A LIBERDADE DA IGREJA NO ESTADO COMUNISTA
(continuação)
segundo anunciam os respectivos órgãos de propaganda, a intolerância do governo em relação a algumas religiões foi sendo substituída por uma tolerância malévola de início, que se foi tornando depois, se não benévola, pelo menos indiferente. E o antigo regime de coexistência agressiva vai sendo substituído cada vez mais pelo de coexistência pacífica.
Em outros termos, os governos russo, polonês e iugoslavo conservam inteiramente sua adesão ao marxismo-leninismo, que continua a ser para eles a única doutrina oficialmente ensinada e aceita. Mas - em escala maior ou menor conforme o país - passaram a admitir uma liberdade de culto mais ampla, e a conceder um trato sem violência e, de alguns pontos de vista, quase correto à religião ou às religiões de ponderável importância nos respectivos territórios.
Na Rússia, como se sabe, a religião que conta com o maior número de adeptos é a greco-cismática, correntemente chamada ortodoxa. Na Polônia é a Religião Católica ( a maior parte dos fiéis pertence ao rito latino ). E na Iugoslávia uma e outra são numerosas.
Em consequência, aparece para a Igreja Católica, em certas nações além da cortina de ferro, uma tênue liberdade, consistente na faculdade, ora maior, ora menor, de distribuir os Sacramentos e pregar o Evangelho a povos até então quase inteiramente privados de assistência religiosa. Dizemos "tênue" porque a Igreja continua, apesar de tudo, combatida às escancaras pela propaganda ideológica oficial, e permanentemente espionada pela polícia, pelo que nada ou quase nada pode fazer além de realizar as funções do culto e ministrar alguma catequese. Na Polônia, ademais disto, é-Lhe tolerado manter cursos para a formação de Sacerdotes, bem como uma ou outra obra social.
II — UM PROBLEMA COMPLEXO
Mudado assim em alguma medida o procedimento das autoridades comunistas, nos referidos países se abrem agora para a Igreja Católica duas vias:
a) deixar a existência clandestina e de catacumba que tinha até aqui atrás da cortina de ferro, e passar a viver à luz do dia, coexistindo com o regime comunista em um "modus vivendi" tácito ou explícito;
b) ou recusar qualquer "modus vivendi" e conservar-se na clandestinidade.
Escolher entre estas vias é o problema complexo que se põe no momento atual para a consciência de numerosos católicos.
III - IMPORTÂNCIA DO PROBLEMA NA ORDEM CONCRETA
A importância desse problema para os países sob regime comunista é óbvia.
Parece-nos necessário dizer algo sobre o alcance dele nos países do Ocidente. E isto particularmente no que toca aos planos de penetração do imperialismo ideológico nesses países.
O temor de que, no caso de uma vitória mundial dos comunistas, a Igreja venha a ficar por toda parte sujeita aos horrores que sofreu no México, na Espanha, na Rússia na Hungria ou na China, constitui a causa principal da deliberação dos 500 milhões de católicos espalhados pelo mundo, Bispos, Sacerdotes, Religiosos, Religiosas e leigos, de resistir até a morte contra o comunismo. Também é esta, com relação às respectivas religiões, a principal causa da atitude anticomunista das centenas de milhões de pessoas que professam outros credos.
Essa deliberação heroica representa, na ordem dos fatores psicológicos, o obstáculo maior - ou talvez o único ponderável - a que o comunismo venha a se instaurar e manter-se em todo o mundo.
Quaisquer que sejam os motivos táticos que determinem a aludida mudança de atitude de alguns governos comunistas em relação aos vários cultos, o fato é que a tolerância religiosa que atualmente praticam, e que sua propaganda anuncia de modo exagerado a todo o mundo, já lhes vem trazendo um benefício enorme: em face da alternativa que ela cria, as opiniões dos meios religiosos se vêm dividindo quanto à orientação a seguir, e com isto se vai rompendo o dique de oposição maciça e "a outrance" contra o comunismo, mantido à uma pelos homens que creem em Deus e Lhe prestam culto.
Com efeito, o problema da fixação de uma atitude dos católicos, e dos sequazes de outros credos, em face da nova política religiosa de certos governos comunistas, vem dando lugar a perplexidades, a divisões e até a polêmicas. Segundo o seu nível de fervor, seu otimismo ou sua desconfiança, muitos católicos continuam a achar que a luta "à outrance" permanece a única atitude coerente e sensata perante o comunismo; mas outros pensam que mais valeria aceitar desde logo, e sem maior resistência, uma situação como a da Polônia, do que lutar até o fim contra a penetração comunista e cair na situação tão mais opressiva em que está a Hungria.
Além disto, parece a estes últimos que uma aceitação do regime comunista - ou quase comunista — pelos povos ainda livres poderia evitar a tragédia cósmica de uma guerra nuclear. A única razão que os levaria a aceitar com resignação o risco de uma tal hecatombe, seria o dever de lutar para evitar para a Igreja uma perseguição mundial ( com amplitude sem precedentes e intuito radicalmente exterminador. Mas, uma vez que esse perigo talvez não se ponha - pois se tolera em certos países comunistas que a Igreja sobreviva embora reduzida a uma liberdade mínima - a coragem para enfrentar o perigo da guerra atômica diminui muito. E ganha terreno entre tais católicos a ideia de se estabelecer por toda parte, e em escala quase mundial, um "modus vivendi" entre a Igreja e o comunismo - à maneira polonesa - aceito como um mal, mas um mal menor.
Entre estas duas correntes, começa a se formar uma imensa maioria desorientada, indecisa e, por isto mesmo, menos preparada psicologicamente para a luta do que estava até há pouco.
Se este fenômeno de debilitação na atitude anticomunista se produz em pessoas inteiramente infensas ao marxismo, quão natural é que seja mais intenso nos chamados católicos de esquerda, cada vez mais numerosos, os quais, sem professar o materialismo e o ateísmo, simpatizam com os aspectos econômicos e sociais do comunismo!
Em síntese, em todos ou quase todos os países não sujeitos ainda ao jugo marxista, milhões de católicos, que ainda ontem morreriam de bom grado em exércitos regulares ou em guerrilhas, para evitar a implantação do comunismo em suas pátrias, ou para o derrubar caso tivesse chegado a conquistar o poder, já hoje não sentem igual disposição. Na hipótese de uma crise de pânico - por exemplo, um "suspense" na iminência de uma guerra nuclear universal — este fenômeno poderá acentuar-se ainda mais, levando eventualmente nações inteiras a capitulações catastróficas ante as potências comunistas.
Tudo isto põe em relevo toda a importância de se estudarem quanto antes, em seus vários aspectos, as questões morais inerentes à encruzilhada em que a conduta de relativa tolerância religiosa de alguns governos comunistas põe a consciência de milhões e milhões de homens em nossos dias.
É lícito afirmar que da solução deste problema depende em parte considerável o futuro do mundo.
IV — PRELIMINARES QUE NADA RESOLVEM
A utilidade de tal estudo parecerá talvez questionável para alguns espíritos apressados, que procurarão evitar o complicado problema por meio de alegações preliminares que nos parecem discutíveis.
Enumeremos a título de exemplo algumas destas preliminares, e as respostas que se lhes poderia dar:
a) É evidente que a relativa tolerância religiosa é mera manobra comunista, e que, pois, essa perspectiva de um "modus vivendi" entre a Igreja e qualquer regime comunista não pode ser tomada a sério. - A isto poderia alguém redarguir que nada impede de supor que certas tensões internas, de múltipla natureza, tenham imposto a alguns governos comunistas esta atitude distensiva em matéria religiosa. Assim, a distensão poderia talvez ter certa duração, e consistência, e abrir para a Igreja perspectivas novas.
b) Qualquer acordo com gente que, como os comunistas, nega a Deus e a moral, não oferece garantias de ser cumprido. Assim, ainda que se admita que hoje queiram eles sinceramente tolerar a Religião, amanhã, se lhes convier, persegui-la-ão, se puderem. Porém talvez não o possam, e nem venham a podê-lo tão cedo, em razão de dificuldades internas. Logo, não por honestidade, mas por interesse, talvez cumpram por largo tempo as cláusulas de um pacto.
c) Para os povos ocidentais não se põe o problema da liceidade de uma possível coexistência da Igreja com o regime comunista. Pois esse regime, no Ocidente, não existe. O problema que interessa aos povos ocidentais não é se se pode coexistir com tal regime, mas o que fazer para evitar que ele se implante. - A resposta a esta reflexão seria que, realmente, mais vale prevenir um mal do que remediá-lo. Mas bem pode ser que uma nação do Ocidente, ou várias ao mesmo tempo, se vejam sujeitas a optar entre dois males, isto é, a guerra moderna, interna e externa, convencional e termonuclear, com todos os seus horrores, ou a aceitação de um regime comunista. Neste caso, será preciso escolher o mal menor. E o problema inevitavelmente surgirá: se a Igreja pode aceitar a coexistência com um governo e um regime comunistas, talvez o mal menor consista em evitar a hecatombe bélica aceitando como fato consumado a vitória do comunismo; somente se se considerar que tal coexistência é impossível, e que a implantação do comunismo representa grave risco de extirpação completa ou quase completa da Fé em determinado povo, só então o mal menor será a aceitação da luta. Pois a perda da Fé é um mal maior do que o perecimento de tudo quanto a guerra atômica pode exterminar.
Como se vê, todas estas preliminares tendentes a evitar o estudo do problema em foco se relacionam com hipóteses discutíveis, atinentes à situação política nos países de atrás da cortina de ferro, ou a uma possível guerra nucelar. O problema da liceidade da coexistência entre o regime comunista e a Igreja só pode ser resolvido de maneira a satisfazer todos os espíritos católicos, se analisado em seus termos doutrinários profundos, e sem qualquer vinculação com contingências mutáveis e discutíveis.
V - ENFRENTANDO O PROBLEMA
À primeira vista, considerado em si mesmo, o problema da coexistência entre a Igreja e um regime comunista "tolerante" assim se enuncia:
Se em determinado país que vive sob governo e regime comunistas, os detentores do poder, longe de proibir o culto e a pregação, permitem uma e outra coisa, pode - ou até deve - a Igreja aceitar essa liberdade de ação, para distribuir aos fiéis os Sacramentos e o pão da palavra de Deus?
Apresentada a questão pura e simplesmente nestes termos, a resposta é necessariamente afirmativa: a Igreja o pode e deve fazer. E, neste sentido, Ela pode e deve coexistir com o comunismo. Pois, sob qualquer pretexto que seja, Ela não pode recusar-se a cumprir sua missão.
É preciso advertir, entretanto, que essa formulação do problema é simplista. Ela faz supor implicitamente que à liberdade de doutrinação da Igreja o governo comunista não imporia a menor restrição. Porém, nada leva a crer que um tal governo concedesse à Igreja uma liberdade plena de doutrinação. Pois isto implicaria em permitir que Ela pregasse toda a doutrina dos Papas sobre a moral, o direito, e mais especialmente sobre a família e a propriedade privada, o que por sua vez importaria em fazer de cada católico um adversário nato do regime, de sorte que, na medida em que a Igreja dilatasse sua ação, estaria matando o regime. Em consequência, na medida em que este tolerasse a liberdade da Igreja, estaria praticando o suicídio, máxime em países em que a influência d’Ela sobre a população é muito grande.
Assim, não podemos contentar-nos com resolver o problema na formulação genérica em que vem acima apresentado. Devemos ver qual a solução a lhe ser dada no caso de um governo comunista exigir da pregação e do ensino católicos, como condição para serem oficialmente tolerados, o seguinte:
1º) que ensinem a doutrina da Igreja de modo afirmativo, mas sem fazer aos fiéis qualquer refutação do materialismo e dos demais erros inerentes à filosofia marxista;
2º) que calem para os fiéis o pensamento da Igreja sobre a propriedade privada e a família;
3º) ou que, pelo menos, sem criticar diretamente o sistema econômico-social do marxismo, afirmem que a existência legal da família e da propriedade privada seriam um ideal desejável em tese, mas irrealizável na prática em virtude do domínio comunista, - pelo que, na hipótese concreta atual, se recomenda aos fiéis que desistam de qualquer tentativa para abolir o regime comunista restaurando na legislação, segundo as máximas do Direito Natural, a propriedade privada e a família.
Essas três condições poderiam, em consciência ser tácita ou expressamente aceitas como preço de um mínimo de liberdade legal para a Igreja, em regime comunista? Em outros termos, a Igreja poderia renunciar à sua liberdade em alguns destes pontos, para, em benefício dos fiéis, conservá-la em outros pontos?
VI - A SOLUÇÃO
1. Quanto à primeira condição, parece-nos que a resposta deve ser negativa.
A missão docente da Igreja não consiste só em ensinar a verdade, mas também em condenar o erro. Nenhum ensino da verdade é suficiente enquanto ensino, se não inclui a enunciação e refutação das objeções que contra a verdade se possam fazer. "A Igreja - disse Pio XII - sempre transbordante de caridade e de bondade para com os desgarrados, mais fiel à palavra de seu Divino Fundador, que declarou: "Quem não está comigo, está contra Mim" ( Mat. 12, 30 ), não pode faltar a seu dever de denunciar o erro e de arrancar a máscara aos semeadores de mentiras..." ( Radiomensagem do Natal de 1947 ). No mesmo sentido se exprimiu Pio XI: "O primeiro dom de amor do Sacerdote ao seu meio, e que se impõe da maneira mais evidente, é o dom de servir à verdade, à verdade inteira, e desmascarar e refutar o erro sob qualquer forma, máscara ou disfarce com que se apresente" ( Encíclica "Mit Brennender Sorge", de 14-3-1937 ). É da essência do liberalismo religioso a falsa máxima de que para ensinar a verdade não é necessário impugnar ou refutar o erro. Não há formação cristã adequada, que prescinda da apologética. Resulta particularmente importante notá-lo, à vista do fato de que a maioria dos homens tende a aceitar como normal o regime político e social em que nasce e vive, e que o regime exerce a este título uma influência formativa profunda sobre as almas. Num regime totalmente anticristão não há meio de evitar esta influência senão instruindo os fiéis sobre o que ele tem de ruim. E isto é indispensável máxime quando os católicos têm de viver em um regime como o comunista, que além de deformar as almas pelo simples fato de existir, ainda faz uma propaganda contínua e onímoda dos erros que constituem sua filosofia oficial.
A Igreja não pode, pois, aceitar uma liberdade que implique em renunciar sincera e efetivamente ao exercício, franco e eficiente, de sua função apologética.
2. Quanto à segunda condição, também nos parece que não é aceitável.
Para isto, há antes de tudo uma razão de caráter genérico. A doutrina comunista, atéia, materialista, relativista, evolucionista, colide do modo mais radical com o conceito católico de um Deus pessoal, que promulgou para os homens uma Lei em que se consubstanciam todos os princípios da moral, fixos, imutáveis, e consentâneos com a ordem natural. A "cultura" comunista, considerada em todos os seus aspectos e em cada um deles, conduz à negação da moral e do direito. A colisão do comunismo com a Igreja não se dá, pois, apenas em matéria de família e de propriedade. E é sobre toda a moral, sobre toda a noção do direito, que a Igreja se deveria então calar.
Consideremos, entretanto, "argumentandi gratia", só a hipótese de um silêncio da Igreja sobre a família e a propriedade privada.
É tão absurdo admitir-se que a Igreja aceite restrições quanto à sua pregação em matéria de família, que nem nos detemos na análise desta hipótese. Mas imaginemos que se Lhe desse toda a liberdade de pregar sobre a família, não porém sobre a propriedade privada. O que então teríamos que responder?
À primeira vista, dir-se-ia que a missão da Igreja consiste essencialmente em promover o conhecimento e o amor de Deus, mais do que era preconizar ou manter um regime político ou social. E que as almas podem conhecer e amar a Deus sem ser instruídas sobre o princípio da propriedade privada. Isto nos parece falso. O conhecimento e o amor da Lei é inseparável do conhecimento o do amor de Deus. A Lei por sua vez é um todo, do qual não nos é dado destacar qualquer parcela. Ora, o princípio da propriedade privada está consignado em dois mandamentos da Lei de Deus. Renunciar a ensiná-lo aos fiéis seria, para a Igreja, o mesmo que renunciar a promover nos homens o conhecimento e o amor de Deus.
Acresce que, aceitando de passar sob silêncio esse princípio, a Igreja renunciaria a formar cristãmente seus filhos. Com efeito, sem senso de propriedade não há senso de justiça. A Igreja, se renunciasse a formar nos fiéis a noção exata da propriedade, renunciaria a formá-los na justiça.
De mais a mais, o mandato de Jesus Cristo à sua Esposa consiste em que pregue a Lei inteira a todos os povos, em todos os tempos. Se algum governo terreno exige d’Ela o contrário como condição para ser livre, Ela não poderá aceitar essa liberdade que não é senão um simulacro falacioso.
Consideremos um outro aspecto da questão.
Segundo certas notícias da imprensa, alguns governos comunistas enunciam o propósito de, pari passu com a concessão de certa liberdade religiosa, operar um recuo parcial no socialismo, admitindo a título provisório algumas formas de propriedade privada. Neste caso, a influência do regime sobre as almas seria menos funesta. A pregação e o ensino católico não poderiam então aceitar de passar sob silêncio, não propriamente o princípio da propriedade privada, mas toda a extensão que este tem na moral católica?
A isto se poderia responder que nem sempre os regimes mais brutalmente antinaturais - ou os erros mais flagrantes e declarados - são os que conseguem deformar mais fundamente as almas. O erro descoberto ou a injustiça brutal, por exemplo, revoltam e causam horror, ao passo que mais facilmente são aceitas como normais as meias injustiças e como verdade os meios erros, e uns e outras mais rapidamente corrompem as mentalidades.
"Conclusão da página 6"
Foi muito mais fácil combater o arianismo do que o semi-arianismo, o pelagianismo do que o semi-pelagianismo, o protestantismo do que o jansenismo, a Revolução brutal do que o liberalismo, o comunismo do que o socialismo mitigado. Acresce que a missão da Igreja não consiste apenas em combater os erros brutalmente radicais e flagrantes, mas em expungir da mente dos fiéis todo e qualquer erro, por mais tênue que seja, para fazer brilhar aos olhos de todos a verdade integral e sem jaça, ensinada por Nosso Senhor Jesus Cristo.
3. Quanto à terceira condição, parece-nos igualmente inaceitável.
Quando a Igreja resolve tolerar um mal menor, não quer dizer com isso que esse mal não deva ser combatido com toda a eficácia. "A fortiori" quando este mal "menor" é em si mesmo gravíssimo.
Em outros termos, Ela deve formar nos fiéis, e neles renovar a todo momento, um pesar vivíssimo pela necessidade de aceitar o mal menor. E, com o pesar, deve suscitar neles o propósito eficaz de tudo fazer para remover as circunstâncias que tornaram necessária a aceitação do mal menor.
Ora, agindo assim, a Igreja romperá a possibilidade da coexistência. E entretanto, ao que nos parece, não poderia agir de outro modo dentro do imperativo de sua sublime missão.
4. Objetar-se-á talvez que o senso da propriedade está de tal maneira arraigado nos camponeses de certas regiões da Europa, que se pode transmitir de geração em geração, como que com o leite materno, pelo simples ensino do catecismo em família. Em consequência, poderia a Igreja silenciar sobre o direito de propriedade durante decênios, sem prejuízo para a formação moral dos fiéis.
Não negamos que o senso da propriedade seja vivaz em algumas regiões da Europa. É notório que por isso mesmo os comunistas tiveram de retroceder em sua política de confisco, e restituir terras aos pequenos proprietários da Polônia, por exemplo.
Entretanto, estes retrocessos estratégicos, frequentes na história do comunismo, não constituem da parte dos sectários deste senão uma atitude de momento, a que se resignam por vezes, para mais completamente vencer. Assim que as circunstâncias lho permitem, voltam à carga com astúcia e energia redobradas.
Será então este o momento de maior perigo. Expostos à ação da técnica de propaganda mais astuciosa e requintada, os camponeses terão que sofrer por tempo indeterminado a ofensiva ideológica marxista.
Quem não estremece ao imaginar exposta a este risco a jovem geração de qualquer parte da terra? Admitir que o mero senso rotineiro e natural da propriedade pessoal constitua normalmente couraça de todo tranquilizadora contra tão grande perigo, é confiar muito em um fator humano. Na realidade, sem a ação direta e sobrenatural da Igreja, preparando seus filhos com toda a antecedência e assistindo-os na luta, é pouco provável que fiéis de qualquer país e qualquer condição social resistam à prova.
Ademais, como dissemos, não nos parece lícito, em qualquer caso, que a Igreja suspenda por decênios o exercício de sua missão, que consiste em ensinar na íntegra a Lei de Deus.
5. Mas, diria ainda alguém, sendo o comunismo tão antinatural, tem uma existência necessariamente efêmera. Assim, a Igreja poderia aceitar um "modus vivendí" com ele apenas por algum tempo, até vê-lo cair de podre, ou pelo menos se atenuar.
A isto, várias respostas poderiam ser dadas:
a) Esse caráter "efêmero" seria pelo menos muito relativo. Há quase meio século que o comunismo está dominando a Rússia. A não ser Deus, que conhece o futuro, quem pode dizer com segurança quando cairá?
b) Pelo próprio fato de se atenuar, tal regime então se prolongaria, pois ficaria menos antinatural. Essa atenuação não seria, pois, uma marcha para a ruína, mas um fator de estabilização.
c) Há regimes profundamente contrários a fundamentais exigências da natureza humana, mas que de si duram indefinidamente. Assim a barbárie de povos aborígines da América ou da África, que durou séculos, e mais ainda duraria por sua vitalidade intrínseca se fatores externos não a estivessem eliminando. E ainda assim, com que custo esta substituição de uma ordem antinatural por outra mais natural se vai fazendo!
6. Antes de encerrar estes argumentos, convém acrescentar-lhes uma ponderação.
À primeira vista, dir-se-ia que certos gestos de "distensão" do pranteado Papa João XXIII em relação à Rússia soviética, são de molde a orientar o espírito em sentido diverso destas conclusões. Entretanto, é bem o contrário que se deve pensar.
Os aludidos gestos de João XXIII se situam inteiramente no plano das relações internacionais.
Quanto ao plano em que se situa este estudo, o próprio Pontífice, reafirmando na Encíclica "Mater et Magistra" as condenações fulminadas por seus Antecessores contra o comunismo, deixou bem claro que não pode haver uma desmobilização dos católicos em face deste erro que os documentos pontifícios repudiam com supremo vigor. De resto, também de fontes comunistas não têm faltado as afirmações sobre a impossibilidade de uma trégua ideológica ou de uma coexistência pacífica entre a Igreja e o comunismo: "Aqueles que propõem a idéia da coexistência pacífica, em matéria de ideologia, resvalam de fato para posição anticomunista" ( Kruchev, cf. telegrama de 11-3-63 da AFP e ANSA, "O Estado de São Paulo" de 12-3-63 ). "Minha impressão é que nunca, e em campo nenhum,( ... ) será possível chegar a uma coexistência do comunismo com outras ideologias e portanto com a religião" ( Adjubei, cf. telegrama de 15-3-63 da ANSA, UPI e DPA, "O Estado de São Paulo" de 16-3-63 ). "Não há conciliação possível entre o catolicismo e o marxismo" ( Palmiro Togliatti, cÍ. telegrama de 21-3-63 da AFP, "O Estado de São Paulo" de 22-3-63 ). "Uma coexistência pacífica das idéias comunista e burguesa constitui uma traição à classe operária ( ... ). Nunca houve coexistência pacífica das ideologias; nunca houve nem haverá" ( Leonid Ilytchev, secretário da Comissão Central e presidente da Comissão Ideológica do PCUS, cf. telegrama de 18-6-63 da AFP, ANSA, AP, DPA e UPI, "O Estado de São Paulo" de 19-6-63 ). "Os soviéticos rechaçam a acusação de que Moscou aplica também o princípio da coexistência à luta de classes, e dizem que tampouco a admitem no terreno ideológico" ( carta aberta da CC do PCUS, cf. telegrama das agências citadas, de 15-7-63, "O Estado de São Paulo" de 17-7-63 ).
Nestas condições, é bem evidente que a Igreja militante não renunciou, e nem poderia renunciar, à liberdade essencial para lutar contra seu terrível adversário.
VII - UMA OUTRA FÓRMULA: A COEXISTÊNCIA EM REGIME DE "PIA FRAUS"
Mas, dirá alguém, se a Igreja quiser aceitar a coexistência com algum regime comunista, poderá fazê-lo com a "arrière pensée" de fraudar quanto possível o pacto.
Considerada a hipótese de um pacto explícito, deve-se objetar que a ninguém é permitido comprometer-se a fazer algo de ilícito. Se, pois, a aceitação das condições de que vimos tratando é ilícita, o pacto de que elas constem não pode ser feito.
Quanto à hipótese de um pacto implícito, cabe dizer - para não considerar senão esse aspecto - que há ingenuidade em imaginar que as autoridades comunistas, de feitio eminentemente policial e servidas pelos poderosos recursos da técnica moderna, não ficariam sabendo desde logo de violações sistemáticas de tal pacto.
VIII - CONSEQÜÊNCIAS
Para o comunismo, um pacto com as condições que enunciamos acima no item V, se cumprido exatamente, traria vantagens imensas. Pois se formariam novas gerações de católicos mal preparados, tíbios, recitando talvez o Credo com a ponta dos lábios, porém com a mente e o coração encharcados de todos os erros do comunismo. Em suma, católicos na aparência e na superfície, comunistas nas camadas mais profundas e autênticas de sua mentalidade. Depois de duas ou três gerações formadas em uma tal coexistência, o que de católico ainda perduraria nos povos?
A este propósito seja-nos lícito fazer uma observação que confirma estas asserções. Diz ela respeito aos riscos pastorais e práticos tão graves, que decorrem por vezes da inevitável aceitação da hipótese, mesmo quando se continua fiel à tese.
Gozando de toda a liberdade no regime laicista atual, nascido da Revolução Francesa, a Igreja viu escaparem de seu regaço milhões e milhões de homens. Como disse o Exmo. Revmo. Mons. Angelo Dell’Acqua, Substituto da Secretaria de Estado, "em consequência do agnosticismo religioso dos Estados" ficou "amortecido ou quase perdido na sociedade moderna o sentir da Igreja" ( Carta a Sua Eminência o Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, Arcebispo de São Paulo, a propósito do Dia Nacional de Ação de Graças de 1956 ). Qual a razão profunda deste fato? As instituições públicas exercem sobre a maior parte dos homens uma influência profunda. Eles as tomam habitualmente e até sem o perceber, como modelo e fonte de inspiração para todo o seu modo de pensar, de ser e de agir. E o laicismo, por ser adotado pelos Estados, falseou inteiramente um imenso número de almas. Isto certamente não teria acontecido se os católicos tivessem sido muito mais zelosos em aproveitar sua irrestrita liberdade de ação, para difundir e propugnar todos os ensinamentos pontifícios contra o Estado leigo. Eles contudo não o fizeram porque em muitíssimos casos, vivendo numa atmosfera laicista, perderam a noção viva do tremendo mal que o laicismo é. Continuaram a afirmar raras vezes, e com a ponta dos lábios, a tese antilaicista, mas acabaram por achar normal a hipótese.
Ora, num regime comunista, em que os erros são inculcados com muito mais insistência pelo Estado do que no regime laico-liberal, ou as almas se deixam arrastar em profusão ainda muito maior, ou se faz contra esses erros muito e muito mais do que se fez contra o laicismo desde a Revolução Francesa até hoje.
Quem ousasse imaginar que isto seria tolerado por qualquer regime comunista, não teria a menor ideia do que seja o comunismo.
IX - CONCLUSÃO PRÁTICA
Para aniquilar as vantagens que, no Ocidente, o comunismo já tem alcançando com seus acenos de uma certa distensão no terreno religioso e social, é importante e urgente esclarecer a opinião pública sobre o caráter intrínseca e necessariamente fraudulento da "liberdade" por ele concedida à Religião, e sobre a impossibilidade da coexistência pacífica de um regime comunista - ainda que moderado - com a Igreja Católica.
nova política religiosa vem dando lugar a perplexidades e divisões. Da solução deste problema depende em grande parte o futuro do mundo.
VARIAÇÕES SOBRE O TEMA DO ANTICOMUNISMO
Em contraste com a ação coordenada dos que no mundo inteiro pugnam pela implantação do comunismo em todos os quadrantes da vida política, econômica e social, presenciamos o triste espetáculo da desarticulação de esforços em certos setores que participam do dever de embargar os passos a essa ciclópica conjuração. Tal desordem provém de várias causas, sendo uma das mais importantes a infiltração, sorrateira ou mesmo aberta, de agentes da Revolução dentro de determinadas fileiras dos que se propõem lutar contra tão insidioso inimigo.
Não nos devemos esquecer de que essa infiltração comunista, embora presentemente em fase acelerada, não começou de repente. Precedeu-a todo um período de desagregação liberal de mentalidades, com a destruição gradativa das fronteiras entre o bem e o mal, entre o vício e a virtude, entre a verdade e o erro, entre a lógica e o disparate, de modo a produzir uma grave confusão de valores nos planos mais altos da vida religiosa, intelectual e moral dos povos do Ocidente. E assim chegamos à lamentável situação atual, em que em determinados ambientes católicos todas as audácias se permitem aos fautores do mal, sem que se lhes ponha um freio, pois a palavra de ordem ali é que não devemos ser destrutivos mas construtivos em face de nossos adversários.
FAÇAMOS UMA COISA SEM OMITIR A OUTRA
Estamos, evidentemente, diante de um modo farisaico de agir. Devemos fazer uma coisa sem omitir a outra. Para ilustrá-lo, recorramos a um exemplo histórico. Ao voltarem do cativeiro em Babilônia, os israelitas se entregaram à imperiosa faina de reconstruir os muros de Jerusalém, no que foram obstados pelos povos vizinhos, seus velhos inimigos. Sem renunciar aos seus propósitos construtivos, os filhos de Davi exerceram pela espada o direito de legítima defesa: "Os que edificam os muros, e os que acarretavam, e os que carregavam, com uma das mãos faziam a obra, e com a outra pegavam na espada; porque cada um dos que edificavam tinha a sua espada à cinta" (2 Esd. 4, 17-18). Eis a atitude que devemos tomar diante do erro comunista. O combate a este não nos impede de levar a cabo a obra de reconstrução social que se faz imprescindível face aos escombros causados pela Revolução. Pelo contrário, se não nos opusermos ao erro com toda a energia, a muralha da verdade não poderá ser reedificada, e a Cidade ficará sujeita à sanha de seus piores inimigos.
Por todas estas razões, foi com particular interesse que lemos no "Diário Ilustrado" de Santiago do Chile (nos de 28, 29 e 30 de novembro e de 1° de dezembro de 1962) um estudo intitulado "Variações sobre o tema do anticomunismo", de autoria do eminente filósofo tomista Pe. Osvaldo Lira, SS. CC., professor da Pontifícia Universidade Católica do Chile. Na impossibilidade material de reproduzir na íntegra, como seria de nosso desejo, essas lúcidas e oportunas considerações sobre tão candente tema, oferecemos aos nossos leitores um resumo da cerrada argumentação desenvolvida pelo ilustre Sacerdote no sentido de mostrar a liceidade e a necessidade do anticomunismo, tanto em sua forma indireta quanto direta.
"TODO UM MOVIMENTO IDEOLÓGICO"
“são hoje legião — escreve o Pe. Osvaldo Lira — os que reagem de modo imediato, fulminante e irritado contra qualquer medida que se pretenda adotar, ou mesmo se insinue, contra o comunismo. Dir-se-ia até que não foi o comunismo, mas o anticomunismo que Sua Santidade o Papa Pio XI declarou intrinsecamente perverso na magistral Encíclica "Divini Redemptoris". Esse sentimento de hostilidade contra o anticomunismo resultou "em todo um movimento ideológico com que se fizeram solidários, deliberadamente ou não, diversos setores católicos de nosso país". Para tais pessoas, toda ação anticomunista de caráter direto — não importa se ideológica ou prática — constitui "um atentado contra o grande preceito da caridade, no qual declarou Nosso Senhor se acharem resumidos, cifrados, compendiados toda a Lei e os Profetas". Contra o comunismo não se pode adotar, por conseguinte, nenhuma atitude de hostilidade, prática ou especulativa, ostensiva ou encoberta. O mais que se admite contra ele é o recurso aos meios indiretos, únicos que seriam permitidos pela lei da caridade.
Não pretendendo analisar as variadas causas dessa lamentável atitude, mostra todavia, o Autor como elas "engendraram um estado de espírito vizinho da mais extremada apatia mental, ante o qual nada e ninguém é capaz de despertar interesse, a não ser as doutrinas e posições que nos dispensem de agir e que nos permitam, por isso mesmo, permanecer em nossa indolência espiritual. Para nossa preguiça mental, é evidentemente muito mais fácil deixar que os acontecimentos sigam o curso predeterminado por sua dialética interna, do que intervir para modificá-lo segundo as exigências da verdade. O mal é que, nestas circunstâncias, o repouso resulta de pouca duração, porque as consequências que se nos podem deparar após um súbito despertar serão provavelmente catastróficas. Mas isto é o que não querem, não podem, ou não sabem ver os indolentes. Tal é, pois, a nosso ver, a raiz do sentimento em questão: o desejo de não criar para si problemas (como se estes dependessem de nossa vontade para se apresentarem)".
Torna-se assim facilmente explicável a irritação que provoca nesses comodistas qualquer atitude nitidamente anticomunista, que os tira de seu plácido sossego. A partir daí, tal hostilidade vai crescendo num ritmo cada vez mais rápido, a ponto de se tornar um "slogan" de ampla circulação a frase de que "existe algo pior que o comunismo, e é o anticomunismo".
Aos comunistas, em nome da caridade, parece que deve ser deixado campo livre para combater e destruir o que quer que seja. E "o que se está obtendo com semelhante atitude suicida é, simplesmente, cortar pela raiz qualquer impulso de exercer o direito inalienável de defesa própria". Acontece que a legítima defesa constitui não um direito simplesmente positivo, mas um direito natural, anterior a qualquer legislação. E isto, prossegue o Autor, "deve ser tomado muito a sério, porque a ninguém se pode censurar com justiça por exercer este direito, mesmo que quem o exerça seja levado — para defender a própria vida — a provocar a morte do agressor".
UMA SITUAÇÃO DE PRIVILÉGIO
Cria-se, assim, uma situação de privilégio para o comunismo: parece ser ele a única ideologia anticatólica na qual não podemos tocar. O que certamente é uma terrível aberração, pois, como lembra o artigo, se devemos nos manifestar inimigos, por exemplo, de ditadores que recorreram a procedimentos antijurídicos para escalar o poder, "muito mais irreconciliavelmente deveremos combater o comunismo, uma vez que não só contraria os simples direitos constitucionais ou positivos, senão que atenta contra o próprio direito natural considerado não só em alguma de suas prescrições, mas no conjunto delas. Não há, com efeito, nenhum fator de iniquidade, em nenhum regime de governo de qualquer índole que seja, que não se verifique em proporções maiores dentro do comunismo". E indaga o articulista: "Por que então um favoritismo que tanto repugna? Repetimos: não logramos descobri-lo".
Mais adiante, depois de demonstrar que a lei da caridade manda, a todo custo, impedir a propagação dos erros comunistas, proclama o Pe. Osvaldo Lira com sua linguagem clara e desassombrada: "O comunista é um malfeitor ao qual se deve punir de modo semelhante ao que se emprega contra o assaltante e o gangster. O malfeitor constitui dentro da sociedade um valor negativo enquanto malfeitor. Impedi-lo, por conseguinte, de realizar suas tropelias significa tratar de transformá-lo em valor positivo. Negar uma negação, tanto em matemática como em sociologia religiosa, ou em qualquer outra ciência, significa e implica uma afirmação. E o comunista é um malfeitor porque se empenha em realizar uma ordem de valores que traz como consequência fatal e necessária a destruição de todos os valores pelos quais a pessoa humana emerge e transcende dos limites da animalidade. E um malfeitor ideológico, que é um tipo de malfeitor muito mais perigoso que o habitual e corrente, porque não destrói somente o corpo e os bens materiais (que estes ele também os destrói), mas ao mesmo tempo os bens do espírito: família, Religião, lar, cultura autêntica, etc. Que há de estranho, portanto, em que os anticomunistas tratem de reprimi-lo em seus desmandos? Não é, por acaso, legítima a defesa própria? Ademais, é preciso ter em conta que os bens materiais não nos foram concedidos para que os esbanjemos, senão para que os aproveitemos servindo com eles ao próximo. Escandalizar-se, por conseguinte, e rasgar as vestes porque muitos dos anticomunistas — ou talvez todos — tratam de conservar seus bens materiais, não pode ser coisa senão de espíritos precipitados e atarantados. Em outras palavras, dos que só conseguem considerar os problemas em seus aspectos superficiais".
COMO SE APLICA A LEI DA CARIDADE
"O pecado não reside em defender os bens materiais. O pecado consiste em defender somente os bens materiais, o que é muito diferente". Ao comunismo "não se deve combater por motivos egoístas, mas por amor à verdade pregada por Nosso Senhor Jesus Cristo, que se identifica com o amor à verdade absoluta, ou seja, com o amor ao próprio Deus".
A lei da caridade não consente que sejamos unilaterais: "Ao insistir na obrigação de amar aos comunistas porque são nossos próximos, não devemos esquecer que, em virtude dessa mesma condição de próximos, cumpre-nos amar também aos anticomunistas. Ou, simplesmente, aos que não são comunistas. Este é um truísmo de que se esquecem com demasiada frequência os católicos sentimentaloides. Há uma obrigação estrita de amar aos que não são comunistas, inclusive os que somos anticomunistas. Talvez muitos desses sentimentais não encontrem melhor modo de manifestar amor para com os anticomunistas, do que procurando evitar que incorram em pecado de ódio contra os comunistas, — razão por que os açoitam. Talvez. O que se torna, então, difícil de compreender é porque contra os anticomunistas se podem empregar os mesmos meios coercitivos que não se podem empregar contra os comunistas". A não ser que se queira criar para o comunismo uma inexplicável situação de privilégio.
"Nosso Senhor Jesus Cristo nunca disse que, devendo amar a todos, inclusive os inimigos, devamos amar a estes últimos do mesmo modo que aos amigos. Isto é evidente. Se amar uma pessoa consiste em procurar-lhe algum bem, é evidente que não se podem procurar de igual maneira os bens que respectivamente são próprios ao malfeitor e ao homem honrado. É a lei da caridade que nos impõe amá-los de modo diverso: aos que estão na verdade, favorecendo-os em seus propósitos; aos que estão no erro, contrariando-os nos seus. Assim uns e outros serão beneficiados. Os primeiros, porque se faz com que progridam no caminho do bem; e os segundos, porque se impede que entrem, ou, se já entraram, que prossigam pelo caminho do mal, a fim de que enveredem pelo caminho do bem. Ademais, é claro que nestas reflexões não se toca nem se pretende tocar no problema da responsabilidade pessoal, porque tal problema só Deus o pode resolver”.
. . . E COMO SE CAI NO RELATIVISMO
Assim, pois, pelo próprio fato de que se deve amar aos não comunistas, ainda quando sejam anticomunistas, cumpre reprimir a expansão dos erros marxistas. A verdade não pode ficar nivelada com o erro, nem sequer em suas possibilidades de difusão. A verdade deve ser difundida obrigatoriamente. O erro deve ser reprimido, coarctado, também obrigatoriamente. Reconhecer ao erro os mesmos direitos e as mesmas possibilidades de difusão da verdade significa reduzir a verdade às dimensões negativas e anti-humanas do erro. Ao se equiparar o mal ao bem, fica equiparado o bem ao mal, — o que é monstruoso. Ao erro não se pode reconhecer nenhum direito, porque, na realidade, não tem nenhum. À verdade, porém, não se pode negar nenhum direito, por isso que na realidade os tem todos".
Dentro ainda deste aspecto da questão, "convém refletir, às vezes, sobre o perigo em que nos achamos, todos, de cair no relativismo. Porque a mais de um católico, desses que estamos censurando por sua hostilidade ao anticomunismo direto, temos ouvido dizer que nos devemos colocar no ponto de vista dos comunistas e pensar que a mesma coisa que nos parece verdade a nós, a eles lhes parece erro. Tal atitude implica, evidentemente, em um perfeito relativismo prático. Como católico, ninguém pode achar que o Catolicismo seja verdade só para os católicos, senão que é verdadeiro em si, porque seu Fundador, Jesus Cristo, Se declarou a Si mesmo, não como uma verdade, ou como uma verdade para nós católicos, mas como a Verdade em si. É muito diferente crer que o Catolicismo é verdade só para nós católicos, e crer que o Catolicismo, para nós, é a Verdade em si. Por não fazerem suficientemente tal distinção é que os católicos hostis ao anticomunismo tomam essas atitudes do mais néscio e mais pernicioso relativismo. Nós católicos não podemos crer em uma verdade que o seja só para nós, mas em uma Verdade absoluta, que o é para todos e para tudo".
CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS
A primeira consequência a tirar de tudo isso é que se podem empregar contra os comunistas os mesmos processos que são lícitos contra nossos outros inimigos. Não há motivo para estabelecer uma situação de privilégio para eles. Assim, por exemplo, pode-se recorrer ao boicote contra os seus estabelecimentos comerciais. Também se pode empregar contra os comunistas, no momento oportuno, a violência. A existência de circunstâncias em que a ela se pode recorrer é reconhecida pela ética tradicional. Encaminhada a repelir as violências do comunismo, não somente é boa, mas laudabilíssima. "E, naturalmente, ao falar das violências do comunismo, não nos referimos apenas às que já são uma realidade, mas também àquelas que se afiguram prováveis. Para se repelir a agressão, não é necessário que já esteja consumada. De outro modo não se poderia defender jamais a própria vida com a morte do agressor, o que, não obstante, é permitido pela moral católica. Pois bem, nas circunstâncias atuais, ante os exemplos de Cuba e tantos outros, ousaríamos afirmar que a agressão comunista à nossa pátria é sonho de loucos ou simples quimera?" Aqui intervém, portanto, o direito natural de legítima defesa.
"O modo de manifestar nossa caridade em relação aos comunistas consiste em impedi-los de realizar seus propósitos, tanto na ordem doutrinaria quanto na da ação prática. Em troca, o modo de manifestar nossa caridade para com as vítimas prováveis ou simplesmente possíveis do comunismo é, precisamente, procurar evitar-lhes os perigos provenientes dessa doutrina e dessa ação. Com uma mesma atitude se logram, assim, dois objetivos diversos ainda que correlativos".
Só repressão não basta. Mas sem ela não se conseguem tampouco resultados positivos de nenhuma espécie. "Em resumo, os dois tipos de ação anticomunista são necessários: o direto e o indireto. É preciso procurar a conversão dos que já são comunistas. Mas é também preciso buscar a preservação dos que ainda não o são, para que nunca o venham a ser. Desse modo, um amor mal entendido para com os comunistas implica, de si, em um desamor não menos mal entendido para com os que não são comunistas. Por isso devemos a todo custo impedir que os comunistas continuem a envenenar o ambiente com suas difamações, suas calunias, suas irreverências, suas imoralidades e suas impiedades, segundo estamos contemplando agora em nossa pátria com indolência muçulmana".
Assim, pois, contra o comunismo devemos lutar direta e indiretamente, porque ao inimigo — segundo aconselha o próprio Cristo Nosso Senhor no Evangelho — se deve combater com meios proporcionados. "Se o comunismo vem a nós só com ideias adversas saiamos ao seu encontro com a bagagem de nossas ideias, impedindo-o, ao mesmo tempo, de difundir as suas. Porque o argumento de que a verdade se impõe por si mesma fica refutado com o fato de que o próprio Jesus Cristo não logrou por Si só impor as verdades maravilhosas de sua pregação, apesar de ser Deus. Por isso, se o comunismo vem a nós com armas materiais, devemos sair-lhe ao encontro com nossas armas materiais. Ninguém disse, com efeito, que morrer por Cristo seja a única maneira de servi-Lo. Muitos de seus grandes servidores — ou seja, de seus grandes Santos — se santificaram e O serviram, não morrendo por Ele, senão matando para defender os valores sobrenaturais. Longe de horrorizar-se com isto, a Igreja os elevou aos altares. E note-se que em matéria de canonizações a Igreja é infalível... Ai estão, como exemplo irrefutável, São Luís e São Fernando, entre muitos outros". O amor é o que importa — conclui o eminente articulista — mas o amor teologal. Por outras palavras, a caridade. E, como vimos, a caridade em certas ocasiões não se acha divorciada da dureza.