P.04-05

A EXEGESE TRADICIONAL

(continuação)

saciar a sede do povo judeu, e a chaga aberta no Senhor pela lança do soldado, que fez jorrar uma torrente de vida para as almas fiéis, a relação que ele expõe entre estes dois fatos não é fruto de sua imaginação. Está fundada sobre o testemunho do próprio São Paulo, que declara expressamente: "E a pedra era Cristo" (1 Cor. 10, 4).

"(...) Assim, não se pode duvidar do alto valor deste sentido espiritual, que os exegetas cientistas qualificam de "fantasia piedosa". Embora não possua "valor argumentativo", como dizia a Idade Media, isto é, embora não possa ser utilizado nas discussões teológicas, ele constitui para a alma cristã um alimento da melhor qualidade, e é indispensável para a vida contemplativa. É o sentido espiritual que dá ao Antigo Testamento seu verdadeiro sabor. Sem ele o estudo da Bíblia se esteriliza e se torna árido; torna-se ciência pura, desta ciência infeliz que não se transforma em amor". Por isso o Papa Pio XII impõe como obrigação ao exegeta "manifestá-lo e expô-lo com o cuidado que exige a dignidade da palavra divina" (Encíclica cit., ibid., p. 340). E para dar-lhe o meio de descobrir com segurança tal sentido, o Pontífice indica-lhe a fonte onde deverá buscá-lo.

NORMAS DA SANTA SÉ

“Para desobrigar-se de seu encargo — diz o Papa — o exegeta católico poderá se valer do estudo solerte daqueles escritos com que os Santos Padres, os Doutores da Igreja e os ilustres intérpretes das idades passadas comentaram os livros sagrados. Tendo, embora, menor erudição profana e menor ciência das línguas do que os intérpretes de nossos dias, esses autores, pelo munus que Deus lhes atribuiu na Igreja, se destacam por uma certa suave intuição das coisas celestes e por uma acuidade mental maravilhosa, com as quais penetram até o íntimo as profundidades da palavra divina e trazem à luz tudo quanto pode servir para ilustrar a doutrina de Cristo e promover a santidade da vida. É lamentável que tesouros tão preciosos da antiguidade cristã sejam mal conhecidos por não poucos escritores de nossos tempos e que os cultores da história da exegese não tenham ainda tudo feito para bem aprofundar e justamente apreciar um ponto de tanta importância. Oxalá muitos se dediquem a pesquisar os autores e as obras de interpretação católica das Escrituras, e, extraindo as riquezas como que imensas ali acumuladas, concorram eficazmente para que não só se torne sempre mais manifesto quanto aqueles antigos autores penetraram e elucidaram a divina doutrina dos livros sagrados, mas também os intérpretes hodiernos daí tirem exemplo e retirem argumentos oportunos. Assim finalmente se realizará a feliz e fecunda fusão da doutrina e suave unção dos antigos com a mais vasta erudição e arte mais desenvolvida dos modernos, o que de certo produzirá novos frutos no campo, nunca suficientemente cultivado nem jamais exaurido, das Divinas Letras" (Encíclica cit., ibid., p. 341).

1) Nosso Vieira oferece muitos exemplos de emprego acomodatício das Sagradas Escrituras, alguns dos quais constituem os abusos de que fala Pio XII na "Divino Afflante Spiritu".

2) "Segundo o ensinamento de São Tomás, que representa neste ponto, como nos outros, a doutrina comum da Igreja, o sentido espiritual compreende três ramos, que são: o sentido alegórico ou tipológico, o sentido moral ou tropológico, o sentido anagógico (não confundir, por favor, com analógico), — cf. Ia., q. 1, a. 10, e Quodlib. VII, q. 6, a. 14, 15 e 16" (nota do Autor).


TRADIÇÃO E ÉTICA

F. F. A.

Cada homem tem neste mundo uma missão a cumprir, e na plenitude da correspondência a essa vocação deve brilhar nele uma virtude que, sobressaindo em sua personalidade mais do que as outras, é por onde sua alma mais caracteristicamente se assemelha a Deus e a Ele dá gloria. Vivendo os homens em contato uns com outros, devendo todos se ajudar reciprocamente no desempenho de sua missão respectiva, tendo aspirações comuns e uma pelo menos relativa consonância de ideias que permita o convívio, é natural que em cada comunidade humana as mesmas virtudes sejam as mais cultivadas e sirvam de orientação e controle para a ação que juntos devem desenvolver seus membros. É o que acontece normalmente com as famílias e com as nações.

Na alma do povo espanhol a virtude que lhe é apanágio e gloria, não há dúvida que é a fidelidade. Em toda a sua história, a Espanha se distinguiu pela fidelidade aos princípios católicos que presidiram a sua formação, e é essa a verdadeira causa do extraordinário esplendor que emprestou à Cristandade. Quer na prosperidade, quer nas provações, ela se cobriu de gloria pela abnegação, denodo e tenacidade com que soube se manter fiel aos ensinamentos do Evangelho e à sua vocação. Fidelidade que se afirmou já em Covadonga, onde um punhado de cavaleiros resistiu à invasão muçulmana e deu início à gesta incomparável da Reconquista. Fidelidade que permanecia íntegra onze séculos depois, quando no I Concílio do Vaticano o Episcopado espanhol compareceu coeso e batalhador para defender a ortodoxia, lutando contra os erros revolucionários que procuravam se infiltrar nas fileiras da Igreja através do liberalismo católico. Ainda recentemente, foi a fidelidade que impediu que o comunismo se apoderasse do país, e nestes dias é ela que resiste contra as forças da Revolução que querem descatolicizar a católica Espanha, tentando impor-lhe outras regras de vida e cultos contrários à verdadeira Fé.

A fidelidade é característica dos povos que amam a tradição, esse conjunto de princípios, instituições, normas e regras transmitidas pelos maiores e que constituem o fundamento da continuidade histórica de um povo. A fidelidade tem suas verdadeiras raízes na fé, e a tradição, colaborando com a graça, a mantém viva.

Ao estudo da tradição o Prof. Jorge Siles Salinas, político boliviano exilado no Chile e professor da Universidade Católica de Valparaiso, dedicou um trabalho publicado nos Anais daquela Universidade sob o título de "Tradición y Ética" (1).

É uma pesquisa séria e objetiva dos fundamentos da tradição e dos efeitos salutares que o conhecimento deles faz brotar na alma dos homens, levando-os a compreenderem melhor a sua própria missão. O artigo põe em relevo o caráter antitradicional da Revolução, e termina com uma análise detalhada dos efeitos negativos que os erros revolucionários conseguiram causar entre os povos da América Espanhola, quebrando a continuidade histórica que os ligava a seus antepassados.

Todo o artigo é solidamente documentado e as opiniões dos filósofos e sociólogos que trataram do assunto são expostas e analisadas com brilho e clareza, o que torna muito agradável a leitura, apesar da complexidade do tema e da abstração que exige uma perfeita exposição do mesmo.

Mostra o Autor que a tradição tem como frutos a fidelidade e a gratidão, valores morais que só encontram sua plena afirmação na fé católica.

Procurando o que resta de tradição nos povos hispano-americanos, o Sr. Jorge Siles Salinas lamenta que em larga medida os erros revolucionários os tenham afastado da fidelidade que lhes fora transmitida pelos antepassados espanhóis, espoliando-os assim da virtude distintiva que fizera a grandeza da Espanha e que certamente os conduziria a novos e grandes feitos no mundo novo que se anuncia.

FONTES DA REVOLUÇÃO

A importância vital que tem para os católicos o estudo da Revolução foi superiormente demonstrada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira no seu magistral ensaio "Revolução e Contra-Revolução". Tem ela várias frentes de combate, bastante amplas, cujo conhecimento minucioso é indispensável a todo contra-revolucionário. Seus métodos de ação, as ideias que procura impor para acelerar o seu progresso, os estados de espírito que auxiliam a sua expansão, são temas muito vastos que chamam a atenção dos estudiosos, convidando-os a explorá-los com a argúcia e o talento necessários para um perfeito conhecimento deles. Entre essas várias frentes, o aspecto político da Revolução é um dos que se apresentam como urgentes ao estudo dos católicos, dado o caráter acentuadamente esquerdista do panorama político em nossos dias.

Na revista "Finis Terrae", de Santiago do Chile, o Prof. Jorge Siles Salinas, em interessante artigo intitulado "Las dos fuentes de la revolución contemporanea" (2), aborda com rara felicidade esse tema, indicando as grandes linhas do processo revolucionário no seu estádio atual.

Tão variadas são as tendências revolucionarias e tais os recursos de que seus fautores lançam mão no seu esforço de proselitismo, que não é fácil ordenar e classificar essas grandes linhas. Tanto mais que elas nem sempre são coerentes, tudo servindo ao revolucionário, mesmo o crime, desde que conduza à destruição da civilização católica. O Sr. Jorge Siles Salinas, historiador profundo que não sacrificou à moda do dia o hábito de analisar os fatos à luz da filosofia da História, conseguiu identificar duas fontes principais de onde decorrem todas as ideias consubstanciadas no atual linguajar revolucionário. São elas a negação da História, que quer abolir o passado para que surja uma nova vida; e antiteticamente a divinização que concede à História um sentido de evolução irreversível que levaria a humanidade à sociedade utópica dos anarquistas.

Essas duas concepções básicas permitiram a criação de vários mitos do agrado da mentalidade superficial que caracteriza o homem moderno. O primeiro desses mitos, que substituiu a crença no progresso indefinido, tão em voga no século passado, é o mito da Revolução, aceito sem a menor autodefesa, principalmente nas jovens nações da América Latina. A esse propósito observa o Autor: "Não há palavra mais cara aos hispano-americanos do que esse vocábulo sonoro (a Revolução), cercado para nós de um vago prestigio romântico. A Revolução é a rebeldia, e há muitas décadas vimos sendo romanticamente educados para amar os gestos iconoclastas, para adorar na juventude o que há nela de rebelião apaixonada e detestar nos homens e nas coisas provectas o que nelas há de conformidade a uma experiência lentamente acumulada pelos anos. É por isso que à palavra Revolução se acrescenta outra, contaminada de equívocos e deformações, e é a palavra geração, entendida falseadamente no sentido de que cada nova geração tem o dever de se arrepender da obra de seus maiores, de se lhes opor e de os cobrir de escárnio" (p. 18).

O abandonar-se às paixões, somado a essa falta de reflexão e de análise, permite uma fácil difusão das ideias esquerdistas entre nós. As consequências disso são funestas, pois, como lembra o Autor, os efeitos da Revolução afetam as almas e são portanto muito mais perniciosos do que um terremoto ou outra grave calamidade natural.

A Revolução é essencialmente anticristã e só a Religião Católica a ela se opõe eficazmente. A volta aos princípios do Evangelho, a renovação de todas as coisas em Nosso Senhor Jesus Cristo, é o único modo eficiente de combatê-la, e só a Igreja possui recursos para opor um dique a essa progressiva destruição da sociedade contemporânea. Com os olhos voltados para os problemas da América Espanhola, o Sr. Jorge Siles Salinas lastima que ali alguns católicos se incorporem aos movimentos esquerdistas, dando a mais valiosa contribuição ao processo revolucionário, pois semeiam a cizânia e a desunião nas fileiras da Igreja.

Termina o Autor concitando os povos hispano-americanos a se unirem em um todo político superior que, levando em conta a realidade histórica e cultural dessa parte do continente, os conduza à plena ordem social católica.

1) "Tradición y Ética", Jorge Siles Salinas — "Anales de la Universidad Católica de Valparaíso", ir, 6, año 1959 — apartado.

2) "Las dos fuentes de la revolución contemporanea", Jorge Siles Salinas — apartado de la revista "Finis Terrae" — Santiago de Chile — 1962.


A Revolução, a filogênese humana e o Padre Teilhard de Chardin

Atanasio Aubertin

Encerramos hoje a série de artigos que vimos publicando (1), em desenvolvimento da tese abordada no n° 138 de «Catolicismo» («Evolução das espécies: apriorismos e confissões gnósticas»), com o objetivo de apontar dados científicos e fraudes no terreno da paleontologia humana, que é onde a propaganda revolucionário-evolucionista tem agido com mais insistência.

D. Descobertas idôneas no Paleolítico Inferior e Médio desabonam o evolucionismo

Reportando-nos à seção A do primeiro artigo desta série, tenhamos em mente que os evolucionistas sempre procuraram, com Teilhard de Chardin e Henri Breuil à frente, encaixar no Paleolítico Inferior os entes míticos chamados Pitecantropo e Sinantropo. Haveria assim evolução filogenética em paralelismo com a evolução da cultura lítica. Construíram eles aqueles monstros para «provar» o evolucionismo antropológico. Ora, enquanto os falsificadores de Choukoutien, de Piltdown, do Pitecantropo e da mandíbula de Eringsdorf faziam seu trabalho, outros pesquisadores, em regra geral adeptos do evolucionismo, efetuavam descobertas que refutavam aquilo que os primeiros queriam impingir como verdade. Vamos mencionar aqui alguns achados dos mais interessantes, lembrando que o zoologista britânico A. S. Romer diz num de seus livros que seria «exhaustive and exhausting» fazer uma lista de todas essas descobertas (A. S. Romer —«Man and the Vertebrates» — Penguin Books — 1947).

• Os homens do Monte Carmelo. - Trata-se de seis esqueletos com crânios, descobertos por volta de 1931-1932. Estavam localizados na base de um estrato do Paleolítico Médio, imediatamente contigua ao Paleolítico Inferior, pois estavam acima de um nível de cultura acheulense, que foi a última fase do Paleolítico Inferior. Os seis fosseis são contemporâneos, posto que se achavam num mesmo estrato arqueológico. O interessante é que um deles é homem de Neanderthal, outro um tipo intermediário entre neanderthalense e homem moderno, e os restantes se assemelham muito ao tipo Cro-Magnon do Paleolítico Inferior, sendo, pois, tipos modernos. Isto faz lembrar o que diz a Escritura: «O Senhor escarnecerá dos ímpios» (SI. 4, 18). Quando se descobriu o homem de Neanderthal, os evolucionistas quiseram ver nele uma fase da filogênese, e procuraram um tipo fóssil que fosse intermediário entre ele e os tipos modernos. Ora, no Monte Carmelo foi encontrado um tipo intermediário, mas localizado na fase mais antiga do Paleolítico Médio, e junto com um fóssil neanderthalense e tipos modernos. Veremos outros tipos intermediários no Paleolítico Inferior, isto é, mais antigos que os neanderthalenses. Análises mais recentes da anatomia desses esqueletos confirmam melhor ainda que o tipo racial moderno é bem mais antigo do que queriam os evolucionistas (cf. T. D. Stewart «Form of the Pubic Bone in Neanderthal Man» — «Science», vol. 131, p. 1437, 1960).

• Homem de Steinheim. - Descoberto em 1933 num estrato do interglacial Riss-Würm. Quer dizer: começo do Paleolítico Médio, ou Paleolítico Inferior; costuma-se atribuí-lo ao Paleolítico Inferior. Trata-se de um crânio com características mais de tipo moderno do que neanderthalense. Romer diz: «rather close to modern men» (A. S. Romer — op. cit.). É um tipo intermediário que é mais antigo que o homem neanderthalense.

• Swanscombe. - Um occipital e um parietal esquerdo tipicamente modernos, descobertos em 1935 e 1936 (cf. H. Brodrick — «El Hombre Pre-Histórico» — Fondo de Cultura Económica — 1955), num horizonte de cultura lítica acheulense, isto é, do Paleolítico Inferior.

• Fontéchevade. - Dois crânios, sendo um quase completo, descobertos em 1947, que confirmam o achado de Swanscombe. Encontrados num nível de cultura tayacense, do Paleolítico Inferior, no interglacial Riss-Würm. São tipos inconfundivelmente modernos (cf. J. C. Trevor - «The Fontéchevade Skulls and the Origin of Homo Sapiens» — «Nature», vol. 183, p. 1369, 1959).

• Homem de Olduvai. - É o mais antigo fóssil humano achado até agora, pois se encontrava num horizonte de cultura chelleense, uma das mais antigas culturas líticas do Paleolítico Inferior. Descoberto pelo pesquisador britânico L. Leakey, em 1960, foi essa a primeira vez que se encontrou o tão procurado homem da cultura chelleense, que os evolucionistas gostariam que fosse o mítico Pitecantropo. Trata-se, como diz Leakey, de um crânio que apresenta, entre outras características, fortes semelhanças com o de Steinheim (cf. L. S. B. Leakey — «New Finds at Olduvai Gorge» — «Nature», vol. 189, p. 649, 1961). É pois um fóssil intermediário entre neanderthalense e moderno.

Estes e outros achados formam o seguinte esquema cronológico, que desmente aquela «serie filogenética» construída por cientistas desonestos e apresentada em nosso primeiro artigo (seção B):

1) Paleolítico Inferior - tipos intermediários entre neanderthalense e moderno, e tipos modernos;

2) Paleolítico Médio - tipos intermediários, tipos neanderthalenses e tipos modernos;

3) Paleolítico Superior - tipos modernos.

Como vemos, ao longo de toda a pré-história aparecem homens com características morfológicas modernas. Esta serie morfologicamente semiconstante se opõe àquela morfologicamente progressiva do Pitecantropo-Sinantropo-Neanderthal-Modernos, que é uma serie pré-fabricada.

Infelizmente, os livros de texto, e especialmente as publicações de divulgação, insistem até hoje na serie pré-fabricada. Mais lamentável ainda é ver certos intelectuais católicos porfiarem nisso que não passa de uma fábula. Podemos citar os exemplos do Pe. F. Bergounioux e A. Glory (PB e AG — «Les Premiers Hommes» — Didier — 1943) e do Prof. G. Vandebroek, de Louvain (GV — «L'Origine de I'Homme et les Récentes Découvertes de Sciences Naturelles» — Casterman — 1953).

Este último afirma com toda a candura: «Quanto mais se conhece o ser vivo, mais evidente se torna a noção de evolução». E ainda faz outras afirmações não menos gratuitas, como a de que a teoria da seleção natural está demonstrada.

A OPERAÇÃO AUSTRALOPITECO

Para encerrar esta seção D, queremos chamar a atenção do leitor para uma nova tática que parece estar sendo utilizada pelos propugnadores da filogênese humana. Ultimamente se está insistindo em procurar na África as origens do homem. Ao mesmo tempo, o Pitecantropo e Sinantropo parecem estar passando por um processo de esquecimento forçado, depois que várias vozes pronunciaram a palavra fraude. É o que explica que, tendo esses intermediários sido oficialmente «descobertos» na Ásia Oriental, se desviem as pesquisas para um continente tão distante daquele, como é a África. Faz parte dessa nova tática, ao que certos fatos indicam, a operação Australopiteco.

O Australopiteco é um fóssil de macaco extinto, com anatomia diferente da dos macacos atuais. Foi descoberto em 1924, na África do Sul, por R. A. Dart (cf. H. Brodrick —op. cit.). Outros fosseis da mesma família foram encontrados depois, e, manhosamente, seus descobridores lhes deram cognomes de raiz «homem». Tal é o caso do Plesiantropo e do Parantropo. Dado que a morfologia desses fosseis é menos grotesca que a dos símios de hoje, e também pelo fato de apresentarem postura ereta (o mesmo acontece com os gibões atuais), os evolucionistas estão insistindo em afirmar que se trata de antepassados do homem. O cientista britânico evolucionista Houghton Brodrick (op. cit.) considera extravagante a tese de que os tipos da família Australopiteco são antepassados diretos do homem. Outro pesquisador, I. Desmond Clark (IDC — "Scientific American", vol. 199, n.° 1, 1958), também se opõe a essa tese com base em argumentos de morfologia e arqueologia pré-histórica.

Não faz dois anos, a imprensa noticiou de modo sensacionalista: «Descoberto na África o antepassado do homem, que viveu há 1,7 milhões de anos atrás». Ora, esse «antepassado» não é senão outro fóssil da família Australopiteco, o qual recebeu o nome tendencioso de Zinjantropo. Foi descoberto em 1959 por Leakey, o mesmo que encontrou o homem de Olduvai (L. S. B. Leakey — «Nature», vol. 184, p. 491, 1959). O próprio Leakey mostra que o fóssil é aparentado com o Australopiteco, e o considera do gênero Parantropo, portanto macaco.

E. Revolução e ciências puras;

o pecado contra a verdade

O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira no seu extraordinariamente lúcido estudo «Revolução e Contra-Revolução» diz o seguinte: «Considerada em um dado país, essa crise (a da Revolução) se desenvolve numa zona de problemas tão profunda, que ela se prolonga ou se desdobra, pela própria ordem das coisas, em todas as potências da alma, em todos os campos da cultura, em todos os domínios, enfim, da ação do homem» (op. cit., p. 18). Quer dizer: a Revolução é total. Sendo total, deve também abranger o campo das ciências puras, que pertencem ao intelecto especulativo. À primeira vista não parecerá talvez evidente que a Revolução possa ter feito seus estragos num domínio puramente cognitivo, onde o rigor lógico impõe aos pesquisadores a submissão às leis do pensamento. No terreno das ciências aplicadas, da tecnologia e da técnica, a coisa parece clara desde logo, pois elas são responsáveis pela construção desta civilização que enerva o espírito humano. Acontece que estas últimas disciplinas, que pertencem ao intelecto prático, dependem das ciências puras. De onde... Mas, não é só: as ciências puras enquanto tais têm sido trabalhadas pela Revolução. Como explicar que a atividade de pesquisa desinteressada de um astrônomo, de um físico espacial ou de um geólogo, possa sofrer uma influência revolucionaria? Como pode a atividade especulativa de descobrir os nexos causais subjacentes aos processos da realidade, sofrer a influência da Revolução?

"DESCOBRIDORES DAS INTENÇÕES DE DEUS"

Sabemos que toda atividade humana tem um fim, é precisamente esse fim que define se determinada atividade puramente especulativa é revolucionaria ou não. Qual é pois a finalidade das ciências puras? É o Papa Pio XII que no-la aponta quando visualiza a atividade de pesquisa do cientista. Citemo-lo: «A missão que vos foi confiada é, assim, das mais nobres; Pois deveis ser, em certo sentido, os descobridores das intenções de Deus» (Discurso à Academia Pontifícia de Ciências em 24-4-1955). Se esta é a finalidade do cientista, a das ciências puras é tornar Deus conhecido através da sabedoria que transparece nas leis do universo, as quais constituem o objeto imediato de tais ciências. Estas têm, pois, a missão de integrar seu acervo especulativo numa cosmovisão teológica. Ora, como evidencia o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu trabalho, a Revolução é total, e desde os fins da Idade Média vem desagregando no Ocidente o espírito de unidade teológica que a Igreja tinha infundido nas culturas humanas. Em consequência, esta finalidade das ciências puras, que em parte se vinha realizando na Idade Média, numa ciência incipiente, é claro, mas voltada a se integrar numa unidade cultural teológica (naquela época, aliás, as ciências pertenciam à filosofia natural), — essa finalidade não é sequer visada hoje em dia. É obvio que este ou aquele cientista hodierno pode estar-se desempenhando daquela nobre missão definida por Pio XII. Entretanto, a ciência oficial não se preocupa em glorificar a Deus, e a grande maioria dos pesquisadores, a quase totalidade, se dedica à investigação cientifica com o mesmo espírito que nos dias de hoje anima um artista a compor uma sinfonia ou pintar um quadro, isto é, eles se entregam a uma atividade espiritual porque é fonte de satisfação pessoal, ou também alimento da vaidade.

ANALOGIA NO TERRENO DA ARTE

Essa analogia resultará melhor especificada se considerarmos que o estado atual da ciência é equivalente ao da arte pós-medieval. Assim como as ciências estão hoje divorciadas da teologia, mas, não obstante, continuam em geral fundadas em sãos princípios metafísicos e lógicos, como os princípios de causalidade e não-contradição e os da dedução e indução, também as artes na Renascença estavam se divorciando da teologia sem contudo negarem princípios básicos da estética. A arte moderna não entra na analogia porque rejeita os próprios princípios estéticos, não é arte. Se as ciências negassem aqueles princípios ontológicos e lógicos, elas se negariam a si mesmas, como hoje a arte a si mesma se nega.

Como dissemos acima, em geral as ciências não negam tais princípios. De fato, a paleontologia, tendo incorporado a seus postulados básicos o do evolucionismo, está por isso mesmo introduzindo na sua estrutura algo que destrói a sanidade científica. Tivemos oportunidade de mostrar («Evolução das espécies: apriorismos e confissões gnósticas» — «Catolicismo», n.° 138) que o evolucionismo biológico se apresenta como uma violação da própria metodologia científica. Ora, se não existisse esse divórcio entre as ciências e a teologia (divórcio semelhante, aliás, está contaminando certos filósofos católicos, que filosofam como se fossem puros gregos da época clássica, sem nenhuma consideração pela teologia), não teria havido essa crise revolucionaria dentro da paleontologia e das ciências biológicas. E se a Revolução continuar por muito tempo em sua marcha destruidora que já conta cinco séculos, não chegarão as ciências a um estado semelhante ao da arte moderna, em que a atividade espiritual tem finalidades mágicas e desagregadoras do espírito humano? Não poderá acontecer, pois, que as ciências puras cheguem a situação análoga à da escolástica decadente dos fins da Idade Média, quando se especulava em torno de «non-senses» como «quantos Anjos cabem na cabeça de um alfinete»?

MALOGRO DOS CIENTISTAS SEMICONTRA-REVOLUCIONARIOS

O delírio evolucionista não teria vingado se as ciências, e em especial a paleontologia e as ciências biológicas, não estivessem, como toda a cultura dita moderna, divorciadas da ordem sobrenatural. «Sem

(continua)