UM FATO MUITO ESTRANHO
Alberto Luiz Du Plessis
COMO SE EXPLICA QUE PASSE QUASE DESPERCEBIDO NO OCIDENTE O DESLISAR DO "TERCEIRO-MUNDO" PARA AS FORMAS MAIS RADICAIS DE SOCIALISMO?
É extremamente estranho e lamentável que um dos fatos mais importantes de nossa época passe quase despercebido do público e não mereça maiores comentários dos especialistas, que tinham por obrigação, interessar-se pelo mesmo. Referimo-nos ao constante e acelerado deslizar do chamado terceiro-mundo para as formas mais radicais de socialismo.
Quase não se passa um dia sem que cheguem notícias — notícias publicadas com pouco destaque e, em geral, sem grandes comentários — dando conta de que tal ou tal país liquidou inteiramente com a iniciativa privada ou está em vias de fazê-lo. Esta socialização, que se verifica indiferentemente na Ásia, na África, na Oceania e mesmo em algumas nações da América, é recebida como fato corriqueiro, secundário e sem consequências, — isto num mundo que pretende conceber a luta capitalismo versus comunismo, representados respectivamente pelos Estados Unidos e pelo binômio Rússia-China, como o conflito do século.
Caso dos mais recentes, para exemplificar, é o do Iraque. No dia 15 de julho último, o "homem forte" local, Marechal Abdel Salah Aref, fez o seu primeiro-ministro, General Taher Yehia, ler uma proclamação que anunciava, sem mais, a instituição oficial de um Estado socialista, cujo primeiro passo era dado com a nacionalização dos bancos, companhias de seguros, indústrias siderúrgicas, de cigarros, de cimento, moinhos de trigo, fábricas de papel e de sabão. Para dirimir qualquer dúvida, o primeiro-ministro acrescentou que nessas atividades não haveria mais, doravante, "oportunidade para serem criadas empresas privadas", bem como revelou que os "sabotadores" que se opusessem à nacionalização das empresas incorreriam na pena de morte. Esta última violência não parece ter despertado a menor comoção na enorme família de parvos, inocentes úteis e comunistizantes mais ou menos rosados que, em todo o mundo, se especializaram em participar de sentidos coros de lamentações toda vez que uma medida anticomunista enérgica é tomada em algum lugar.
Política semelhante está sendo seguida por muitos outros países. No Egito a iniciativa privada foi praticamente suprimida; a Argélia está sob a tirania de um partido único socialista, que proclama ter como modelo a revolução cubana; a Tunísia, até há pouco tempo nação "burguesa", realiza uma reforma agrária de cunho expropriatório. O mesmo acontece na Bolívia, onde, aliás, todas as minas foram nacionalizadas, com os habituais resultados econômicos catastróficos. Numerosos Estados da África Negra, como o Mali, Guiné, Ghana e, mais recentemente, Kenia e o novíssimo Tanzânia (união de Tanganica e Zanzibar), seguem todos a mesma receita: partido único e socialismo avançado. Na Ásia, além do Iraque já citado, temos totalitarismo socialista na Síria e na Birmânia, sem contar o governo, não ditatorial, mas fortemente socialista, da Índia; na Indonésia, finalmente, vigora a ditadura de Sukarno, com o seu "socialismo com Deus".
CARACTERISTICAS A DESTACAR
Nestes acontecimentos, particularmente graves, verificaram-se algumas características que julgamos merecerem um destaque especial:
1 — Aparenta-se, como dizíamos, dar pouca importância a tudo isto, como se a entrada para o socialismo de uma tão considerável parte da humanidade nada significasse.
2 — A imprensa do chamado mundo livre, que faz profissão de campeã da democracia e dos direitos individuais, assiste impassível e sem o menor protesto a supressão que essas ditaduras socialistas fazem de toda aparência de regime representativo, bem como as violências e arbitrariedades que elas cometem. O primeiro-ministro de Kenia, Jomo Keniatta, acabou com a oposição em seu país, alegando para isso, de uma maneira não isenta de pitoresco, que estava cansado de ver o Estado dividido em duas facções, uma a clamar pelos deveres, outra a vociferar pelos direitos. Se algum infeliz reacionário tivesse tido a ideia de dizer coisa semelhante, teria sido certamente fulminado por todos os anátemas liberais; ao Sr. Jomo Keniatta, ao que nos conste, nenhuma crítica foi feita, decerto por se tratar, evidentemente, de um autêntico líder nacional, a interpretar os sentimentos profundos de seu povo...
3 — Esta marcha para o socialismo é acompanhada em geral de manifestações de xenofobia e racismo, sem que tampouco isto provoque recriminações. A expulsão maciça de estrangeiros e de cidadãos de ascendência europeia, precedida do confisco dos bens, que teve lugar na Tunísia e na Argélia, as vexações e ultrajes que os europeus sofreram em Zanzibar e no Congo ex-belga, a queima de livros representativos da cultura ocidental, promovida pelo governo da Indonésia (ver "Ambientes, Costumes, Civilizações" do último número de "Catolicismo") são alguns dos aspectos que têm tomado estas manifestações.
4 — O partido comunista, pelo menos o partido oficialmente comunista, é muitas vezes duramente perseguido pelas ditaduras locais, como acontece, por exemplo, no Egito, onde alguns líderes comunistas só foram libertados por motivo da recente visita de Kruchev, após sofrerem longa detenção em regime de trabalho forçado. Esta política apresenta a grande vantagem de anestesiar a opinião pública ocidental, que, mal informada, não pode considerar esquerdista um governo que trata tão mal os comunistas. Curioso é registrar, de passagem, o procedimento da Revolução para com seus filhos, quando estes, por qualquer razão, não lhe estão sendo úteis no momento.
5 — A maioria desses governos socialistas afeta o maior respeito pelas opiniões religiosas da população, sejam elas budistas, maometanas ou mesmo cristãs. Certos de que um choque frontal com as massas religiosas ser-lhes-ia extremamente perigoso e talvez fatal, procuram primeiro minar todas as bases sociais da religião, para depois destruí-la.
6 — Profundamente doloroso e revoltante é ver que muitos desses governos só conseguem manter a sua desvairada economia socialista graças aos generosos auxílios dos países capitalistas. Caso típico e estarrecedor é o da Argélia, cuja economia foi arrastada por uma série de medidas estatizantes e que sobrevive mercê do fornecimento pelos Estados Unidos de 25 mil toneladas de viveres por mês, e de auxílios do governo francês num montante mensal que ultrapassa o das despesas da França com a guerra argelina. Quem se lembra do clamor que havia em certos círculos franceses contra o vulto dos gastos com a guerra da Argélia, gastos que, dizia-se, iriam arruinar a França em pouco tempo, não pode deixar de ficar chocado com semelhante hipocrisia.
O SOCIALISMO SÓ É MAU NA RÚSSIA E NA CHINA?
Nada mais propício aos interesses da Revolução do que a ideia de que o único inimigo a ser combatido pelo chamado mundo livre é o socialismo que se manifesta na Rússia e na China, ou nos respectivos satélites. Como católicos devemos lembrar-nos sempre das insofismáveis palavras de Pio XI, de que há uma incompatibilidade irredutível entre Catolicismo e socialismo; este será sempre, portanto, o inimigo implacável da civilização cristã, quer campeie por trás da cortina de ferro ou de bambu, quer se implante nas mais exóticas paragens, sob as mais variadas formas aparentes.
VERDADES ESQUECIDAS
A CÓLERA DO CRISTÃO DEVE PROCEDER DO ESPÍRITO SANTO
Do Catecismo dos Párocos, redigido por decreto do Concilio de Trento e publicado por ordem do Papa São Pio V, — dito vulgarmente Catecismo Romano (cap. VI, nos. 14 e 15):
Não está livre de pecado quem se zanga com seu irmão, ainda que reprima a cólera dentro de si mesmo. Peca gravemente, se manifestar sua cólera por sinais exteriores. Todavia, muito mais grave é a falta de quem não receia tratar duramente seu irmão e dirigir-lhe palavras injuriosas.
Este pecado, porém, só se verifica, quando não há o que possa justificar nossa indignação. Perante Deus e suas Leis, temos razão de alterar-nos, todas as vezes que corrigimos nossos subordinados, quando tiverem culpa.
A cólera do cristão não deve proceder dos sentidos carnais, mas da ação do Espírito Santo (...). (trad. do Pe. Valdomiro Pires Martins — Editora Vozes Ltda., 2ª edição refundida, 1962 — p. 392).
Na capital de Harum Al Rachid
A velha capital do Iraque, Bagdá, teve seu apogeu sob o famoso califa Harum Al Rachid, no século IX. Ali vem de ser oficialmente instaurado mais um Estado socialista, — sem que, mais uma vez, a opinião pública do Ocidente se dê conta da importância do fato.