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CRENDICES MEDIEVAIS?

Cunha Alvarenga

É fenômeno característico da incredulidade do mundo moderno que quanto mais se faz notar a ação direta e indireta do demônio sobre os homens, mais a sua presença é negada. Quando não nos achamos em face da recusa em aceitar a própria existência do príncipe das trevas, a tendência muito comum em nossos dias, mesmo entre católicos, é para restringir o campo de ação das forças diabólicas de modo tal, que corresponde praticamente à negação de qualquer influência preternatural nos acontecimentos humanos.

Tornou-se lugar comum a referência indiscriminada à crença na influência do demônio, nas infestações, obsessões e possessões diabólicas como superstições oriundas da ignorância que reinaria na Idade Média. É o que se encontra de modo generalizado, por exemplo, nos manuais de psiquiatria modernos. E a feitiçaria, os sortilégios, a magia branca e negra, os encantamentos seriam sempre e necessariamente outras tantas práticas fantasiosas próprias da «extrema credulidade» daquele «período negro» da História.

O que não se costuma dizer é que a existência do demônio e a possibilidade de seus influxos malignos são verdades que ressaltam claramente dos Evangelhos, verdades essas que foram aceitas com suas lógicas consequências não só na Idade Média, mas em todos os períodos da História e em todos os lugares em que existiu perfeito conhecimento da doutrina da Igreja e em que a fé não estava amortecida.

O RESSURGIMENTO DA MAGIA

De modo que estamos diante de duas situações muito coerentes. Na Idade Média, dada a influência da Igreja e à vista da vivacidade da fé, acreditava-se na possibilidade da ação direta e indireta do diabo e se reprimiam com energia suas manifestações comprovadas, entre as quais sobressaiam certas práticas supersticiosas da feitiçaria, da magia, das seitas secretas e gnósticas. Hoje, em face da generalizada apostasia dos povos, vão eles se afastando dos ensinamentos hauridos na Revelação, e como consequência da perda da noção do pecado, a que se referia o Santo Padre Pio XII, vai-se perdendo também a crença na ação do pai da mentira. E o resultado prático é que ao mesmo tempo que se olha de modo desdenhoso para a chamada credulidade do homem medieval, o mundo vai mergulhando cada vez mais na superstição da magia, das filosofias do desespero, no tremedal do espiritismo e dos terreiros umbandistas, nos quais se rende culto aos exus e a outras entidades que são a reprodução moderna do deus cornudo cultuado nos sabats de outras eras.

Nem se diga que esse fenômeno se registra apenas nas camadas inferiores das populações da América Latina, da África, da Ásia e da Oceania, os chamados povos subdesenvolvidos. Em países desenvolvidos como a Inglaterra vemos aquilo a que recentemente a revista «Life» classificou como o «assombroso fenômeno» do ressurgimento da feitiçaria como religião que recebe cada vez maior número de adeptos. Diz a citada revista que «em remotas e desoladas regiões da Grã-Bretanha — como em solitárias paragens da França, da Itália, da Alemanha, da Polônia e de muitos outros países — gente desequilibrada, perversa ou corrompida recorre agora, como em todos os tempos, à magia negra que o vulgo identifica com a feitiçaria». Como em todos os tempos, com a diferença, porém, de que antes essas atividades supersticiosas, e mesmo imorais e criminosas, eram reprimidas e agora não apenas são indulgentemente aceitas, como os ritos mágicos das macumbas e dos candomblés no Brasil, mas chegam a ser favorecidas pelo legislador, como aconteceu na Inglaterra com a revogação, em 1951, da lei de bruxaria do ano de 1735.

A LIÇÃO DOS EVANGELHOS

Seja-nos lícito, portanto, formular a seguinte questão: qual a atitude que mais se conforma com as lições que haurimos do Novo Testamento — a de nossos dias, que consiste em negar a possibilidade de quaisquer fenômenos preternaturais, ao mesmo tempo que se deixa livre curso à pratica da magia e do ocultismo, ou a que se procura tachar de superstição medieval, e que consiste na aceitação da existência de espíritos malignos e na repressão de suas reais manifestações entre os homens (sem prejuízo, é claro, da indispensável cautela contra ilusões e embustes tão fáceis nessa matéria)?

Vejamos o exemplo que nos deixou o Salvador. «Para destruir as obras do demônio é que o Filho de Deus veio ao mundo» (1 Jo. 3, 8). E o poder sobre os espíritos infernais foi transmitido pelo Divino Mestre aos seus Apóstolos: «Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, limpai os leprosos, expeli os demônios» (Mat. 10, 8). «E eis os milagres que acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu nome, (...) imporão as mãos sobre os enfermos e estes serão curados» (Marc. 16, 17-18). Aos fariseus que Lhe foram dizer que Herodes O queria matar, respondeu o Senhor: «Ide, e dizei a essa raposa: Eis que lanço fora os demônios, e faço curas hoje e amanhã, e ao terceiro dia estou no termo» (Luc. 13, 32).

Como se vê por estes trechos dos Evangelhos, há uma nítida distinção entre os fisicamente doentes e os possessos. Não se podem negar os fenômenos físicos produzidos pela possessão diabólica, tais como a surdez, a mudez, a paralisia, as convulsões e outros, que são também sinais clínicos próprios das moléstias nervosas. Neles se detêm os que atribuem esta ação direta do demônio a «superstições medievais». A causa profunda e real desses fenômenos, no caso da possessão, é porém de ordem preternatural: as perturbações introduzidas pelo anjo das trevas nas faculdades de suas vítimas. E a cura, ou seja, a expulsão do espírito do mal, se dá por meios sobrenaturais, como são os exorcismos.

UMA GERAÇÃO DE INCRÉDULOS

Há vários exemplos de curas miraculosas em que Nosso Senhor apenas remove um mal físico. Nitidamente distintos destes são os casos em que intervém a possessão diabólica, nos quais a cura se dá com a expulsão do demônio. E entre todos os episódios do gênero narrados pelos Evangelistas releva um no qual os três aspectos atrás citados se depreendem claramente das páginas sagradas. É o caso do menino possesso que o pai apresenta a Jesus Cristo mediante as seguintes palavras:

«Mestre, trouxe-Te meu filho que está possesso de um espírito mudo, o qual, onde quer que se apodera dele, o lança por terra, e (o menino) espuma, e range com os dentes, e vai-se mirrando; e roguei a teus discípulos que o expelissem, e não puderam.

«E Ele, respondendo-lhes, disse: ó geração incrédula! Até quando hei de estar convosco? Até quando vos hei de suportar? Trazei-mo cá. Levaram-Lho. E, tendo visto Jesus, imediatamente o espírito imundo o agitou com violência; e, caído por terra, revolvia-se espumando. E Jesus perguntou ao pai: Há quanto tempo lhe sucede isto? E ele disse: Desde a infância; e o demônio tem-no lançado muitas vezes no fogo e na água, para o matar; Tu porém, se podes alguma coisa, vale-nos, tendo compaixão de nós. E Jesus disse-lhe: Se podes crer, tudo é possível ao que crê. E imediatamente o pai do menino exclamou em lágrimas: Sim, Senhor, eu creio; auxilia a minha incredulidade.

«E Jesus, vendo que o povo concorria em multidão, ameaçou o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito surdo e mudo, Eu te mando, sai desse menino, e não tornes a entrar nele! Então, dando um grande grito e agitando-o com violência, saiu dele, e o menino ficou como morto; de sorte que muitos diziam: Está morto. Porém Jesus, tomando-o pela mão, levantou-o, e ele ergueu-se.

«E, depois que entrou em casa, seus discípulos perguntaram-Lhe em particular: Por que não o pudemos nós expelir? E Ele disse-lhes: Esta casta de demônios não se pode fazer sair, senão mediante a oração e o jejum» (Marc. 9, 16-28).

AS ARMAS DA ORAÇÃO E DA PENITÊNCIA

Pela narração dos síntomas, muito psiquiatra moderno diria tratar-se de um caso típico de epilepsia em um paciente surdo e mudo. Mas pela declaração expressa de Nosso Senhor, ao ordenar que o espírito surdo e mudo saísse do menino, vê-se claramente que a causa daquele estado lamentável em que jazia o doente era de ordem preternatural, isto é, tratava-se de um possesso, um dos muitos de que nos falam os Evangelistas, distintos dos meros lunáticos ou doentes mentais que tiveram cura milagrosa por obra do Filho de Deus. O pai do menino confessa que os discípulos não haviam conseguido expulsar o demônio, fato confirmado pelos próprios discípulos, que indagam do Divino Mestre por que não haviam logrado êxito. Faltara-lhes o recurso adequado de ordem sobrenatural, o pedido da intervenção divina feito através da oração e do jejum.

Em outros casos menos difíceis, os discípulos obtêm a expulsão dos anjos das trevas, como se vê do relato que deram da missão que Nosso Senhor lhes confiara, de pregar «nas cidades e lugares onde Ele estava para ir»: «E os setenta e dois voltaram alegres, dizendo: Senhor, até os demônios se nos submetem em virtude do teu nome. E Ele disse-lhes: Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago. Eis que vos dei poder de calcar serpentes e escorpiões e toda a força do inimigo; e nada vos fará dano. Contudo não vos alegreis porque os espíritos vos estão sujeitos, mas alegrai-vos porque os vossos nomes estão escritos no Céu» (Luc. 10, 17-20).

E os casos de feitiçaria e de magia seriam, todos eles, meras invenções da Idade Média? Daremos apenas dois exemplos tirados dos Atos dos Apóstolos: «E aconteceu que, indo nós à oração, nos veio ao encontro uma jovem, que tinha o espírito de Piton, a qual com as suas adivinhações dava muito lucro a seus amos. Esta, seguindo a Paulo e a nós, gritava, dizendo: Estes homens são servos do Deus excelso, que vos anunciam o caminho da salvação. E fazia isto muitos dias. Mas Paulo, enfadado, tendo-se voltado, disse ao espírito: Ordeno-te em nome de Jesus Cristo que saias dessa mulher. E ele, na mesma hora, saiu» (At. 16, 16-18). Estamos em face de um caso típico de magia explicado pela ação diabólica. E que essas práticas supersticiosas já eram condenadas pela Igreja nos seus albores, vemos também pela referência a Simão Mago, que enganava o povo da Samaria. Todos lhe davam ouvidos e lhe obedeciam «porque, com as suas artes mágicas, os trazia seduzidos desde há muito tempo» (At. 8, 11).

A MAGIA, ARMA DO DEMÔNIO EM TODOS OS TEMPOS

A verdade é que as obsessões, as possessões diabólicas e os atos de feitiçaria e de magia não são invenções fantasiosas da Idade Média, mas constituem males reais que — ressalvados os embustes, fraudes e ilusões sempre possíveis — acompanham a humanidade, por assim dizer, desde o começo da vida do homem sobre a terra. E quando do advento do Redentor era tão generalizada essa influência do demônio, que as páginas dos Evangelhos se acham repletas de narrativas em que entramos decididamente na esfera do preternatural.

À medida que diminui a crença dos homens no poder de Deus, aumenta no mundo a influência direta e indireta do anjo das trevas. Influência que se faz notar não somente entre o povo ignorante, mas em todas as camadas da sociedade humana, sobretudo em certas elites intelectuais e artísticas, que se comprazem na filosofia do desespero, na luta contra a ordem impressa por Deus no universo, no gosto pelo que é avesso ao Belo, ao Bem e à Verdade, segundo o exemplo dos anjos rebelados.

Como o pai do menino escravo do espírito surdo e mudo, peçamos a Deus que ajude a nossa incredulidade, fazendo-nos crer cada vez mais firmemente em seu poder infinito sobre todos os seres visíveis e invisíveis do universo, único modo de exorcizar a humanidade, livrando-a das malhas cada vez mais estreitas e ameaçadoras daquele que «foi homicida desde o princípio, e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele» (Jo. 8, 44).

Em pleno 1964, no Oxfordshire, a feiticeira Artemisa — dona de casa na vida civil — invoca as Potências durante o grande sabat da vigília de maio.


VERDADES ESQUECIDAS

O CONCÍLIO PLENÁRIO BRASILEIRO VÊ COM MAUS OLHOS OS BAILES

Certos fiéis que consideram inócuos os bailes, esquecem-se de que o Concílio Plenário Brasileiro dispõe no decreto 27, § 1.°:

Segundo a intenção do canon 140 (do Código de Direito Canônico), é absolutamente proibido aos Clérigos promover bailes, mesmo para fim pio ou religioso, ou sequer estar presente a eles.