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O gato, recurso traiçoeiro e incerto, de quem não tem cão,... ou acredita que não o tem.

Um ardil da Revolução:

o Falso Dilema

Plinio Vidigal Xavier da Silveira

Quem não tem cão caça com gato. Este velho ditado poderia servir perfeitamente — inclusive por sua trivialidade — para slogan de uma técnica de manobrar a opinião pública, muito utilizada pela Revolução e consistente em convencer o povo de que não há cão para que ele aceite qualquer gato. Tudo se resume em armar um falso dilema. De um lado, cria-se a impressão de que uma determinada situação presente está condenada a perecer (não há mais cão), quer por seus defeitos e abusos — que são apresentados com exagero e como se lhe fossem intrínsecos — quer pela ação violenta da Revolução; de outro lado, como único meio de evitar que se lhe substitua uma situação inteiramente revolucionaria, insinua-se que é necessário fazer à Revolução alguma "pequena" concessão (é o gato caçador). Fica assim armado o dilema: ou se perde a caçada, ou se caça com o gato. Claro está que é melhor ceder, para não perder.

Por uma estranha coincidência, o que se tem "cedido", nestes últimos séculos, tem sido sempre alguma das instituições mais caras da civilização cristã.

O GATO AGRÁRIO

A situação da agropecuária no Brasil é, atualmente, bastante difícil.

Ninguém o nega. A falta de apoio governamental (ou perseguição?) nas últimas décadas, a inflação, o êxodo dos campos, os tabelamentos arbitrários, são algumas das razões das dificuldades que ela experimenta entre nós.

Mas a solução salta aos olhos de quem quer ver. Crédito rural, garantia de preços mínimos para os produtos agrícolas, assistência médica, hospitalar e educacional para o trabalhador do campo, fornecimento de maquinaria e assistência técnica livres da burocracia que entrava os organismos oficiais disso encarregados, são remédios evidentes. É o que "Reforma Agrária — Questão de Consciência" afirma ao mostrar a reforma agrária cristã que devemos desejar em oposição ao agro-reformismo expropriatório e socialista.

Os adeptos deste último, no entanto, precisam provar que não há cão, para criar o falso dilema. Exageram, pois, os males da situação presente. Pintam o fazendeiro como um facínora impiedoso que explora necessariamente os pobres, miseráveis colonos, e impede que as plantas cresçam, os bois engordem e as vacas deem leite. Põem em circulação palavras impregnadas de um segundo sentido tendencioso. Para eles só existe o "latifundiário" cupido e odiento, o "camponês" perseguido e revoltado, e assim por diante.

Criada a idéia de que não há cão para caçar, vem o gato. No caso, é a "Reforma Agrária" socialista, invenção maravilhosa cujo prospecto anuncia: dividindo-se as terras cultivadas, aumentará a produtividade delas e virá a fartura; partilhando-se as propriedades entre os "camponeses" famintos, as doenças destes se curarão, seus problemas se resolverão, as pragas das lavouras fugirão para outros países subdesenvolvidos que ainda não descobriram este salutar remédio. Pois, que inseto reacionário terá a coragem de atacar as plantações de um "agricultor sem terra" recém-contemplado pela munificência estatal?

E, "o que é ainda mais admirável, tudo isto se dará automaticamente. Bastará à civilização cristã fazer uma pequena finesse à Revolução (é sempre: ceder para não perder); qualquer concessão servirá desde que atinja o direito de propriedade. Não está aí um lindo gatinho angorá, com quem se poderão fazer belas caçadas?

O estranho é que, diante de medidas efetivas de apoio à lavoura e de assistência ao homem do campo, os agro-reformistas socialistas não se entusiasmam. Somente a expropriação e repartição das terras lhes sorri. Por quê? Porque não querem saber do cão. É preciso, para eles, que o problema rural exista. Só assim será possível pintar o quadro com cores negras e pôr a caçar o gato, através do falso dilema: ou conduzir o País à fome e ao comunismo, ou então ceder, sacrificando uma das mais importantes instituições da sociedade cristã, que é a propriedade.

NINHADA SOCIALISTA

A economia vem, há tempos, andando de gato em gato. Desde que o espírito socialista começou a perambular pela face da terra, não houve ninhada que bastasse.

O falso dilema — abusos do capitalismo, ou socialismo, é característico. A doutrina católica a esse respeito é indiscutível (cf. Pio XI, Enc. "Quadragésimo Anno", Edit. Vozes, pp. 37-38, e Pio XII, Discurso de 2-7-1951 ao 1o Congr. Internac. sobre os Problemas da Vida Rural, "Discorsi e Radiomessaggi", vol. XIII, pp., 199200): os princípios capitalistas, considerados em si mesmos, não lhe vão de encontro. Portanto, da aplicação não abusiva deles pode resultar uma ordem econômica compatível com o espírito cristão.

O socialismo, pelo contrário, é incompatível com o Catolicismo. Já o afirmou, energicamente, a Encíclica "Quadragesimo Anno": "O socialismo, quer se considere como doutrina, quer como fato histórico, ou como "ação", se verdadeiro socialismo, mesmo depois de se aproximar da verdade e da justiça nos pontos sobreditos, não pode conciliar-se com a doutrina católica, pois concebe a sociedade de modo completamente avesso à verdade cristã". Portanto, da aplicação dos princípios socialistas resultará fatalmente uma ordem anticatólica. E não existe interpretação tendenciosa capaz de fazer os documentos pontifícios dizerem coisa diferente.

Diante da ordem econômica vigente, como agem os espíritos socialistas? Empregam a técnica do falso dilema. Descrevem a situação atual exagerando os seus defeitos, e afirmando que estes são intrínsecos ao capitalismo. Pintam todo proprietário como um verdadeiro usurpador, todo patrão como um explorador, todo rico como um nababo que gasta egoisticamente seu dinheiro em lugar de com ele dar de comer às criancinhas famintas. Para eles só existe proprietário usurpador, patrão explorador, rico esbanjador. Não têm nenhuma palavra para reconhecer que também há proprietários conscienciosos, patrões paternais e ricos caritativos. Esse espírito chega ao paroxismo, por exemplo, na propaganda de certo candidato paulista às próximas eleições, que se proclama pura e simplesmente "contra os patrões". Isto é, quer seja bom ou mau, honesto ou desonesto, o patrão não pode ser tolerado.

Por quê? Porque o mal, para os socialistas, está na existência de desigualdades. E, se o que se quer combater é a desigualdade, cumpre convencer a opinião pública de que só lhe resta caçar com o gato. É preciso obter dela alguma concessão para tornar a sociedade menos hierarquizada. "Ceder para não perder". Elimine-se alguma hierarquia, para que o comunismo não as elimine todas. É o gato socialista, que consiste, no caso, em acabar com proprietários e patrões para que o Estado seja proprietário de tudo e patrão de todos.

E a vítima escolhida para o sacrifício que conjurará o perigo comunista é sempre o direito de propriedade. Não será justo feri-lo mais uma vez, para dar de comer às criancinhas famintas?

EXISTE O CÃO?

A grande habilidade dessa técnica do falso dilema está em esconder a verdadeira solução. É o que se nota no debate capitalismo-socialismo. Qual terá sido a razão do fracasso capitalista a que assistimos nestes últimos cem anos? O grande mal do capitalismo, desde seus primórdios, foi o espírito materialista a que ele se foi cada vez mais associando. E o gato socialista apresenta como solução a própria razão de ser do fracasso capitalista, isto é, o materialismo.

O sistema capitalista, repetimos, é de si compatível com a doutrina católica. Mas, para que de sua implantação resulte uma ordem econômica cristã, é preciso que ele subsista em uma sociedade cristã. Isto é, em uma sociedade hierarquizada, baseada na legitima desigualdade entre os homens; em uma sociedade orgânica, em que os valores tradicionais da civilização cristã sejam respeitados e amados, em que a idolatria do progresso não justifique qualquer novidade só por ser novidade, senão que os reais valores de cada século se incorporem às tradições; uma sociedade em que o espírito de caridade esteja sempre presente, em que o homem cultive, na justa medida respectiva, o amor de si mesmo e o amor do próximo.

Como resultante da economia capitalista, das noções de hierarquia e tradição, e de uma verdadeira caridade, brotará uma ordem de coisas cristã. É por isso que os socialistas, espíritos igualitários, anti-hierárquicos, combatem com todas as suas forças as tradições dos povos, e procuram acabar com a caridade cristã, substituindo-a por uma filantropia sem consistência e pagã.

No fortalecimento das tradições católicas de cada povo, na preservação da família, no respeito ao direito de propriedade, em resumo, na defesa e restauração da civilização cristã, é que se encontra o único remédio para os males de nosso tempo.

Restaurar tudo em Cristo deve ser o lema dos católicos. "Ceder (sempre) para não perder", isto é, implantar o comunismo a conta-gotas para nos livrar do comunismo, é um contra-senso que serve ao jogo da Revolução. Não é verdade que só nos reste caçar com gatos.


VERDADES ESQUECIDAS

Á IGREJA CHAMA O MUNDO POR SEU NOME: DE CÚMPLICE DO DEMÔNIO

Cardeal Alfredo Ottaviani

Não tenhamos medo: todo este tumulto de crueldade e de erros, todo este ímpeto de maldade e de loucuras não é senão a última, a mais recente máscara que contra o homem tomou o mundo. Ora, nós o sabemos, o Senhor venceu o mundo. Venceu-o do alto de uma cruz, mas venceu-o. E continua a vencê-lo, hoje sobre a nossa cruz como ontem sobre a sua. Venceu-o, crucificado de morte na sua carne; vence-o, crucificado na sua Igreja. Venceu-o então Ele, sobre Si mesmo e sobre os seus; vence-o agora nos seus santos, nos seus justos. Não no fausto e no alarido, não na abundância e no conforto, não como triunfador mundano, não como herói de histórias pagãs e paganizantes, — não: mas, do modo que só Ele sabe, que só Ele pode, Ele vence. O mundo ainda hoje O crucifica, e Ele o destroça.

Vence-o, disse eu, através de sua Igreja. Ora, se a heresia, ou melhor ainda, a incredulidade afivelou nos dias que correm a máscara de um humanismo, ou humanitarismo que seja, o qual sacrifica o homem à massa, o concreto ao abstrato, o presente real a um futuro fantástico, a Igreja arranca a máscara humanitária do mundo, chama o mundo por seu nome de cúmplice do demônio, escravo do pecado. («Il Baluardo» — Edizioni Ares, Roma — 1961 — cap. 2, «A Igreja defende o homem», p. 29).