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REVOLUÇÃO, FILOGÊNESE E TEILHARD DE CHARDIN

(continuação)

Mim nada podeis fazer» (Jo. 15, 5), diz Nosso Senhor. Os últimos cem anos nos mostram a realização dessas palavras no lamentável «affaire» evolucionista.

O evolucionismo é tão antigo quanto os sistemas gnósticos do pensamento mágico. A gnose é profundamente evolucionista. Como bem observa o Pe. Patrick O’Connell («The Six Days of Creation and the Origin of Man» — The Radio Replies Press Society — 1959), a propaganda evolucionista começou a se desenvolver no Ocidente cristão na época do enciclopedismo, quando as seitas revolucionarias propugnavam a volta ao antigo vomito gnóstico do paganismo, que é o igualitarismo e o liberalismo, características das velhas religiões pagãs esotéricas. O evolucionismo não é, como se pensa geralmente, um produto da pesquisa científica. Ele é uma intromissão dentro das ciências de algo que foi imposto de fora. Imposto, do mesmo modo que foi imposto ao mundo ocidental o erro igualitário e liberal. É muito interessante notar que as maiores resistências à aceitação do postulado filogenético partiram justamente de cientistas, como geólogos, paleontólogos e biologistas, que se lhe opuseram por razões não só cientificas como também religiosas (cf. Bernard Barber — «Resistance by Scientists to Scientific Discovery» — «Science», vol. 134, p. 596, 1961). Mas, como a Revolução já então tinha trabalhado o meio cientifico, tornando-o oficialmente indiferente, quando não hostil à Religião, essa honrosa resistência não conseguiu evitar que o evolucionismo se tornasse um ídolo reverenciado e intocável da ciência oficial. Depois que a sociedade dos cientistas assumiu aquele espírito de abstração das realidades sobrenaturais — imposto a toda a sociedade, a partir do século XVIII, pela Revolução — não adiantava que um bom número de cientistas, entre os quais vários dos mais conceituados, se opusessem às ideias evolucionistas. Essa oposição, quer pelo fato de que em geral não era inspirada pela verdadeira Fé, quer porque no meio cientifico já se encontrava assente um agnosticismo, senão de princípio, pelo menos de fato, não produziu efeitos duradouros. A ausência de Jesus Cristo torna inevitável o desenvolvimento do mistério de iniquidade. Como mostra o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (op. cit.), uma verdadeira ação contra-revolucionária só pode ser bem fundada nos princípios de que é detentora a Igreja. Qualquer ação semicontra-revolucionária está fadada ao malogro, ou quando muito a um êxito efêmero, por isso mesmo que — por definição — não está integralmente possuída pelo espírito de Jesus Cristo.

O PECADO CONTRA A VERDADE

O ídolo da filogênese é mais um elemento característico desta babel ideológica do mundo moderno. E uma das notas dominantes neste concerto de acordes dissonantes é precisamente a violação dos princípios do pensamento. O processo de crescimento da iniquidade, determinado pela submissão do homem às paixões desordenadas, leva de «requinte em requinte» (Plinio Corrêa de Oliveira, op. cit.) a negar os princípios evidentes que são o fundamento da ordem lógica, e a ordem racional que é a estrutura do universo, obra da Palavra de Deus. Quando o homem cede às paixões desordenadas, passa a aborrecer a ordem do Bem e, como consequência, tende a detestar a própria ordem da Verdade. A iniquidade, chegando aos requintes do caos, como acontece em nosso século, passa a ser pecado contra a verdade. O princípio de não-contradição, principio ontológico que fundamenta a ordem racional do ser, é então miseravelmente espezinhado e até frontalmente negado.

Mas esta negação da ordem da Verdade é um pecado, não é simples ignorância, já que a simples ignorância não se opõe aos princípios que fundamentam a ordem do pensar. Quando o pensamento humano se volta contra si mesmo, é porque existe esse pecado horrendo que é o ódio à Verdade, ódio a Deus, porque Deus é a Verdade. É escusado dizer que nesse fundo do mistério de iniquidade o homem encontra sempre o influxo daquele que é o «pai da mentira» (Jo. 8, 44), o inspirador dos movimentos revolucionários, aquele que odeia a Deus e a seu próprio ser criado por Deus, aquele que odeia o ser e portanto odeia a verdade das coisas.

O mundo moderno, marcado pela infidelidade à Igreja, Corpo Místico do Verbo humanado e detentora da Verdade, entregou-se à idolatria, entregou-se à fabricação de um «antidecálogo atrevido e insolente» (João XXIII, Alocução de Natal de 1960), verificando-se nisso uma «maquinação diabólica contra a Verdade» (João XXIII, ibidem). Vemos hoje a realização paroxística da desordem descrita por Santo Atanásio de Alexandria: «Deus levou o universo a ser. Os homens foram chamados à existência pelo Verbo. Mas eles representaram para si ídolos em lugar da verdade, e fizeram mais caso do nada do que do Deus que é» («L'Image de Dieu d'après St. Athanase» Regis Bernard — Aubier 1952). O pecado contra a Verdade, cujo paroxismo é o pecado contra o Espírito Santo, é o triste desfecho da infidelidade à Cruz de Cristo. Pois a submissão à Verdade que é Cristo significa renuncia a si mesmo, luta, sacrifício, sujeição continua à lei divina, em suma significa viver o «temor de Deus que é o começo da sabedoria», como diz a Sagrada Escritura (Si. 110, 10).

Rezemos constantemente com Maria e por Maria, Aquela que é a Sede da Sabedoria, a fim de que a luz dAquele que é a «luz dos homens» (Jo. 1, 4) espanque de toda a terra essas trevas.

1) Os primeiros artigos desta serie foram publicados nos no 149 e 151, de maio e julho de 1963.


UM CONSELHO ÚTIL A PROPÓSITO DO SR. GONDIN

Fabio Vidigal Xavier da Silveira

Outro dia, enquanto esperava a partida de um avião para Belo Horizonte, fui olhar a banca de jornais do aeroporto de Congonhas. Entre duas pilhas de revistas indecentes, encontrei uma série de pequenos livros de uma coleção chamada «Universidade do Povo». Pela apresentação e pelos títulos, vi logo que se tratava de publicações revolucionarias de esquerda, dessas que se editam às centenas no Brasil com verbas de origens inconfessáveis. Comprei dois volumes que me interessaram, escritos por um certo Gondin da Fonseca e intitulados: «Guerra de Guerrilhas» e «Os Gorilas, o Povo e a Reforma Agrária. Manifesto dos Bispos do Brasil».

Por uma questão de higiene mental desaconselho quem quer que seja a lê-los. Fazem mal ao espírito, procuram confundir as ideias, obnubilar a inteligência com uma camada de fumaça que distorce sutilmente a realidade.

Esse tal Sr. Gondin tem uma pena rápida e prolífera. Sua capacidade de opinar (ou melhor, vociferar) sobre tudo é extraordinária. Em poucas páginas comenta fatos dos últimos quatro séculos com uma segurança tal, que se diria que só ele conhece a verdadeira interpretação e filosofia da História. Cita frequentemente obras, autores, frases. Parece ser muito lido. Desejo que seja pouco lido por terceiros.

Sobre o tema de «Guerra de Guerrilhas» faz um apanhado «profundo». Começa mostrando que nosso exército, hoje convencional, nasceu como exército de guerrilheiros, em 1646, com Henrique Dias e Filipe Camarão, que empregaram a tática das guerrilhas para expulsar de nossa pátria os hereges holandeses. A mesma tática o povo espanhol e o povo português a empregaram para lançar fora de seu território os exércitos invasores de Napoleão. O malogro deste último na campanha da Rússia foi devido também à ação dos guerrilheiros. E assim vai o Sr. Gondin, citando a guerra do Transvaal, a guerra dos bôers, a guerra de secessão, a expulsão dos nazistas do território russo na guerra de 39 (aí apresenta Kruchev como um herói), as guerrilhas de Mao Tsé-tung, da Coréia, do Vietnã, da Grécia, das Filipinas, de Fidel Castro, etc. ... (percebe-se o homem «culto» e «instruído»; pelo menos «conhece» muitas coisas). Todas as vitorias ai citadas se devem — diz ele — ao emprego da tática de guerrilhas. Por isto, conclui, nosso exército precisa também, atualmente, adotar esta tática. Não quero discutir este ponto. Quero apenas comentar o que se segue.

Para o Sr. Gondin, todos esses movimentos populares foram movimentos «nacionalistas» de defesa de um território contra invasores estrangeiros. Não se pode negá-lo, exceto quanto às guerrilhas de Fidel Castro.

Mas — e aqui começa o autor a se fazer de ardiloso — fica subentendida uma comparação detestável. Para o Sr. Gondin, o mesmo ardor «nacionalista» inflamava os corações de um brasileiro católico expulsando o invasor holandês herege, de um espanhol tradicionalista católico expulsando o invasor napoleônico, e os corações saturados de revolta de um Kruchev dirigindo guerrilhas na Ucrânia, de um Mao Tsé-tung e de um Fidel Castro. Tudo é igual. Tudo é a mesma coisa.

É quase uma blasfêmia comparar Filipe Camarão e Henrique Dias (que, como o Sr. Gondin mesmo escreve, «persignavam-se» e «rezavam a Salve-Rainha») com Kruchev, Mao Tsé-tung e outros fautores da Revolução. Estes, como se vê através de seus representantes no Brasil (Brizolas, Juliões, etc...), querem implantar aqui a reforma constitucional, agrária, urbana e industrial de caráter socialista, querem que o País inteiro se transforme numa grande Central do Brasil, tão estatalizada quanto desconjuntada, querem que se extíngua entre nós o instituto da propriedade privada, que passemos a ser satélites de Moscou. Aqueles, se vivessem hoje, estou certo, nunca quereriam por «nacionalismo» entregar a Pátria a «nacionalistas»... moscovitas ou cubanos.

Aliás, Sr. Gondin, o termo «nacionalista» é pouco preciso. No Brasil significa esquerdismo, na Argentina significa direita, para alguns significa peronismo. É um termo que tem mil e um sentidos. Aconselho que o Sr., que escreve tanto, produza um panfleto com o título: «Definição de Nacionalista de Gondin da Fonseca». Em espírito de colaboração, proporia a seguinte: «Nacionalista esquerdista é o cidadão que, a pretexto de patriotismo, combate os Estados Unidos com o intuito de entregar o Brasil à Rússia».

Esteja certo, Sr. Gondin, de que Nossa Senhora dos Guararapes, que interveio a favor dos verdadeiros nacionalistas católicos quando expulsavam os hereges de nosso território, nunca apareceria aos «nacionalistas» atuais que querem a reforma constitucional e agrária que o Sr. sabe. Perdão. Poderia aparecer. É engano meu. Mas para convertê-los ou confundi-los. Aliás, perco meu tempo com esta observação, pois é de supor que o Sr. não crê em Nossa Senhora dos Guararapes, em milagres, e em tudo que diz respeito à certeza que tem a Igreja de que serão confundidos todos os seus inimigos, e, portanto, também os comunistas, Kruchev da Rússia, Fidel de Cuba, o chinês Mao Tsé-tung e outros senhores que são tão elogiados em seu livro.

*

Com a mesma dialética, com o mesmo palavreado gaiato, escreveu o Sr. Gondin o outro livro, sobre a reforma agrária. Ataca, de início, a corajosa e patriótica atitude do presidente da Associação Rural do Triangulo Mineiro, Sr. Antonio Loureiro Borges, que interpelou o Sr. Presidente da República a respeito de sua opinião sobre «a discutida reforma agrária, através da reforma constitucional», qualificando-a de «matéria perigosa». Esta interpelação foi feita na exposição pecuária de maio último em Uberaba, perante inúmeros fazendeiros que lá se encontravam («fina flor dos latifundiários», «gente retrógrada», «capaz de reações medievais», no dizer do Sr. Gondin) e perante muitos estudantes e posseiros (todos por definição santos e seráficos).

Antes de transcrever o discurso então pronunciado pelo Presidente João Goulart, faz o autor algumas afirmações que aqui merecem ser citadas como amostras de seu vezo de distorcer a realidade, apresentando os proprietários rurais como se todos fossem sempre péssimos, para com isto insuflar a luta de classes. Escreve ele:

• no «Triângulo Mineiro (...) a maioria dos filhos de camponeses, entre dez e doze anos, jamais comeu um pedaço de carne de boi»;

• depois de insinuar que são nazistas a serviço «dos trustes» todos os que combatem a reforma agrária espoliativa, afirma que o que estes querem é «desmoralizar o governo impedindo que homens inteligentes e de cultura moderna (por exemplo...) atinjam altos postos», e que se opõem à espoliação agrária «ou por ignorância, ou por medo, ou por apego exagerado à tradição, ou por crueldade»;

• mais adiante afirma que, «se os reacionários não fossem burros, aplaudiriam esta reforma de Jango», pois se ela não vier, virá outra, radical, «e ai fazendeiro virará mesmo camponês, se conseguir agüentar a cabeça em cima do pescoço durante muito tempo».

Esta última observação descobre a profunda hipocrisia dos partidários do agro-reformismo socialista. Em geral dizem eles que não querem ofender o direito de propriedade. Pelo contrário. Querem aumentar o número de fazendeiros, de proprietários. Mas Gondin confessa que, se for preciso, os fazendeiros terão a cabeça cortada.

Pouco mais abaixo transcreve o documento que chama de «Manifesto dos Bispos do Brasil», com o qual procura fazer crer que o Episcopado Brasileiro é favorável à reforma constitucional e agrária de sentido esquerdista. Para o Sr. Gondin não paira qualquer dúvida a respeito. Creio que ele não lê jornais. Pois na realidade se trata apenas da mensagem em que os membros da Comissão Central da CNBB houveram por bem manifestar-se sobre as «reformas de base». Ora, os Exmos. Revmos. Srs. Arcebispo de Diamantina e Bispo de Campos, em Edital largamente divulgado pela imprensa (ver «Catolicismo», n.° 150, de junho de 1963), deixaram bem claro que na mensagem em questão seus ilustres signatários falam apenas em seu próprio nome, e nunca em nome do Episcopado Nacional. De resto, o Emmo. Cardeal Câmara esclareceu, em entrevista à imprensa, que o documento «não foi implícito nem explícito quanto à necessidade de emendar a Carta Magna para se fazer a reforma agrária».

Por outro lado, muitos Bispos brasileiros se manifestaram contra a reforma constitucional espoliativa. Cito em primeiro lugar os extraordinários batalhadores contra toda a reforma esquerdista que se quer fazer no Brasil, D. Geraldo de Proença Sigaud e D. Antonio de Castro Mayer, que juntamente com o grande líder católico Prof. Plínio Corrêa de Oliveira e o economista Luiz Mendonça de Freitas escreveram o admirável livro «Reforma Agrária — Questão de Consciência». A par destes cito os Exmos. Revmos. Srs. D. Manuel da Silveira D'Elboux, Arcebispo de Curitiba, D. Alexandre Amaral, Arcebispo de Uberaba, D. José D'Angelo Neto, Arcebispo de Pouso Alegre e D. Ladislau Paz, Bispo de Corumbá, que igualmente fizeram declarações contrarias à reforma constitucional em apreço.

*

Ao ler obras «literárias» como estas do Sr. Gondin, fico pensando como é fácil ser escritor esquerdista! Como é fácil ser demagogo! Basta escrever o que vier à cabeça, basta interpretar a História como se quiser, basta escrever tolices. Não é necessário provar nada. Chama-me a atenção como o Sr. Gondin faz afirmações gratuitas e peremptórias, sem ao menos desconfiar que alguém possa contradizê-lo.

Como é difícil, por outro lado, ser escritor ortodoxo, fiel aos ensinamentos da Igreja. Veja-se o livro «Reforma Agrária — Questão de Consciência»: estudo profundo, argumentado, repleto de citações de documentos pontifícios, de dados estatísticos. Por isso mesmo, contra ele ninguém até hoje levantou qualquer objeção seria, científica, qualquer coisa que não fosse um palavreado descosido, oco, balofo, composto quase todo de slogans «nacionalistas». Nunca ninguém o refutou.

Quando vejo escritos como estes do Sr. Gondin, lembro-me do conselho que o Duque de Lévis-Mirepoix, membro da Academia Francesa, dá em seu livro «La Politesse». Diz ele: «Utile précepte: avec des gens à la fois bavards et péremptoires, ne discutez jamais». Se tivesse me lembrado disto antes, não teria escrito este artigo.


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Museus: ossário da cultura?

Plinio Corrêa de Oliveira

Quem não sentiu ainda a frustração típica que assalta o homem depois da visita a um grande museu? Ao longo das salas e das galerias em que as raridades e as obras-primas estão expostas, a alma se vai dilatando e enriquecendo pela contemplação de mil maravilhas. Mas ao mesmo tempo uma sensação de vazio, de postiço, de violentamente artificial se vai formando no fundo do coração. E essa sensação explode quando o visitante, examinada a última coleção, se encontra em plena rua, reintegrado no ambiente moderno. Pois aí, procurando, conscientemente ou não o ponto de unidade em torno do qual reunir, concatenar e guardar ordenadamente tudo quanto se viu, tem-se a sensação viva de que esse ponto de unidade não existe. De que se leva dentro de si um imenso caos. E como a natureza humana, em seus melhores aspectos, tem horror ao caos, o que daí resulta é que o museu começa a aparecer ao homem como um inumano e rebarbativo monturo de esplendores de todos os séculos. Sentimos então na alma o mesmo que sentiríamos nos olhos se, em lugar de divisar em sua calma e ordenada banalidade as pessoas e coisas costumeiras, só víssemos luzes esplendidas, mas loucas se cruzarem numa dança frenética e sem sentido. Uma esfinge do Egito, a bengala de Pasteur, um fetiche dos índios do Canadá, um espelho de Catarina de Medicis, e outras interessantíssimas e incongruentíssimas coisas incongruentissimamente expostas ao longo de quilômetros de parede, o que pode deixar na alma, senão uma horrível sensação de incongruência?

Como é bem evidente, a incongruência não está em cada objeto considerado isoladamente, mas no conjunto deles. Pelo contrário, cada objeto, considerado no meio para o qual foi imaginado e executado, foi o mais das vezes um modelo de congruência, de harmonia, de grandeza ou de graça. Mas é no "monturo" deslumbrante do museu, que ele se torna incongruente.

Os museus do século XIX apresentavam o mais das vezes este lamentável aspecto de caos. Um exemplo disto é o Museu de Chantilly, legado pelo Duque d’Aumale ao Instituto de França. Nessa mansão, célebre nos fastos do Ancien Régime, gostar-se-ia de encontrar o ambiente em que se desenrolou a existência pomposa dos Príncipes de Condé. Não se pode dar um passo em Chantilly sem lembrar as figuras brilhantes dos seus antigos habitantes, e os episódios históricos que dentro daquelas paredes se desenrolaram. O Duque d’Aumale, pelo contrário, fez de grande parte do castelo uma fria pinacoteca - um verdadeiro depósito - em que os quadros se sucedem sem ordem, nem graça. Móveis insípidos do século XIX convidam de quando em quando, para o repouso, o visitante.

Para obviar esse inconveniente, alguns museus mais recentes passaram a agrupar os quadros e outras peças segundo as épocas, ou os temas. Provocam assim certa sensação de ordem. É o que se observa, por exemplo, no Museu do Prado de Madrid.

Sem dúvida, há nesse museu mais ordem que em Chantilly. É um depósito bem ordenado. Mas continua a ser um depósito.

Esses quadros foram feitos para capelas, para mansões senhoriais, para catedrais ou palácios. Eles só ficariam inteiramente bem nos lugares para os quais foram feitos. E isto se pode dizer também de obras-primas de outros gêneros que não a pintura.

Fora de seu habitat natural, a obra de arte, o mais das vezes, perde a sua "vida", e passa a ser como as ervas ou as flores secas e mortas de um museu de botânica.

Assim, a verdadeira solução para a organização dos museus seria de... esvaziá-los, não de todo mas em larga medida, reintegrando os objetos em seus ambientes próprios, e assim tornando-os mais compreensíveis e naturais.

O que tantos especialistas não veem, viu-o o gênio de um Santo. Eis o que pensava sobre os museus o Papa São Pio X, segundo narra o Cardeal Merry del Val:

"Afirmava sem hesitação que os museus e galerias de arte são necessários para a conservação de heranças valiosas, pois se estas se perdessem ou deteriorassem, nunca poderiam ser substituídas. Considerava tais instituições, porém, de certo modo inadequadas, e de bom grado as teria suprido de outra maneira. Sustentava a opinião de que as obras artísticas e históricas deviam permanecer no lugar para o qual haviam sido criadas, e que o retirá-las dali desfigura, amiúde, o fim buscado por seus autores. Mais ainda: a seu ver, a distribuição por todo o país das inspiradas produções do gênio humano e das recordações do passado, ajudava a cultivar, mais do que qualquer outro elemento, o gosto do povo, despertando os dotes naturais dos eventuais artistas. ‘Quando a lição - dizia - só se aprende entre as paredes privilegiadas de um museu, em grandes cidades, ou em ocasiões restritas que exigem gastos e incômodos, pouquíssimos são os que podem, na realidade, beneficiar-se dela; e, como consequência desta tendência de nossos dias, já não existe o processo gradual de uma assimilação inconsciente que prevalecia no passado’ ( "Memorias del Papa Pio X", pelo Cardeal Merry del Val, pp. 79-80 )".