Apologético para "A liberdade da Igreja no Estado comunista" verem-se os frágeis argumentos que lhe pode opor um "católico de esquerda" qualificado

(continuação)

cortina de ferro - e censurar os outros por não ser bem conhecido deles.

Isto posto, permita-me acrescentar que estou bem melhor informado sobre a situação na Polônia do que o Sr. pensa. Acontece simplesmente que não julguei conveniente entrar em pormenores no meu estudo, cujo caráter sintético quis manter.

Por exemplo, não ignoro, absolutamente, que haja na Polônia - como o Sr. lembra - muitas provações e sofrimentos a suportar por parte dos bons católicos verdadeiramente anticomunistas. Todavia, ao lado destes, muitos outros há também que sabem arranjar as coisas de modo a não contrariar por demais os poderosos do momento, e que, chegam assim a atrair sobre si as suspeitas ou as censuras da Igreja e dos verdadeiros fiéis. A vida é suave para eles, e, sob a tempestade, estranhamente prosperam. Eis a nuance que - se meu trabalho visasse ter maiores proporções - teria podido acrescentar à descrição da situação religiosa da Polônia.

E se, neste caso, tivesse achado útil indicar um exemplo concreto, nenhum teria sido mais típico que o do movimento "Pax", do qual depende o jornal "Kierunki" em que o Sr. colabora. "Pax" é bem vista pelo governo, pode usufruir de grandes propriedades, difunde-se por toda a Polônia. Numa palavra, apesar de eventuais complicações com as autoridades - que não passam, talvez, de outros tantos meios para se dar melhor o luxo de dizer-se independente - o seu movimento obteve dos comunistas que estão no poder uma situação assaz privilegiada, o que significa que estes têm para com os Srs. sentimentos muito benevolentes.

De outro lado, a Hierarquia não lhes manifesta grande simpatia. Um livro editado por "Pax" foi condenado pelo Santo Oficio em 1955 ( cf. AAS, vol. 47, p. 455 ). E ao que noticia o boletim francês "Documents-Paternité", em seu número 97, de dezembro de 1963, a Secretaria de Estado de Sua Santidade distribuiu aos Bispos franceses e aos Superiores maiores dos Religiosos residentes na França, um relatório que trata severamente de "Pax" e de sua convivência familiar com o comunismo na Polônia.

O Sr. pode verificar, portanto, que estou mais bem informado sobre o seu País do que lhe parece, e que sei que o problema do qual me ocupo existe muito realmente, criado precisamente pela maneira que os Srs. têm de agir face aos comunistas.

Antes de passar adiante, quero fazê-lo notar que, tendo o Sr., ao se dirigir a mim, reivindicado para si a qualidade de católico, teria sido bem mais delicado da sua parte advertir-me de que o Sr. é católico "sui generis". Eu o viria, sem dúvida, a saber, responder-me-á o Sr. Mas, neste caso, como me supõe tão mal informado?

* * *

Passo a outra questão.

O seu jornal quase não se lê, ou não se lê de todo, no Ocidente. Parece-me, pois, muito pouco provável que o Sr. se desse ao trabalho de discorrer tão longamente sobre o meu estudo, se este não tivesse tido repercussão em seu país. Isto me parece indicar que muita gente tomou conhecimento dele aí e se sentiu inclinada a aderir a ele. Como pôde o meu artigo transpor a cortina de ferro? Se o Sr. é livre para mo dizer, agradecer-lhe-ei que o faça.

E mais uma pergunta.

O Sr. publicará a minha resposta na primeira página de "Kierunki"? Segundo a ética jornalística, a isto está obrigado. Poderá fazê-lo? Em todo caso, responda-me por carta. Poderei publicar a sua resposta aqui e em outros países do Ocidente. Parece-me bastante apologético, para a minha tese, que se veja quanto são frágeis os argumentos que lhe pode opor uma pessoa tão qualificada no chamado esquerdismo católico, como é o Sr.

* * *

Mas, dir-me-á talvez o Sr., não é de modo algum verdade que alguém, na Polônia, se sinta inclinado a aderir à tese de "A liberdade da Igreja no Estado comunista". A finalidade de sua carta aberta teria sido apenas a de evitar o escândalo daqueles que em seu País se sentiram chocados com a minha suposta indiferença diante do perigo da guerra convencional ou atômica, indiferença que o Sr. denuncia nestes termos: "Parece-me que depois de ler essa conclusão ( da impossibilidade da coexistência pacifica de um regime comunista e da Igreja ) cada leitor se perguntará: E o que resultará daí? (...): a luta? a guerra? - Sim, a luta, a guerra: o Sr. o diz com toda a naturalidade, quase com displicência, sem ver as consequências sociais catastróficas que a sua atitude implica".

Esta pretensa indiferença é a primeira acusação importante que me faz a sua carta. Vamos examiná-la, pois.

Ou raciocinamos tendo em vista que Deus existe, ou como se Deus não existisse. Se Deus não existisse, seria muito provável que uma muito larga difusão da tese contida em meu estudo, tendo como consequência possível um forte endurecimento entre o Ocidente e o Oriente, pudesse conduzir à guerra. Mas nós sabemos que Deus existe. E, isto posto, o que verdadeiramente pode conduzir à catástrofe atômica não é, em absoluto, a tese que propugno em meu artigo.

Com efeito, é corrente entre os católicos - e Santo Agostinho exprimiu-o com sua amplidão de vistas habitual - que os Estados, enquanto tais, não têm possibilidade de viver além do tempo, não transpõem o umbral da eternidade, e consequentemente devem receber nesta terra a recompensa ou o castigo correspondente às suas ações. Se, pois, queremos que o Estado não seja castigado, o mais importante a fazer é evitar para ele o pecado. Se queremos torná-lo grande e próspero, devemos conduzi-lo sempre à prática do bem.

Eu me pergunto, no meu estudo, em que consiste o dever no que toca à liberdade da Igreja no Estado comunista. Evidentemente, dou à questão a solução que é de molde a fazer com que o maior número de Estados seja levado, pelas respectivas populações católicas, a sacudir o jugo do comunismo e a cumprir o seu dever para com a Igreja. Diga-me, pois: o Sr. - se sinceramente crê em Deus - nega que é à paz que eu, com isto, induzo?

Como fará Deus Nosso Senhor para nos trazer a paz por esta via, que pode, com efeito, parecer um tanto paradoxal? Nem eu nem o Sr. somos obrigados a adivinhar. Deus saberá como fazer para isso. O que, porém, é indiscutível é que, na sua justiça, Ele poupará de desgraças os Estados que agem em conformidade com a sua Lei; e que os outros se expõem às maiores catástrofes.

Mas o Sr. não considera as coisas, absolutamente, por esta forma. Afirmando-se católico, discorre sobre esta matéria inteiramente como se Deus não existisse. Para o Sr., o temor de Deus é substituído pelo temor de Kruchev, de Mao Tsé-tung, ou de outros que tais. Se nós não os irritarmos, teremos paz; se o fizermos, teremos a guerra. Eis de onde se deduz a sua política.

O simples fato de que um católico possa chegar até este ponto, prova que a força de penetração dos regimes comunistas na própria alma dos fiéis pode ser imensa. No Sr., ela o foi. Isto o impede inteiramente de entender bem o sentido dos textos pontifícios que cita para sobre eles apoiar a sua argumentação. Esses textos induzem à paz com toda a sua força. Mas de modo nenhum insinuam que a paz é o bem supremo ao qual o homem deve sacrificar as leis mais essenciais da moral, que lhe vedam fazer ao comunismo as concessões que este exige da Igreja.

* * *

Deixei de lado muitas outras questões de menor importância que o Sr. suscita - a sua estranha pequena alusão simpática à pretensa reforma do século XVI, por exemplo - para chegar ao tópico em que, sem ter muita coragem de dizê-lo com toda a clareza, o Sr. dá a entender que o homem possui, em razão de sua dignidade, uma espécie de direito subjetivo de se afirmar comunista: "Cada ideologia - lê-se ali - contém a sua própria verdade. Para nós católicos, é o Evangelho que define a verdade suprema de nossa ideologia. (...) O Sr. teve a sorte de nascer e ser educado em uma família católica, e tem assim a possibilidade, e mesmo o dever - como católico - de proclamar a Verdade Divina. Mas se, por exemplo, a sorte, ou antes a Providência, o tivesse colocado na Índia, ou em algum dos países árabes, então, como membro da comunidade religiosa desses países, o Sr. proclamaria ali a verdade deles como a sua própria. Fazendo assim, o Sr. viveria feliz ali e não agiria contra a sua consciência. Estes mesmos princípios e deveres vigoram nas relações entre os fiéis e aqueles que não professam nenhuma religião cristã. A História consagrou numerosos livros eruditos a este problema, e os homens lhe consagraram inumeráveis dissertações. De todas estas máximas, uma só tem o maior valor: o direito do homem à liberdade". Se tal direito subjetivo de se professar comunista existisse, muitas partes de meu estudo deveriam ser modificadas. O Sr. cita, em apoio de sua afirmação, um discurso do Emmo. Cardeal Agostinho Bea que não contém tudo o que o Sr. pensa ter nele encontrado. Suponhamos, entretanto, que este texto - visto sob um ângulo falso - parecesse corresponder aos seus desejos: seria admissível deduzir dele que o ensino atual da Igreja tem um sentido absolutamente oposto ao de tão numerosos documentos pontifícios? O ensino da Igreja pode, então, contradizer-se? Está ele submetido às leis da evolução? Somente admitindo isso é que o Sr. se torna compreensível. E eis que se percebe, assim, no fundo do que o Sr. escreve, uma impregnação marxista que, uma vez mais, pode fazê-lo compreender até que ponto são bem fundados os receios expressos no meu artigo.

* * *

Chegamos ao fim.

Apesar de tudo o que o Sr. aduz contra o meu estudo, parece que sente bem a insuficiência de suas objeções, e acaba por dizer que a questão da qual me ocupo não está ainda amadurecida. Deixa transparecer que teria sido melhor não tratá-la. E exprime, em termos bastante sibilinos, a esperança de que um dia a coexistência da Igreja com o Estado comunista possa ser realidade: "Eu queria chamar a sua atenção - são suas palavras - para o fato de que existe uma possibilidade de resolver a situação nos países socialistas, diferente da que o Sr. prevê de modo unilateral e, por isto mesmo, tendencioso. (...) A atitude doutrinária dos católicos de esquerda e seu compromisso social e econômico com o socialismo provam às imensas massas de fiéis que, sendo católico, pode-se realizar ao mesmo tempo a concepção socialista do desenvolvimento social e econômico de seu próprio país. Os marxistas, por seu turno, devem render-se à evidência de que a doutrina espiritualista não somente não impede os fiéis de realizar o programa da revolução socialista, mas os estimula a fazê-lo. Estes homens, os católicos e os marxistas, que em princípio professam concepções ideológicas e doutrinárias diferentes, trabalham em comum pela sua pátria (...). Não crê o Sr. que no curso de uma tal colaboração, as relações entre estes homens se modifiquem? Não crê o Sr. que servindo a mesma causa da pátria, eles aprendam a ter confiança uns nos outros, que eles acabem por se respeitar reciprocamente e que, a partir daí, respeitem e não apenas tolerem - suas respectivas atitudes doutrinárias diferentes? Não crê o Sr. que isto poderia contribuir para melhorar a atmosfera da coexistência de homens que professam doutrinas diferentes, não só em um dado país, mas no mundo inteiro?" Isto supõe, ainda uma vez, da parte da Igreja, uma evolução doutrinária cujo absurdo só pode deixar de ser notado por pessoas imbuídas, e não provavelmente sem o saber, de influências comunistas.

* * *

O Sr. procura estabelecer uma relação muito exagerada entre o meu estudo e a petição que, por proposta de SS. Excias. Revmas. os Srs. D. Geraldo de Proença Sigaud, S. V. D., Arcebispo de Diamantina, e D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos, 213 Padres Conciliares dirigiram ao Emmo. Cardeal Secretário de Estado para que o Concílio renove a condenação do comunismo. Em consequência, chega a insinuar que os dois Bispos brasileiros agiram totalmente sob meu impulso: "(...) tenho todas as razões - lê-se em sua carta - para crer que o Sr. é o inspirador direto ou indireto - o que em princípio vem a dar no mesmo - e coautor da petição em apreço".

Se o Sr. não estivesse tão incompletamente informado sobre o meu País, poderia ter-se poupado este erro. Trata-se de dois Prelados a que sobeja largamente inteligência e cultura - como é notório em todo o Brasil - para redigir aquela petição, da qual posso afirmar peremptoriamente que eles são os únicos autores.

* * *

Abordei os pontos essenciais. A fé, Sr. Z. Czajkowski, move as montanhas, e ela nos dá a coragem de fazer face aos mais poderosos inimigos. Rogue à Santíssima Virgem que obtenha para todos os católicos do Brasil a maior intrepidez na fé. Eu pedirei a Ela que faça do Sr. um campeão da luta católica contra o comunismo. O Sr. traria, para esta luta, verdadeiras qualidades intelectuais que me comprazo em lhe reconhecer.

Cordialmente,

IN JESU ET MARIA

Plinio Corrêa de Oliveira


ESCREVEM OS LEITORES

Sociedade Brasil-Croatia (Druztvo Brazil-Hrvatska), São Paulo (Est. São Paulo), em carta ao Exmo. Revmo. Sr. Bispo Diocesano, D. Antonio de Castro Mayer, a propósito do "Edital sobre a visita do ditador iugoslavo", publicado por S. Excia. Revma. (ver "Catolicismo", no. 151, de outubro de 1963): "Sensibilizados e verdadeiramente emocionados, temos a grata satisfação de vir à presença de V. Excia. Para manifestar, em nome dos croatas – cerca de um milhão – refugiados pelos quatros continentes do mundo livre, a nossa mais sentida gratidão pela sua valorosa atitude contra a visita do sanguinário e criminoso déspota comunista, Tito, ao Brasil.

Atitudes como essa assumida por V. Excia. Revma. Constituem, para nós croatas, sem dúvida alguma, a mais bela e confortadora solidariedade, por que sempre aspiramos. (...)

Deus guarde V. Excia. Revma. Por muitos e muitos anos, para nossa garantia e garantia do povo brasileiro".

* * *

Revmo. Pe. Eduardo Hoornaert, professor de Teologia no Seminário de João Pessoa (Est. Paraiba): "Por um erro do correio caiu nas minhas mãos o número 157 do mensário CATOLICISMO, publicação até então desconhecida por mim. Tomo a liberdade de escrever em toda simplicidade uma carta à S. Excia., exprimindo as minhas impressões ao ler o referido número, porque a leitura me perturbou, e "não posso não falar" quando se trata do Reino de Deus.

A apresentação desta publicação é tão boa, a impressão tão nítida, as fotografias tão claras e os desenhos tão artísticos, que a publicação podia ser um veículo poderoso da propagação da palavra de Deus. Do outro lado, nas páginas do número 157 não há um só anúncio da Boa Nova do Reino de Deus ao nosso povo, não há um convite à conversão à fé, não há uma palavra de catequese batismal nem de iniciação cristã. Isso me entristeceu, Excia Revma., e me deu a ideia de escrever esta carta.

Essas palavras se acompanham duma oração sincera ao Nosso Querido Senhor. Peço-lhe com toda humildade a sua benção".

* S. Excia. Revma. dignou-se enviar a seguinte resposta a essa carta:

"Agradeço, penhorado, sua amável carta de 8 deste mês com sua apreciação sobre o meu jornal CATOLICISMO. No primeiro número dessa publicação demos a orientação que ela sugeria: sem pretender substituir outras publicações católicas, tomava a si lembrar as verdades esquecidas, especialmente na ordem social. Não teremos cumprido com perfeição esse desideratum, mas esforçamo-nos por faze-lo. E, pela misericórdia de Deus, nosso mensário tem tido boa aceitação. Sou-lhe grato, por isso, pelas orações que me promete nessa intenção.

Recomendando-me também às suas orações, envio-lhe a benção pedida".

* * *

Sr. Paulo de Santa Maria, São Paulo (Est. São Paulo): "Ao noticiar a entrega ao Legislativo federal dos manifestos com 27 mil assinaturas, a favor de uma reforma agrária segundo os princípios do livro "Reforma Agrária – Questão de Consciência", prometeram os Srs. Que oportunamente publicariam o discurso que nessa ocasião pronunciou o Presidente em exercício do Senado, Sr. Nogueira da Gama. Mas, até agora... não cumpriram a promessa. Que houve?"

* É o seguinte o texto do discurso em apreço, conforme foi publicado no "Diário do Congresso Nacional":

"O Sr. Presidente – Srs. Senadores, é com imenso prazer que anuncio a presença na tribuna de honra do plenário, dos Exmos. Srs. Arcebispo de Diamantina, Bispo de Campos e Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.

Vieram os três a essa Cassa em visita especial, trazendo copiosa colaboração para o estudo da reforma agrária, depositando aqueles subsídios no Gabinete da Presidência. São manifestos assinados por cerca de 27 mil pessoas, interessadas nas atividades do campo, que vivem, no momento, os problemas suscitados pelas discussões entre doutos na matéria.

Convidei SS. Excias. a comparecerem ao recinto do plenário a fim de que, assistindo um pouco à nossa sessão, testemunhem o apreço, a consideração, o acatamento e, sobretudo, o respeito do Senado a visitas tão ilustres e eminentes, dispensando à colaboração que nos trazem e nos oferecem, o apreço que ela merece.

Tive o prazer de informar a SS. Excias. que o Senado já ofereceu cooperação concreta ao debate do magno problema, aprovando um projeto que consolida ou consubstancia todos os estudos feitos até o presente sobre o assunto. Esse projeto acha-se hoje em discussão na câmara, conhecido como projeto Milton Campos.

Creio traduzir o pensamento de todos os Srs. Senadores, assegurando – como já o fiz às três eminentes figuras que nos visitam – que o Senado continuará dispensando ao estudo da matéria, como o faz, em regra, com relação a todos os problemas nacionais, a serenidade e o equilíbrio costumeiro, e, sobretudo, agindo com desejo de acertar, no interesse de atender às justas necessidades e realidades do nosso povo.

Esta a comunicação que me julguei no dever de fazer aos Srs. Senadores".


Um livro agro-reformista de grande luxo

Luiz Mendonça de Freitas

Sob o título de «A Reforma Agrária — problemas — bases — solução», e com uma apresentação de um luxo editorial e de um custo sem precedentes no País em obras desse gênero, trouxe o IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), recentemente, sua contribuição para o debate em torno do problema da reforma agrária. Tratando-se de entidade formada por empresários e capitalistas, que pela própria ordem das coisas carregam perante a Nação uma particular responsabilidade na defesa da livre iniciativa e da propriedade privada, seria normal que seu pronunciamento procurasse discernir na campanha pela reforma agrária, que vem agitando o Brasil, os focos de subversão comunista mal encobertos por ela. Não é, contudo, o que se vê no referido trabalho. Ele constitui mais um documento leviano em que mal se disfarça a simpatia por quanta reforma revolucionaria se pretenda impor entre nós.

O livro do IPÊS pretende ser obra de alto valor científico, destinada a fundamentar objetivamente a reforma agrária no País.

Ainda que esses tenham sido os propósitos de seus autores, deve-se afirmar que eles não atingiram a meta. Seu livro é uma coletânea de trabalhos díspares, mal alinhavados, sem uniformidade de critérios de apresentação de dados, de terminologia, e mesmo de pontos de vista sobre determinados assuntos.

UM LIVRO COM PRETENSÕES CIENTÍFICAS

Para começar, pode-se conceber um livro de valor científico sem uma única referência bibliográfica completa? O máximo que se encontra no volume em análise são alusões a certas publicações ou autores, sem indicação do título da obra e da edição, sem referência ao texto, etc. Tal procedimento pode ser admitido numa conversa ou numa exposição ligeira da matéria, mas não em uma obra que se presuma séria.

Além do mais, um livro, e «a fortiori» um livro com pretensões científicas, deve constituir uma peça autônoma. Pode-se admitir um trabalho que, como o do IPÊS, à página 16, parágrafo 10, afirme: «No trabalho sobre a Reforma Agrária referido na introdução deste estudo, acham-se os comentários estatísticos dos dados que serviram para o traçado desses gráficos»? A transcrição serve para ilustrar também o tipo das referências bibliográficas. Trata-se de remissão de um capítulo a outro, feita de modo incompleto e com a agravante de que na Introdução não há a aludida referência. O que se encontra explícito, não na Introdução, mas num capítulo anexo, é uma referência de rodapé, na página XV (aliás, diga-se de passagem, a única referência bibliográfica do livro), à «plaquette» publicada pelo IPÊS do Rio de Janeiro em 1963, intitulada «Reformas de Base — posição do IPÊS».

Tem-se o direito de esperar de um livro cientificamente preparado que se reporte à realidade de modo objetivo e desapaixonado. Não é também o que se encontra em numerosas passagens do presente volume do IPÊS. Expressões que ele emprega, como: «arrendamento, forma odiosa de monopólio», «grave processo de formação de minifúndios», «fenômeno impressionante», «tremenda distância social», etc. (grifamos), fazem parte do arsenal de demagogos e agitadores e de si já comprometeriam seriamente o livro, se defeitos muito mais graves e erros grosseiros não bastassem para qualificá-lo.

Um trabalho que se pretenda científico e objetivo deve excluir critérios de apreciação estritamente pessoais, a fim de evitar julgamentos arbitrários, como está expresso, aliás, na página 3 da obra do IPÊS. Pena é que os autores não tenham observado essa norma que souberam formular. Com efeito, são numerosas as apreciações subjetivas e arbitrarias que eles se permitiram. Frequentemente apelam para impressões para pôr em dúvida a validade de dados estatísticos, quando os resultados destes são inconvenientes para a tese exposta (por exemplo p. 20, parágrafo 21). Nessas passagens, e só nessas, se levanta o problema de que poderiam ter ocorrido deficiências nos censos, e alterações de critérios de tomada de informações e de sua apuração, capazes de tornar heterogêneos os resultados apurados. Contudo, nesse assunto, como em todos os demais, não se aprofunda o estudo.

Requisito elementar de um livro bem preparado é certamente o emprego correto de palavras e expressões de uso corrente ou técnico. Sob este aspecto a obra do IPÊS também deixa a desejar. Há palavras e expressões mal empregadas, e outras utilizadas impropriamente em sentido analógico (o que constitui uma interpretação benigna do texto). Quando, por exemplo, afirmam que o monopólio da terra nem sempre se exprime pela propriedade direta, sendo o caso mais frequente o do proprietário absenteísta, e latifundiário (p. IX), evidentemente queriam os autores referir-se à exploração direta. São lapsos compreensíveis apenas em trabalhos ligeiros. O livro faz largo uso da palavra «correlação» (p. 17, parágrafo 07; p. 22, parágrafo 32; etc.), tomada quase sempre em sentido genérico, o que convém pouco a um trabalho cientifico. Um exemplo de imprecisão de linguagem se encontra no seguinte trecho: «o valor das desapropriações» deve limitar-se «ao volume de terras que o Estado pode utilizar» (p. 70). Percebe-se a ideia, mas percebe-se também a falta de domínio do idioma que permita a expressão clara e simples do pensamento dos autores.

A mesma imprecisão se nota em certas apreciações históricas ou de outra ordem esparsas pelo trabalho. A página 40, parágrafo 21, por exemplo, depois de um rápido histórico das rebeliões agrárias na Grécia e em Roma, na Antiguidade, da emancipação do trabalho servil da Idade Média, das conquistas sociais dos trabalhadores desde o século XVI até o século XIX, afirma-se que, nessa última centúria, o problema agrário se agravara na Europa «em virtude das migrações resultantes do acelerado processo de urbanização e de industrialização que se iniciou neste século». A concepção é por demais simplista para merecer comentários, devendo reter a atenção apenas como exemplo das coordenadas históricas dos autores. Poder-se-ia perguntar se por detrás delas não existe uma adesão inconsciente à interpretação dialética da História. Achamos desnecessário enveredar por esse caminho. Limitemo-nos a assinalar o simplismo da visão histórica. A crise da agricultura europeia no século XIX está relacionada com o início da exploração de grandes extensões de terras novas e férteis, principalmente nos Estados Unidos, criando uma concorrência difícil de superar por nações que há séculos vinham cultivando seus solos, numa época em que ainda não se produziam os fertilizantes químicos de hoje. Para esse resultado contribuíram também as migrações internas. Se é certo que os autores não estavam tratando «ex professo» da questão, nem por isso estavam desobrigados de formulá-la com um mínimo de cuidado.

A falta de justeza de certas asserções compromete também o caráter cientifico do livro. Assim, à página X da Introdução deparamos com a seguinte afirmação: «A Bacia do Jaguaribe, no Ceará, por exemplo, com a densidade demográfica inferior a 8 habitantes por quilômetro quadrado, perde 2 unidades de densidade demográfica em cada três anos. Se a tendência persistir a área ficará literalmente deserta em um decênio». A afirmação revela falta de discrição no tratamento de dados e tendências.

O livro apresenta dados estatísticos em abundância, mas infelizmente não os analisa. Os dados, relativos ao Brasil e outros países, reportam-se a diferentes décadas deste século, dando margem a comparações arbitrarias. As conclusões, quase sempre, são deixadas ao exclusivo critério do leitor.

A expressão mais palpável do desleixo com que se redigiu essa obra com pretensões científicas são talvez as faltas de concordância entre capítulos diversos. Por exemplo: no anteprojeto de reforma agrária da segunda Parte se criam Comissões Agrárias constituídas por cinco representantes dos trabalhadores rurais e cinco dos proprietários, com competência para instruir os pedidos de desapropriação, manifestar-se sobre a lista de candidatos a lotes, etc. As Comissões serão dissolvidas quando estiverem implantados os respectivos núcleos de colonização. Seu caráter é portanto temporário, de acordo com o que dispõem expressamente os artigos 80 e seguintes. Pois bem, o capítulo do Arrendamento confere a essas Comissões o encargo de resolver amigavelmente os litígios entre proprietários e arrendatários, antes de qualquer apelo à Justiça (p. 86). Seria portanto uma função permanente, em contradição com o caráter provisório que lhes atribui o anteprojeto proposto em outra parte do livro.

O ÍNDICE SINTÉTICO DE PRIORIDADE DE REFORMA AGRÁRIA

O livro do IPÊS está dividido em duas Partes. A primeira é analítica e expositiva, e a segunda normativa, apresentando-se como inspirada nos resultados da primeira Parte. Uma Introdução resume preliminarmente as grandes teses do trabalho e é seguida do Decálogo da Reforma Agrária. Trata-se de estudos devidos a vários autores (é de estranhar que seus nomes não figurem na capa nem no frontispício), e sua forma de apresentação não foi uniformizada, nem sequer se tendo procedido a uma revisão cuidadosa capaz de eliminar repetições.

A primeira Parte consta, por sua vez, de duas seções. A primeira compreende oito capítulos, com os respectivos parágrafos devidamente numerados. A segunda consta de um único capítulo, sem numeração para os parágrafos, mas com pequenos subtítulos. Esta segunda seção, que constituía provavelmente uma exposição autônoma, não chegou a ser corretamente adaptada para ser inserida no livro, posto que apresenta resumos, evidentemente desnecessários, da primeira seção.

A Parte mais importante do livro, aquela que pretende conferir-lhe indiscutível caráter científico, é a primeira, com a apresentação do índice sintético de prioridade de reforma agrária. Este é apresentado com o evidente objetivo de impressionar o leitor. O índice Ip é um «somatório que leva em conta em cada zona fisiográfica: (a) o altura_imgual de ocupação jurídica do campo, (b) o altura_imgual de ocorrência de grandes estabelecimentos agrícolas, (c) o altura_imgual de ocorrência de pequenos estabelecimentos agrícolas, (d) a densidade rural, (e) a população da zona fisiográfica avaliada, (f) o potencial econômico da zona onde se encrava» (Introdução, pp. XI-XII). O índice sintético Ip, calculado para as 229 regiões fisiográficas em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divide o Pais, é obtido através da seguinte formula:

onde: M = Minifúndio,

L = Latifúndio,

d = Densidade da população rural,

p = População rural.

O termo M é expresso pelo produto de:

(Pmax - P) x D2 x (50 ± O);

o termo L é expresso pelo produto de:

P x D1 x (150 — O),

onde: P = Potencial demográfico,

D1 = % de área nas propriedades com mais de 1.000 Ha,

O = Ocupação, ou seja, % das áreas das propriedades agrícolas sobre a área total da região,

Pmax = Potencial demográfico máximo da área considerada,

D2 = % de área nas propriedades com menos de 100 Ha.

O resultado é expresso em 1.000 habitantes/km.

Sobre o valor científico da fórmula acima, o Prof. Antonio Delfim Netto, catedrático da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP, teceu as percucientes considerações apresentadas em artigo que acompanha o presente. Quisemos citar a fórmula e seus termos para que fique consignado que um índice de tanta importância não tomou em consideração o problema da fertilidade dos solos e a questão da produtividade.

Na realidade a formula Ip, não tem valor científico, não passando de um índice que exprime a média geométrica, ponderada por uma série de coeficientes, da ocorrência de latifúndios e minifúndios nas 229 regiões fisiográficas em que o País foi dividido. A fórmula não resultou de nenhuma lei empírica, nem pode constituir fundamento científico para a elaboração de programas de reforma agrária, conforme pretendem seus autores.

De acordo com os Ip, assim obtidos, as diversas regiões do Brasil foram distribuídas em três grupos:

(continua)