CONVÉM QUE A ESPADA DO ESPIRITO REPOUSE NA BAINHA DO IRENISMO?

Alberto Luiz Du Plessis

O católico é, por sua própria natureza, um apóstolo. O mandamento divino: «Ide, ensinai todas as gentes» (Mat. 28, 19) aplica-se especialmente à Hierarquia, não deixando porém de estar entranhado no coração de todo fiel, pois a maior manifestação desse amor ao próximo que todos devemos ter, é desejar a sua salvação, e portanto querer que ele veja a luz da verdadeira fé.

Esta pregação missionária, como todas as atividades da Igreja, tem passado por períodos de maior ou menor esplendor. Citemos, apenas para exemplificar, a epopeia da Contra-Reforma, impedindo a propagação da heresia e fazendo voltar à fé inúmeras almas transviadas pelo protestantismo; ou então o admirável trabalho de missão desenvolvido por ocasião dos grandes descobrimentos, no qual São Francisco Xavier foi a figura exponencial.

Ultimamente os Santos Padres João XXIII e Paulo VI, movidos pelo paternal desejo de apressar a realização da profecia evangélica de que haverá um só rebanho e um só Pastor (cf. Jo. 10, 16), deram novo impulso ao chamado movimento ecumênico, concitando todo o povo católico a oferecer o melhor de suas energias para que venham ou retornem ao redil todos aqueles que dele se encontram afastados.

Infelizmente, muitas vezes esta nobre tarefa não tem sido compreendida e nem executada com a cautela e a firmeza de princípios que seria de se desejar. Ao esclarecimento cortês mas firme, que não exclui, quando necessária, a polêmica elevada e vigorosa, prefere-se não raras vezes a confraternização sentimental, vazia e insípida, na qual se deixa à margem qualquer preocupação doutrinaria, e o certo e o errado, o bem e o mal, o sim e o não, são colocados lado a lado como se fossem grandezas de igual valor. Ao brilho e à inteireza da doutrina substitui-se então uma maneira de expor que, não fazendo, embora expressa negação de artigos de fé, deixa de apresentar muitos pontos fundamentais desta, e a outros coloca de maneira tão apagada e secundaria, que quase se diria não existirem. Talvez o exemplo mais doloroso e chocante desta espécie de esquecimento voluntario é o que se pratica com respeito a Nossa Senhora, como se a Santa Mãe de Deus não fosse — por desígnio divino — o caminho pelo qual têm de passar necessariamente todos que desejem realmente chegar a Jesus Cristo.

Os frutos de semelhante política não poderiam deixar de fazer-se sentir. A conversão é uma atitude que exige coragem e desprendimento, e só pode ser provocada pelo atrativo de uma doutrina sólida, coerente, que exponha a verdade em todo o esplendor de sua plenitude, — e por missionários convictos. Uma doutrina mutilada e apóstolos inibidos e acanhados só podem dar um resultado contraproducente, isto é, a confirmação no erro. E desta maneira, contrastando com os católicos cada vez mais complacentes, temos os representantes das outras religiões, não só firmes, como categóricos na defesa de seus falsos princípios.

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Recentemente, quando da peregrinação de Sua Santidade o Papa Paulo VI à Palestina, a revista «Miroir de l'Histoire», de Paris, entrevistou a respeito desta viagem os líderes dos principais credos existentes na França. Ante o espetáculo do Soberano Pontífice, que como peregrino voltava aos lugares onde o Filho de Deus viveu e morreu para nos redimir, registrou-se por todo o mundo uma reação de quase unânime e comovida simpatia. Seria de se esperar, neste clima, e diante das inúmeras concessões por parte de católicos, a que aludíamos, que os entrevistados da revista francesa se expressassem em termos conciliadores ou pelo menos corteses. O que se viu foi uma afirmação incisiva, para não dizer provocadora, dos respectivos pontos de vista. Citemos alguns trechos dessas declarações, para que os leitores de «Catolicismo» possam julgar melhor.

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Inicialmente, o grande rabino da França, Jacob Kaplart: «Agrada-me pensar que esta viagem permitirá, ademais, ao chefe da Igreja Católica inteirar-se in loco da realidade do milagre israelita, cumprimento das antigas profecias bíblicas que anunciam o retorno de Israel ao país dos patriarcas e a transformação das regiões incultas, do deserto mesmo, em paisagens verdejantes, em jardim do Eden, milagre israelita que testemunha também a perenidade da Aliança entre Deus e Israel». Onde se poderiam esperar, na pior das hipóteses, algumas fórmulas vagas para desejar ao Sumo Pontífice uma boa viagem, vê-se uma rombuda afirmação de pontos de fé, apresentando como perene a aliança entre Deus e Israel, e negando portanto, mais uma vez, a divindade de Nosso Senhor Jesus

Cristo, Messias rejeitado pelo povo eleito. Além disto, quando se sabe que os judeus foram expulsos de seu país e dispersados pelo mundo como castigo pelo deicídio, a ideia de que o Papa iria verificar in loco a realidade do «milagre» que o rabino aponta como o cumprimento das profecias bíblicas, soa com um tom muito pouco ecumênico, pelo menos no sentido que muitos católicos atribuem a esse adjetivo.

Vejamos agora o Presidente-Diretor do Instituto Muçulmano da Mesquita de Paris, Si Hamza Boubakeur. O Sr. Bouhakeur aproveita-se da ocasião para insinuar que a viagem de Paulo VI representa uma condenação dos cruzados que, movidos mais de uma vez pela voz de Papas e de Santos, cometeram o «crime» de opor-se ao expansionismo agressivo e às vexações do Islã: «Não tem (a peregrinação de Paulo VI) nenhuma relação de analogia com a entrada dos cruzados em Jerusalém (15 de julho de 1099). O espírito e o programa do II Concílio Vaticano não lembram em nada o Congresso de Clermont (27 de novembro de 1095), e Paulo VI é completamente diferente, por sua atitude, de seu predecessor Urbano II». Pouco antes afirmara o mesmo Sr. Boubakeur: «O fato é que as relações da Santa Sé com o mundo árabe são atualmente excelentes. A evolução destas relações tende, desde Pio XII, para uma real compreensão islamo-cristã, transformada pelo saudoso João XXIII em verdadeira amizade». Ë verdade que recentemente o governo do Sudão, no intuito de maometanizar o sul do país, onde há grande porcentagem de católicos, expulsou todos os missionários e missionárias, e que há não muito tempo o fanatismo islâmico decapitou ali um Bispo. Ë verdade também que o governo muçulmano da Argélia, além de outras profanações, transformou em mesquita a Catedral de Argel. Tudo isto, porém, e muitos outros episódios do gênero são ninharias que talvez não tenham chegado ao conhecimento do Sr. Bouhakeur e que, de qualquer forma, não seriam de molde a perturbar a «real compreensão islamo-cristã» a que se referiu S. Sa.

Sob o título sugestivo de «Reconhecimento da autoridade única das Escrituras» expressa-se o pastor Marc Boegner, presidente honorário da Federação Protestante da França: «Há (nesta peregrinação), queira-se ou não, um reconhecimento da autoridade única das Escrituras e do ensinamento que elas nos dão». Mais claro na negação do valor da Tradição, um dos pontos fundamentais que separam católicos e protestantes, não se poderia ser. Um bom exemplo para todos aqueles que nas nossas fileiras diminuem sua fé ou a exprimem de maneira dúbia e tímida. Por outro lado, não se percebe como é que o pastor Boegner é capaz de tirar tal conclusão da viagem do Papa. Qual a lógica desta conclusão?!

Para terminar, vejamos o que nos tem a dizer o arcebispo «ortodoxo» de Bruxelas e da Bélgica (do patriarcado de Moscou, note-se), Basilio. Suas declarações estão colocadas sob o título já por si claro de: «Paulo VI enquadra-se nos costumes dos patriarcas ortodoxos». Diz ele: «Cumpre notar que, para os ortodoxos, o bispo de Roma — abstração feita da questão do cisma — não é senão o patriarca do Ocidente, um patriarca entre os outros, se bem que possua (...) um primado de honra». Depois de fazer questão de afirmar «en passant» que a infalibilidade e a ideia de que o Papa é o Sucessor único de São Pedro são inaceitáveis para os cismáticos, pretende o arcebispo Basilio que a histórica viagem do Sumo Pontífice contribuiria para «facilitar a revisão de algumas das posições dogmáticas e canônicas (da Igreja católica romana) que até agora constituíam um insuperável obstáculo à sua união com a Igreja ortodoxa»!

Estas reações bem indicam aos católicos com quanta circunspecção devem praticar o apostolado nos dias que vivemos... Numa recente reunião de Sacerdotes, num país de religião mista - contou-me um ilustre Religioso - um deles observou com grande amargura que até então o movimento ecumênico tivera como único resultado em sua nação que os católicos fossem cedendo, e cedendo sempre, aos protestantes e outros hereges, sem que estes abrissem mão sequer de uma vírgula de seus erros. Dominado assim por uma tendência irenista talvez subconsciente, o movimento ecumênico não seria uma aproximação recíproca, mas um ceder unilateral por parte dos católicos, isto é, daqueles que detêm a verdade. Seria de bom aviso — concluiu o Religioso que me relatava o fato — pensar às vezes no movimento ecumênico de Nosso Senhor Jesus Cristo em Jo. 6, 52, 60 e 67, para lembrar-nos de que também o Divino Mestre conheceu o «non possumus». E, acrescentamos nós, conviria tomar também na devida consideração esta frase cheia de sentido do Santo Padre Paulo VI: «A espada do espírito parece (na hora presente) repousar na bainha da dúvida e do irenismo. Mas é precisamente por isto que a mensagem da verdade religiosa deve ressoar com maior vigor. Os homens têm necessidade de crer em quem se mostra seguro daquilo que ensina» (Exortação de 12 de fevereiro de 1964 aos Párocos e Pregadores quaresmais de Roma).


VIRTUDES ESQUECIDAS

HUMILIAR OS QUE ULTRAJAM A HONRA CRISTÃ

Da vida de São Fernando III, Rei de Castela e de Leão (século XIII):

O visitar o Monarca a mesquita (de Cordova, cidade que acabava de conquistar aos muçulmanos), nela viu, utilizados como lâmpadas, os sinos de Santiago de Compostela, que o terrível Almançur tinha mandado trazer para ali, numa de suas sangrentas incursões, em ombros de cristãos. Ao vê-los, o conquistador ordenou imediatamente que fossem levados de volta a Compostela em ombros de maometanos cativos, para desagravo e reparação da honra cristã, e que os pusessem naquela santa igreja junto "com outros pequenos sinos que soavam muito bem", onde foram, dali em diante, a alegria dos peregrinos, que louvavam a Deus e bendiziam o santo Rei, rezando pela conservação de sua vida. — ("San Fernando III y su Epoca", Padre Luis F. de Retana, Redentorista —Editorial El Perpetuo Socorro — Madri, 1941 — pag. 210).

Marc Boegner, Jacob Kaplan, Si Hamza Boubakeur e Basílio, representantes qualificados do protestantismo, do judaísmo, do islamismo e do cisma russo na França, fizeram declarações impertinentes e provocadoras a propósito da histórica peregrinação de Paulo VI à Terra Santa. Enquanto isso, numerosos católicos, a pretexto de ecumenismo, tomam atitudes do mais extremado irenismo em relação aos que professam o erro.