(continuação)

DECLARAÇÃO DO MORRO ALTO

I - APRESENTAÇÃO

UM LIVRO — UMA CORRENTE NOVA DE OPINIÃO

O livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência" veio a lume em um momento crítico da controvérsia agro-reformista, e, pela repercussão que teve em todas as vastidões de nosso território, deu origem a uma corrente de opinião que constitui uma das forças mais jovens e mais vivazes de nossa vida cultural e cívica.

Essa corrente de opinião se proclama no mais inteiro acordo com "Reforma Agrária —Questão de Consciência" quanto ao problema agrário e quanto aos princípios segundo os quais este se deve resolver. Ela se tem externado em manifestações de grande envergadura, entre as quais o abaixo-assinado em que 27 mil lavradores de todo o Brasil pediram ao Congresso Nacional fosse a reforma agrária feita segundo o livro.

O PERIGO SEMPRE PRESENTE

Com a derrocada do janguismo, os numerosos brasileiros que pensam e sentem de acordo com "Reforma Agrária — Questão de Consciência" não abandonaram a luta. Sabem eles que o adversário derrotado simula ter renunciado ao extermínio da propriedade agrária e da classe dos fazendeiros, com a esperança de desmobilizar os espíritos e desarmar assim os homens de pensamento e ação que venceram a primeira fase da luta, movidos por altos princípios doutrinários ou pelo desejo de defender seus sagrados direitos. Na realidade, a rearticulação dos adeptos do agro-reformismo socialista e espoliativo se vai fazendo na sombra, e já tem dado mostras surpreendentes de agilidade, espírito de iniciativa e influência. A luta que vai rude nos bastidores e em momento talvez muito próximo se desferirá às escancaras em todos os setores da opinião pública, se vai travando para a vida ou para a morte do direito de propriedade, sobrevivência ou deperecimento da classe dos proprietários rurais, liberdade ou escravização dos trabalhadores agrícolas ao Poder Público. Diante desse quadro, não é supérfluo condensar aqui as principais teses de "Reforma Agrária — Questão de Consciência". É o que se passa a fazer em onze itens.

TESES ESSENCIAIS DE "REFORMA AGRÁRIA — QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA"

1. A agricultura brasileira cumpre seu dever

1 — A agricultura brasileira, apesar dos consideráveis sacrifícios com que arca em prol da economia nacional, vai acompanhando satisfatoriamente a expansão demográfica. Dela procedem em magna parte as divisas com que se tem feito nossa industrialização. Ela vai assim cumprindo normalmente seu dever para com o País. As afirmações em sentido contrário, formuladas pelo agro-reformismo demagógico, carecem de fundamento.

2. Política de colonização e estímulo rural

2 — É bem verdade que aqui e acolá se notam graves defeitos em nossa vida rural. Entretanto, esses defeitos podem ir sendo sanados paulatinamente com uma política de colonização e estímulo rural, de que o livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência" delineia os fundamentos.

3. Trabalhadores rurais: pobreza e prosperidade

3 — Entre esses defeitos sobreleva a situação dos trabalhadores rurais, a qual, se é próspera em vários lugares a ponto de proporcionar a ponderável número deles o acesso à condição de proprietários, em outros é deficiente e até desumana e injusta. Em nosso livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência", enumeramos várias medidas capazes de promover a melhoria das condições de vida do trabalhador rural. Essas medidas devem ser postas em prática conforme o comportem as condições que, bem aproveitadas, as propriedades rurais proporcionem. Entre outras, lembramos nesta síntese:

a) proteção contra o alcoolismo, o jogo, a prostituição e a prática das uniões ilegítimas,

b) salários proporcionados ao valor do trabalho e às necessidades do trabalhador e de sua família,

c) remuneração que torne possível o acesso do trabalhador diligente e parcimonioso à condição de proprietário,

d) melhoria das habitações, do ponto de vista do conforto e salubridade,

e) assistência médica,

f) elevação do nível de instrução e educação.

Lembramos, além disso, não só os importantes ensinamentos da Encíclica "Mater et Magistra", posteriores a nosso livro, como o seguinte texto de Pio XII no Discurso de 11 de abril de 1956 aos participantes do X Congresso da Confederação Nacional dos Cultivadores Diretos da Itália (AAS, vol. XLVIII, pp. 278-279).

Diz Pio XII: "Não Nos compete definir as providências particulares que a sociedade deve adotar para cumprir a obrigação de prestar auxílio à classe rural; não obstante, afigura-se-Nos que os objetivos colimados pela vossa Confederação coincidem com os deveres da própria sociedade para convosco. Tais são, por exemplo: difundir a propriedade agrícola e o seu desenvolvimento produtivo; colocar os agricultores não proprietários em condições de salários, de contratos e de rendimento capazes de lhes favorecer a estabilidade nas terras por eles cultivadas e de lhes facilitar a aquisição da plena propriedade (salvo sempre a consideração devida à produtividade, aos direitos dos proprietários e, sobretudo, aos seus investimentos); incentivá-los, mediante auxílios concretos, a melhorar as culturas e o patrimônio zootécnico, de modo que com isso se favoreça quer o seu rendimento, quer a prosperidade nacional; promover, além disto, em favor deles, as formas de assistência e de seguros comuns aos demais trabalhadores (porém administradas segundo as condições especiais do agricultor); facilitar a preparação técnica, especialmente dos jovens, de acordo com os métodos racionais e modernos em contínuo progresso; e finalmente esforçar-se para que seja removida essa diferença demasiado gritante entre o rendimento agrícola e o industrial, causadora do abandono dos campos, com tanto dano para a economia num país como o vosso, fundado em boa parte na produção agrícola. A estes encargos da sociedade em proveito vosso juntem-se os que derivam das particulares condições de vossos campos, ainda não suficientemente providos, aqui e acolá, de habitações, estradas, escolas, água encanada, energia elétrica, ambulatórios médicos".

4. Falsa solução: extermínio da propriedade rural grande e media

4 — Enganam-se os que imaginam encontrar remédio para esses males, em nosso País, abolindo as grandes propriedades rurais. E mais ainda se enganam os que imaginam que, estendendo essa eliminação também às propriedades medias, abririam para a agricultura brasileira uma era de ouro baseada na divisão compulsória das terras, e na transformação dos atuais trabalhadores rurais em pequenos proprietários.

5. Coexistência harmônica da grande, media e pequena propriedade

5 — Muitos são os erros em que esse programa demagógico se funda. Em nosso tão extenso território, a estrutura rural deve constar de grandes, medias e pequenas propriedades, pois conforme a natureza do solo e da cultura se recomenda um ou outro tipo de estabelecimento rural. A experiência das pequenas propriedades, aliás, provou mal no Brasil, em muitos casos. Muitas das que temos vegetam na penúria, quer por falta de vitalidade própria, quer pela incapacidade demonstrada pelo Poder Público de lhes dar a conveniente assistência. Transformar nossa estrutura agrária em um vasto conglomerado de pequenas propriedades amparadas pelo Estado é, pois, sob todos os pontos de vista, um erro gravíssimo.

6. Partilha de terras e iniciativa particular

6 — É, bem verdade que o natural desenvolvimento da agricultura acarreta em muitas zonas a necessidade da partilha de terras. Em via de regra, onde essa necessidade se manifesta, a partilha se vai fazendo regularmente pela iniciativa particular. Na medida em que convenha multiplicar as pequenas propriedades, o Poder Público deve apoiar as companhias privadas de colonização.

7. O Poder Público, imenso latifundiário

7 — Sendo o Poder Público detentor de mais de 5 milhões de quilômetros quadrados de terras incultas, justo é que promova a partilha das terras de que assim pode dispor gratuitamente, antes de se atirar sobre os latifundiários particulares, que não são na realidade senão micro-latifundiários em comparação com o Poder Público, latifundiário-Moloch.

8. Expropriações confiscatórias

8 — Nestas condições, o tentame da demagogia agro-reformista, de promover a desapropriação de terras de domínio privado, constitui grave injustiça. Tal injustiça ainda sobe de ponto com o fato de que o Poder Público não dispõe de recursos financeiros para pagar por seu justo valor as terras que sejam desapropriadas, pelo que a demagogia agro-reformista tem sugerido continuamente, ao longo destes anos, a desapropriação por valor menor do que o real, segundo o critério do chamado custo histórico, ou mediante pagamento em títulos, inevitavelmente depreciados, da dívida pública. Por vezes, o agro-reformismo confiscatório tem sugerido outro meio de perseguição, ou seja, uma dura pressão tributaria sobre os proprietários médios ou grandes.

9. Funesta inspiração socialista

9 — O agro-reformismo confiscatório e demagógico, ao pleitear estas medidas, se manifesta inspirado pela doutrina socialista, a qual, negando a inviolabilidade sagrada do direito de propriedade e visando estabelecer uma sociedade em que todos os níveis sociais e econômicos se igualem, outra coisa não é senão uma rampa de acesso que conduz ao abismo comunista.

10. Questão de consciência

10 — Falamos de injustiça. Afirmamos pois que na raiz do problema agro-reformista há uma questão de consciência. De onde o título da obra "Reforma Agrária - Questão de Consciência".

Para um povo em que os católicos são cerca de 95%, essa questão de consciência se há de resolver inelutavelmente em termos de doutrina católica. Ora — em que pese às vozes que desgraçadamente tentaram transformar em instrumento de demagogia o Santo Evangelho e as Encíclicas — a doutrina católica é fundamentalmente incompatível com as desapropriações reclamadas entre nós pelo agro-reformismo confiscatório e socialista, que atentam contra o 7° e 10° Mandamentos da Lei de Deus — "Não roubarás" e "Não cobiçarás as coisas alheias".

11. Consequências dramáticas para o povo brasileiro

11 — Nestas condições, os católicos não poderão receber, sem grave transgressão da moral cristã, as terras eventualmente desapropriadas pelo Poder Público. E, se as aceitarem, estarão moralmente nas condições dos receptadores de bens roubados, não podendo receber os Sacramentos da Confissão e da Eucaristia ou o Sacramento dos Enfermos sem o firme propósito de restituir a seus legítimos donos os bens havidos mediante transgressão do direito de propriedade e dos dois Mandamentos sobre os quais este direito se baseia. Assim, a promulgação de uma reforma agrária socialista e confiscatória, incompatível com a formação religiosa da quase totalidade dos brasileiros, atirará o País em uma dramática crise de consciência.

OFENSIVA DO DIRIGISMO AGRO-REFORMISTA

Posteriormente à publicação de nosso livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência", o agro-reformismo socialista e confiscatório tentou outra investida contra o direito de propriedade. Fê-lo mediante um projeto de lei apresentado ao Congresso Nacional pelo deputado pedecista Sr. Anis Badra, e retomado pelo deputado integralista Sr. Ivan Luz. Esse projeto, dotando a União de meios para exercer uma larga ação dirigista sobre a lavoura, equivalia, de algum modo, a uma considerável mutilação do direito de propriedade, mutilação esta desacompanhada de qualquer indenização. Contra essa nova forma de ataque ao direito que é, como dissemos, princípio basilar da civilização cristã, enviamos uma mensagem aos nossos legisladores. O andamento do projeto está sustado no Senado.

UM PROGRAMA POSITIVO SEGUNDO O ESPÍRITO DE RA-QC

Lembramos estas doutrinas e estes fatos por sua íntima conexão com o documento que hoje damos a lume.

A corrente de opinião suscitada por "Reforma Agrária — Questão de Consciência" nos vem pedindo com crescente insistência desenvolvamos os elementos de programa positivo contidos em nosso livro. Deseja ela exprimir-se ao País em um documento em que, denunciados já por "Reforma Agrária — Questão de Consciência" os erros e perigos a que o agro-reformismo socialista e confiscatório expõe a lavoura e o País, apontemos para a solução do problema agrário um rumo isento da peçonha socialista e inspirado pelos princípios cristãos.

A este apelo, tão simpático e tão patriótico, não nos poderíamos furtar.

Tratava-se de obra delicada, quer por seus aspectos doutrinários e morais, quer ainda por seus aspectos técnicos.

Apresentamo-la hoje aos lavradores e aos homens públicos, bem como, de modo mais geral, a todos os brasileiros.

VALIOSOS COOPERADORES

Este trabalho foi elaborado pelos autores de "Reforma Agrária — Questão de Consciência" com o valioso concurso da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, representada por seus diretores Dr. Fabio Vidigal Xavier da Silveira e Dr. Plinio Vidigal Xavier da Silveira. Para a composição do programa que constitui a Parte II do presente trabalho, solicitaram eles, fora dos quadros daquela Sociedade a assistência prestimosa dos Srs. Carlos do Amaral Cintra, Clovis de Moraes Carvalho, Francisco José Ribeiro, João Baptista de Campos Cintra, João Baptista Cunha, Osvaldo da Rocha Mello, Raul do Amaral Cintra e Sergio D'Alessandro Ribeiro, agricultores e técnicos em diversas regiões de São Paulo e do Sul de Minas. Essa comissão realizou várias reuniões na Fazenda Nossa Senhora do Morro Alto, em Amparo, a convite dos Srs. Fabio e Plinio Vidigal Xavier da Silveira, seus proprietários. A todos, os autores de "Reforma Agrária — Questão de Consciência" timbram em manifestar aqui seu vivo reconhecimento.

PROGRAMA, SIM; ANTEPROJETO DE LEI, NÃO

Sobre o programa hoje divulgado, cabem algumas observações. A primeira delas é que não visa ele constituir um anteprojeto a ser transformado em uma só lei, à maneira de um código ou estatuto agrário. Com efeito, as medidas aqui aventadas só poderiam ser postas em prática por múltiplas leis sucessivas. A prudência deve levar o legislador à parcimônia. Nada mais perigoso em matéria como esta do que promulgar de uma só vez, toda uma legislação compacta e simultânea. A vida agrícola de um país é comparável à de um organismo, com as reações que comporta, riquíssimas, por vezes imprevisíveis e lentas em se manifestar. Como o médico, o legislador há que ser cauto no ministrar o remédio às estruturas sociais e econômicas. Tanto quanto possível ele preferirá andar passo a passo. Jamais se esquecerá de que tem em mãos os interesses de seres vivos, e de que não está simplesmente estruturando ou construindo máquinas, feitas de matéria inerte. Do contrário, a legislação, em lugar de fecunda, ordenadora e estimulante, será asfixiante, e atormentará o País como se fosse uma verdadeira camisa de força.

O PAPEL DA INICIATIVA PRIVADA

No plano que apresentamos, muitas das sugestões dependem da iniciativa particular. E nisto nos diferenciamos mais uma vez, e acentuadamente, do agro-reformismo demagógico e confiscatório, o qual, medularmente socialista, tudo espera do Estado e nada dos particulares. Nós, ao invés, entendemos que sem o concurso destes nenhuma solução de conjunto pode ser dada ao problema agrário, como às outras grandes questões do País.

O PRINCÍPIO DE SUBSIDIARIEDADE

Não será demais lembrar que nossa posição se baseia no chamado princípio de subsidiariedade, lapidarmente definido pela Encíclica "Mater et Magistra". Lembra aquela Encíclica que o indivíduo, a família e a associação profissional, o Município, a província (o Estado segundo a nomenclatura brasileira) e a União, constituem cada qual um degrau nesse vasto todo que é um país. As relações entre cada degrau e os que lhe são superiores são regidas pelo princípio de subsidiariedade. Segundo este princípio, cada pessoa deve ser livre de prover honradamente a si mesma em toda a medida de suas forças, intervindo a família apenas subsidiariamente para fazer pela pessoa o que esta não possa. Analogamente se deve dizer isto do grupo profissional em relação aos seus membros, do município em relação às famílias ou grupos profissionais, do Estado membro em relação aos municípios, e da União em relação aos Estados membros.

Assim, na vida rural, afirma textualmente a Encíclica "Mater et Magistra" que o principal fator de solução para o problema agrário é o próprio agricultor. Foi o que nos levou a reconhecer em nosso plano uma larga parte de ação à iniciativa privada.

AS GRANDES PERSPECTIVAS DO COOPERATIVISMO

Ao considerar o papel desta, quisemos reconhecer uma das realidades mais alviçareiras que vêm caracterizando o progresso da nossa vida rural. Referimo-nos às cooperativas, pujantes e futurosos grupos intermediários, não só entre produtores e consumidores como também, noutro plano, entre os agricultores e o Estado. Colocadas embora na esfera privada, podem elas ter um crescente papel na solução de vários problemas ligados à vida rural. Particularmente no que diz respeito à obtenção de preços remuneradores para seus produtos e à elevação do nível técnico da produção rural, muito se pode esperar do desenvolvimento do cooperativismo.

O desenvolvimento cooperativista é um fato recente. O papel que cabe às cooperativas, especialmente do ponto de vista da política de preços, não tem sido focalizado em toda a sua importância. Convém pois que, ao tratar do assunto, lhe demos aqui o realce necessário.

MEDIDAS DE HÁ MUITO PLEITEADAS

Dos demais itens de que este programa se constitui, vários têm sido pleiteados com insistência por personalidades e grupos ligados à vida rural. Compilando-os e incluindo-os em nosso trabalho, queremos contribuir para que seja ouvido por fim o justo clamor que há tanto tempo se vem elevando no País, de modo que estas providencias, por todos reconhecidas como indispensáveis, sejam adotadas por quem de direito.

O próprio fato de ser tão notória a necessidade das referidas providencias bem prova que a solução de nossos problemas rurais está a nosso alcance, e não precisa ser procurada na aventura imoral e anticristã de uma reforma agrária socialista e confiscatória.

HIERARQUIA ECONÔMICO-SOCIAL, CIVILIZAÇÃO CRISTÃ E COMUNISMO

Uma última palavra precisa ser dita aqui.

É característico das sociedades cristãs o constarem de classes socioeconômicas definidas, e harmonicamente hierarquizadas. Essas classes, apoiadas na continuidade familiar, mas abertas ao ponderado acesso de valores novos, de nenhum modo se confundem com o regime de castas, totalmente estanques, desequilibradamente hierarquizadas, e reciprocamente inimigas, que caracterizou tantas nações pagãs.

A luta de classes, a abolição da família e da hierarquia social é inerente ao comunismo e às formas mais francas e coerentes do socialismo.

O presente programa é uma contribuição para que se conserve no Brasil a hierarquia econômica e social, e a propriedade privada como um atributo natural da pessoa e da família.

APELO EM PROL DO TRABALHADOR RURAL

Opondo-nos por esta forma à demagogia destruidora, somos bem insuspeitos ao apelar aos proprietários e aos Poderes Públicos para que, na medida de suas possibilidades, se desvelem por elevar as condições de vida do trabalhador rural, não só nos lugares onde essas condições são deficientes, mas lá também onde, sendo boas, são elas entretanto passiveis de melhora.

Fiéis ao princípio de subsidiariedade, pensamos que os proprietários devem antes de tudo despertar e incentivar no trabalhador rural o desejo de pelo trabalho bem remunerado e intenso, e pela poupança, se constituir no principal instrumento para a melhoria de suas próprias condições. O que sem uma boa formação religiosa e moral se nos afigura impossível.

CAMINHO PARA O PROGRESSO CRISTÃO

Coadjuvado subsidiariamente o trabalhador rural pelo proprietário, e ambos pelo Poder Público, estará aberto o caminho para o progresso cristão, construtivo e pacifico de que carece nosso grande País.

*

Esperamos ter atendido com o presente documento os pedidos tão justos, tão simpáticos e tão numerosos que nos têm vindo da corrente de propugnadores de "Reforma Agrária — Questão de Consciência".

Resta-nos pedir a Nossa Senhora Aparecida, Rainha do Brasil, a grandeza cristã de nossa vida rural, envolvendo em nossa prece, num anelo de profunda concórdia, proprietários, trabalhadores, todos enfim que cooperam nas lides da agricultura e da pecuária nacional.

* * *

DECLARAÇÃO DO MORRO ALTO

II - Programa

Queremos consignar preliminarmente que a presente análise da situação agrária brasileira e a elaboração do programa que dela deriva, foram feitas tendo em vista particularmente o princípio de subsidiariedade, o papel do cooperativismo e a importância da colaboração, entre a iniciativa privada e o Poder Público.

Na ocasião em que recrudesce entre nós a campanha pela realização de uma reforma agrária, é preciso reafirmar que a simples alteração da estrutura da propriedade rural no País deixará intactos os principais problemas com que se debate a produção agropecuária nacional, tais como os das sementes selecionadas, fertilizantes, inseticidas, máquinas, crédito de entressafra e para investimentos, preços compensadores, armazenamento, vias adequadas ao fácil e pronto escoamento das safras, etc. Examinemos um pouco tais dificuldades.

A causa básica da posição de inferioridade em que se encontra o produtor rural face ao urbano reside no caráter aleatório de sua produção. Em primeiro lugar, a safra comercializável do agricultor depende das condições climáticas. Ademais, a renda monetária da atividade rural fica na dependência dos preços de mercado de seus produtos, que apresentam comportamento oscilatório, baixando nas épocas de colheita e subindo nas de entressafra. Esse fenômeno pode decorrer muitas vezes de manobras de intermediários. Sua causa fundamental, no entanto, é outra. Ela se encontra na estrutura do mercado de produtos agrícolas, estrutura essa que é observável em todo o mundo.

Com efeito, o mercado dos produtos agrícolas é concorrencial (muitos ofertantes) para o produtor rural e oligopolístico (poucos demandantes) para o comerciante intermediário. Em outros termos, a oferta de cada produtor rural é relativamente pequena para influir por seu volume na determinação dos preços do mercado. De outra parte, sendo a produção extremamente esparsa, compete à fase intermediaria promover a constituição dos estoques para o abastecimento regular da população durante longos períodos.

Nessas condições, se do lado da oferta são muitos os participantes do mercado, do lado da procura o número é muito menor, o que faz com que, no computo geral, caiba aos intermediários maior influência na determinação do preço final, especialmente se eles passam a adotar comportamento uniforme, mediante acordos tácitos ou explícitos.

Note-se, além do mais, que os intermediários, na qualidade de empresários, não controlam o mercado de produtos primários ao seu bel-prazer. Suas operações são, em grande parte, condicionadas por pressões oriundas do mercado monetário, do sistema creditício, e das inúmeras alternativas de aplicação de recursos que existem em um sistema econômico em expansão.

Como resultado do fenômeno descrito, ou seja, como repercussão do caráter aleatório de suas rendas, o agricultor tem difícil acesso ao credito bancário. Muito pequena parcela dos depósitos dos bancos privados é, por causa desse fato, aplicada em financiamento às atividades rurais. Compreende-se mesmo que tais estabelecimentos não queiram arriscar os recursos de seus depositantes, perante os quais são responsáveis, em atividades onde o próprio volume físico pode ser afetado por condições climáticas adversas e onde o nível do preço a ser obtido é incerto, por ausência de uma política eficaz de preços mínimos. Por essa razão é quase exclusivamente o Poder Público que atua nesse setor do crédito.

Em consequência de vários fatores, a produção rural, embora crescendo globalmente, apresenta, nas culturas anuais individualmente consideradas, alternâncias de safras abundantes e escassas. Se num determinado ano o preço foi satisfatório em consequência de uma safra reduzida, normalmente no ano agrícola subsequente a oferta do produto será abundante e seu preço vil. A essa safra sucederão uma ou duas de dimensões reduzidas, as quais provocarão elevação dos preços e serão seguidas de novas safras de grandes proporções, iniciando-se novo ciclo. Dessa forma, se em um ano há problema de absorção de safras excepcionais de milho, no ano seguinte de amendoim, depois de algodão, etc., em outros há o problema da escassez desses mesmos produtos.

Se o Governo pretende, como todos desejam, estimular a produtividade rural, a fim de que as safras sejam permanentemente abundantes e o abastecimento seja regular, sem as perturbações que se têm tornado frequentes nos últimos anos, deve adotar uma política agrária enérgica, concentrando seus recursos materiais e humanos na solução de alguns problemas de fundamental importância. Para a consecução desse objetivo, podem e devem as autoridades contar com o apoio dos próprios interessados.

As linhas mestras dessa política são delineadas a seguir.

1. ESTRUTURA DO MERCADO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS

Sendo o mercado de produtos agrícolas, do lado da oferta, concorrencial, e do lado da procura pelos intermediários, oligopolístico, não podendo os primeiros influir a não ser excepcionalmente na determinação dos preços, ao contrário dos segundos, que o podem, — em certas condições é vantajoso que os produtores se organizem a fim de que, em parte pelo menos, sejam evitados os inconvenientes que decorrem dessa particular estrutura de mercado.

Especialmente eficientes se têm mostrado nesse sentido as cooperativas. Estas, reunindo a oferta de vários produtores agrícolas, e organizadas em moldes racionais, constituiriam elemento de contrapeso à força dos intermediários. Criar-se-iam, com a multiplicação delas, as condições para que a oferta dos produtos agrícolas se processasse em moldes de concorrência oligopolística, tal como ocorre no lado da procura dos intermediários.

Claro está que nesse setor a principal tarefa cabe aos próprios produtores. De sua iniciativa, de seu espírito associativo dependerá o êxito do empreendimento. Quando necessário para apoiar a ação do lavrador cabe ao Poder Público estimular sensivelmente esse movimento não só mediante as disposições legislativas adequadas, mas também por meio de assistência técnica e creditícia. Essa ação do Poder Público, bem entendida, pode alcançar toda a amplitude conveniente sem de nenhum modo conduzir à hipertrofia ou ao exclusivismo cooperativista.

Várias seriam as vantagens decorrentes da difusão do regime de cooperativas:

a) Elas garantiriam maior estabilidade aos preços pagos ao produtor, reduzindo as grandes variações existentes entre a época do plantio e a da colheita, e atuando favoravelmente, pela sua própria índole, como estímulo moralizador na comercialização dos produtos.

b) A renda do produtor rural se tornaria menos aleatória, permitindo-lhe fazer previsões e adotar iniciativas colimando a efetivação destas.

c) O produtor poderia expandir muito sua produção, sem o temor de que, uma vez obtidos os produtos, fossem eles vendidos a preços vis.

d) O fortalecimento da posição econômica do produtor o habilitaria a recorrer ao sistema bancário privado para obtenção de créditos.

e) As cooperativas de produtores poderiam auxiliar grandemente a adoção de novas técnicas pelos lavradores. A prática tem demonstrado sensível melhoria, sob esse aspecto, nas culturas dos cooperados.

f) De tudo isto adviria para o consumidor a vantagem da existência do produto em todas as épocas do ano a preço estável.

g) A multiplicação das cooperativas ofereceria aos Poderes Públicos uma organização ligada aos produtores, em condições de realizar determinadas tarefas, tais como distribuição de sementes, fertilizantes, aquisição de produtos eventualmente armazenados, etc.

Completando o sistema, dever-se-ia, a nosso ver, incentivar o regime federativo de cooperativas, pela criação de unidades de nível local, regional ou estadual e nacional.

2. POLÍTICA DE PREÇOS MÍNIMOS

A eficácia de uma política de preços mínimos resulta de dois fatores. De um lado, em regime inflacionário como o que ocorre no Brasil, se não houver cláusula de reajuste nos valores estabelecidos em época anterior ao plantio, a desvalorização monetária tornará ineficaz o estabelecimento de preços mínimos. Por outro lado, se o Poder Público não tiver condições para adquirir o produto das safras ou os seus excedentes, na eventualidade de o preço de mercado ser inferior ao de garantia fixado pelas autoridades competentes, essa garantia deixará de existir. O Estado deve exercer essa atividade com o único objetivo de regular o mercado.

É claro que há perigo em tal política. Há, por exemplo, a possibilidade da fixação de preços mínimos em níveis arbitrariamente elevados em decorrência de erros de apreciação. Há também a possibilidade de ocorrerem ganhos de produtividade que sejam inteiramente absorvidos pelos produtores, quando poderiam beneficiar o consumidor final. É verdade que este problema surge a longo prazo, mas não deve ser menosprezado. Não se pode pretender também que o Governo passe a adquirir toda a produção agrícola do País, para revendê-la aos consumidores ou aos exportadores. Isso conduziria a um controle total da economia, que acabaria no estabelecimento de quotas individuais de produção, anquilosando a atividade rural. Não é isto que se pleiteia, evidentemente.

Deve o Governo, sempre que se faça necessário, estar pronto a intervir adquirindo a safra. Contudo, a atividade das cooperativas, nos moldes aqui preconizados, e sua participação crescente na formação dos preços constituirão um elemento de fortalecimento do mercado, capaz de reduzir as necessidades de intervenção direta do Governo através da aquisição de safras. Nessa eventualidade, ainda, poderão as cooperativas assumir a função de agentes compradores, evitando-se ou reduzindo-se o recurso a firmas interventoras, muitas vezes não identificadas com os reais interesses da classe rural e incapazes, portanto, de corresponder às legítimas aspirações desta.

3. INDUSTRIALIZAÇÃO RURAL

A situação econômica do produtor agropecuário pode ainda ser melhorada mediante a industrialização ou semi-industrialização de produtos rurais no próprio campo. Se tais empreendimentos ficarem a cargo das cooperativas de produção, elas proporcionarão aos lavradores acesso aos ganhos do estágio imediatamente superior do processo produtivo, contribuindo para melhorar-lhes a renda.

A industrialização ou beneficiamento de produtos rurais no campo permitirá, acresce notar, a utilização dos resíduos de tais gêneros, seja para alimentação animal, seja para a produção de adubos. Em ambos os casos há proveitos para o produtor rural. Poderá

(continua)

A Declaração do Morro Alto tomou o nome da fazenda em cuja sede foi assinada (clichê). Situada no município de Amparo, pertence ela a dois diretores da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, Srs. Fabio e Plinio Vidigal Xavier da Silveira

(foto de Francisco Muratori Neto).