mais se evidencia que a ordem, o arranjo, a estrutura, a textura, se se quiser, do cosmos, a evolução de todos os seres vivos tendem para o espírito, para o homem. (...) Sim, este é efetivamente o conteúdo real do Cristianismo. O Homem está misteriosamente conectado com a divindade, com o espírito, e a mais sublime expressão disto é a Missa, a Eucaristia» (ibid.). Observemos que Herbert Kuhn não é católico e que suas afirmações muito se assemelham às do Pe. Teilhard de Chardin. Estes a prori não serão, porventura, o «pivot» de uma teoria tão falha e tão sem fundamento científico, como é a filogênese? Não será este substrato gnóstico que comanda, dos bastidores, a orquestração atonal da sinfonia evolucionista?
Antes de encerrarmos este artigo, queremos chamar a atenção do leitor para certos fatos importantes no terreno da epistemologia das ciências, que se refletem muito desfavoravelmente sobre a teoria da evolução das espécies.
Sabemos pelas ciências que não existem teorias totalitárias, que abarquem com universalidade, de modo total, os fenômenos materiais. A física e a astronomia, que são as ciências cujo objeto é o universo inorgânico, não nos fornecem teorias abrangendo a totalidade dos fenômenos do universo. As teorias, nessas ciências, se encontram delimitadas por sistemas e ordens de fenômenos. Há, é certo, leis como as de conservação de energia, conservação de carga elétrica, e outras, que têm uma validez universal; mas, precisamente por causa desse caráter universal, não dão as características especificas dos sistemas. Existem sistemas específicos, para os quais funcionam «estas» teorias e não «aquelas». Não existe uma teoria universal que englobe todos os fenômenos do universo inorgânico. Vejamos alguns exemplos.
A teoria da gravitação de Newton se aplica bem a um grande número de processos astronômicos. Ela falha quando os processos envolvem campos gravitacionais intensos e velocidades muito altas (as assim chamadas velocidades relativísticas); é o caso típico da órbita de Mercúrio, que, devido à proximidade do campo de gravitação intenso do sol, só pode ser analisada direito pela teoria da relatividade generalizada de Einstein. Nos fenômenos atômicos, não funcionam as leis da mecânica de Newton, válidas para sistemas macroscópicos, mas as equações da mecânica quântica de Schroedinger, Heisenberg, Dirac e outros. Esta mecânica quântica, eficiente para os estudos atômicos, não o é para os fenômenos do núcleo atômico, e aqui ainda não se conhece uma teoria geral que englobe os fenômenos nucleares.
A tentativa de Einstein de criar uma teoria que abarcasse todos os fenômenos gravitacionais e eletromagnéticos, a chamada teoria do campo unificado, não foi bem sucedida, e os físicos e astrofísicos geralmente não alimentam esperanças quanto à viabilidade de tal teoria.
Estes fatos dizem que a natureza material é por demais complexa para ser enquadrada dentro dos limites estreitos de uma teoria universal. Ora, no terreno biológico, a complexidade é incomparavelmente mais acentuada. A teoria evolucionista tem um estatuto de universalidade que entra em choque com tal complexidade. A hipótese filogenética de um evolucionismo universal englobando todos os seres vivos é uma pretensão que não possui um análogo no terreno da física e da astronomia, ciências que tratam de realidades bem menos complexas e, portanto, mais susceptíveis de serem visualizadas por teorias universais.
«Last but not least», as teorias científicas, para serem tais, exigem um mínimo de possibilidade de verificação experimental. Sabemos, por vários exemplos da astronomia e da física, que às vezes uma só verificação experimental é suficiente para derrubar uma teoria, e que frequentemente uma única verificação experimental positiva não basta para dar estatuto de validade a uma teoria. Certas teorias exigem medidas com indeterminações demasiado baixas para poderem ser verificadas experimentalmente, e, além do mais, a confirmação experimental não afasta a possibilidade de se vir a elaborar uma teoria melhor, que interprete os fenômenos em apreço, e outros mais que não podiam ser interpretados pela anterior. Assim, por exemplo: a mecânica quântica de Dirac interpreta fenômenos atômicos da mecânica quântica de Schroedinger e outros que esta não pode prever. A teoria evolucionista possui um grau de verificabilidade experimental igual a zero, além de se apresentar com o estatuto absurdo de uma teoria cientifica com necessidade a priori.
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Ficamos por aqui. Não entramos no terreno da paleontologia humana, já que focalizamos a atenção para a teoria da filogênese no seu aspecto mais geral. No âmbito da paleontologia antropológica existem objeções não menos importantes contra o evolucionismo. Este tema queremos deixá-lo para outro artigo.