NUNCIATURA APOSTÓLICA
RIO DE JANEIRO
CERTO escritor moderno definiu a Ação Católica «uma espécie de Universidade popular em que se aprende a amar e a fazer amar Nosso Senhor Jesus Cristo, o Papa e a Igreja».
A definição é ao mesmo tempo sugestiva e feliz, porque focaliza, em poucas palavras, o ponto capital da Ação Católica.
Se de um lado estimamos e amamos a Ação Católica pelo bem que já produziu, muito mais ainda a estimamos e amamos por ter saído do coração do Papa e por continuar a pertencer integralmente ao Papa.
Aos que desejam saber porque a Ação Católica, à semelhança do grão de mostarda da parábola evangélica, estendeu em poucos anos suas frondosas ramagens sobre todos os campos da Igreja, fazendo desabrochar uma floração maravilhosa de corações e de almas, podemos dar esta resposta clara e precisa: o segredo da Ação Católica é «o amor ardente ao Sumo Pontifico e a união com ele por meio da Hierarquia».
Convém, pois, é até necessário, que todos se lembrem que o reino de Cristo não pode separar-se do Papa e da Hierarquia. Sozinhos nada somos e nada podemos, mas unidos ao Papa tudo somos e tudo podemos, porque temos a Jesus Cristo. Nós lançamos mão dos meios indispensáveis da oração, da ação e do sacrifício, e Cristo salva as almas.
Alegramo-nos, portanto, ao verificar que cresce cada dia mais, no Brasil, o interesse pela Ação Católica, como o está a demonstrar o número sempre maior de livros, revistas e estudos dedicados a este assunto. É um fato que nos enche o coração de alvissareiras esperanças, muito especialmente quando estes escritos têm o cuidado de expor, inculcar e aprofundar os genuínos e tradicionais princípios da Ação Católica contidos na mina preciosa dos documentos pontifícios, como precisamente se propôs o Dr. Plinio Corrêa do Oliveira, digno Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica de São Paulo, na obra intitulada «Em Defesa da Ação Católica».
Sendo sempre útil e proveitoso estudar e meditar essas verdades, estamos certos que este livro, escrito por um homem que sempre viveu na Ação Católica e cuja pena está inteiramente ao serviço da Santa Igreja, fará muito bem às almas e promoverá a causa da Ação Católica nesta terra abençoada de Santa Cruz.
Rio de Janeiro, 25 de Março de 1943 — Festa da Anunciação de Nossa Senhora.
Bento Arcebispo de Cesareia
Núncio Apostólico
Texto do prefácio de D. Bento Aloisi Masella para o livro "Em Defesa da Ação Católica
Um livro que foi uma graça para o Brasil
D. Geraldo de Proença Sigaud, Arcebispo de Diamantina
Na história da Igreja Católica há livros que foram grandes graças concedidas por Deus ao seu povo.
Não me refiro agora à Sagrada Escritura, que em matéria de livros é a graça das graças e, inspirada pelo Altíssimo, contém a sua revelação, aquele manjar do qual disse o Divino Salvador que dele vive o homem, porque é palavra que sai da boca de Deus. Refiro-me a livros escritos por autores humanos, em certas circunstancias da vida da Igreja. Eles são graça, porque o seu conteúdo ilumina a inteligência com luzes extraordinárias. São graça porque estimulam a vontade a proceder de tal sorte que realize a vontade de Deus.
Ao falarmos em livros que foram graças, lembramo-nos das Confissões de Santo Agostinho, da Cidade de Deus, ambos volumes famosos que veicularam torrentes de luz e santidade sobre o mundo. Foi graça a Imitação de Cristo. A quantas almas Deus já falou através daquele minúsculo livro! Foi graça o livrinho dos Exercícios Espirituais que as sombras da gruta de Manresa projetaram sobre quatro séculos de vida da Igreja. Foi graça o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem que brotou do coração de um São Luis Maria Grignion de Monfort como "fonte de água que jorra até a vida eterna".
Em nosso âmbito nacional, e guardadas as proporções, pode-se dizer que "Em Defesa da Ação Católica" foi um livro-graça.
Esta obra, cujo vigésimo aniversário estamos comemorando, não nasceu de estudos frios, realizados tão somente na penumbra de um gabinete. Não é apenas um manual de AC, a ser colocado ao lado de outros manuais. Em larga medida ele nasceu da vida. Nasceu do contato diário com a realidade do apostolado da Ação Católica, tal qual se vinha realizando no Brasil, desde 1930. Ele foi o repositório das observações feitas nos oito anos que mediaram entre a data da fundação oficial da AC no País e sua própria publicação em 1943. Durante esses anos o autor, um dos maiores líderes marianos que o Brasil já teve, honrado com a confiança do Sr. D. Duarte e do Sr. D. José Gaspar, Arcebispos de São Paulo, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira viu, sentiu, analisou a realidade da Ação Católica Brasileira.
A Providência Divina fez com que o meu caminho cruzasse o de Plinio Corrêa de Oliveira lá pelos idos de 1936. Desde aquela data, nossos caminhos foram se aproximando, e passaram a correr paralelos. Pude assim presenciar a sua atuação fecunda como dirigente mariano primeiro, e a partir de 1940 como presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica de São Paulo. O Sr. D. José Gaspar me escolhera para Assistente Arquidiocesano da Juventude Estudantil Masculina e Feminina, da Liga Feminina da AC e dos Engenheiros da AC. Nosso Assistente Geral, depois Vigário Geral da Ação Católica, era Mons. Antonio de Castro Mayer. Unia-nos assim uma tarefa comum, e uma comunhão de vistas que os anos, os sofrimentos e os frutos alcançados somente consolidaram.
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A escolha do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira para presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica foi feita pelo grande e pranteado Arcebispo D. José Gaspar.
Será útil observar aqui que naquele tempo os estatutos da Ação Católica Brasileira ainda eram aqueles aprovados e promulgados por todos os Bispos do Brasil, para as suas Dioceses, em 1935. Esses estatutos dividiam as associações de apostolado leigo em "fundamentais" e "auxiliares". As fundamentais eram a JEC, JIC, JOC, JUC, os Homens da Ação Católica, a Liga Feminina da Ação Católica, as organizações, enfim, recentemente fundadas de AC. Auxiliares eram todas as demais associações, como as Pias Uniões, as Ordens Terceiras, as Congregações Marianas, as quais deviam colaborar com a AC e ser por ela coordenadas. Em cada paróquia, além das diretorias das associações paroquiais, devia haver um organismo de cúpula que reunia todos os setores da Ação Católica existentes na paróquia. Igualmente, no âmbito diocesano, além das diretorias diocesanas das associações auxiliares, havia uma Junta Diocesana ou Arquidiocesana que dirigia as várias organizações da AC na Diocese. O mesmo se dava no plano nacional, com a Junta Nacional da Ação Católica.
As associações auxiliares conservavam, pois, sua estrutura paroquial e diocesana, mas foi criada uma nova entidade, destinada a coordenar-lhes os esforços e pô-las à disposição da AC: era a Confederação Diocesana das Associações Católicas. Na direção desse organismo estavam representadas as diretorias das associações auxiliares, as respectivas Federações e a Junta Diocesana da AC. No plano nacional havia a Confederação Católica Brasileira, que ainda existe no Rio de Janeiro. As Confederações Diocesanas, de modo geral, foram mais tarde extintas.
Nomeando o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica, o Sr. D. José Gaspar colocava nas mãos deste líder católico a direção superior das milícias do laicato de São Paulo, ao mesmo tempo que lhe proporcionava uma atalaia de onde podia observar em todos os pormenores a vida das associações religiosas da Arquidiocese e, de certa maneira, do Estado e do Brasil.
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Foi do alto desta atalaia, bem como através do convívio quotidiano com os quadros e os elementos das associações fundamentais, que o autor de "Em Defesa da Ação Católica" fez as suas observações. Não escapavam, aliás, ao olhar inteligente de D. José perigosas anomalias que se tinham introduzido em vários setores da Ação Católica. O seu coração apostólico se alarmava com os desvios doutrinários, ideológicos, ascéticos, litúrgicos e jurídicos que neles se apresentavam. Se o sucessor de D. Duarte, conhecendo a alta ciência teológica do Cônego Antonio de Castro Mayer e o profundo senso católico que distinguira sempre o Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, colocou-os à testa da AC Arquidiocesana, foi, segundo geralmente se admitiu, com o intuito não só de que ambos impelissem em linha ascensional o progresso da organização, mas também para que nela conservassem, e onde preciso restaurassem, uma ortodoxia ilibada. Não podia ter sido mais feliz, nesse sentido, a nomeação do professor de Teologia Dogmática do Seminário da Imaculada Conceição do Ipiranga, e do jovem líder católico que se retirava das lides parlamentares carregados de méritos e de gloria como constituinte de 1934, campeão das reivindicações católicas na elaboração da Carta Magna do País.
Ao longo de vários anos o autor de "Em Defesa da Ação Católica" tinha tido contato frequente com os iniciadores do movimento de AC no Brasil, o que lhe revelou em mais de um deles, desde o começo, os desvios e os erros que mais tarde criariam uma situação alarmante em certos ambientes da organização. Quando o Sr. Arcebispo de São Paulo chamou o antigo constituinte para dirigir a Junta Arquidiocesana, não estava convocando um timoneiro bisonho, mas um conhecedor profundo dos males que tentavam infeccionar desde o nascedouro a grande organização do apostolado leigo.
Durante os anos em que Plinio Corrêa de Oliveira ocupou esse cargo, seu conhecimento do problema só cresceu, e seu diagnostico se confirmou cada vez mais. Ao lado de um insigne teólogo como Mons. Mayer, sob a direção de um Prelado eminentemente realizador como o Sr. D. José Gaspar, levou ele a Ação Católica paulista a uma maravilhosa florescência. Porém esta florescência foi precedida de um inevitável período de saneamento. Foi preciso afastar muitos elementos apegados aos erros que procuravam infeccionar o organismo "princeps" do laicato, foi preciso corrigir desvios doutrinários, retificar posições jurídicas, modificar ideais e mentalidades. Esta última tarefa era sem dúvida a mais difícil, porque os desvios de mentalidade nascem da perversão do coração e se mostram por isso mesmo pertinazes.
Ao cabo de três anos de trabalhos e realizações, podia o presidente da Junta Arquidiocesana de São Paulo contemplar o resultado magnífico de seus esforços, que se estendia a toda a AC da Arquidiocese.
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Cumpria, porém, consolidar e ampliar esse resultado excelente, baseando-o no exato conhecimento doutrinário dos assuntos com relação aos quais uma ação saneadora se tornara mister, de tal sorte que se prevenisse a continua infiltração de erros vindos de certos países da Europa. Este anelo correspondia, aliás, a necessidades que estavam longe de existir só em São Paulo.
Muitos Srs. Bispos viam com grande preocupação o rumo que certos elementos da AC tinham tomado, e desejavam corrigi-lo. A Nunciatura Apostólica não ignorava as queixas que de vários quadrantes do Brasil se faziam ouvir, como um eco melancólico das manifestações de entusiasmo e esperança que tinham acompanhado o aparecimento da grande associação.
Tomando o pulso da situação, e levado do ardente desejo de ajudar os seus irmãos do laicato a verem os males que afligiam a AC, bem como a encontrarem o caminho reto a seguir, Plinio Corrêa de Oliveira resolveu escrever um livro que apresentasse com clareza a verdadeira noção de Ação Católica e seu verdadeiro espírito, dando ao mesmo tempo o diagnóstico preciso, metódico, calmo, objetivo dos males que punham em perigo aquela associação que o Santo Padre Pio XI chamava a menina dos seus olhos. Seria uma obra ditada pelo zelo acendrado do bem das almas e pela dor de ver uma organização tão promissora transformada em problema para a Santa Igreja.
Foi assim que nasceu "Em Defesa da Ação Católica".
O Sr. D. José Gaspar teve em mãos os originais antes de entregues à tipografia, examinou-os e mandou a Mons. Mayer que lhes desse o "imprimatur".
O Exmo. Sr. Núncio Apostólico D. Bento Aloisi Masella, hoje preclaro Cardeal Prefeito da Congregação dos Sacramentos e Camerlengo da Santa Igreja Romana, acolheu a obra com sumo agrado e benevolência. Depois de a ter lido e mandado examinar, dignou-se escrever pessoalmente o prefacio desse trabalho que, em sua intenção, deveria contribuir poderosamente para o saneamento da Ação Católica.
Mais tarde, à aprovação do Arcebispo de São Paulo, à calorosa benção do Núncio Apostólico, aos aplausos de muitos Bispos brasileiros, veio se juntar a voz do Sumo Pontífice. Em 1949, através do Substituto de sua Secretaria de Estado, atualmente Cardeal Montini, o grande Papa Pio XII, de santa Memória, aprovava e abençoava "Em Defesa da Ação Católica".
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Este livro foi uma graça que Deus concedeu ao Brasil. Como soi acontecer com as graças, muitos receberam com alegria o trabalho de Plinio Corrêa de Oliveira, e dele se valeram para aclarar os conceitos, ver os desvios, corrigir os erros, e imprimir à Ação Católica nova e segura orientação. Outros não concordaram com toda a doutrina sustentada nessas páginas, mas aproveitaram-se de inúmeras luzes, estímulos e diagnósticos, que deparavam nelas, para levarem a AC a boas paragens. Outros se fecharam ao livro, o vilipendiaram, e muitas vezes sem o lerem, o rejeitaram e condenaram.
Contemplando estes vinte anos que se passaram desde a publicação desta obra notável, e considerando os frutos que teria produzido se tivesse sido completa sua aceitação, uma certa melancolia invade o coração, como nos invade a alma certa tristeza quando temos notícia de graças que Nosso Senhor outorgou a alguma nação, e a que não houve a devida correspondência.
"Em Defesa da Ação Católica" foi uma graça para o Brasil.
VINTE ANOS DEPOIS...
D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos
Revendo o arquivo diocesano, numa ação rotineira do cargo, encontrei cópia da carta que o saudoso D. Otaviano Pereira de Albuquerque escreveu ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, a propósito do livro "Em Defesa da Ação Católica". As palavras de meu preclaro antecessor são um documento característico de um estado de espírito naqueles idos de 1943. Escrevia, com efeito, o Sr. Arcebispo: "Com mão de mestre esclarece V. S. a situação do, digamos assim, exército católico leigo em face da Sagrada Hierarquia estabelecida na Igreja militante por Jesus Cristo Nosso Senhor, que, solenemente, disse aos seus Apostolas: "Ide, e ensinai a todos os povos, pregai o meu Evangelho a todas as criaturas, ensinando-as a observar todas as coisas que vos tenho mandado, e ficai certos de que Eu estou convosco, todos os dias, até a consumação dos séculos". Fora disto, ninguém poderá ousar afirmar novidades no seio da Santa Igreja e sem autoridade de espécie alguma pretender arvorar-se em exegeta, interpretando, de acordo com suas pretensões e sentimentos humanos, as palavras e os dizeres do Supremo Hierarca do verdadeiro Cristianismo, o Papa Romano. E ridículo será afirmar, indagando, se, então, os fiéis católicos são apenas ovelhas mudas no rebanho espiritual da Igreja. Não tanto assim: as ovelhas balam de manso, chamando carinhosamente umas pelas outras, para que todas fiquem unidas, obedecendo à voz do Pastor e sem manifestação alguma de autoridade (...)". E mais adiante: "Assim deve o laicato se conduzir no grêmio da Igreja. Levado pela voz dos legítimos Pastores, recebeu do Sumo Pontífice Pio XI, de imperecível memória, a incumbência sagrada de facilitar a ação deles, repetindo, com carinho e caridade perene, inalterável às pessoas de boa vontade, as verdades ensinadas oficialmente pela Hierarquia, e dela recebidas, com seus bons exemplos atrair todos ao amor de Deus, pelo abraçamento da fé, e pela prática assídua dos seus mandamentos".
As expressões acima evidenciam a angustia que invadia a alma do Sr. Arcebispo ao ver avolumar-se a onda igualitária da Revolução, mesmo nos meios católicos, sem achar como lhe opor um dique. O livro do Dr. Plinio deu-lhe novo alento, e, na medida de suas responsabilidades, determinou ao seu "Reverendíssimo Clero que somente este (livro), e não outro", deveria ser "compulsado, estudado e ensinado aos fiéis" em assunto de Ação Católica.
Já antes o venerando Prelado significara aos seus Colegas do Episcopado Brasileiro a perplexidade que sentia em face dos erros e desvios que serpeavam nos meios católicos. Enviou-lhes reservada missiva em latim, em 9 de setembro de 1941, na qual lemos o expressivo trecho seguinte:
"Recens, magno angore, aliquoties, in variis foliis catholicis, lego controversias de religione.
"Sic, unus in animo habens verba sanctae memoriae Pii XI interpretari, affirmat laicos participes esse sanctae hierarchiae sacerdotalis. Alius in sacra liturgia divini sacrificii Eucharistiae introducere vult immutationes non solum quoad usum linguae Latinae, perenniter adhibitae in Occidente, sed etiam super alia. Iste vituperat et reprobat piam consuetudinem recitationis Rosarii Beatae Virginis Mariae intra Missam, in quo, interea, considerantur magni eventus religionis et mysteria incarnationis, passionis et gloriae Domini Nostri Jesu Christi et eiusdem Matris, quod semper permissum fuit a Summis Pontificibus, ab Episcopis et in more positum a venerabilioribus Congregationibus religiosis in collegiis (...).
Ille, sicut hypercriticus, imminuere vult utilitatem pii scapularis Virginis Carmeli, quod a Sancta Ecclesia in toto orbe admissum est" (1).
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Li e reli as duas cartas, nas copias já meio amarelecidas que encontrei no arquivo diocesano; aquelas palavras do saudoso Arcebispo-Bispo traziam-me à lembrança a figura majestosa e dominadora de D. Otaviano, com seus belos e fulgurantes olhos azuis. Sem nos conhecermos ainda, éramos já duas almas irmãs, tínhamos as mesmas angustias, pensávamos do mesmo modo. E naquele suave ócio entre papéis e livros, uma natural associação de imagens transportou-me a um passado mais ou menos distante, mas ainda vivo nas consequências de que estava prenhe. Vi-me nos jardins do antigo Palácio São Luís, residência do Arcebispo de São Paulo (ali onde hoje se abre uma rua e praça, atrás da Biblioteca Municipal), ao lado do malogrado Sr. D. José Gaspar de Affonseca Silva, meu antigo colega de Seminário e, na ocasião, meu superior e pai espiritual. Levara-me a esse encontro uma amizade de muitos anos que me pressionava a consciência. Não era obrigação minha servir-me dessa amizade para colocar o Sr. Arcebispo a par de muitos desvios que eu notava no campo do apostolado leigo? Uma consulta venceu minhas últimas resistências. E ali, caminhando por entre aqueles canteiros, ainda enlutados com a ausência de seu antigo dono, o hierático e piedoso D. Duarte Leopoldo e Silva, fui desfiando ao meu Prelado o que me constava, certo de que, cumprido aquele dever de consciência, poderia voltar tranquilo para a obscuridade de meu querido Seminário.
Não foi assim. Minhas preocupações já as tinha o Arcebispo. E, no momento, confidenciou-me sua intenção, já transformada em ordem. Eu deveria auxiliá-lo na Assistência Geral da Ação Católica. Depois, foi o pesado cargo de Vigário Geral, com as mesmas atribuições. Foi como Vigário Geral que tive a honra e o prazer de dar, em nome do Sr. Arcebispo, o "imprimatur" a essa obra singular, que tanta alegria causou ao apostólico D. Otaviano, e que marcou época na história do apostolado leigo do País, "Em Defesa da Ação Católica", do então presidente da Junta Arquidiocesana da AC de São Paulo, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira.
Aliás, eu tinha acompanhado toda a feitura do livro. Pude ver e sentir de perto a reta intenção que animava o Autor, despersonalizando-se, por assim dizer, para que sua obra fosse perfeitamente objetiva, e colimasse tão somente o bem da Igreja e das almas. Lembro-me ainda dos vários encontros com pessoas circunspectas e de categoria, cujas impressões o Dr. Plinio quisera colher antes de entregar à publicidade o livro, com o intuito de assegurar a este todo o equilíbrio doutrinário e toda a objetividade. Foi ele lido, por exemplo, pelo então Prior do Mosteiro de São Bento, mais tarde Abade do mesmo cenóbio, D. Paulo Pedrosa, um dos iniciadores da Ação Católica em São Paulo. As impressões do Monge beneditino, as ouvimos, lembro-me como se fosse hoje, ali na sala de visitas da casa da Rua Sergipe, 421, onde então residia o Dr. Plinio. Esse, aliás, foi o segundo encontro com D. Paulo, a propósito do livro e antes de ser ele impresso, pois a primeira conversa com o antigo Vigário de Santa Cecília foi em minha modesta residência, à Rua Martim Francisco, ao lado da Igreja do Imaculado Coração de Maria. Já o Pe. Cesar Dainese, Jesuíta e Diretor da Confederação Nacional das Congregações Marianas, deu suas impressões na sala de visitas do Colégio "des Oiseaux", onde pregava retiro às Religiosas.
Posso afiançar que todas as ponderações foram acolhidas pelo Dr. Plinio com muita cordialidade, e as objeções por ele respondidas de maneira a obter sempre a aceitação do interlocutor. O assunto e a maneira como foi ele tratado mereceram ao Autor o elogioso e altamente significativo prefacio de Exmo. Sr. Núncio Apostólico, hoje figura das mais salientes no Senado que assiste ao Vigário de Jesus Cristo na terra, Sua Eminência o Cardeal Bento Aloisi Masella.
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Não obstante, "habent sua fata libelli". Especialmente os que tratam de questões candentes, os que denunciam o avanço sorrateiro, mas firme, da Revolução. Diga-o o grande publicista espanhol, D. Felix Sardá y Salvany. Num tempo em que o liberalismo dominava soberano, ousou o Padre catalão dizer a verdade como a ensinam os Papas. Escreveu um opúsculo, "El Liberalismo es Pecado". Foi alvo de virulento ataque dos católicos de tendência liberal, o que, aliás, lhe valeu plena aprovação da Sagrada Congregação do Índice.
"Em Defesa da Ação Católica" também agitava as águas onde pescavam tranquilamente os fautores da Revolução. Foi alvo de murmúrios e de campanha surda mas implacável e generalizada. E não de uma refutação pública, que parecia impossível. Sardá y Salvany teve pela frente o panfleto de D. Pazos, Cônego de Vich, "O processo do integrismo (sic!), ou refutação dos erros contidos no opúsculo “O liberalismo é pecado”, panfleto censurado pela Sagrada Congregação do Índice em carta de 10 de janeiro de 1887 ao Bispo de Barcelona. "Em Defesa da Ação Católica" não teve críticos que se aventurassem em palavras impressas. A argumentação do livro era muito bem travada para deixar margem ou fundamento a qualquer objeção sólida. Além disso, estava toda lastreada em documentos pontifícios. Teve, por isso mesmo, seus defensores entusiastas, cujas manifestações o semanário "Legionário" ia publicando à medida que chegavam. Por fim, a própria Santa Sé se pronunciou. Em carta de 26 de fevereiro de 1949, o então Substituto da Secretaria de Estado, hoje Emmo. Cardeal Montini, acusava em nome do Santo Padre Pio XII o recebimento de um exemplar do livro, oferecido pelo Autor, e escrevia: "Sua Santidade regozija-se contigo porque explanaste e defendeste com penetração e clareza a Ação Católica, da qual possuis um conhecimento completo, e a qual tens em grande apreço, de tal modo que se tornou claro para todos quão importante é estudar e promover tal forma auxiliar do apostolado hierárquico".
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Tudo isso são reminiscências despertadas pela presença de um papel venerando, escrínio de alto pensamento de um preclaro Pastor de almas. Os tempos passaram. As situações mudaram. Por um desses desígnios insondáveis da Providencia, vejo-me ocupando o trono que D. Otaviano soube honrar e dignificar como denodado e impertérrito defensor da ortodoxia católica. Os companheiros de luta, porém, não se dispersaram. "Catolicismo" se honra em ter entre seus colaboradores mais brilhantes e assíduos, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Nas colunas do mensário de Campos, precisamente como comemoração do seu centésimo número, publicou ele o ensaio "Revolução e Contra-Revolução", com que desce ao fundo da luta que se travou em torno de "Em Defesa da Ação Católica", ou seja, da luta entre o Bem e o Mal. De fato, por que, contando o Brasil com 94% de católicos, não é uma nação católica pujante, de fervor religioso admirável, modelo das outras nações católicas do mundo? A resposta é dada pelo ensaio de Plinio Corrêa de Oliveira: a causa de nosso torpor religioso — para dizer pouco — é "impalpável, subtil, penetrante como se fosse uma poderosa e temível radioatividade". Essa causa, "esse inimigo terrível" da civilização cristã "tem um nome: ele se chama Revolução". Sua causa profunda é, por sua vez, "uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos". E todo o ensaio mostra a agitação desenvolvida pelo demônio, através da História, para destruir o edifício da civilização cristã.
Mais tarde, em 1960, novamente em campo contra a heresia igualitária — aquela que está no âmago de todas as heresias, porque nascida com a revolta do demônio — os amigos de outrora, na obra "Reforma Agrária — Questão de Consciência". De fato, na agitação do agro-reformismo confiscatório e socialista muito menos há de compaixão pelos que não possuem terra, do que de um inconformismo com a hierarquia social, imitação da hierarquia celeste e manifestação da multiforme perfeição divina no mistério de sua unidade.
Como se vê, em todas essas obras, trata-se sempre das "inimicitiae", que durarão enquanto o mundo for mundo, entre os filhos da luz, os descendentes de Maria, os irmãos de Jesus Cristo, e os filhos do mundo, a prole da Serpente (cf. Gen. 3, 15). Essa luta perene descreve-a o Apocalipse com cores vivas e dramáticas, quando nos capítulos 12 e 13 faz-nos assistir à sanha cruel com que o Dragão intenta devorar o filho da Mulher. Acorrentado no profundo do abismo, envia seus emissários à terra para perderem a descendência da Mulher. É a besta que vem do mar e a besta que procede da terra. Esta levará os homens a cultuarem aquela, com cujos sinais serão marcados na cabeça e, na dextra todos os que se alistarem no exército do mal. Diz a Escritura que bem-aventurados são os que não se deixam embair pelos engodos da besta, mas denunciam-lhe os propósitos e as maquinações.
Peço a Deus que, pela intercessão misericordiosa de Maria Santíssima, a morte nos encontre, a Plinio Corrêa de Oliveira, aos nossos amigos e a mim, nesta mesma luta que é travada contra o poder das trevas, em nome de Deus, e sob a proteção da Virgem Immaculada.
(1) "Ultimamente, e com grande aflição, leio algumas vezes, em diversas folhas católicas, controvérsias sobre a Religião.
"Assim, um, propondo-se interpretar as palavras de Pio XI, de santa Memória, afirma participarem os leigos da santa hierarquia sacerdotal. Outro quer introduzir mudanças na sagrada liturgia do divino Sacrifício Eucarístico, não somente quanto ao uso da língua latina, constantemente utilizada no Ocidente, mas ainda quanto a outros pontos. Censura e reprova este o piedoso costume de recitar durante a Missa o rosário da Bem-aventurada Virgem Maria, no qual, entretanto, se consideram os grandes eventos da Religião e os mistérios da Encarnação, Paixão e Gloria de Nosso Senhor Jesus Cristo e de sua Mãe, que sempre foi permitido pelos Sumos Pontífices, pelos Bispos, e transformado em prática habitual nos colégios das mais veneráveis Congregações Religiosas (...). A maneira de hipercrítico, quer aquele diminuir a utilidade do pio escapulário da Virgem do Carmo, que foi admitido pela Santa Igreja em todo o orbe".
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SEGRETERIA DI STATO
DI
SUA SANTITÀ
Palácio do Vaticano,
26 de fevereiro de 1949.
Preclaro Senhor,
Levado por tua dedicação e piedade filial ofereceste ao Santo Padre o livro "Em Defesa da Ação Católica", em cujo trabalho revelaste aprimorado cuidado e aturada diligencia.
Sua Santidade regozija-se contigo porque explanaste e defendeste com penetração e clareza a Ação Católica, da qual possuis um conhecimento completo, e a qual tens em grande apreço, de tal modo que se tornou claro para todos quão importante é estudar e promover tal forma auxiliar do apostolado hierárquico.
O Augusto Pontífice de todo o coração faz votos que deste teu trabalho resultem ricos e sazonados frutos, e colhas não pequenas nem poucas consolações. E como penhor de que assim seja, te concede a Benção Apostólica.
Entrementes, com a devida consideração me declaro teu muito devotado,
J B Montini
Subst.
Tradução da carta de louvor enviada ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira