REFORMA CONSTITUCIONAL E

REFORMAS DITAS DE BASE

ESCLARECIMENTOS DOUTRINARIOS

Sob o título de «Reforma Constitucional e «Reformas de Base»: esclarecimentos doutrinários», a Cúria Diocesana distribuiu Edital de 9 de maio p.p., dirigido ao Revmo. Clero e fiéis da Diocese pelo Exmo. Revmo. Sr. Bispo D. Antonio de Castro Mayer.

Na mesma data, a Cúria Metropolitana de Diamantina distribuiu Edital idêntico, dirigido ao Revmo. Clero e fiéis daquela Arquidiocese pelo Exmo. Revmo. Sr. D. Geraldo de Proença Sigaud, S. V. D., Arcebispo Metropolitano.

É o seguinte o texto de ambos os documentos:

A controvérsia suscitada pela apresentação das "Reformas de Base", especialmente da Reforma Agrária, envolveu também a doutrina da Igreja.

Sobre esse assunto, tomamos posição, conjuntamente com o Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo de Diamantina, D. Geraldo de Proença Sigaud, S. V. D., o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e o economista Luiz Mendonça de Freitas, no livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência", bem como em carta e telegrama que em 9 de junho de 1962 e 22 de março de 1963, respectivamente, endereçamos ao Exmo. Sr. Presidente da República, Dr. João Goulart.

Com relação à Reforma Agrária, e, em geral, a respeito das "Reformas de Base", dirigiram uma mensagem — ao que parece a todo o povo brasileiro — os preclaros membros da Comissão Central da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Dela tomamos conhecimento através da imprensa diária, e é naturalmente sobre o texto como a imprensa no-lo apresentou que versam Nossas considerações. Com efeito, essa mensagem discrepa, em pontos substanciais, dos Nossos pronunciamentos. É este fato que Nos pede demos aos Nossos fiéis uma orientação sobre a matéria.

Assim, declaramos que:

1. Não se justifica, segundo a doutrina católica, nas atuais circunstancias, a desapropriação, ou a partilha forçada — mediante pressão tributaria — de propriedades rurais, ainda quando latifúndios improdutivos. Deste principio se podem excetuar apenas casos especiais e, naturalmente, raros, como por exemplo a partilha de terras quando necessária para a formação de granjas próximas a grandes centros urbanos, a cujo abastecimento se destinem.

A pressão tributaria expropriatória é condenada pela "Rerum Novarum" e pela "Quadragesimo Anno": "O sapientíssimo Pontífice (Leão XIII) tinha já declarado que não é lícito ao Estado esgotar os bens privados pela exorbitância de tributos e impostos. Pois que "não é das leis humanas, mas da natureza, que emana o direito de propriedade particular; a autoridade pública não o pode pois abolir; o que ela pode é regular-lhe o uso e conciliá-lo com o bem comum" (Rerum Novarum)" (Quadragesimo Anno, AAS, vol. 23, p. 191). E a desapropriação num país em que o Poder Público é senhor de cerca de dois terços das terras, não se pode, em consciência, justificar. Tanto mais que há um dispositivo constitucional (art. 156) que manda a esse mesmo Poder Público que faça a distribuição de suas terras, e que há dezessete anos não é executado. Como, em sã consciência, se poderia justificar a divisão compulsória e sistemática dos latifúndios num país nessas condições? Seria, ao mesmo tempo, trágico e cômico observar o maior e mais indolente e improdutivo dos latifundiários, que é o Poder Público, perseguir a indolência do micro latifundiário particular! Lembramos, aliás, que o Pontífice gloriosamente reinante, João XXIII, na "Mater et Magistra", é contrário à situação em que o Estado se torna senhor de bens além dos limites impostos pela exigência manifesta e verdadeira do bem comum: "Só é lícito ao Estado e às entidades públicas estender os limites de seu domínio quando a necessidade manifesta e verdadeira do bem comum o exige, e sem perigo de diminuir além da medida as propriedades dos particulares, ou, o que seria pior, eliminá-las" ("Catolicismo", no 129, ano XI, setembro, 1961, p. 5, col. 1 em cima).

2. Tendo o Estado imensas terras a distribuir, também não se justifica, segundo as leis do bom senso, que gaste os depauperados recursos do Erário para comprar terras aos particulares, a fim de as partilhar. Como também não se justifica, segundo a doutrina católica, que o Poder Público, dizendo-se economicamente incapaz de fazer pelo preço devido essas compras desnecessárias, desaproprie a preço insuficiente as terras particulares a seus legítimos donos.

3. A desapropriação, pois, não se justifica. Há, no entanto, a considerar a maneira como se pretende fazer semelhante desapropriação. Pois, de fato, o pagamento, como acenam alguns, total ou parcial das terras em apreço, mediante títulos da dívida pública, impõe aos fazendeiros expropriados os riscos de uma aventura, ainda que se suponham garantidos tais títulos contra a inflação. Pois são notórias as péssimas perspectivas desses títulos no mercado. E não é conforme à justiça cristã que o Poder Público sujeite a tais riscos o particular. Que dizer, então, de um projeto de lei que aos fazendeiros expropriados não dá garantia contra a inflação a não ser até o teto de 10%, seja qual for a desvalorização da moeda? Nem se diga que se poderia conceder a esses títulos poder liberatório. Até aqui só à moeda atribui a lei "poder liberatório", isto é, curso forçado. Estender a títulos da dívida pública o privilégio do poder liberatório importa no absurdo de criar uma moeda paralela.

Este esclarecimento sobre Reforma Agrária, mediante pagamento em títulos da dívida pública, que damos aos Nossos caríssimos diocesanos, tornou-se necessário, uma vez que no Parlamento Nacional certo deputado demo-cristão, somando sua paixão ao desconhecimento da estrutura da Igreja, ousou, autorizando-se na mensagem dos preclaros membros da Comissão Central da CNBB, afirmar que "o mínimo que se pode exigir dos que são contra a reforma agrária, quando se colocam contra a indenização em títulos da dívida pública — que é o único meio de realizá-la — o mínimo que se pode exigir é que não citem a doutrina social cristã. Opinem por conta própria, mas não envolvam a Igreja na sua visão equívoca da realidade agrária nacional. Tudo o mais é sofisma" ("O Estado de São Paulo", 3 de maio de 1963, p. 5).

A Comissão Central da CNBB, de fato, houve por bem pronunciar-se sobre as "Reformas de Base". Em tal pronunciamento, sem pedir propriamente a reforma do artigo 141 — § 16 da Constituição Federal, os preclaros membros da Comissão Central da CNBB, não obstante, declaram legítimo para o Brasil o princípio em benefício do qual o agro-reformismo espoliatório pretende a alteração do dito dispositivo constitucional, isto é, a desapropriação feita mediante pagamento parcial ou até mesmo total em títulos da dívida pública.

Imaginar que a mensagem da Comissão Central da CNBB envolve pronunciamento decisivo da Igreja, com força obrigatória para todos os Bispos, Clero e fiéis do Brasil, seria negar aos Bispos o poder e o dever que compete a cada um deles, na respectiva Diocese, de ensinar e orientar suas ovelhas de acordo com a doutrina da Igreja, com base na autoridade que lhe confere o direito divino. Com efeito, de acordo com a estrutura da Igreja, a CNBB só pode manifestar-se em nome de todo o Episcopado com voto unânime de seus membros. Na Santa Igreja, cada Bispo tem magistério próprio que lhe concede o direito divino, sob obediência direta e imediata apenas do Romano Pontífice, Sucessor de São Pedro, Vigário de Jesus Cristo, com o qual deverá estar sempre em comunhão. E assim não pode ser obrigado a sujeitar sua opinião à de seus pares, os outros Bispos, ainda mesmo quando entre estes se encontrem Prelados revestidos da sagrada Púrpura. Conhecedora deste fato, e sabendo, com toda a segurança, que a opinião do Episcopado Nacional não é unânime no tocante a pontos capitais da Reforma Agrária e de outras "Reformas de Base", a Comissão Central da CNBB, ao tomar posição em tão controvertidas matérias, só pode ter tido a intenção de se manifestar em nome dos seus ilustres membros, e nunca em nome de todo o Episcopado Brasileiro. Sem dúvida, pareceu aos subscritores da citada mensagem supérfluo dizê-lo, tanto que passou sob silêncio este fato.

4. Queremos dar também uma orientação aos Nossos amados filhos sobre a reforma da empresa. Não se pode dizer que a doutrina católica exige a organização comunitária da empresa, de maneira que os trabalhadores tenham participação obrigatória nos lucros, na gestão e na propriedade da mesma. É ponto pacífico, ensinado clara e luminosamente por Pio XII: "Nós Nos recusamos a deduzir, quer direta, quer indiretamente, da natureza do contrato de trabalho o direito de copropriedade do operário no capital da empresa, e, consequentemente, seu direito de co-direção" (Alocução ao Katholikentag de Viena, em 14 de setembro de 1952 o "Discorsi e Radiomessaggi", vol. XIV, p. 314); e em outro lugar: "Eis que há umas dezenas de anos, na maior parte destes países (industrializados), e muitas vezes sob o influxo decisivo do movimento social católico, formou-se uma política social, caracterizada por uma evolução progressiva do direito do trabalho e, correlativamente, pela sujeição do proprietário privado, que dispõe dos meios de produção, a obrigações jurídicas em favor do operário. Quem quiser levar mais adiante a política social nesta direção, choca-se com um limite, a saber, o ponto onde surge o perigo de que a classe obreira siga, por seu turno, os erros do capital, que consistem em subtrair, principalmente nas maiores empresas, a disposição dos meios de produção à responsabilidade pessoal do proprietário privado (individuo ou sociedade) para transferi-la sob a responsabilidade de formas anônimas coletivas (...).

"Semelhante perigo se apresenta também quando se exige que os assalariados de uma empresa tenham direito de cogerência econômica, nomeadamente quando o exercício deste direito depende, de fato, direta ou indiretamente, de organizações dirigidas por entidades alheias à empresa. Ora, nem a natureza do contrato de trabalho, nem a natureza da empresa, comportam, necessariamente, por si mesmas, direito semelhante" (Discurso de 3 de junho de 1950, aos membros do Congresso Internacional de Estudos Sociais e da Associação Internacional Social Cristã "Discorsi e Radiomessaggi", vol. XII, pp. 100-101).

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De toda a alma desejamos a melhoria do operário e da vida do campo, especialmente das condições de existência do trabalhador manual. Se em 1960 se tivesse atendido às sugestões do livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência", as terras públicas já teriam sido objeto de um início de distribuição, e a situação dos trabalhadores rurais já teria tido um começo de desafogo, há bem mais de dois anos. Dois preciosos anos se perderam com discussões em torno da inútil e injusta desapropriação de terras particulares. Por isso, e só por isso, a reforma agrária de cunho marcadamente desbravador e colonizador vai sendo protelada.

Ao encerrar estes esclarecimentos, rogamos a Nossa Senhora Aparecida, Rainha do Brasil, para que nos dê esta sadia reforma agrária, sem prejuízo da propriedade privada, cujo caráter sagrado é definido pelo 7o mandamento da Lei de Deus: "Não furtar".


"Mobilizem-se as Paróquias"

O órgão oficial da Arquidiocese de Diamantina publicou uma circular do Exmo. Revmo. Sr. D. Geraldo de Proença Sigaud, S. V. D., intitulada "Sobre a Reforma Agrária".

O importante documento, datado de 22 de abril último e assinado por S. Excia. Revma., é dirigido aos Párocos da Arquidiocese. É este o seu texto:

"Aos Revmos. Srs. Párocos.

Como é do conhecimento de V. Revma., está-se discutindo na Câmara Federal o projeto de Reforma Agrária. Para poder aprová-lo, pretendem vários políticos reformar os artigos 141 e 147 da Constituição Federal, que estabelecem a desapropriação por necessidade pública e por conveniência social e determinam que só pode ser feita, a desapropriação, mediante o pagamento prévio do preço justo e em dinheiro. Pretendem modificar estas sabias e justas determinações, estabelecendo que o pagamento seja feito da seguinte maneira: 1) pelo preço arbitrado pelo Governo; 2) pagando-se tal preço com papeis da dívida pública; 3) que estes papeis sejam resgatados somente depois de vinte anos.

Compreende V. Revma. que estas três clausulas vêm a significar na prática a abolição do direito de propriedade. Todos nós sabemos como os títulos da dívida pública se desvalorizam, parte por falta de crédito do Governo, parte pela galopante desvalorização do dinheiro. Se as fazendas forem avaliadas pelo próprio Governo, este lhes dará um valor irrisório, e se este valor, de si já irrisório, for pago em papeis que só poderão ser transformados em dinheiro daqui a vinte anos, os fazendeiros e sitiantes que forem vítimas da Reforma Agrária estarão sendo vítimas de verdadeiro roubo por parte do Governo.

Está, pois, na hora de se fazer uma campanha para obstar tal iniquidade.

V. Revma. mobilize toda a sua paróquia, as associações religiosas e civis que houver, os colégios, as Câmaras de Vereadores, os Prefeitos e demais autoridades, e as várias famílias e pessoas, para que telegrafem aos Srs. Deputados federais e Senadores por Minas Gerais, aos Presidentes da Câmara e do Senado, ao Ministro da Justiça e ao Sr. Presidente da República, protestando contra qualquer alteração dos artigos 141 e 147 da nossa Constituição.

Lembrem-se todos que depois de desapropriadas as fazendas e sítios, virá a desapropriação dos bancos, das fábricas e, por fim, a desapropriação das casas e propriedades urbanas. Também as casas da cidade serão desapropriadas a critério do Governo, que por elas dará papeis que nada valem.

V. Revma. fale no púlpito sobre isto, mobilize toda a sua paróquia, em defesa de um dos esteios da civilização cristã, que é o direito de propriedade".