VERSO E REVERSO

Conclusão da página 1

qualquer façanhudo revolucionário reconhece que continua "in fieri", pois permanecemos, como é arqui-sabido, na fase histórica da ditadura do proletariado...

Mas o próprio Sr. Alceu Amoroso Lima se encarrega de desmentir essa "evolução" do socialismo para o comunismo, pois pouco mais adiante sustenta que "o fortalecimento da democracia na Europa foi o maior estímulo à passagem do estalinismo ao krutchevismo, isto é, de um comunismo cruel a um socialismo mais racional e humano".

Em que ficamos, afinal? É o comunismo "evolução natural do socialismo", ou o socialismo "mais racional e humano" é evolução do "comunismo cruel"?

Prossegue o Sr. Tristão de Ataide: "A vitalidade do comunismo, comprovada por quase meio século de persistência e a precariedade do fascismo, em vias de desaparecimento, bem mostram a origem evolutiva e natural de um e a origem reacionária e artificial de outro".

Deixemos de lado este critério oportunista e pragmático de comprovar a "origem evolutiva e natural" de um regime totalitário por ter ele conseguido manter-se "por quase meio século" à custa da ação incessante de uma temível guarda pretoriana, e lembremos o que representaram esses escassos cinquenta anos de "vitalidade" do comunismo, em matéria de atrocidades de toda ordem, a começar pelo massacre do Czar e da Família Imperial, pelo extermínio da Hierarquia católica russa, pela morte pela fome de milhões de camponeses que se opuseram à reforma agrária soviética, e a terminar pela chacina de 1947 nas ruas de Budapest e pelos fuzilamentos de Fidel Castro.

Todo o artigo que estamos comentando foi elaborado pelo Sr. Tristão de Ataide para provar a tese de que o nazismo e o fascismo não se confundem com o comunismo, mas a ele se opõem. Por aí se vê como S. Sa. vota um soberano desprezo à verdade histórica. Pois ressalta aos olhos de quem quer ver, que o totalitarismo da direita foi engendrado para sorrateiramente desviar para o mesmo moinho totalitário e socialista os esforços de muitos daqueles que queriam levantar barreiras contra o comunismo avassalador.

No que diz respeito ao fascismo, já a 29 de junho de 1931, em documento solene, denunciava Pio XI o embuste: "Nós, pelo contrário, nós, a Igreja, a Religião, os fiéis católicos (e não somente o Romano Pontífice), não podemos estar agradecidos a quem depois de haver dissolvido o socialismo e a maçonaria, nossos inimigos declarados (mas não somente nossos), lhes abriu uma ampla estrada, como todo o mundo vê e deplora, e permitiu que cheguem a ser tanto mais fortes, perigosos e nocivos quanto mais dissimulados e, ao mesmo tempo, mais favorecidos pelo novo uniforme" (Encíclica "Non Abbiamo Bisogno"). Todo o mundo, diz o Papa, — menos o Sr. Tristão de Ataide, dizemos nós, pois em livro publicado cinco anos depois afirmava o incondicional seguidor do "Humanismo Integral": "Tenho pelo movimento integralista a mais viva simpatia, como tenho pelo fascismo e por toda essa moderna reação das direitas, que mostraram a não inevitabilidade do socialismo" (p. 209 de "Indicações Políticas", Ed. Civilização Brasileira, Rio, 1936).

..Quanto ao nazismo, é mais fácil ainda apontar seu aspecto revolucionário e esquerdista. Eis, entre montanhas de documentos, o testemunho de quem viu de perto a obra nefasta do Terceiro Reich: "A denúncia do perigo comunista, por parte de Hitler — escreve Fritz Max Cahen em "Men against Hitler" — fez sucesso no estrangeiro. Certas pessoas não se capacitavam de que o programa nazista, com sua denúncia da servidão dos aluguéis, com seus incisivos ataques contra os lucros individuais, seu programa de autossuficiência, e sua mal disfarçada hostilidade à propriedade privada, continha mais elementos para a destruição do presente sistema econômico do que o próprio Manifesto Comunista de Karl Marx" (p. 235 do livro cit., Ed. The Bobbs-Merril Co., New York, 1939). Convém outrossim trazer à memória de nossos leitores a declaração irradiada por Goebbels nos últimos momentos da resistência hitlerista em Berlim, na qual dizia que, embora destruído militarmente, o nazismo sairia vencedor do conflito, pela implantação do socialismo em todo o mundo.

Tendo em vista essa subterrânea identidade de propósitos do fascismo, do nazismo e do comunismo, quem nos garante que, vitoriosos Mussolini e Hitler na segunda guerra mundial, não estaríamos vendo agora o Sr. Tristão de Ataide "provar" a seus desavisados leitores que a vitalidade do nazismo era devida ao fato de ser ele a evolução natural do fascismo, ao contrário do caráter artificial do derrotado comunismo?...

Felizmente, a realidade política e social não se adapta às fôrmas e moldes que lhe são adrede preparados por certo gênero de sociólogos. Confiemos na palavra da Virgem de Fátima, que nos apresenta o comunismo como castigo para a humanidade, se esta, se obstinar em não seguir Aquele, que é Caminho, Verdade e Vida. E convençamo-nos de que, portanto, os meios de evitar o perigo comunista se acham em nossas mãos.


REFORMA AGRÁRIA QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA em 30 dias

P. V. X. S.

• Por ocasião da 30ª Exposição Agropecuária, de Uberaba, os presidentes das Associações Rurais ali representadas dirigiram um apelo aos Poderes competentes no sentido de que seja rejeitado o projeto de reforma agrária, Aniz Badra-Ivã, Luz, já aprovado pela Câmara Federal. O documento, que foi uma iniciativa do Sr. Evaristo Soares de Paula, prefeito e presidente da Associação Rural de Curvelo (MG), recebeu a assinatura de numerosos agricultores. Depois de exprimir simpatia e esperanças em relação ao governo do Presidente Castelo Branco, dizem os signatários:

«Apelamos para as autoridades no sentido de que não seja aprovado o projeto Aniz Badra-Ivii, Luz, ora em curso no Senado.

«Este projeto sujeita toda a lavoura à ditadura da SUPRA, como luminosamente demonstraram os autores de «Reforma Agrária — Questão de Consciência», os Exmos. Revmos. Srs. D. Geraldo de Proença Sigaud, Arcebispo de Diamantina, D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e o economista Luiz Mendonça, de Freitas, em impressionante estudo largamente difundido pela imprensa.

«Por este projeto, o fazendeiro é tratado como um incompetente que não pode sequer escolher qual o plantio que deve ser feito em sua lavoura. Com isto, a lavoura brasileira se burocratizará e se tornará improdutiva, como a de Cuba e a da Rússia.

«A aprovação do projeto Aniz Badra-Ivã Luz será o primeiro passo para a comunização do Brasil, porque bastará depois estender o mesmo tratamento à indústria, ao comercio, à medicina, etc., para se irem comunizando os vários setores das atividades profissionais do País.

«Assim, lamentamos que elementos da cúpula rural, não só de Minas como de outros lugares, abandonando os mais fundamentais direitos da lavoura e exprimindo um pensamento que não é de nenhum modo o dos fazendeiros, se disponham a aplaudir esse projeto, contribuindo para estrangular a classe que deveriam defender».

• Esse manifesto repercutiu na imprensa de todo o País, sendo publicado ou noticiado pela «Gazeta de Alagoas» de Maceió, «O Popular» de Goiânia, «Jornal do Brasil», «Jornal do Comercio» e «O Jornal», do Rio de Janeiro, «Informador Comercial» e «Estado de Minas», de Belo Horizonte, «Diário do Comercio e Industria», «Diário de São Paulo», «A Gazeta Esportiva», «Diário da Noite» e «Folha de São Paulo», da Capital paulista, «Diário do Paraná» e «Estado do Paraná», de Curitiba, «A Gazeta» de Florianópolis, «A Tribuna» de Blumenau, e «Correio do Povo» de Porto Alegre.

• O pronunciamento dos autores de RA-QC contra o projeto Aniz Badra-Ivã Luz repercutiu ainda em «O Jornal» e «Correio da Manhã», do Rio de Janeiro.

• «O Estado de Minas», «Diário de Minas» e «Diário da Tarde», de Belo Horizonte, noticiaram o discurso pronunciado naquela Capital, por ocasião do Dia Mundial do Congregado, pelo Sr. Carlos Alberto Soares Correia, que fez referências elogiosas a RA-QC seus autores, bem como ao artigo do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira sobre «A liberdade da Igreja no Estado comunista».

• O «Diário de São Paulo» publicou artigos dos Srs. Manomi de Souza Pinto, Gregorio Vivanco Lopes e Edson Neves da Silva contendo referências elogiosas a RA-QC. «A Gazeta» de Florianópolis transcreveu um desses artigos do Sr. Manomi de Souza Pinto.

• O Exmo. Revmo. Sr. Bispo Diocesano, em mensagem dirigida aos trabalhadores de Campos por ocasião da festa de São José Operário, ressaltou o papel que cabe aos trabalhadores na luta contra o comunismo. O documento, além de divulgado com destaque pela imprensa local, foi publicado no «Diário de São Paulo», «Folha de São Paulo», «A Gazeta Esportiva» e «Diário do Comercio e Industria», da Capital paulista.

• A publicação de uma «Carta Aberta ao Dr. Plinio Corrêa de Oliveira» no jornal «Kierunki», de Varsóvia, foi noticiada pela «Folha de Goiás» de Goiânia, «Jornal do Comercio» do Rio de Janeiro, «Diário de São Paulo», «Diário do Comercio» e «Diário do Comercio e Industria», de São Paulo, «Voz do Povo» de Olímpia (SP), «O Estado» de Florianópolis, e «A Tribuna» de Blumenau (SC).

• Elementos representativos da colônia lituana de São Paulo lançaram um manifesto pedindo ao governo brasileiro o reconhecimento do governo lituano no exílio, que — como se sabe — tem caráter anticomunista. O documento ressalta que o artigo «A liberdade da Igreja no Estado comunista» do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira demonstrou que os católicos não podem aceitar a convivência pacífica com um regime comunista, ainda que este lhes conceda liberdade de culto. O manifesto foi publicado em «Musu Lietuva», órgão da colônia em São Paulo, e no «Jornal do Comercio» do Rio de Janeiro, «O Estado de São Paulo», «Diário de São Paulo», «Diário Popular», «A Gazeta» e «A Gazeta Esportiva» da Capital paulista, «O Estado de Minas», «Diário de Minas» e «Correio de Minas», de Belo Horizonte.

OUTRAS NOTAS ANTI-SOCIALISTAS

Mais uma demonstração eloquente do apoio infelizmente dado por elementos do Clero à subversão promovida pelo regime deposto, se encontra na mensagem enviada pelas associações religiosas de Bom Jesus de Itabapoana (RJ), com aprovação do Vigário local, ao Exmo. Revmo. Sr. D. Clemente José Carlos Isnard, DD. Bispo de Nova Friburgo, a respeito da participação do Revmo. Vigário de Itaocara no comício pelas chamadas reformas de base, realizado naquela cidade em 18 de março último. Reza a mensagem:

"Os abaixo assinados, em nome do povo católico da Paróquia do Bom Jesus do Itabapoana, no Estado do Rio de Janeiro, dirigem-se a V. Excia. a fim de deplorar profundamente a presença do Revmo. Monsenhor Pedro Maia Saraiva, Vigário da Paróquia de Itaocara, dessa Diocese, no comício realizado nesta cidade, no dia 18 de março p.p., ao lado de diversos elementos reconhecidamente esquerdistas.

"Um dos principais objetivos da sobredita concentração, presidida pelo Sr. Presidente da República, foi a pregação pelas famigeradas "reformas de base", de caráter francamente socialista e anticristã. E, com esse fim, foram pronunciados os discursos mais revolucionários e anticatólicos, dentre os quais — reiteramos nosso sentimento de profunda tristeza — não podemos excluir o do Revmo. Vigário de Itaocara.

"Deixando consignada a nossa estranheza, que é também a de todo o povo católico desta Paróquia, subscrevemo-nos com toda a veneração. Deus guarde a V. Excia.

"Congregação Mariana de Nossa Senhora das Graças e São Luís de Gonzaga, Pia União das Filhas de Maria, Liga Católica Jesus, Maria e José, Apostolado da Oração, Associação de Santa Teresinha".

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Acha-se preso em Ribeirão Preto desde o dia 1° de maio, à disposição das autoridades locais, o Revmo. Pe. Celso Ibson de Sylos, ex-diretor do órgão católico "Diário de Notícias" daquela cidade, acusado de atividades subversivas sob o governo deposto. De documento publicado pelas referidas autoridades para esclarecimento da população ribeirão-pretana, constam as múltiplas razões que motivaram o ato, algumas das quais aqui consignamos como notórias:

"Porque como diretor de redação do "Diário de Notícias" tomou posição nitidamente a favor do CGT, PUA, UNE e demais órgãos espúrios da mesma natureza, que, como é público e notório, trabalhavam para a comunização do País".

"Porque organizou, neste município e região, ligas camponesas denominadas "Frentes Agrárias", análogas àquelas do conhecido agitador Francisco Julião, e nas quais, por depoimentos colhidos dos seus próprios membros, pregou a luta de classes ao defender as reformas de base propaladas pelo esquema pelego-comunista do governo que em boa hora desertou. Na "Frente Agrária" nada realizou de positivo; apenas tumultuou os meios rurais favorecendo a ação dos comunistas".

"Porque participou de piquetes grevistas em companhia de elementos notoriamente comunistas, muitos dos quais já fichados como tais pelos órgãos competentes".

"Porque permitiu a publicação no jornal "Diário de Notícias", sob sua direção, de uma sátira torpe e indecorosa relativa à Marcha da Família com Deus pela Liberdade, realizada no dia 19 de março de 1964, em São Paulo, a primeira corajosamente organizada pelos verdadeiros democratas, e o primeiro grito da opinião pública contra a cubanização do País, passeata essa que nesta cidade teve inclusive o apoio do Sr. Arcebispo (o Pe. Celso permitiu que fosse estampada em seu jornal, em ponto grande e em destaque, uma fotografia de juntas de bois com a seguinte legenda: "Passeata avacalhada", e essa foi a única referência que o citado jornal fez àquele magnífico movimento cívico e patriótico, ao qual compareceram mais de quinhentas mil pessoas)".

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A Igreja não teme a verdade, afirmou em admirável lance de inteligência e coragem o grande Leão XIII, quando franqueou a todos os historiadores os arquivos do Vaticano.

Não há razão para passar sob silêncio fatos deste gênero, o que aliás seria impossível porque seus próprios autores se encarregaram de os tornar públicos e notórios. Eles provam até que ponto puderam chegar os frutos da penetração doutrinaria esquerdista nos meios católicos, penetração essa que "Catolicismo" vem combatendo infatigavelmente há perto de quinze anos. Tudo quanto esta folha tem dito sobre o tema se ilustra agora com deploráveis exemplos nas fileiras do Clero e do laicato, e, pondo-o em evidência, se acautelam contra o esquerdismo daqui por diante numerosas almas. Diria o Conselheiro Acácio que a difusão da verdade sempre faz bem.

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A divulgação da verdade, sim, e da verdade total. Ora, esta consiste não só em tristes fatos como os de que acima falamos, bastante numerosos para desolar nosso zelo de católicos. Consiste também — queremos proclamá-lo aqui — em que fora dos meios, de grande influência mas minoritários, atingidos pela propaganda do chamado esquerdismo católico, a muito grande maioria dos elementos de nosso venerando Clero secular e regular, bem como dos fiéis, se manteve, mesmo no auge da crise, inteiramente isenta de qualquer cooperação com o esquerdismo, e aqui e acolá chegou até a participar muito ativamente na reação anti-esquerdista. O que para inteiro conhecimento da verdade e honra da Igreja bom é que se afirme.

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O Deputado Cid Furtado, do PDC do Rio Grande do Sul, em frisante contraste com a linha estatizante de seu partido, afirmou em discurso na Câmara Federal que em qualquer país do mundo a estatização é um mal que deve ser combatido. Segundo aquele parlamentar, as experiências de estatização, tão do agrado do governo Goulart, levam ao aumento exagerado da mão de obra, ao crescimento vertiginoso do custo da produção e ao decréscimo da qualidade do produto e dos serviços.


CALICEM DOMINI BIBERUNT

A PATARIA CUMPRIU SUA MISSÃO

Fernando Furquim de Almeida

Em 1075, São Gregório VII reuniu novamente em Roma os principais bispos da Cristandade, e em presença deles reiterou as condenações do ano anterior, através de um novo decreto, mais explícito, que negava ao Imperador e aos senhores feudais o direito de dar a investidura aos bispos a abades.

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Henrique IV, não podendo resistir por estar em guerra com os saxões, fingiu submeter se, mas pediu que o decreto não fosse publicado até que, livre das preocupações que o afligiam, estivesse em condições de obrigar seus súditos a aceitá lo. O papa acedeu e o documento não foi dado a público, ficando os legados pontifícios com a incumbência de providenciar a sua execução onde fosse oportuno. Mais tarde o decreto se perdeu, e não se conhece de seu texto senão o que transpirou durante a luta que se seguiu entre a Santa Sé e o Império.

Aproveitando se da trégua que a decisão de São Gregório VII lhe concedia, Henrique IV começou a intrigar, procurando obter os apoios necessários para rebelar se, como havia decidido. A sua má fé se tornou patente quando, empenhado em intimidar a Condessa Matilde, conquistou a adesão de seu marido, Godofredo o Corcunda, e convenceu o a tentar demover sua esposa da fidelidade à Santa Sé. O Papa se persuadiu então de que era inútil contemporizar com tal adversário, e dispôs se a enfrentá lo, mesmo porque já de toda parte chegavam rumores da ofensiva que ele estava preparando.

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Na Lombardia, onde a oposição à reforma tinha grande número de adeptos entre os eclesiásticos, a situação logo se envenenou. Além do decreto a que aludimos, no Concílio de 1075 São Gregório VII tinha deposto vários bispos cismáticos, entre eles três da Alta Itália. Eram estes Guilherme de Pádua, Cuniberto de Turim a Dionísio de Placença. Sustentados pelo Imperador, os adversários da reforma, a pretexto de defender seus direitos tradicionais, atingidos pela medida pontifícia, se puseram a atacar ou provocar a Pataria por toda a Lombardia. Em Milão, anunciaram que o arcebispo cismático Gofredo iria administrar o Crisma. Senhor inconteste da cidade, Erlembaldo resistiu à nova ofensiva que se esboçava, publicando um edital em que proibia os fiéis de se fazerem crismar por Gofredo. Irrompeu então um distúrbio prontamente abafado pela Pataria, que obrigou os simoníacos a se retirarem da cidade, não sem antes terem cometido várias atrocidades, entre as quais a de cortar o nariz e as orelhas de Liprandro, sacerdote de família nobre que, apoiado por Erlembaldo, batizava em lugar dos presbíteros cismáticos.

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A 30 de março de 1075, um grande incêndio irrompeu em Milão, destruindo boa parte da cidade. Os adversários dos pátaros aproveitaram se dessa calamidade para lançar sobre eles a culpa, e nova luta teve início. Os pátaros conseguiram mais uma vez libertar a cidade. Comandados por Erlembaldo — que levava sempre consigo o gonfalão da Santa Igreja, que lhe fora concedido pelo Papa Alexandre II — perseguiram os inimigos, dispostos a não mais permitir que entrassem em Milão. No dia 23 de junho, num combate, Erlembaldo foi morto por Arnaldo de Rhô. Seu cadáver ficou insepulto durante vários dias, guardado pelos simoníacos, que repeliam as forças pátaras que tentavam recuperá lo.

A perda de seu grande chefe e animador causou uma natural confusão nas fileiras da Pataria, mas, refeitas da dolorosa surpresa, organizaram um ataque com o qual lograram reaver o cadáver. Foi este sepultado na igreja de São Celso, onde desde então foi venerado como o de um santo e mártir.

Vinte anos mais tarde, numa visita que fez a Milão, o Papa Urbano II, em companhia do Arcebispo Arnolfo II, transportou solenemente os despojos de Erlembaldo para a igreja de São Dionísio. Tal fato, na época, tinha o alcance de uma canonização, e para o conhecimento da posteridade foi perpetuado por uma inscrição posta no novo sepulcro. Essa inscrição não mais existe. Os historiadores, porém, conhecem a sua existência pelos documentos da época e dos séculos posteriores.

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Com a morte de Erlembaldo, a luta foi suspensa e a Pataria elegeu, para sucedê lo no comando, um cavaleiro chamado Wilfredo, pouco conhecido, mas a quem São Gregório VII costumava elogiar, destacando entre as suas virtudes a perseverança e a coragem.

0 conflito que deveria logo se dar entre o Papa a Henrique IV passou a atrair todas as atenções. A atividade da Pataria entrou então em declínio, e a associação praticamente desapareceu pouco depois. Ela cumprira a sua missão, preparando o terreno para São Gregório VII implantar na Cristandade a grande reforma que dele tomaria o nome, e cujos frutos excelentes iluminariam a Idade Média e lhe dariam essa fisionomia que tanto admiramos.

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Podemos concluir a história da Pataria com a justa observação de Francisco Cognasso no artigo que sobre ela escreveu para a Enciclopédia Vaticana: "A Pataria desapareceu, mas tinha destruído em Milão as tendências imperialistas e introduzido na igreja ambrosiana o programa reformador de Roma".


NOVA ET VETERA

“UM TANTO TARDIAMENTE”

J. de Azeredo Santos

Surtos alternados de racionalismo, de sensualismo romântico, de liberalismo, nestes últimos duzentos anos vêm trabalhando os homens em todos os quadrantes do globo, e sobretudo no Ocidente cristão. O relativismo moral e religioso, o indiferentismo, o latitudinarismo, o opinionismo são sequelas habituais dessas lufadas de naturalismo que a Revolução espalha por todo o orbe, a ponto de não se poder afirmar que os homens de nossa época, tomados em conjunto, sejam frios ou quentes: via de regra são mornos, são escravos da dúvida, são caniços agitados pelos ventos da propaganda dirigida.

Em larga medida, deixaram os princípios e a lógica de nortear os destinos da humanidade. Os instintos, as impressões epidérmicas, o «eu acho isto» ou «eu sinto aquilo» passaram a pesar na balança da opinião pública, e a justificar até mesmo as decisões dos conselhos das nações. Desorientada a opinião pública pela versão revolucionaria dos acontecimentos, não estranha, por exemplo, que a última guerra mundial haja sido desencadeada por motivo da invasão da Polônia pela Alemanha nazista e que, ao findar o conflito, a Rússia soviética cinicamente ocupe aquele país aliado, impondo-lhe à força seu domínio totalitário.

Tendência à insinceridade

Há quem sustente, com o Sr. Jacques Maritain, que a humanidade atingiu em nossa época a idade adulta. Atentemos, porém, para a facilidade com que são artificialmente manobradas imensas multidões, transformadas em massa amorfa e mecânica, e veremos que o homem moderno, trabalhado pelos «slogans», se sente inseguro como uma criança, e afundado em morno conformismo.

Não canonizamos nenhuma época da História. O pecado original marca a triste condição humana em todas elas. Mas não há dúvida de que as qualidades e os defeitos mais pronunciados não são os mesmos entre os povos no decorrer dos séculos. Assim é que na visão da Serva de Deus Ana Catarina Emmerick, os homens, quando do advento do Redentor, eram frios ou quentes, e hoje passaram a mornos: «No tempo de Jesus Cristo eu via os homens muito piores e mais depravados do que agora; mas, em troca, havia outros muito mais piedosos e simples, que se diferenciavam daqueles como o tigre do cordeiro. Agora reina por toda parte a tibieza e a indiferença. Naquele tempo a perseguição dos justos consistia em execuções e suplícios; agora em burlas, desprezos, sarcasmos, tentações prolongadas e esforços para corrompê-los. O martírio é agora um suplício perpétuo» (Ana Catalina Emmerick, «Visiones y Revelaciones Completas» — versão espanhola — Ed. Guadalupe, B. Aires, 2.4 edição — tomo I, pag. 177).

Dizia o Santo Padre Pio XII que um dos mais graves males de nossa época é a perda da noção do pecado, o que se nos apresenta como a característica marcante dos mornos e indiferentes. O mesmo Soberano Pontífice, em ocasião solene, externou um severo juízo sobre a moderna técnica de deformação da opinião pública.

«O estigma que nossa época leva estampado sobre sua fronte e que é causa de desagregação e de decadência — diz o Papa — é a tendência cada vez mais manifesta à insinceridade. Falta de veracidade que não é somente um recurso ocasional, um procedimento para sair por um momento de dificuldades imprevistas ou de obstáculos inesperados. Não. Aparece hoje em dia erigida em sistema, elevada à categoria de estratégia, na qual a mentira, a deformação das palavras e dos fatos, o engano, se converteram em clássicas armas ofensivas, que alguns manejam com maestria, orgulhosos de sua habilidade. Até esse ponto o olvido de todo senso moral é aos olhos desses tais parte integrante da técnica moderna na arte de formar a opinião pública, de dirigi-la, de acomodá-la ao serviço de sua política, resolvidos como estão a triunfar a todo custo nas lutas de interesses e de opiniões, de doutrinas e de hegemonia» (Pio XII na Radiomensagem do Natal de 1947).

Estas considerações nos vêm à memória diante dos dolorosos acontecimentos que sacodem o Vietnã do Sul, onde uma cristandade até há pouco florescente sofre em sua carne e em sua alma os resultados da política suicida do Ocidente, que mornamente em várias partes do mundo vai cedendo terreno à expansão comunista.

Não temos elementos suficientes para formar sobre o deposto governo Ngo Dihn Diem um juízo completo. Mas o que ficamos sabendo através das entrelinhas de tendenciosos despachos telegráficos é que as principais acusações feitas à família Ngo Dihn se resumem em que ela favorecia a Religião Católica e combatia o comunismo. Jornais chamados «neutros» e publicistas «católicos de esquerda» se referiam ao «fanatismo» de Mons. Ngo Dihn Thuc, Arcebispo de Hué e irmão do malogrado Presidente. Imperaria em todo o Vietnã do Sul a perseguição a inocentes budistas, que outro recurso não teriam para protestar, senão o de deitar gasolina em suas vestes e arder em plena rua.

Por outras palavras, a opinião pública foi manobrada para não admitir que existisse no Extremo Oriente uma cristandade que queria sobreviver diante da ameaça comunista. E indiferentes à sorte de milhões de irmãos nossos, esses mornos do século XX deram cobertura à propaganda empreendida pelos bonzos suicidas, que uma campanha habilmente conduzida apresentava como inocentes vítimas do fanatismo católico dos Ngo Dihn.

A mentira como arma de propaganda

Hoje, com o agravamento da situação no Vietnã do Sul e com os avanços cada vez mais audaciosos dos vietcongs apoiados pelo imperialismo chinês, vai sendo restaurada a verdade. E entre outros depoimentos queremos assinalar o que apareceu no número de 22 de maio último da revista «Time»:

«Falando em Los Angeles, um funcionário do Departamento de Estado norte-americano pôs em dúvida, um tanto tardiamente, a acusação dos budistas de que eles foram perseguidos pelo regime Diem. Richard I. Phillips, oficial-chefe de imprensa do Departamento, insinuou que os budistas haviam sido vítimas de «favoritismo em benefício da família Diem e dos vietnamitas católicos». Mas, instado a esclarecer se os budistas tinham sofrido «perseguição», Phillips respondeu: «Eu diria que não». Acrescentou que «eles levaram a cabo um programa de relações públicas muito eficaz no sentido de contar sua história ao povo americano», e assinalou que haviam sido apoiados por seus colegas budistas dos países neutros Burma e Ceilão e da China vermelha».

Em linguagem mais clara: os budistas levantaram enorme onda de propaganda contra o regime de Diem, e nisto foram auxiliados pelos bonzos da China comunista. Ora, se não estavam sendo perseguidos, qual a razão dessa campanha de âmbito internacional? A razão verdadeira não seria o eficaz combate ao comunismo que os católicos daquela infeliz nação estavam empreendendo?

O que vem acontecendo no Vietnã é um simples episódio na campanha empreendida em todo o mundo pelas forças da Revolução para submeter a humanidade a seus perversos desígnios. Trabalho de séculos a que temos que opor a cruzada da Contra-Revolução. Aprendamos a desconfiar das terceiras-forças, dos mornos e indiferentes que apregoam ser contraproducente a luta: o Reino dos céus padece violência (cf. Mat. 11, 12), e se não lutarmos, Deus Nosso Senhor acabará por nos vomitar de sua boca (cf. Apoc. 3, 16).