160 MIL BRASILEIROS PROCLAMAM:

reformas de base importam mesmo numa questão de consciência

“CATOLICISMO" publica hoje informes, documentação e comentários sobre um fato chamado a ter a maior importância no que diz respeito aos aspectos religiosos e morais, de tão alto alcance, da momentosa e dramática controvérsia referente às reformas de base.

Antes de tudo, os fatos.

A REUNIÃO BRIZOLO-REFORMISTA

Como é sabido em todo o País, os deputados federais Leonel Brizola, Almino Afonso, Neiva Moreira, Max da Costa Santos, Paulo de Tarso e Plinio Arruda Sampaio, todos pertencentes ao PTB ou à famigerada esquerda do Partido Democrata Cristão, foram a Belo Horizonte para realizar, no dia 25 de fevereiro p.p., uma sessão pública de apoio às reformas de base.

Sabendo-se que as reformas pleiteadas por aqueles parlamentares têm caráter pronunciadamente socialista e confiscatório, e que a aprovação delas é considerada pelos comunistas — com excelentes razões — como um grande passo para a bolchevização do País, é natural que a população tradicionalmente conservadora e católica da Capital mineira visse na realização daquela assembleia um feito do Partido Comunista. Ora, tanto segundo a doutrina da Igreja quanto pelas leis civis, este Partido não tem direito de existir e atuar no Brasil.

O momento em que a sessão teria lugar era dos mais impróprios, pois o nobre sentimento anticomunista da população belo-horizontina ainda sofria o impacto dos recentes acontecimentos ligados ao congresso marxista da CUTAL, e das discussões havidas em torno da agitação agrária na cidade mineira de Governador Valadares. Dir-se-ia mesmo que se tratava de um acinte.

Não podia causar surpresa, nem sequer aos oradores da reunião, todos políticos atilados e experientes, que o descontentamento popular, em má hora espicaçado pela lamentável iniciativa deles, houvesse de transbordar em manifestações veementes. Daí o armamento de que se fizeram acompanhar os oradores.

Deu-se o que todos sabem.

O protesto transbordante de sinceridade e patriotismo da população tinha caráter fundamentalmente cívico. Eram brasileiros a tratar de um assunto que por sua natureza está no âmbito dos Poderes temporais e da vida civil do País. Nenhuma organização religiosa convocou ou orientou o protesto do povo.

REFORMAS DE BASE, QUESTÃO DE CONSCIENCIA

Entretanto, é indiscutível que a indignação popular se fundava em parte - se bem que só em parte - em ponderáveis motivos religiosos.

É que, de um lado, um católico que combate o comunismo, ainda que o faça em ato essencialmente cívico, leva consigo seu coração de católico, e luta não só com a lealdade de seu patriotismo, mas com o fervor de sua fé.

Ademais, e este é o fulcro da questão, levados por sua formação tradicional e sadiamente católica, inúmeros católicos mineiros consideram que toda lei de reforma de base socialista e confiscatória é contrária, gravemente, à moral cristã, pois constitui um roubo. Como tal, devem ser combatidos pelos católicos, enquanto católicos, os projetos de lei importando em reformas de base dessa natureza. E qualquer desses projetos, se transformado em lei, seria nulo no que diz respeito a seus dispositivos contrários à moral cristã.

Compreende-se, pois, que por legítimas razões hajam partido dos arraiais católicos aplausos calorosos ao protesto popular do dia 25 de fevereiro. Entre eles, nenhum teve maior autoridade do que o pronunciamento de Sua Eminência o Cardeal-Arcebispo D. Jaime de Barros Câmara, que através do programa radiofônico "A Voz do Pastor" aludia ao aspecto comunista do tentame brizolo-reformista, e se congratulou com o modo por que o repeliu a população de Belo Horizonte.

UMA BOMBA: NÃO HÁ QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA?

Com data de 26 de fevereiro, a Ação Católica da Arquidiocese de Belo Horizonte emitiu sobre os fatos narrados um extenso pronunciamento, divulgado pela imprensa e em volantes. Esse documento vinha seguido da seguinte declaração, datada de 28 e assinada pelo Exmo. Revmo. Sr. D. João Rezende Costa, Arcebispo Coadjutor e Administrador Apostólico: "De boa-vontade autorizo esta publicação, 28-2-64. a) † João Arc.-Coadj.". Publicamos ao lado o documento.

Como se vê facilmente por sua leitura, o que o pronunciamento da AC de Belo Horizonte tem de mais essencial é a afirmação dupla, de que de um lado os católicos enquanto católicos nenhuma oposição têm a fazer às reformas de base, e de outro lado a AC deseja tais reformas.

Desse duplo princípio, deduz o documento uma reprovação ácida aos mineiros que haviam protestado contra a realização do comício brizolo-reformista.

Aplicado assim o princípio, a consequência inelutável é que para a AC de Belo Horizonte o católico, como católico, nada tem a objetar contra as reformas de base ainda quando notoriamente socialistas e confiscatórias, como as pleiteadas pelos deputados Leonel Brizola, Almino Afonso, Neiva Moreira, Max Costa Santos, Paulo de Tarso e Plinio Arruda Sampaio, e ardentemente desejados pelos comunistas. A questão de consciência não existe pois...

Foi uma bomba.

PERPLEXIDADE E CONFUSÃO

Sim, uma bomba de fumaça, que pôs os espíritos em funda perplexidade. A grande maioria dos mineiros que leram a "Rerum Novarum", a "Quadragesimo Anno", a "Mater et Magistra", não sabem explicar como se pode negar que uma lei de reforma de base apresenta aspectos morais, diante dos quais os católicos devem tomar posição precisamente como católicos. Negar a existência desses aspectos morais é cair em um amoralismo jurídico laicista que desde Leão XIII os Papas vêm condenando com invariável severidade.

Se não é esta a posição da AC belo-horizontina, mas ela, admitindo a presença de aspectos morais no problema das reformas de base, acha que as reformas extremadas pleiteadas pelo Sr. Leonel Brizola e seus companheiros nada têm de anticristão, não sabem, os mineiros como explicar que se aprove uma violação do 7° Mandamento: "Não furtar", e das numerosas Encíclicas que consagram o princípio da propriedade privada. Pois, dizem, ou o confisco é um roubo, ou nada mais é roubo.

Todas estas considerações tanto mais vivas se apresentaram ao espírito dos fiéis de Minas Gerais quanto tem sido largamente adquirido naquele Estado o livro monumental "Reforma Agrária — Questão de Consciência", da autoria de D. Geraldo de Proença Sigaud, Arcebispo de Diamantina, D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e economista Luiz Mendonça de Freitas.

Esse livro, com uma clareza, uma segurança de doutrina e uma abundância de documentação admiráveis, prova precisamente que a reforma agrária (e correspondentemente as outras reformas de base), quando confiscatória e socialista, cria para o Brasil católico uma tremenda questão de consciência, pois ela é fundamentalmente anticristã.

Ademais, se era verdade que a AC de Belo Horizonte tinha a publicação de seu manifesto honrada pela aprovação do Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo Coadjutor, não apresentava argumentos para invalidar o pronunciamento de um Purpurado e de dois Bispos, respectivamente sobre o caráter comunista da reunião brizolista e sobre a incompatibilidade das reformas de base socialistas com a consciência cristã.

A INTERPELAÇÃO

O meio de sair dessa dramática confusão, em que o pronunciamento da AC deu dolorosa realidade e vida à questão de consciência que pretendia negar, era uma interpelação.

Daí o documento que também publicamos nesta página.

Como é fácil de ver, por sua precisão de pensamento e de forma, esse documento constitui um corajoso e leal esforço para romper a confusão que a bomba de fumaça da AC criara.

IMENSO APOIO POPULAR

A iniciativa coube a uma comissão formada por elementos das mais diversas classes sociais e categorias profissionais da Capital mineira, que, percebendo o perigo que adviria para o Brasil de um afrouxamento das consciências católicas nesse particular, resolveram interpelar a Ação Católica sobre o seu extemporâneo pronunciamento. Solidaria com essa iniciativa, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade dispôs-se a cooperar com a comissão, difundindo o abaixo-assinado nos demais Estados do Brasil.

Integram a comissão os Srs. General João Torres Pereira, Carlos Alberto de Paula Sales, médico, Januario Faria Campos, odontólogo, Aspasia Vieira Ayer, professora, Decio Flavio Barbosa Freire, universitário, José Maurili Rocha Fiuza, estudante, Luiz Carlos Junqueira Fonseca, funcionário público, Hamilton Alves Soares, bancário, Dora Barbosa Cadaval, doméstica, e Geraldo Gomes Leal, operário.

Para a coleta de assinaturas em Belo Horizonte, várias bancas foram instaladas, inicialmente na Av. Afonso Pena e depois em outros pontos da cidade.

Na tarde do primeiro dia — 6 de março — registrou-se um pequeno incidente, quando cinco indivíduos, externando sua hostilidade face à interpelação, lançaram-se violentamente contra uma das mesas coletoras, quebrando-a. Depois, armados com pedaços da mesa quebrada, investiram contra os que coligiam as assinaturas, conseguindo apossar-se de uma das listas e rasgá-la. Os agressores, que logo em seguida se evadiram, foram alcançados por populares que os entregaram a policiais que por ali passavam, os quais os soltaram pouco adiante.

Este incidente — que não impediu que fossem obtidas mais de 10 mil assinaturas nesse primeiro dia, num atestado do imenso apoio que a população de Belo Horizonte dava à interpelação — foi o prenúncio de distúrbios maiores que ocorreram no dia 12.

Na manhã desse dia, a coleta de assinaturas para a interpelação, que já contava com cerca de 35 mil adesões, prosseguia normalmente, quando, na Praça 7 de Setembro, desordeiros trazidos de alguns bairros por líderes brizolistas, aproximaram-se das bancas aos gritos de "Brizola! Brizola!", atirando laranjas e pedras nos estudantes e operários que coligiam as assinaturas. Depois de devolver por algum tempo as pedras e laranjas recebidas, estes últimos tiveram de ceder perante o número dos agressores, recolhendo as bancas e retirando-se do local, tanto mais que a polícia, após uma hora, não tomara nenhuma providência para assegurar aos agredidos o livre exercício de seu direito de coletar assinaturas.

Depois de se terem estes retirado, houve um conflito entre os provocadores brizolistas e populares que passavam pelo local, com brigas e agressões recíprocas. O comercio do centro da cidade fechou as portas por medida de cautela. A polícia, duas horas depois de iniciado o ataque às bancas, interveio afinal para fazer cessar o tumulto, usando bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e cassetetes.

No meio da tarde, a calma voltou a reinar em toda a cidade, e os estudantes e operários encarregados das bancas puderam reinstalá-las, tendo conseguido ainda, até o fim do dia, 4 mil assinaturas.

A notícia do tumulto repercutiu rapidamente em todo o País, tendo as emissoras de radio e televisão transmitido sucessivos boletins sobre os acontecimentos. Jornais de todo o Brasil no dia seguinte estamparam grandes manchetes de 1ª página a respeito do incidente. Estranhamente, porém, os fatos apareceram quase sempre deturpados, veiculando-se as notícias mais confusas e desencontradas sobre o sentido da interpelação e os causadores do tumulto.

Em vista disso, a comissão promotora elaborou um comunicado restabelecendo a versão autêntica dos fatos e apresentando o verdadeiro significado do movimento. Essa nota esclarece inicialmente que a interpelação à Ação Católica de Belo Horizonte é de caráter doutrinário e vazada em termos corteses, pedindo respeitosamente àquela organização de apostolado que apresente o fundamento de sua estranha asserção de que não haveria questão de consciência em matéria de reformas de base. E depois de relatar os fatos como se desenvolveram na manhã do dia 12, deixando patente que os jovens encarregados das bancas foram os agredidos, e que, por outro lado, nenhuma participação tiveram eles no conflito generalizado que se seguiu entre os agitadores e populares, conclui: "Contrariamente, pois, ao que noticiam os jornais de Minas Gerais e de outros Estados, as ocorrências da manhã do dia 12 não tiveram início por uma agressão dos jovens universitários encarregados da coleta de assinaturas, contra membros da Ação Católica. A agressão, quer por palavra, quer por atos, procedeu toda ela de elementos brizolistas, não tendo havido naquela ocasião qualquer incidente com a Ação Católica. Esclarece-se também que: Não passa de exploração política brizolista a afirmação de que a interpelação à Ação Católica contém termos injuriosos ao Exmo. Revmo. D. João Rezende Costa, cujo nome a comissão declina com todo o respeito. Basta ler a interpelação para se ter a convicção de que ela não contém qualquer consideração de ordem pessoal, tratando apenas de questões doutrinarias com respeito e elevação. Feitos estes indispensáveis esclarecimentos, a comissão deseja agradecer efusivamente à população de Belo Horizonte todo o apoio que até aqui lhe vem emprestando".

Se é lícito dizer que elementos das mais diversas camadas da população belo-horizontina manifestaram a sua adesão ao movimento, é justo destacar que um bom número de Sacerdotes lhe hipotecaram apoio.

Também vários deputados a assinaram, notando-se entre outros o deputado federal José Maria Alkmin, ex-ministro da Fazenda.

Encerrada no dia 15 de março a coleta de assinaturas em Belo Horizonte, atingiam estas a cifra de 50 mil.

No interior do Estado também está havendo coleta de assinaturas, que já chegaram a 5 mil em OURO PRETO, 1.500 em JUIZ DE FORA, 1.500 em CONS. LAFAYETTE, e 600 em BARBACENA.

TAMBÉM NOS OUTROS ESTADOS

Como dissemos, a campanha se estendeu aos demais Estados, por iniciativa da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. A interpelação que a Sociedade está difundindo se acha vazada em termos idênticos, "mutatis mutandis", aos da de Belo Horizonte.

No RIO DE JANEIRO, um grupo de estudantes católicos já recolheu mais de 12 mil assinaturas. Vários pequenos incidentes têm ocorrido, notando-se um mal-estar e uma hostilidade crescentes por parte de elementos brizolistas, em relação ao movimento. No dia 14 de março, para só citar um fato, dois dias depois do conflito ocorrido em Belo Horizonte, vinte mazorqueiros aos gritos de "Brizola! Brizola!", e comandados por um indivíduo não identificado que falava em espanhol, depredaram uma banca instalada no bairro da Tijuca, rasgando todas as listas que encontraram. Minutos depois, um caminhão da limpeza pública chegava inesperadamente ao local e recolhia os fragmentos de madeira, faixas e listas que tinham ficado pelo chão.

Em SALVADOR, na Bahia, a interpelação conta com mil assinaturas. Elementos brizolistas da cidade não deixaram de manifestar quanto lhes era nocivo aos interesses políticos o grande êxito dos abaixo-assinados. Depredaram uma das bancas, tendo o fato sido amplamente noticiado pela imprensa local.

Em CURITIBA, no Paraná, o número de adesões chega a 10 mil. Em duas matrizes da cidade, os Vigários concitaram os fiéis presentes a subscreverem a interpelação. Em PONTA GROSSA e RIO NEGRO, no mesmo Estado, as assinaturas estão em torno de mil e de 600, respectivamente.

Em FLORIANOPOLIS, Estado de Santa Catarina, a interpelação desagradou também aos elementos esquerdistas, mas a Polícia deu aos promotores as garantias necessárias. Até o momento 7 mil assinaturas foram coligidas em meio a um ambiente de franca simpatia por parte do povo.

Em FORTALEZA, no Ceará, a coleta de assinaturas se desenvolve normalmente, contando-se em 4500 o número destas. E em 2 mil, em CRATO, no interior do Estado.

Na CAPITAL PAULISTA, a interpelação à Ação Católica de Belo Horizonte vem encontrando uma entusiástica acolhida por parte da população, que já lhe deu mais de 51 mil assinaturas. Pequenos incidentes provocados por elementos comunistas logo no início da campanha, motivaram pedido de garantias ao Departamento de Ordem Política e Social, que as vem dando em toda a medida do necessário.

Em OLIMPIA e em ARARAQUARA, no interior do Estado de São Paulo, 5 mil e 1600 assinaturas, respectivamente, já foram coletadas.

Nas diversas cidades desta Diocese de CAMPOS, mais de 6 mil assinaturas já foram obtidas.

Em BRASILIA, 300 assinaturas.

Em GOIANIA, capital de Goiás, 200.

Segundo os dados que pudemos colher junto à Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, no momento de fecharmos a presente edição ascende a mais de 160 mil o número de assinaturas obtidas em todo o Brasil, das quais 50 mil em Belo Horizonte e 110 mil nas demais cidades, nas quais prossegue a coleta.

A ATITUDE DA IMPRENSA

Causa pasmo a atitude da maior parte dos órgãos da imprensa diária do País acerca dos acontecimentos relacionados com a interpelação contrária ao reformismo comuno-brizolista.

A "Última Hora" de São Paulo, por exemplo, publicou a respeito extensos e vistosos noticiários dos quais, a bem dizer, se poderia afirmar que só contêm inverdades.

Mais surpreendente, ainda, é a atitude de certa grande imprensa conservadora de São Paulo, Rio e Belo Horizonte, não só extremamente parca em publicar informações objetivas e simpáticas à interpelação, como também acolhedora para noticiários que favorecem de um ou outro modo o reformismo comuno-brizolista... do qual essa mesma imprensa se proclama adversária.

FATO IRREVERSIVEL

Uma questão de consciência tem dois modos de existir. Um é nos tratados de moral, e nas controvérsias entre moralistas. Outro é na consciência das pessoas a respeito de cujas atividades concretas o problema moral foi suscitado. É claro que ambos os modos de ser nada têm de incompatível entre si. Antes, de certo ponto de vista, se completam.

Nos livros meramente doutrinários o problema sempre existiu, e já está resolvido: não se pode ser a favor de reformas de base socialistas.

O livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência" fez uma exposição luminosa desse princípio e analisou em função dele as condições históricas, psicológicas, sociais e econômicas do País, concluindo pela plena aplicabilidade do princípio ao caso concreto do Brasil.

O impacto provocado pelo pronunciamento da AC de Belo Horizonte veio levar ao auge a agudeza da questão de consciência no espírito público. E assim está ela existindo no Brasil com toda a intensidade, sob todos os aspectos que pode revestir.

NÃO RESPONDERÁ

Segundo circula em meios habitualmente bem informados, a AC de Belo Horizonte não responderá à interpelação.

Observadores imparciais consideram entretanto inteiramente improvável o consta. Argumentam que a Ação Católica tem por objetivo a difusão doutrinaria, e que não é de supor que ela deixe passar essa incomparável oportunidade para difundir seu pensamento, pois o Brasil todo tem os olhos postos nela.

Acrescentam os mesmos observadores que a AC belo-horizontina por certo não quererá arcar com o desprestigio que seu silêncio — já qualificado nos mais variados setores como inexplicável e até desconcertante — lhe acarretaria.

É portanto com o mais vivo interesse que se aguarda o desenrolar dos acontecimentos.

Esta expectativa, como é natural, se estendeu a todo o Brasil, fazendo desde já da controvérsia um episódio culminante na vida religiosa, doutrinaria e política do País no século XX.


1) O PRONUNCIAMENTO DA AC

A Ação Católica da Arquidiocese de Belo Horizonte, por todos os seus setores abaixo relacionados, distribuiu à imprensa o seguinte pronunciamento:

Os acontecimentos desta semana em Belo Horizonte, em que grupos políticos extremados procuraram manipular o sentimento religioso do povo mineiro, colocando-o a serviço de seus interesses, impõe-nos o dever de publicamente expor as nossas posições, consubstanciadas nas seguintes afirmações:

1. Somos cristãos e como cristãos não nos sentimos impedidos de apoiar ou de participar de movimentos populares que visam à realização das mudanças de estrutura, que acreditamos impostas pela realidade brasileira.

2. Respeitamos a posição dos cristãos que se opõem a esses movimentos, mas advertimo-los, fraternalmente, de que não lhes é licito apresentar as suas razões como imperativos de consciência religiosa.

3. Participando ou simplesmente apoiando os movimentos populares pela concretização de reformas estruturais na realidade brasileira, cremos tornar consequente a Mensagem da Comissão Central da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, de 30 de abril de 1963.

Diz o documento:

...a presença da Igreja na transformação do temporal se concretiza através de seus leigos livres e responsáveis que, com todos os homens de boa vontade, mostrem espírito de compreensão, desinteresse e disposição a colaborar realmente na consecução de objetivos bons por natureza, ou que pelo menos se possam encaminhar para o bem" — sendo da Encíclica "Pacem in Terris" as expressões entre aspas no texto citado.

4. Sobre esses objetivos, diz:

"Estamos diante da necessidade de uma transformação decisiva e urgente, isto é, da passagem para uma estrutura social em que a pessoa recupere toda a sua dimensão humana no uso da liberdade e dos "recursos correspondentes a um digno padrão de vida" — sendo ainda, da Encíclica "Pacem in Terris" as expressões entre aspas no texto citado.

5. Entre as transformações "mais urgentes e mais atinentes a problemas humanos e cruciais", a Mensagem alinha as que se referem ao problema rural, das estruturas da empresa, administrativo, tributário, eleitoral e educacional.

6. Pela inquestionável atualidade, que a coloca no centro dos últimos acontecimentos, julgamos próprio transcrever aqui as indicações mais incisivas sobre a questão rural.

Fazemo-lo com o único objetivo de esclarecer nossa posição individual de cristãos engajados no temporal. Afirma a Mensagem:

"Ninguém pode desconhecer a situação de milhões de nossos irmãos que vivem nos campos, sem poder participar dos benefícios do nosso desenvolvimento, em condições de miséria que constituem uma afronta à dignidade humana. Sabemos que o simples acesso a terra não é solução cabal para o problema. Mas o julgamos inadiável para a realização do direito natural do homem à propriedade (Pacem in Terris), medida a ser concomitantemente tomada segundo as condições peculiares das diversas regiões do País, com outras de ordem educacional, técnica, assistencial e creditícia. Para a realização deste imperativo, a desapropriação por interesse social, não só não contraria em nada a Doutrina Social da Igreja, mas é uma das formas viáveis de realizar, na atual conjuntura brasileira, a função social da propriedade rural. Evidentemente, essa desapropriação, que visa a garantir o exercício do direito de propriedade ao maior número, não pode desrespeitar e destruir esse mesmo direito. Daí a necessidade de prestar indenização, que deverá ser feita dentro dos critérios da justiça, atendendo às possibilidades do País e às exigências do bem-comum. Não cremos constituir um atentado contra o direito da propriedade uma indenização total ou parcialmente em dinheiro ou em títulos dando-se a esses títulos as garantias de revalorização, de vencimentos e de poder liberatório, pelos quais constituem uma adequada compensação pelos bens desapropriados".

"Não cabe, entretanto, a nós definir que fórmula poderá melhor responder às condições atuais da realidade brasileira".

Mais ainda:

"Nem menos urgente é a utilização imediata de latifúndios improdutivos, seja através de uma pesada tributação, seja através da sua repartição oportuna".

7. A "necessidade de uma transformação decisiva e urgente", nasce, no documento, da constatação de que "ninguém pode pensar que a ordem em que vivemos seja aquela anunciada pela nova Encíclica, como o fundamento inabalável da paz. Nossa ordem é, ainda, viciada pela pesada carga de uma tradição capitalista, que dominou o Ocidente nos séculos passados. É uma ordem de coisas na qual o poder econômico, o dinheiro, ainda detém a última instancia das decisões econômicas, políticas e sociais".

8. Participando, apoiando ou simplesmente mantendo atitude de compreensão e respeito diante dos movimentos populares pelas reformas de base, cremos fazer uso legítimo do direito à opção que nos é reconhecido pela Igreja, sem afronta ao pensamento da Comissão Central da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

9. Lamentamos, por isso, os equívocos a que são lançados alguns cristãos, levados a identificar posições políticas que respeitamos, com imposições de consciência religiosa, que inexistem.

Permitam-nos esses irmãos que fraternalmente lhes ofereçamos uma palavra de advertência contra os perigos de serem os nossos sentimentos religiosos usados como instrumento de luta política.

Se nos é apontado o risco de, pelos empenhos de concretização de ideais de justiça fundada no Amor e na Caridade, nos fazermos inocentes úteis de movimentos condenados pela Igreja, não menos presente e pernicioso é aquele de nos tornarmos instrumentos de quantos "receosos de perder as vantagens que possuem, tudo fazem para manter o "status quo", conforme advertência da própria Mensagem da Comissão Central da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil.

Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 1964.

Ação Católica Operaria, Ação Católica Independente, Juventude Universitária Católica, Juventude Operaria Católica, Juventude Independente Católica.

De boa-vontade autorizo esta publicação, 28-2-64. a.)

†- João Arc.-Coadj.


2) A INTERPELAÇÃO DOS 160 MIL

REFORMAS DE BASE — QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA

INTERPELAÇÃO A AÇÃO CATÓLICA DE BELO HORIZONTE

Tendo vibrantes e gloriosas manifestações de protesto do povo católico de Belo Horizonte impedido a realização de uma anunciada sessão em favor das chamadas reformas de base, promovidas por um famigerado grupo de deputados da extrema esquerda, a Ação Católica de Belo Horizonte publicou a respeito um pronunciamento que estarreceu todo o Brasil.

Precisamente de onde a população montanhesa, tradicional e visceralmente Católica, estava no direito de esperar apoio e estímulo, isto é, precisamente da Ação Católica, lhe veio uma saraivada de insinuações sofísticas e capciosas, e até de recriminações injuriosas.

Participantes das manifestações nitidamente anticomunistas do dia 25 de fevereiro p.p., ou com elas entranhadamente solidários, sentimo-nos na obrigação de interpelar, em face de todo o Brasil, a Ação Católica de Belo Horizonte:

1. Disse a Ação Católica, em seu pronunciamento, que os acontecimentos do dia 25 foram produto de uma manipulação da opinião pública por uma minoria de extremistas sequiosos de pôr a serviço de seus interesses pessoais o sentimento religioso mineiro.

• Protestamos: Os católicos de Belo Horizonte sabiam com a maior lucidez o que faziam. Não constituem eles uma carneirada fanatizada e sem discernimento como a que serve de massa de manobra para o comunismo e para o socialismo indígenas.

• Interpelamos a Ação Católica de Belo Horizonte, para que, se sabe da existência dos vis interesseiros a que aludiu, venha a público, com apoio em documentos, declarar-lhes os nomes, e dizer que interesses financeiros defendem.

2. A Ação Católica de Belo Horizonte afirmou a necessidade de reformas de estruturas para solucionar os atuais problemas brasileiros.

A afirmação aturde por sua impudência. Pois desde 1962 pesa precisamente sobre a JUC — Juventude Universitária Católica — uma das organizações da Ação Católica, e cuja secção de Belo Horizonte é um dos signatários do pronunciamento brizolista de 26 de fevereiro do corrente ano, um labéu que a deveria condenar a envergonhado e definitivo silêncio.

Com efeito, seiscentos universitários desta cidade dirigiram à JUC uma interpelação para que definisse o conteúdo daquilo que ela apregoa como reformas cristãs, e a JUC não teve a coragem de proferir uma só palavra em resposta.

Ela rompe só agora o silêncio, para acorrer pressurosa, com as entidades suas coirmãs, em defesa de deputados da extrema esquerda.

À vista disto:

• Afirmamos que a JUC de Belo Horizonte não tem credenciais ideológicas para se pronunciar sobre o assunto.

• Interpelamos a Ação Católica de Belo Horizonte para que por fim tenha a lealdade e o desassombro de responder pela silenciosa JUC à interpelação grosseiramente irrespondida, dos universitários mineiros.

3. Quanto ao comunicado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, de 30 de abril de 1963, citado pela Ação Católica de Belo Horizonte,

• Afirmamos que, pronunciando-se a favor de reformas de base, não pleiteava o que o comunismo e o socialismo, concentrados nos arraiais da extrema esquerda, exigem pela boca dos deputados que compareceram à reunião brizolista do dia 25.

• Interpelamos a Ação Católica de Belo Horizonte para que diga de público, e prove, que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil prestigia a reforma agrária confiscatória, socialista e anticristã.

4. A Ação Católica de Belo Horizonte afirma não existir questão de consciência em matéria de reformas de base.

ESTE É O PONTO CAPITAL DA PRESENTE INTERPELAÇÃO. Os abaixo assinados afirmam do modo mais categórico e solene que a questão de consciência existe, e gravíssima. A vista de qualquer projeto de reforma de base, o católico deve investigar se ela lesa o direito de propriedade. É uma questão que ele é obrigado a formular de si para si, a fim de evitar de solidarizar-se com um roubo.

Foi o que, com inexcedível segurança de doutrina e clareza, proclamou no concernente à reforma agrária, a obra já hoje histórica e célebre, «Reforma Agrária — Questão de Consciência», de autoria dos Exmos. Srs. D. Geraldo de Proença Sigaud S. V. D., Arcebispo de Diamantina, D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos, do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e do economista Luiz de Mendonça de Freitas.

Os princípios dessa obra valem, mutatis mutandis, para as outras reformas.

Queira ou não queira a Ação Católica de Belo Horizonte, a aprovação de uma reforma de base confiscatória imergirá esta Nação Católica em uma perigosa crise de consciência.

Se a Ação Católica de Belo Horizonte tem solução para a questão de consciência, saia a público com seus argumentos. Entabole uma discussão leal, e faça prevalecer sua tese. Não pretenda porém com uma simples afirmação lançada no ar, resolver levianamente o problema.

• Afirmamos que, por mais categorizada que seja a Ação Católica de Belo Horizonte, uma questão de consciência levantada com tão valiosos argumentos por uma obra da qual dois autores são Bispos, ou é resolvida com outros argumentos, ou é decidida pela suprema autoridade do Vigário de Jesus Cristo.

Enquanto uma ou outra coisa não se der, afirmamos nosso sagrado direito de, na qualidade de católicos apostólicos romanos, de Belo Horizonte, como de qualquer Diocese do Brasil, combater como um roubo as reformas confiscatórias e socialistas.

• Interpelamos a Ação Católica de Belo Horizonte para que diga se algum argumento tem a alegar contra este sagrado direito.

Que Nossa Senhora Aparecida, Rainha do Brasil, vele maternalmente por nosso País, pela Sagrada Hierarquia, à qual nos referimos com toda a veneração, como pelos fiéis, nossos queridos co-irmãos, nesta hora de confusão, de perigo e de dor.

Belo Horizonte, março de 1964.

Seguem-se as assinaturas.