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MITO PUBLICITÁRIO

(continuação)

"integrismo" e "integrista" aplica-se aos membros do Sodalício Piano, e aos que lhe seguiram o espírito, deveria o Autor salientar que os "procédés intégristes", manifestados na polemica com o "Sillon", não se ajustavam àqueles membros e aos seus imitadores, pois não consta que jamais tenham eles usado tais modos de agir.

Tanto mais que o próprio Sr. Jean Madiran reconhece nos partidários do "Sillon" o uso de métodos bem pouco recomendáveis em que pretende manter-se na linha de fiéis filhos da Santa Igreja. Como, então, apresentar como tipicamente "integristas" modos de agir também adotados pelos outros?

Lamentamos, outrossim, que o Autor não acentue que há vários erros do "Sillon" ainda professados por muitos democratas-cristãos, como, por exemplo, o interconfessionalismo.

Da leitura do capítulo sobre a polêmica do "Sillon", sai-se com a idéia de que, atualmente, os sequazes da linha de Marc Sangnier se purificaram, substancialmente, de seus erros. Essa ilusão é um mal, ainda que com tal apresentação se pretenda chegar a uma atitude imparcial.

III. A EXISTENCIA E NATUREZA DO "INTEGRISMO". — Desejamos registrar o que o Sr. Jean Madiran nos diz sobre a existência e natureza do "integrismo". Logo no começo do livro afirma ele que "não existe senão o "integrismo" pintado pelos seus inimigos" (p. 7), e no decurso da obra observa que, "ainda que se tenha em conta, em larga medida, tudo quanto a bibliografia unicamente de acusadora (do anti-integrismo) possa ter de fundado, ainda permanece certo que o integrismo tal como é ele colocado na ribalta pelos historiadores e publicistas é por uma parte uma criação arbitraria, mítica e publicitária, servindo a desígnios táticos" (pp. 133-134). Esses desígnios publicitários mostra o Autor mais adiante quais sejam: "Sob o nome de "integrismo", o anti-integrismo de Fontaine e de seus imitadores tende a desacreditar publicitariamente coisas que são em si mesmas permitidas, ou boas, ou necessárias (como, por exemplo, o "tomismo"), e ameaça envolver no descrédito como "integristas" a todos os que resistem a essa pressão" (pp. 134-135). E mais abaixo: "Sob o pretexto, de si válido, de impedir os "zelanti" e os fanáticos de "majorar" as decisões disciplinares e doutrinarias da Hierarquia apostólica, o anti-integrismo empenhou-se freqüentemente em minimalizá-las e paralisar-lhes o efeito. Mais de uma vez tem acontecido que são apresentadas e reputadas como "integristas" proposições, advertências, idéias, fórmulas, todo um vocabulário, evitando-se ao mesmo tempo de dizer que tudo isso era do Magistério" (p. 135).

Dada esta maneira de agir dos anti-integristas, julgamos que a "Histoire d'une histoire" deveria distinguir bem a atitude chamada integrista e que não existe senão na pena dos anti-integristas, e a atitude intransigente dos membros do Sodalício Piano e dos que continuam a luta contra o modernismo.

Achamos — e abaixo mostraremos porque — que esta última atitude nada tem de censurável. Não assim o Sr. Jean Madiran, que, não obstante, não deseja confundi-la com a caricatura forjada pelos anti-integristas. Se, pois, faz ele esta distinção, seria conveniente que a acentuasse especialmente na página sobre a psicologia do "integrismo", onde, cremos, fala dos "integristas" como ele mesmo os concebe e não como os finge a caricatura dos anti-integristas.

Segundo o Autor, a psicologia do "integrismo" comporta, de modo mais ou menos consciente, a seguinte consideração: as autoridades eclesiásticas engajadas em legítimas e necessárias conversações diplomáticas com autoridades temporais, em concessões recíprocas, em concordatas, etc., ficam eventualmente impedidas de ao mesmo tempo proclamar com ênfase a integridade da doutrina a respeito dos pontos nos quais o interlocutor temporal do momento poderia vir a tomar-se de desconfiança diante de uma insistência muito nítida e muito freqüente, poderia vir a supor qualquer má vontade sistemática ou alguma segunda intenção política. Eis porque católicos que, por um lado, estão submetidos à autoridade eclesiástica (e mesmo são discretamente por ela dirigidos), mas, por outro lado, não engajam senão a si mesmos, velarão pela manutenção explícita desta integridade, assumindo os correspondentes riscos e perigos, contra as influencias e os poderes temporais que constantemente procuram impor limites e concessões. Como o fato existe, é explicável o aparecimento do "integrismo", cujo espírito o Autor julga que não é "extravagante nem maquiavélico, não chama sobre si cólera ou desprezo, ainda mesmo que provoque um compreensível agastamento" (p. 131).

O Sr. Jean Madiran, não obstante, diz não compreender a posição do "integrismo", uma vez que a mesma Igreja vela pela integridade da fé: "O ponto fraco da psicologia integrista está em não perceber que, apesar de muito reais dificuldades de fato, e de arranjos de forma por vezes necessários, esta função (de manutenção da integridade da Fé) é também suficientemente assegurada pelo governo da Igreja em geral e por determinados órgãos seus em particular" (p. 131).

Cumpre observar que, se é verdade que a Igreja vela pela integridade da Fé — aliás faltaria à sua missão — não é certo que os católicos não estejam obrigados a igualmente velarem por essa mesma integridade, compreendendo, por sua vez, as concessões que a Igreja julga conveniente fazer na ordem prática em beneficio de uma convivência numa sociedade que, infelizmente, perdeu a unidade na verdadeira Religião. Mais. Para a preservação da integridade da Fé nos mesmos cristãos, é necessária uma vigilância tanto maior, e pois uma afirmação tanto mais freqüente da doutrina certa, quanto as circunstâncias concretas oferecem maior perigo de abalar nos corações a integridade da doutrina.

Cabe aqui uma distinção, feita já a seu tempo pelo pranteado Garrigou-Lagrange. Não compete ao particular, seja mesmo Sacerdote, declarar herege quem quer que seja. É; esse um papel da Autoridade eclesiástica, que só o faz após maduro estudo do caso eventual. Nada, no entanto, impede que o particular — sem mandato especial, porque para isso não necessita dele — mostre à luz de argumentos que tal ou tal doutrina, professada por fulano ou beltrano, não difere de uma doutrina condenada, ou pode conduzir a um erro manifesto. No mesmo livro que apresentamos, o Sr. Jean Madiran conclui, de declarações públicas do Pe. Liégé, que "o anti-integrismo (do Pe. Liégé) não é senão uma máscara de seu antipapismo" (p. 176). Fez mal? Em português se diz: "quem sai na chuva é porque deseja molhar-se". Se uma pessoa publica o que pensa, suas idéias estão sujeitas à critica de quem as lê. E se suas idéias forem perigosas para a integridade da Fé, ou forem de molde a enfraquecer a resistência que os católicos devem oferecer ao erro, não só não faz mal quem as denuncia, senão que faz obra de apostolado. Precisamente para evitar semelhante obra de apostolado, para melhor solapar a Igreja, pelos alicerces, é que os modernistas, no dizer de São Pio X, perseguiam "os católicos denodados defensores da Igreja": não havia "injurias que lhes não atirassem em rosto" e, em desespero de causa, diante da erudição e do acerto de tais católicos, recorriam à campanha do silêncio. Ninguém, pois, regateará aplausos à obra eminentemente apostólica de Jean Madiran, na sua revista "Itinéraires", onde ele aponta os desvios de publicações católicas autorizadas, como "Témoignage Chrétien", única revista recomendada por todos os ramos da Ação Católica francesa. E ele compreende muito bem que para esse seu apostolado não tem necessidade de mandato especial da Hierarquia. Seu caráter cristão o impele ao cumprimento desse dever de caridade com relação aos seus irmãos na Fé. Porquanto é maior a caridade que evita a contaminação da alma, do que a que impede a infecção do organismo.

Por isso não compreendemos a censura que faz o Autor aos que na esteira do extinto Sodalício Piano empenham-se por conservar a integridade da doutrina nos meios católicos.

Poderia o Sr. Jean Madiran argumentar que se o Sodalício Piano foi dissolvido por determinação da Sagrada Congregação do Concilio, é porque os métodos adotados pelos seus membros já não se poderiam usar na Igreja.

A argumentação é falha. De fato, o Sodalício Piano tinha por fim investigar e levar ao conhecimento da Santa Sé as várias modalidades de Modernismo existentes na Igreja. Esta função, realizada por uma associação de modo ordinário, é que o Sagrado Dicasterio julgou desnecessária na Igreja, não existindo mais as circunstancias em que foi ela criada.

A própria função que assumia a Liga de São Pio V fazia com que seus membros se empenhassem pela conservação da pureza da Fé e dos costumes entre os católicos. Este empenho, este zelo apostólico, em nada foi atingido pela Congregação do Concílio, quando mandou que Monsenhor Benigni dissolvesse sua organização. Nada impede, pois, que ainda hoje haja na Igreja escritores católicos que atuem apostolicamente com o mesmo espírito, e Jean Madiran, através de sua revista "Itinéraires", é um belo exemplo desse apostolado.

IV. A GUERRA PSICOLÓGICA NO SEIO DA IGREJA. — O Autor consagra todo um capítulo ao que ele chama de guerra psicológica no seio da Igreja. Liga-se ao assunto do livro, porque a campanha anti-integrismo não passa de um prolongamento da campanha em prol do ideal do Modernismo, a aliança da Igreja com o que este pretendia serem as conquistas do mundo moderno. Já naquele tempo, falava-se de adaptação necessária; como hoje se fala em "aggiornamento", que vem a ser a mesma coisa. Tanto a adaptação como o "aggiornamento" são fenômenos naturais numa sociedade viva, como é a Igreja, e os Papas sempre procuraram tornar a mensagem evangélica eficaz no mundo, mediante a adaptação dessa mesma mensagem às circunstâncias em que ela deve ser vivida. Esta adaptação, porém, em nada muda a mensagem de Jesus Cristo. A doutrina e a moral católicas permanecem intactas em tal adaptação. Do contrário teríamos uma evolução doutrinaria e moral, não teríamos a continuidade da mesma Revelação transmitida por Jesus Cristo à Igreja como depósito sagrado a ser conservado intacto até o fim dos tempos. Esse e não outro o "aggiornamento" que João XXIII propôs como escopo do Concílio Vaticano II. Semelhante obra de adaptação não é, como poderia alguém pensar, novidade do Pontífice recentemente falecido. Ela tem sido preocupação de todos os Papas, especialmente, nos nossos tempos, de Leão XIII para cá. Na Alocução de 10 de fevereiro de 1952, disse-o explicitamente Pio XII: "Não é o momento de buscar novos princípios, de assinalar novas finalidades e objetivos. Uns e outros são já conhecidos, e assegurados na sua substancia, porque ensinados por Jesus Cristo mesmo, postos em claro pela elaboração secular da Igreja, adaptados às circunstancias imediatas pelos últimos Soberanos Pontífices; eles só esperam uma coisa: sua realização concreta". O que falta, pois, à Igreja de hoje — conclui o Autor — não é "a adaptação às circunstancias" da pastoral universal e do Magistério supremo. O que falta é "fazer passar esta adaptação para as almas, os espíritos, os fatos, ad intra e ad extra" (p. 200).

Por essas palavras de Pio XII percebe-se que o progresso na Igreja se faz mediante o desenvolvimento orgânico de uma mesma realidade — a Revelação cristã — que, como o grão de mostarda, cresce e se torna árvore, por um movimento interno do todo animado pelo mesmo elemento vital.

Os anti-integristas concebem a evolução da Igreja de outra maneira. Eles transportam para o seu seio o jogo das facções políticas que fazem progredir o organismo social. Assim, introduzem nEla também a distinção entre o freio e o motor, entre conservadores e progressistas, e pretendem que da luta dessas duas tendências resultaria o equilíbrio no seio da Igreja e o seu progresso. No mesmo sentido entendem a comparação entre o centro que freia e a periferia que arranca para frente. O centro seria Roma, a periferia os fiéis espalhados pelo mundo. Observemos, de passagem, que não era outra a concepção que os modernistas tinham da adaptação e do progresso da Igreja.

Nem compreendemos como a Jean Madiran, que tão frequentemente mostra a semelhança no modo de agir entre anti-integristas e modernistas, tenha escapado esta aproximação. Pois na "Pascendi" lemos: "Estudando mais a fundo o pensar dos modernistas, deve-se dizer que a evolução é como o resultado de duas forças que se combatem, sendo uma delas progressiva e a outra conservadora. A força conservadora está na Igreja e é a tradição. O exercício desta é próprio da autoridade religiosa, — quer de direito, pois que é da natureza de toda autoridade adstringir-se o mais possível à tradição; quer de fato, pois que, retraída das contingências da vida, pouco ou talvez nada sente dos estímulos que impelem ao progresso. Ao contrário, a força que, correspondendo às necessidades, arrasta ao progresso, oculta-se e trabalha nas consciências individuais, principalmente naquelas que, como dizem, se acham mais em contato com a vida".

Sem julgar das intenções, objetivamente considerada a maneira como hoje concebem muitos o progresso na Igreja através da dialética entre o centro (Roma e as Congregações Romanas) e as periferias (os fiéis espalhados pelo mundo), parece uma realização da maneira como os modernistas preconizavam a adaptação da Igreja ao mundo hodierno. — O Sr. Jean Madiran nos diz que a guerra psicológica aplica à Igreja a comparação do motor e do freio, e luta pela vitória dos inovadores e pelo esmagamento dos conservadores: uns e outros — diz o Autor —arbitrariamente designados. E nestas duas categorias arbitrarias, pelo emprego agressivo, a guerra psicológica reúne verdades e erros sobrenaturais que nada têm a ver com a conservação e o progresso. — Um compromisso entre a conservação e inovação correria o risco, então, por culpa da guerra psicológica, de ser um compromisso entre verdades e erros de ordem sobrenatural (pp. 200-201).

Em consequência, "a guerra psicológica travada no seio da Igreja sob pretexto de promover, contra o imobilismo, "realizações concretas", deforma ou destrói o que se deve realizar" (p. 201). "Por meio desta guerra, as pessoas que, no seu lugar e de acordo com seu estado, dos Cardeais da primeira ordem aos leigos da última, empreendem explicar que se trata, para os cristãos, de realizar conjuntamente esta "adaptação às circunstancias imediatas operada pelos últimos Soberanos Pontífices", todas as pessoas, grandes ou pequenas, que têm este propósito, são sistematicamente difamadas e desqualificadas como integristas" (p. 201).

O perigo desta guerra psicológica procede da eficácia de seu método. Consiste ele na "técnica sociológica do grupo restrito e do núcleo dirigente, instalados nos centros nervosos dos fios de transmissão e das organizações de massa" (p. 206).

"A discussão, a controvérsia, eventualmente duras, mas objetivas, foram progressivamente substituídas por tentativas de monopólio de uma informação orientada, dada unilateralmente como objetiva, como indiscutível, como capaz de fazer fé automaticamente: aquele que discute tal técnica ou o seu conteúdo é afastado como polemista, como agressor odioso e faccioso, como estrangeiro à comunidade" (p. 206).

A propósito da eficácia dos métodos usados pela guerra psicológica, dá o Autor o seguinte exemplo: "Neste ano de 1963, à Missa do domingo, numa aldeia de montanha, que aliás não é na França, pudemos ouvir um pregador recitar um sermão composto de tiradas inflamadas que convocavam os fiéis a se insurgirem "contra a latinidade", "contra as categorias mentais de um passado recente" e "contra a burocracia romana", — "em nome", bem entendido, do Concílio e de João XXIII, explicitamente invocados. Não havia, provavelmente, três pessoas em trezentas, que entendessem o que o pregador queria dizer; ele mesmo talvez não entendesse bem seu próprio discurso em todas as suas inspirações e implicações. Os fiéis desta paróquia nunca tinham tido, sem dúvida, negocio algum com "a burocracia romana", "com as categorias mentais" nem com a "latinidade". Mas, como a máquina de guerra funciona mesmo no vácuo, isso mostra que ela funciona universalmente" (p. 207).

Como se vê, o Sr. Jean Madiran soube expor com clareza certos fenômenos dolorosos que se encontram no seio da Igreja, e que muita gente — et pour cause preferiria que ficassem num claro-escuro, ineficaz para esclarecer as consciências e mover as vontades mais fervorosas.

Nossas observações não importam em negar o valor de "L'Intégrisme — Histoire d'une histoire", que tem o mérito de mostrar, a quem estiver de boa fé, qual a finalidade do uso frequente dos termos "integrismo" e "integrista" por muitos autores católicos.

NOTAS

1) Jean Madiran "L'Intégrisme — Histoire d'une historie" — Collection Itinéraires — Nouvelles Editions Latines, Paris (1964).

2) A acrimônia de Monsenhor Mignot contra o Sodalício Piano e Monsenhor Benigni tem, talvez, sua explicação nas relações daquele Prelado com modernistas, como se pode ver na "Disquisitio" do Pe. Antonelli. Para mostrar o fundamento das acusações de Modernismo que pesavam sobre o Padre Semeria, entre outros casos narra Antonelli o seguinte: "Em 1896, Monsenhor Mignot, então Bispo de Fréjus, muito liberal e muito amigo de Loisy, veio a Genova, junto com o Barão von Hugel, o grande caixeiro-viajante do Modernismo, fazer uma visita ao Padre Semeria" ("Disquisitio", p. XXVI).

3) Para desacreditar o Sodalício Piano, além da publicação de Fontaine, concorreu muito a "Papstgeschichte" de Schmidlin, o continuador — embora um tanto parcial — da História dos Papas de Pastor. Ali, no volume III, tem ele várias páginas (162-169) com juízos severos e graves contra o Sodalício Piano, e contra o próprio São Pio X por tê-lo favorecido. O estudo do Pe. Antonelli, com base nas fontes originais, ou seja, na correspondência existente na S. Congregação Consistorial, esclareceu totalmente esta questão. Sobre o Sodalício Piano, suas conclusões são as seguintes:

"1. O Sodalitium Pianum, considerado em si e com base nos seus Estatutos e no seu Programa, era uma organização boa e destinada a bom fim.

"2. O SP queria ser um órgão de penetração (vida exemplar dos membros em conformidade com todas as diretrizes pontifícias: vida católica "integral"), e de informação (coleta pessoal, rápida e segura, de notícias sobre todos os campos da vida: religioso, político, social, cultural), a serviço da Cúria Romana.

"3. O SP, na ideia primitiva de Benigni, deveria ter sido uma espécie de instituto eclesiástico "secular", sujeito à S. Congregação Consistorial, como vivem e agem os Institutos religiosos sob a S. Congregação dos Religiosos.

"4. Tinha sua sede central em Roma (a Dieta) e membros isolados, ou reunidos em grupos (Conferencias de São Pedro), fora de Roma. Toda a organização era conhecida da S. Congregação Consistorial; os membros, porém, não eram conhecidos do público, para garantir a liberdade de ação e prevenir reações e oposições.

"5. O SP funcionava desde 1909; obteve do Servo de Deus (Pio X), a partir de 1911, três dos costumeiros autógrafos papais de bênção, e teve também uma subvenção anual de mil liras; de 1913 em diante alcançou uma aprovação genérica da obra, através da S. Congregação Consistorial, mas nunca teve uma aprovação canônica formal.

"6. Dissolvido livremente depois da morte de Pio X, foi restabelecido em 1915, mediante entendimento com a S. Congregação Consistorial, e foi definitivamente dissolvido em 1921, mediante intervenção da S. Congregação do Concilio.

"7. O SP serviu efetivamente a Santa Sé com um serviço ordinário de informações regulares, e com eventuais encargos extraordinários. Para maior segurança da correspondência utilizou-se algumas vezes também de uma cifra particular. (...)

"9. A acusação de uma verdadeira conjuração "negra", de uma "maçonaria" ou "carbonaria" negra, de um "poder oculto na Igreja", de espionagem e de delação organizada, até mesmo contra a Hierarquia, tudo são coisas simplesmente sem fundamento" ("Disquisitio". p. XXIII).

4) Depoimento do próprio Dom Paolo Töth em "Sumarium Additionale", p. 114.

5) Sobre os irmãos Scotton e "La Riscossa" o estudo de Antonelli traz as seguintes elucidações: "Os famosos Scotton eram três irmãos, todos os três Sacerdotes: André, Gotardo e Jacopo. Viviam em Breganze (...) na Diocese e província de Vicenza (...). Em 1890, com a bênção de Leão XIII, os dois irmãos André e Gotardo fundaram uma revista semanal, de caráter doutrinário e prático, estritamente católica, e foi o próprio Leão XIII que lhe deu o nome "La Riscossa", como que a indicar-lhe o programa. A revista, de fato, propunha-se sacudir os sonolentos e convocar todos para os princípios de uma vida cristã integral, no campo doutrinário contra os desvios causados pelo cienticismo do século XIX, e no campo prático contra o hedonismo dos nossos tempos. Segundo Leão XIII, "La Riscossa" devia ser "uma sentinela avançada contra todos os erros de nossa época, sob qualquer forma se manifestem" (cf. "La Riscossa", ano 22, 1911, p. 66)" ("Disquisitio", p. 130).

Não admira que "La Riscossa" tivesse todo o apoio e benção de São Pio X, especialmente na luta contra o Modernismo, quando ele notava com dor "as resistências ao menos passivas às suas diretrizes por parte de tantas publicações que, no entanto, se diziam católicas, e de tantas pessoas que, não obstante, queriam estar com a Igreja" (ibid. p. 131). Isso não impediu que São Pio X censurasse suas intemperanças em nada louváveis.

6) Sobre a pessoa e a atividade de Monsenhor Benigni, Antonelli faz a seguinte observação:

"As intemperanças, as eventuais (portanto, não certamente reais) imprudências de Monsenhor Benigni não são imputáveis nem ao Cardeal De Lai, nem muito menos ao Servo de Deus.

"Acrescente-se, por fim, que se deve distinguir um Benigni da primeira atividade, isto é, até a morte de Pio X, e um Benigni da segunda atividade, isto é, de 1921 em diante (quando já não existia o SP).

"Temperamento combativo e violento, depois do naufrágio de sua atividade, representada de modo particular pelo Sodalitium Pianum, tornou-se áspero, e suas invectivas e polêmicas são às vezes verdadeiramente desagradáveis. Mas isso não impede que Monsenhor Benigni tenha também seus merecimentos e tenha querido servir à Igreja" ("Disquisitio", p. XXIV — parênteses nossos).

Observe-se como Antonelli, acerca da atividade de Monsenhor Benigni, termina com um julgamento idêntico ao que fazia São Pio X dos destemperos dos irmãos Scotton, na controvérsia sobre o Modernismo em Milão. É da carta do Cardeal De Lai, escrita a mandato do Santo Pontífice, a apreciação seguinte: "Algum desvio pôde-se cometer e na realidade se cometeu neste último caso, como V. Revma. e também Mons. Gotardo lealmente reconheceram. Também o zelo tem seus defeitos: pode faltar às vezes na prudência, e pode exceder-se no modo. Mas, não aprovando esses defeitos, não se anula nem se desconhece o merecimento do zelo e da ação laboriosa pela defesa vigilante da verdade e da justiça" (carta do Cardeal De Lai a Monsenhor André Scotton, em 12 de março de 1911 —Sum. Add., p. 175). E em outra carta, ainda sobre o mesmo assunto, ao Cardeal Ferrari, em 9 de janeiro de 1911: "Nas batalhas quem poderá considerar grave culpa dos defensores, quando não medem com justeza seus golpes, e talvez passem os limites da inculpae tutelae?" (ibid., pp. 156-157).


CALICEM DOMINI BIBERUNT

A PALAVRA DA SANTA SÉ

Fernando Furquim de Almeida

Cumprida a sua missão, a Pataria desapareceu. Tinha ela preparado o terreno para que São Gregório VII implantasse a reforma na Cristandade, essa reforma graças à qual o espírito da Idade Média brilha até hoje na memória dos homens, iluminando a História.

Além do apoio decidido que recebeu dos Papas que dirigiram a luta contra a simonia e o nicolaísmo, teve aquela sociedade a aprovação dos católicos dos séculos posteriores, que sempre consideraram santos os seus dois grandes chefes: Arialdo a Erlembaldo.

Em nosso século recebeu ela uma nova consagração. No pontificado de São Pio X, no dia 12 de julho de 1904, a Santa Sé confirmava por um decreto "o culto imemorial prestado ao Servo de Deus Arialdo, Diácono da Igreja Milanesa, chamado Santo ou Bem-aventurado". Nele, mais uma vez a Pataria recebia o elogio da Cátedra de São Pedro, tanto mais significativo por estar esta então ocupada por um Papa Santo. Vamos reproduzir o trecho essencial desse decreto, publicado nas "Actae Sanctae Sedis", volume 37, p. 189:

"O Unigênito Filho de Deus, Jesus Cristo, que atende sempre às necessidades de sua Igreja e envia seus auxílios segundo as circunstâncias de cada época, velou de maneira admirável pela igreja de Milão, por meio dos Santos Bispos Ambrósio e Carlos, bem como por intermédio do Diácono Arialdo, de acordo com as circunstâncias e a diversidade dos tempos.

“Nasceu este Servo de Deus em Cuzago, perto de Canturia, localidade da diocese de Milão, tendo como pais os nobres Bezo e Beza. Sua boa índole se manifestou já em criança, e melhor ainda na adolescência. Aceito entre os clérigos, aliou às disciplinas sagradas e profanas uma piedade especial para com Jesus Cristo Deus e a Virgem Mãe de Deus, à qual teve como patrona e defensora de sua castidade.

“Guido da Velate, que governava então a diocese de Milão, desejando vinculá lo mais estreitamente a si e à sua diocese, porque o via distinguir se pela virtude e pela doutrina, nomeou e segundo as regras ordenou Arialdo diácono da capela arquiepiscopal. O Servo de Deus conservou este cargo até o fim de sua vida, desincumbindo se retamente de todos os deveres correspondentes, especialmente da administração dos bens e da pregação da palavra divina.

“Tomou o encargo de formar os jovens clérigos nos bons costumes, lançando assim as primeiras sementes da reforma tão desejada, e que teve início com o exímio varão Anselmo da Baggio, Bispo de Luca e depois Sumo Pontífice sob o nome de Alexandre II. Foi ela continuada par Arialdo e por Landulfo Cotta, irmão de Erlembaldo. Estes, na cidade de Milão e em outros lugares, denunciavam os erros e os costumes corrompidos, rogando e admoestando com toda a paciência e doutrina. Seus inimigos não puderam reduzi los ao silêncio, nem com lisonjas nem com presentes. Eles proclamaram que haviam de pregar a verdade e a virtude aos seus irmãos, abertamente e até que as suas línguas ficassem pegadas ao palato. Mais ainda. Foram eles os fundadores e primeiros membros da sociedade organizada no palácio do citado Anselmo, chamada Pataria, cujos membros, segundo testemunho de São Pedro Damião, prometiam sob juramento ‘lutar com todo o zelo e energia pela extirpação das heresias dos nicolaítas e simoníacos, enquanto vivessem e quanto pudessem’.

“Muitos e notáveis feitos realizaram Arialdo e seu companheiro Landulfo para extirpar essas duas heresias. Seria longo demais relatar todos os fatos, confirmados por documentos autênticos, excelentes testemunhos e atas do processo.

“Percorreu Arialdo muitas cidades e províncias, insistindo com veemência na obra encetada, sendo apoiado pela autoridade e pelo mandato dos Sumos Pontífices Vítor II, Estevão IX, Nicolau II e Alexandre II, bem como dos Legados Apostólicos Hildebrando, Anselmo, então Bispo de Luca, e Pedro Damião.

“Por amor de Cristo e de sua Igreja, sofreu, sem se perturbar, calúnias, injúrias, violentas perseguições e até pilhagem dos seus bens. Preparado para sofrer coisas mais graves, inclusive a efusão do sangue, tratava seus inimigos com toda a benignidade.

“Um considerável e oportuno auxílio lhe prestou Erlembaldo, irmão de Landulfo, varão e soldado insigne, que veio a Roma com Arialdo e recebeu do Sumo Pontífice Alexandre II as forças, o mandato e o gonfalão bento, que devia ser levantado contra o inimigo, e como chefe e guia a Arialdo, em virtude do seu cargo eclesiástico.

“O mesmo Pontífice, num Concílio reunido no Palácio de Latrão, publicou letras encíclicas e as enviou a Milão, onde aqueles corajosos varões, ao regressarem, empenharam se por que fossem cumpridos os preceitos do Sínodo e do Pontífice.

“Graças à generosidade do nobre varão Azzonio, construiu se junto à igreja da Virgem Mãe de Deus, fora da Porta Nova, uma casa canônica, à qual afluíram muitos varões a fim de, afastados dos negócios seculares, levarem vida em comum na paz e na concórdia e recitarem devotamente, nas horas marcadas, os louvores divinos.

“Tendo os adversários recomeçado a guerra, Arialdo, fundador e membro dessa casa, foi obrigado a abandonar com os companheiros sua morada de virtude e de paz. Forçado a fugir, foi preso par piratas no rio Pado, mas, libertado por intervenção do senhor do lugar, refugiou se na fortaleza de Lignano. Um novo Judas, tendo pactuado com os seus inimigos e recebido dinheiro, entregou o Servo de Deus. Levado para uma ilha do lago Verbano, Arialdo lá foi condenado ao suplício com a cooperação de Oliva, mulher péssima.

“Ao lhe arrancarem as duas orelhas, o Servo de Deus levantou os olhos para o céu, dizendo: "Dou Vos graças, Jesus Cristo, par Vos terdes dignado colocar me hoje entre os vossos mártires". Vazaram lhe depois os olhos, e membro a membro o seu corpo foi retalhado, até que sua santa alma se separasse deste. Sofreu o martírio a 27 de junho de 1066, sendo Sumo Pontífice Alexandre II.

“No dia seguinte, por ordem de Oliva, foi o corpo exânime atirado ao lago, mas, quando Erlembaldo, com forças armadas, cercou o castelo e exigiu que lho entregassem, voltou o corpo à tona às margens do Ticino. Acorrem todos, e com muitas tochas acesas levam o sagrado depósito para Milão, em uma como que súplica festiva. Colocado na Igreja de Santo Ambrósio, foram lhe prestadas justas homenagens, tendo o próprio Erlembaldo feito a oração panegírica de Arialdo como Bem aventurado levita e mártir de Cristo. Durante dez dias ali permaneceu o corpo exposto à veneração dos cidadãos e dos clérigos. Transferido para o mosteiro junto à igreja de São Celso, foi sepultado com pompa. Sua fama de santidade difundiu se por toda parte, autenticada, segundo se diz, par sinais e prodígios operados por Deus".

Nove séculos haviam passado depois do glorioso martírio de Arialdo, e a Pataria recebia da Cátedra Suprema da Verdade mais esse elogio, que atesta o valor dos serviços prestados por seus fundadores e por ela mesma à causa de Jesus Cristo a da sua Igreja.


NOVA ET VETERA

IDÉIAS FIXAS DOS PROGRESSISTAS

J. de Azeredo Santos

Entre as ideias fixas do chamado progressismo católico, se acha em lugar proeminente a monomania de distinguir no socialismo o mero sistema político-econômico e a filosofia de vida. O mal do comunismo, que é a mais extremada forma de socialismo, estaria em ser materialista, determinista e autoritário. Desde que ele pusesse de lado o ateísmo militante e desse ao povo liberdade de filosofia e de religião, achar-nos-íamos em face de um regime político-econômico perfeitamente aceitável.

Aqui se insere outra ideia fixa do «progressismo católico». O fato de não se poder condenar, segundo tal raciocínio, que um determinado povo abrace a forma socialista de governo, por se tratar de um sistema político-econômico legítimo em sua essência e apenas condenável em seus transitórios acidentes, leva, conseqüentemente, os «católicos progressistas», estribados no princípio da «autodeterminação», a apoiar a «não intervenção» em países em que o socialismo ou o comunismo se instalou por meios violentos, como em Cuba e na Hungria.

A Igreja e o "socialismo democrático"

O Sr. Tristão de Ataide, por exemplo, ao lado dos lamentáveis Srs. Domingos Velasco e Paulo de Tarso, para citar apenas dois outros incorrigíveis «católicos progressistas», considera a liberdade compatível com o que chama do «socialismo democrático». É o que sustenta no artigo «Crepúsculo do castrismo?», publicado na «Folha de São Paulo» de 2 de julho p.p.

Ora, ao assim se pronunciar, o Sr. Alceu Amoroso Lima parece interpretar o modo de sentir da corrente «católico-progressista», de que no Brasil é líder incontestável. Passamos, portanto, a S. Sa. o desafio que há anos fizemos ao então Senador Domingos Velasco e até hoje não respondido: mostre o Sr. Tristão de Ataide em que documento, em que pronunciamento pontifício se vê direta ou indiretamente reconhecida a liceidade moral desse propalado «socialismo democrático».

A dicotomia que distingue no socialismo o mero sistema econômico, aceitável pelos católicos, e a filosofia de vida materialista, inaceitável, é inteiramente falsa, gratuita e sem assento nem na doutrina católica nem na realidade que salta aos olhos de todo o mundo.

Ao socialismo, por atenuado que seja, e ainda que estritamente considerado do ponto de vista político-econômico, é intrínseco o elemento de coerção, de violência, como bem acentua Pio XI na «Divini Redemptoris». E por violência não queremos significar aqui apenas a abolição ou confisco, à mão armada, da propriedade privada e a repressão policial da livre iniciativa em matéria econômica, como acontece nos países comunistas, mas também a violência legal a que se refere São Pio X ao condenar o democratismo na Carta Apostólica «Notre Charge Apostolique», ou seja, a derrogação dos mais elementares direitos por leis e decretos ou por simples atos administrativos e fiscais.

Cabe a esta altura lembrar o falso conceito de democracia, esposado pelos «católicos progressistas» e demo-cristãos, que vem em socorro dessa violência legal para justificá-la através do não menos falso «dogma» da soberania popular, tendo por arma o sufrágio universal. Não é por outra razão que o plebiscito, devidamente viciado pela propaganda dirigida e pela coerção da polícia política, é arma predileta dos ditadores totalitários.

Socialismo e Decálogo

A doutrina social da Igreja, porém — confirmando a lição óbvia da experiência — nos diz claramente que o povo, em suas manifestações, nada tem de infalível, e que seus pronunciamentos, por unânimes que sejam, são de nenhum valor quando não se conformam com a Revelação Divina e com a Lei Natural.

Ora, negando arbitrariamente o direito de propriedade e a liberdade que tem o homem de prover às suas próprias necessidades materiais e às de seus dependentes, o socialismo vai frontalmente de encontro ao Decálogo, que é a codificação dessa mesma Lei Natural. E não há pretensa soberania popular que possa derrogar um só jota ou um só ponto dos Mandamentos divinos.

Foram precisos séculos de apostasia e de impiedade para que o socialismo chegasse a campear infrene entre os povos, falseando as bases em que se assentava o direito público reconhecido por todos os povos que receberam o batismo, para através dessa escamoteação imergir a humanidade nessa pestilência totalitária que ameaça a própria vida das nações. Disse-o magistralmente Leão XIII, após aludir aos danos que a pseudo-Reforma protestante causara à Cristandade: «Daquela heresia nasceram no século passado uma filosofia falsa, o chamado direito novo, a soberania popular e uma descontrolada licença, que muitos consideram como a única liberdade. Daqui se chegou a esses erros recentes que se chamam comunismo, socialismo e niilismo, flagelo pestilencial e ameaça de morte para a sociedade civil» (Encíclica «Diuturnum illud»).

O povo russo, o povo chinês, o povo cubano e toda essa multidão de homens que se espraia pelos países de além cortina de ferro, todos eles não exercem nenhuma autodeterminação para viver sob o jugo comunista. Longe disso, sofrem violência sem meios para dela se libertarem. Mas — ao contrário do que em certa ocasião declarou publicamente o malogrado Presidente Kennedy — se algum dia, por via de sufrágio universal, esses povos por desgraça viessem a se manifestar a favor do regime comunista, nem por isso estariam exercendo um direito, pois a ninguém é licito ir contra aquilo que Deus claramente dispôs para ser cumprido por todos os homens.

Aberrante "santa inveja"

A propósito dessa falsa autodeterminação dos povos, costumam os «católicos progressistas» brandir trechos isolados da «Pacem in Terris» para justificar constrangedoras situações impostas a certos povos pela servidão socialista, sobretudo em países que acabam de adquirir independência. Convém lembrar a esses distraídos que o Santo Padre João XXIII, logo no inicio daquela Encíclica, proclamou mais uma vez que sem a observância da Lei do Deus a ordem terrena será edificada sobre areia: «A paz sobre a terra (...) não pode fundar-se nem conservar-se a não ser que se respeite, de modo absoluto, a ordem estabelecida por Deus».

Ainda recentemente o Sr. Tristão de Ataide insistia em uma de suas ideias fixas, ao manifestar a «santa inveja» que tem dos governos que, ao contrário do brasileiro, mantêm relações diplomáticas e comerciais com o regime chefiado pelo bandoleiro de Sierra Maestra, afirmando que «nada temos com o regime político dos países com que mantemos relações diplomáticas e comerciais» (artigo «Santa inveja», publicado na «Folha de São Paulo» de 3 de julho último).

Tal manifestação de indiferença pouco cristã pela sorte de uma nação Irmã levantou protestos veementes dos exilados cubanos que se acham em nosso País. Bem compreendemos a «santa indignação» que exprimiram ao ver assim prestigiado por um intelectual católico o regime totalitário que, com a escandalosa ajuda russa e chinesa, tenta consolidar-se numa parcela das Américas.

Tamanha inversão de conceitos, dentro do próprio laicato católico, propicia o terrível advento do Leviatan totalitário. Favorecido por quem, como homem de pensamento, devia primar pela transmissão do pão da boa doutrina aos seus irmãos na Fé, todo esse caos nos faz lembrar o que profetizou Isaias para os últimos tempos: «A terra ficou infeccionada pelos seus habitantes, porque transgrediram as leis, mudaram o direito, romperam a aliança eterna» (Is. 24, 5).