(continuação)
Elemento "b" — Quanto a este elemento também cabem várias perguntas. A "ocorrência" de que trata esta alínea "b" tem significado bem diverso em terras destinadas à pecuária ou à lavoura, às atividades hortigranjeiras por exemplo, de sorte que a adoção de um critério único para a ponderação deste fator, aplicável a quaisquer terras, chegaria ao absurdo. Será, pois, indispensável relacionar este elemento com os diversos tipos de uso da terra. De outro lado, ao fazer essa relação, será preciso ter em conta a influência de circunstâncias locais sobre o alcance concreto deste fator. Por exemplo, ele pesará de um modo em zonas mecanizadas ou facilmente mecanizáveis, e de outro modo em zonas que não o sejam. Segundo que critérios estabelecer esta relação para o efeito de caracterizar uma eventual "tensão"?
Elemento "c" — Quanto a este fator caberiam perguntas análogas às formuladas para o anterior.
Elemento "d" - Este fator dá ensejo também, sempre para o mesmo fim, a diversas perguntas. A importância da população, de seu incremento e densidade, varia forçosamente de significado segundo as diversas zonas. Assim, um será o seu alcance no polígono das secas, outro no Norte do Paraná e em Santa Catarina. Quais os elementos a ter em vista e a combinar entre si, para determinar em cada caso a importância desse fator, e a existência de uma possível "tensão"?
Elemento "e" — Quanto a este fator, sempre para efeito de determinação da "tensão", cabe uma pergunta análoga, relativa não só à zona, como às características de cada tipo de cultura.
• § 1° (do art. 48) — Nas áreas prioritárias da Reforma Agrária serão complementadas as fichas cadastrais elaboradas para fornecer aos Estados bases para os lançamentos fiscais, com dados relativos ao relevo, às pendentes, à drenagem, aos solos e a outras características ecológicas que permitam avaliar a capacidade do liso atual e potencial, a fixar uma classificação das terras para os fins de realização de estudos micro-econômicos, visando, essencialmente, à determinação por amostragem para cada zona e forma de exploração:
a) das áreas mínimas ou módulos de propriedade rural determinados de acordo com os elementos enumerados neste parágrafo e mais, a forma de trabalho do conjunto familiar médio, o nível tecnológico predominante, a renda familiar a ser obtida;
b) dos limites máximos permitidos de áreas dos imóveis rurais, os quais não excederão a 600 vezes o módulo médio da propriedade rural nem a 690 vezes a área média dos imóveis rurais, na respectiva zona;
c) das dimensões ótimas do imóvel rural do ponto de vista de rendimento econômico;
d) do valor das terras em função das características do imóvel rural, da classificação e capacidade potencial de uso e da vocação agrícola das terras;
e) determinação dos índices mínimos de produtividade agrícola, para confronto com os mesmos índices obtidos em cada imóvel rural nas áreas prioritárias de Reforma Agrária».
Letra "a" — Este parágrafo e sua letra "a", enunciando as informações que o Estatuto da Terra reputa necessárias para "a determinação por amostragem, para cada zona e forma de exploração", da extensão da propriedade familiar, ou seja, "das áreas mínimas ou módulos de propriedade rural", põem em evidência a multiplicidade e complexidade dos critérios a serem seguidos, bem como a influência das circunstâncias locais na avaliação do alcance de cada critério. O órgão a quem compete determinar o módulo — o IBRA ou a IBRAR, também neste ponto o projeto não é claro — ficará em sua própria esfera com uma elasticidade de movimentos análoga à que terá o IBRA na determinação das zonas críticas.
Letra "b" — Essa amplitude de movimentos do órgão competente é circunscrita pela letra "b" no que diz respeito à existência de propriedades muito grandes. Não pode ele admitilas além das medidas expressamente designadas aqui. Porém, fica com a atribuição de reduzir "os limites máximos permitidos de áreas dos imóveis rurais" em toda a gama que vai de uma propriedade-módulo até seiscentas vezes o tamanho desta. Segundo que critérios se fará essa limitação, em cada zona? Essa formidável atribuição, que dá ao órgão competente os meios de modelar larguissimamente nossa estrutura rural, poderá evidentemente ser exercida em 1965 com um critério que em 1970, por exemplo, já esteja substituído por outro mais restrito.
Letra "c" — Os critérios para a qualificação dessas "dimensões ótimas" ficam indeterminados no Estatuto da Terra.
Letra "d" — Entre as várias perguntas que se poderiam fazer quanto a esta alínea sobreleva uma, referente à "vocação agrícola" de uma terra. O conceito de "vocação agrícola", que várias vezes se encontra no projeto, o que significa? É o aproveitamento quantitativa e qualitativamente mais adequado? Neste caso, uma terra pode ter várias vocações agrícolas equivalentes. Com que critério o órgão competente preferirá uma delas? Influirá, neste critério, a maior remuneração do produto para o proprietário? Então, a vocação agrícola pode oscilar com as circunstâncias do mercado? A conveniência que tenha o País, de se plantar um produto de preferência a outro para atender ao conjunto de seu desenvolvimento, pode influir também na caracterização da vocação agrícola? Em que medida se combinarão esses três critérios? Pode o último tornar-se preponderante?
Letra "e" — Cada imóvel das zonas prioritárias passará, pois, por um exame, feito à luz de um critério sobre o qual o Estatuto da Terra não dá qualquer indicação. Como fixar esses índices mínimos?
— Assim pois a margem de apreciação deixada ao órgão competente torna, como de início dissemos, indefinido o número dos imóveis rurais sujeitos à desapropriação.
• «Art. 57 — O imposto territorial rural será regulado pela lei estadual, nos limites e de acordo com as normas gerais traçadas nesta lei. A lei estadual fixará a alíquota do imposto entre os limites de 0,2% e 0,5%, para obtenção do valor básico para a tributação, fazendo essa alíquota incidir sobre o valor cadastral inscrito pelo IBRA, como previsto no artigo 48, § 7o.
1° — Levando-se em conta a área total agricultável do conjunto de imóveis de um mesmo proprietário no País, esse valor básico será multiplicado por um coeficiente de progressividade de acordo com a tabela seguinte:
a) área total, no máximo, igual à média ponderada dos módulos de área estabelecidos para as várias regiões em que se situem as propriedades: coeficiente 1;
b) área maior do que 1, até 10 vezes o módulo definido na alínea «a»: coeficiente 1,5;
c) área maior do que 10, até 30 vezes o módulo definido na alínea «a»: coeficiente 2,0;
d) área maior do que 30, até 80 vezes o módulo definido na alínea «a»: coeficiente 2,5;
e) área maior do que 80, até 150 vezes o módulo definido na alínea «a»: coeficiente 3,0;
f) área maior do que 150, até 300 vezes o módulo definido na alínea «a»: coeficiente 3,5;
g) área maior do que 300, até 600 vezes o módulo definido na alínea «a»: coeficiente 4,0;
h) área superior a 600 vezes o módulo definido na alínea «a»: coeficiente 4,5.
§ 2° — O produto da multiplicação do valor básico pelo coeficiente previsto no parágrafo anterior, será multiplicado por um coeficiente de localização, que aumente o imposto em função da proximidade aos centros de consumo definidos no inciso II do artigo 8 e das distâncias, condições e natureza de vias de acesso aos referidos centros. Tal coeficiente, variando no território nacional de 1,0 a 1,6, será fixado por tabela a ser baixada por decreto do Presidente da República, para cada região considerada no zoneamento previsto no artigo 45.
§ 3° — O valor obtido pela aplicação do disposto no parágrafo anterior será multiplicado por um coeficiente que aumente ou diminua aquele valor, segundo a natureza da posse e as condições dos contratos de trabalho na forma seguinte:
a) segundo o grau de alheiamento do proprietário na administração e nas responsabilidades de exploração do imóvel rural, segundo a forma e natureza dos contratos de arrendamento e parceria, e quanto à, falta de atendimento de condições condignas de conforto doméstico e higiene aos arrendatários, parceiros e assalariados — coeficientes que aumentem aquele valor variando de 1,0 a 1,6, na forma a ser estabelecida na regulamentação desta lei;
b) segundo o grau de dependência e de participação do proprietário nos frutos, na administração e nas responsabilidades da exploração do imóvel rural; em função das facilidades concedidas para habitação, educação e saúde dos assalariados — coeficientes que diminuam o valor do imposto de 1,0 a 0,3, na forma a ser estabelecida na regulamentação desta lei.
§ 4o — Uma vez obtidos os elementos cadastrais relativos ao item III do art. 48 e fixados os índices previstos no § 1° daquele artigo, o valor obtido pela aplicação do disposto no parágrafo anterior será multiplicado por um coeficiente que aumente ou diminua aquele valor segundo as condições técnico-econômicas de exploração, na forma seguinte:
a) na proporção em que a exploração se faça com rentabilidade inferior aos limites mínimos fixados na forma do § 1° do art. 48 e com base no tipo, condições de cultivo e nível tecnológico de exploração — coeficientes que aumentem o valor do imposto variando de 1,0 a 1,5, na forma a ser estabelecida na regulamentação desta lei;
b) na proporção em que a exploração se faça com rentabilidade superior ao mínimo referido na alínea anterior e, segundo o grau de atendimento à vocação econômica da terra, emprego de práticas de cultivo ou de criação adequadas, e processos de beneficiamento ou industrialização dos produtos agropecuários — coeficientes que diminuam o valor do imposto, variando eles de 1,0 a 0,4, na forma a ser estabelecida pela regulamentação desta lei.
§ 5o — Quando o imposto territorial rural lançado for superior ao do exercício anterior, mesmo quando a área agricultável explorada de um imóvel rural for inferior ao mínimo necessário para classificá-lo como empresa rural, nos termos do art. 4o, inciso V, alínea «a», será permitido ao seu proprietário requerer ao Estado redução até 50% do imposto lançado, desde que elabore projeto de ampliação da área, explorada e o mesmo seja considerado satisfatório pelo órgão competente do IBRA, em função das características ecológicas da zona onde se localize o referido imóvel.
§ 6° — Para pleitear o benefício de que trata o parágrafo anterior, o proprietário anexará ao requerimento comprovante de aprovação do projeto pelo órgão competente do IBRA.
§ 7° — O órgão competente do IBRA deverá, pronunciar-se no prazo de 90 dias, contados da apresentação do projeto, considerando-se este aprovado desde que não haja pronunciamento.
§ 8° — Aprovado o projeto, o proprietário terá o prazo de 90 dias para assinar, junto ao órgão competente do IBRA, termo de compromisso de sua execução.
§ 9° — Se ao final de 2 anos, contados da data da aprovação do projeto, não estiverem executados no mínimo 30% dos trabalhos nele previstos, o IBRA fará ao Estado competente notificação, para efeito de ser cobrada a parte reduzida dos impostos lançados, acrescida da devida correção monetária prevista nesta lei».
Depois de ver a impressionante amplitude de movimentos que o Estatuto da Terra confere ao Poder Público federal, através do IBRA ou das IBRAR, para promover a desapropriação de imóveis rurais, não é despiciendo notar que o mesmo projeto acrescenta —pondo-os em mãos do Poder Público estadual — meios de pressão tributária também indefinidos em boa parte. Estes meios podem, em vários casos, determinar o proprietário a fracionar o seu imóvel.
As funções tributárias do Poder Público estadual devem ser exercidas segundo os critérios constantes do art. 56, e o peso de cada um desses critérios para a fixação do quantum do imposto territorial rural vem discriminado no art. 57 e respectivos parágrafos. Sem nos determos no que apresentam de arbitrário, e portanto de inexpressivo, vários dos coeficientes aí indicados, registremos que o cômputo do imposto territorial rural apresenta, sob certo aspecto, muito menos fluidez do que os critérios adotados pelo art. 45 e seus parágrafos para o zoneamento e a caracterização das áreas prioritárias de Reforma Agrária.
Contudo, algo do indefinido e arbitrário que observamos relativamente ao art. 45 se projeta, como é natural, no art. 57, e particularmente nos seus parágrafos 2° e 3°. Vejamos :
Parágrafo 2 o — "O coeficiente de localização" deverá comportar adaptações conformes ao que observamos relativamente ao art. 45, § 1°, letra "a".
Parágrafo 3°, letra "a" — Quais os vários graus possíveis de "alheiamento do proprietário na administração e nas responsabilidades de exploração do imóvel rural", e qual o reflexo de cada grau sobre o coeficiente de que trata este parágrafo? Qual a repercussão, nesse coeficiente, de cada "forma" e de cada "natureza" dos vários contratos de arrendamento e parceria? Quais são as "condições condignas de conforto doméstico" para os arrendatários, parceiros e assalariados, e como estabelecer os diversos níveis de deficiência nesta matéria de modo a refleti-los no coeficiente de que trata este parágrafo?
Parágrafo 4° — Como fixar os níveis mínimos de rentabilidade "com base no tipo, condições de cultivo e nível tecnológico da exploração"? Como refletir os vários níveis de rentabilidade no coeficiente de que trata a letra "a"?
É bem de ver o que há de vago na expressão "vocação econômica da terra". Como se definem os vários graus de "atendimento" a essa vocação? E o maior ou menor "emprego de práticas de cultivo ou de criação adequadas"? Adequadas segundo que critérios? Nem sempre a resposta a esta última pergunta será fácil, como à primeira vista se poderia supor. De que importância são os múltiplos e diversificados "processos de beneficiamento ou industrialização dos produtos agropecuários" no coeficiente de que trata a letra "b"?
Parágrafo 5° — A atribuição aí conferida ao Poder Público, de tanta expressão eleitoral — pois joga com o modesto Patrimônio de numerosos requerentes eventuais — também não é circunscrita por critérios objetivos. Para que o requerimento seja aceito ou não, basta que o projeto que deverá acompanhá-lo "seja considerado satisfatório pelo órgão competente".
Parágrafos 6o, 7o, 8° e 9 o — A imprecisão aludida se reflete neles.
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Poder-se-ia objetar, é verdade, que a se exigirem critérios que garantissem a propriedade privada contra o eventual furor igualitário do Poder Público, nenhuma lei de Reforma Agrária seria possível, e que esses riscos são inerentes a toda modificação legal da estrutura rural.
Se se aceitar este argumento, ficará confessado pelos próprios propugnadores da Reforma Agrária com alteração da estrutura rural que ela traz inevitavelmente riscos tais. Será oportuno expor a eles o Brasil, depois das perigosíssimas experiências das quais acabamos de sair? É razoável que a eles nos sujeite o Governo oriundo de um glorioso movimento feito precisamente para afastar o País de tais precipícios?
Subindo dessas justas e ponderáveis razões de oportunidade para nível mais alto, acrescentemos que seria preciso provar que a permanência da atual estrutura agrária expõe certamente o Brasil a riscos ainda maiores, para justificar que se faça uma tal Reforma Agrária agora.
Ora, bom é repetir que esta demonstração ninguém a fez de modo satisfatório, e nem sequer a mensagem e a justificativa que acompanham os projetos de emenda constitucional e de Estatuto da Terra.
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Para reforçar ainda mais a demonstração de que a ação expropriatória do IBRA poderá atingir um número indefinido de propriedades tidas por bem exploradas segundo o senso comum, não será desinteressante percorrer mais alguns artigos do Estatuto da Terra:
• «§ único (do art. 4°) — Não se considera latifúndio:
a) o imóvel rural, qualquer que seja a sua dimensão, cujas características recomendem, sob o ponto de vista técnico e econômico, a exploração florestal, desde que esta esteja sendo racionalmente realizada, mediante planejamento adequado.
(...)».
O imóvel utilizado para exploração florestal será latifúndio ou não a critério do IBRA.
• Art. 5o — (ver o texto acima).
Os critérios para fixar módulo ficam a cargo do IBRA; ora, é em função do módulo que se determinam os limites permitidos da grande propriedade.
• «§ 3° (do art. 22) — Salvo por motivo de necessidade ou utilidade pública, e excetuados os imóveis rurais caracterizados como minifúndio nos termos desta lei, estão isentos de desapropriação:
a) (…);
b) os imóveis que satisfizerem os requisitos pertinentes à empresa rural, enumerados no art. 4o, inciso V».
Este dispositivo só isenta de desapropriação os imóveis que o IBRA reputar bem explorados.
• «Art. 23 — O Poder Público, para efeito de realizar desapropriações, nos termos da presente lei e da sua regulamentação, observados os planos regionais, deverá ter em vista a seguinte prioridade:
(...).
VI — as áreas que apresentem elevada incidência de arrendatários, parceiros e posseiros;
VII — as terras cujo uso atual não seja, comprovadamente, através de estudos procedidos pelo IBRA, o adequado à sua vocação de uso econômico».
Que é uma "elevada incidência"? O índice varia de região para região? Di-lo-á o IBRA.
Essa incidência "elevada" — diga-se de passagem — parece ser, para o Estatuto da Terra, um mal em si, posto que ele não fala em incidência "exagerada".
O critério segundo o qual serão analisados os estudos previstos no item VII será o do IBRA.
• «Art. 39 — Os projetos elaborados para regiões geoeconômicas ou grupos de imóveis rurais que possam ser tratados em comum devem consignar: (...)».
Não se pense que os imóveis rurais bem aproveitados só serão susceptíveis de expropriação caso se situem em regiões geoeconômicas passíveis de Reforma Agrária. O presente artigo, referindo-se aos projetos de Reforma Agrária, fala de "grupos de imóveis rurais que possam ser tratados em comum", distinguindo-os expressamente daquelas "zonas geoeconômicas".
3 — o espírito dos projetos: preconceito sistemático a favor da propriedade de dimensões familiares — tendência contrária à grande e média propriedade — tendência contrária ao salariado, arrendamento e parceria
No estudo de uma lei, importa altamente determinar-lhe o espírito. É esta uma tarefa muitas vezes difícil porque um diploma legal não é um tratado, e por isso há que conjugar e interpretar com o máximo de acuidade seus vários dispositivos, a fim de chegar a resultados concludentes.
Por mais difícil que seja essa tarefa, não há como fugir a ela, pois a determinação do espírito da lei é indispensável muitas vezes para: 1 — sua mais exata interpretação; 2 — a fixação dos rumos segundo os quais agirão os órgãos criados por ela; 3 — o conhecimento da orientação que terá a jurisprudência ao apreciar as questões resultantes da sua aplicação; 4 — o estudo das características que deverão ter as leis corolárias.
Essa tarefa particularmente se impõe quanto ao projeto de Estatuto da Terra. Com efeito, contém ele: a) numerosas definições; b) a explicitação de escopos de caráter definidamente filosófico-moral, como seja a justiça social (art. 1° — § 1°, art. 19, art. 21 — § 2° — letra "b", art. 106); c) a enunciação de outros escopos em cuja caracterização entra muito de filosófico-moral, como ocorre com a função social da propriedade (art. 2° — §§ 1° e 2°, art. 15, art. 16, art. 21 — § 2° — letra "a").
Mais do que em outros diplomas legais será importante perguntar quanto a este, com utilização de todos os elementos hermenêuticos, qual o seu espírito.
Por isto, é indispensável investigar o que chamaríamos a "linha de coerência" do projeto de Estatuto da Terra. Ou seja, investigar se há uma doutrina segundo a qual tudo nele se explique de modo perfeitamente harmônico e satisfatório, e sem a qual ele pareça um conjunto de disposições mais ou menos desconexas e arbitrariamente justapostas.
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Frequentes são hoje os pensadores e tratadistas, os homens de ação, políticos, jornalistas e agitadores que veem no trabalho a única fonte legítima do ganho. Toda forma de lucro que resulte do capital se lhes afigura ilegítima.
Daí o considerarem que na agricultura a única forma verdadeiramente justa de propriedade é a que faça do cultivador direto o proprietário de todos os frutos. E a forma idealmente eficiente da propriedade é a de dimensões familiares.
O salariado, a parceria e o arrendamento, inerentes à exploração da média e grande propriedade, se lhes afiguram injustos, sobretudo o último, no qual o proprietário aufere lucros sem efetuar qualquer trabalho, nem sequer de direção.
E chamam de "acesso à terra" o processo pelo qual se promove a transferência das propriedades grandes e médias para os assalariados, meeiros ou arrendatários, e o fracionamento delas em propriedades de dimensões familiares. A reforma agrária expropriatória é um dos meios que mais se apreciam nessa escola, para a promoção do "acesso à terra"
Quanto às pequenas propriedades assim constituídas, podem elas acumular — sempre segundo essa escola — as vantagens da propriedade familiar e da grande, desde que se unam em cooperativas. Um cooperativismo rural total é, pois, o corolário da total fragmentação das terras.
É inerente a tal escola uma tendência dirigista e igualitária. O curso dos fatos, entregue livremente a si mesmo, conduz à desigualdade na estrutura agrária. De modo geral, ele não chega a bom termo senão quando segue os planos dos técnicos, executados através dos órgãos administrativos e para-estatais colocados à disposição deles.
Daí um duplo sentido dirigista nas leis inspiradas por essa escola:
a) Direção geral da agricultura (como aliás de toda a economia) sobre as propriedades médias ou grandes, enquanto não se consegue sua fragmentação. Esse dirigismo prepara, de resto, tal fragmentação, por medidas que, de um ou de outro modo, vão transformando a propriedade individual em coletiva. É como a escola entende a democratização da empresa rural.
b) Direção cooperativa de todas as propriedades de dimensão familiar, direção esta que uns concebem com rigidez menor, outros maior. Quando essa rigidez chega ao extremo, tal sistema toma o nome de "kolkoziano" Assim se concebe, nessa escola, a justiça social.
Segundo essa corrente, ainda, se entende que a plena produção e a função social da propriedade só se alcançam através de imóveis de dimensão familiar.
Na terminologia, em muitas das formulações que usa, essa escola parece confundir-se com a católica. Na realidade, difere dela profundamente.
A escola católica absolutamente não participa do exclusivismo em favor da propriedade familiar, se bem que deseje sua expansão. O acesso do trabalhador à terra, reputa-o muito auspicioso, mas não se lhe afigura desejável que elimine o salariado, o arrendamento e a parceria, que são formas de exploração rural lícitas e muitas vezes insubstituíveis.
Neste estudo mostraremos que a "linha de coerência" do Estatuto da Terra — segundo quanto nele se pode colher de indicativo — está na doutrina que desde o início deste item vimos referindo.
Pô-lo-emos aqui em evidência quanto à estrutura agrária e o direito de propriedade, e, na parte III deste trabalho, quanto à livre iniciativa e o dirigismo. Ficará assim caracterizado o espírito do Estatuto da Terra, e, "ipso facto", da emenda constitucional que lhe é correlata.
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Passemos pois à análise da linha de coerência do Estatuto da Terra em matéria de propriedade privada.
A mensagem presidencial que acompanhou o anteprojeto de emenda constitucional contém o seguinte tópico:- "As alterações propostas no art. 156, §§ l° e 3°, tendem a possibilitar, no anteprojeto de reforma agrária, a orientação que se espera dar à extensão da propriedade rural" (o grifo é nosso).
Eis aí bem focalizado o nosso tema. Qual essa orientação? Consiste ela em propiciar a formação de propriedades grandes, médias e pequenas? A resposta é clara: a "orientação" consiste exclusivamente em dividir glebas grandes ou médias, ou aglutinar minifúndios, para formar propriedades de dimensão familiar. Ouçamos a mensagem: "Pretende aquele anteprojeto (de Estatuto da Terra) que a divisão das terras agricultáveis se faça em áreas de dimensão suficiente para, através do cultivo direto pelo lavrador e sua família, garantir-lhes a subsistência e o progresso econômico e social".
O projeto de Estatuto da Terra não cogita jamais da hipótese de ser recomendável a aglutinação de propriedades familiares para formar imóveis médios ou grandes. O IBRA pode muito, ele pode talvez quase tudo. Não pode, porém, fazer isto.
O Estatuto da Terra tem em mira proibir o quanto possível o acúmulo de imóveis, nas mãos do mesmo dono, sejam eles grandes ou pequenos, por ser tal acúmulo fundamentalmente incompatível com a exploração direta. Não só facilita ele a desapropriação das terras pertencentes a um mesmo dono, como nas zonas de colonização proíbe o acúmulo de glebas e força a exploração direta. Muitos de seus favores, ele os reserva às sociedades ditas democratizadas ou abertas, e chega ao extremo de negar o direito de propriedade às outras empresas, isto é, àquelas que não se abrem para um grande número de sócios ou acionistas, e, naturalmente, para o ingresso dos trabalhadores no quadro social. Por fim, o Estatuto da Terra se mostra infenso ao salariado, à parceria e ao arrendamento.
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Analisemos agora alguns dispositivos do projeto de Estatuto da Terra que justificam essas nossas diversas asserções:
• «§ 1° (do art. 1°) — Reforma Agrária é o conjunto de providências que, através da modificação do regime de posse e uso da terra, promova sua melhor distribuição, visando a atender à justiça social e ao aumento da produtividade».
Fica bem claro que a promoção da justiça social é correlata com o aumento da produtividade, e que o projeto vê realizada fundamentalmente uma e outra coisa por modificações estruturais. Estas, a Reforma Agrária as leva a cabo constituindo as propriedades conforme o módulo de dimensão familiar, como no projeto se vê.
• «§ 4° (do art. 2°) — A todo agricultor assiste o direito de permanecer na terra que cultiva, dentro dos termos e limitações desta lei, observadas, sempre que for o caso, as normas dos contratos de trabalho».
A expressão "direito" é muito forte. Por certo a equidade pede que todo bom agricultor permaneça quanto possível na terra que cultiva. Assim, compreende-se que a lei, por um conjunto de estímulos e moderadas pressões, promova quanto possível a estabilização do trabalhador rural. Compreende-se até que procure favorecer com alguma freqüência seu acesso à propriedade do solo. Nada disto, entretanto, caracteriza um direito no sentido exato da palavra.
Simetricamente com a continuidade no solo, que a equidade pede para o trabalhador rural, está o direito propriamente dito do dono, de ser estável na posse de sua gleba. Quanto o Estatuto da Terra exagera a primeira, e quanto por má orientação expropriatória ameaça o segundo!
• «Art. 3° — O Poder Público reconhece a entidades privadas, nacionais ou estrangeiras, o direito à propriedade da terra, em condomínio, quer sob a forma de cooperativas, quer como sociedades abertas constituídas na forma da legislação em vigor.
« único — (...)».
Entendido este dispositivo no seu sentido natural, o Poder Público reputará extinto o direito de propriedade das sociedades fechadas que não se transformarem em abertas, e negá-lo-á às sociedades fechadas que se vierem a constituir.
A expressão "em condomínio" é ininteligível no contexto, pelo que se deve tê-la por erro de redação.
Como se vê, o direito à propriedade das sociedades ditas fechadas sofre aqui um golpe gravíssimo, em benefício do princípio da chamada democratização. E este, aplicado tão sistemàticamente, redundará em diminuir quanto possível o caráter privado, ou seja, individual, da propriedade exercida pelas pessoas jurídicas. Expressão da tendência a tornar desde logo a propriedade grande ou média tão pouco individual quanto possível. Grande ou média, dizemos, pois este dispositivo evidentemente não tem aplicação às propriedades de dimensão familiar.
• «Item IV (do art. 4o) — «Latifúndio» (é) o imóvel rural que:
a) exceda a dimensão máxima fixada na forma do art. 48, § 1°, alínea «b», desta lei, tendo em vista as condições e sistemas agrícolas regionais;
b) ainda que não excedendo o limite referido na alínea anterior, mas de área igual ou superior à dimensão do módulo de propriedade rural, seja mantido inexplorado em relação a possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, visando a fins especulativos, ou seja explorado com formas manifestamente deficientes ou inadequadas, de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito a que se refere o inciso seguinte».
O Estatuto da Terra, muito correto em toda a sua linguagem, entretanto comete aqui um erro singular. Latifúndio, a etimologia bem o diz, e o uso o consagra, é um imóvel notável por sua extensão. Na linguagem corrente, a palavra tomou um sentido pejorativo: designa o imóvel rural exageradamente grande. O conceito de latifúndio é, assim, exatamente oposto ao de minifúndio, que o art. 4°, item III, define adequadamente como o imóvel rural exageradamente pequeno.
Pois bem. De tal forma está no espírito do Estatuto da Terra que a propriedade ideal é a de dimensão familiar, que a palavra latifúndio, oposta a este ideal, lhe serve para designar não só o imóvel rural que reputa exageradamente grande (letra "a"), mas todo o que é inadequadamente explorado (letra "b"). De sorte que uma propriedade de dimensão familiar, quando bem explorada, se chama propriedade familiar. Mas, se mal explorada, o Estatuto da Terra lhe cola o rótulo que serve para qualificar tudo quanto é mau: é então... um "latifúndio". Singular erro de terminologia que no contexto do projeto se mostra realmente significativo.
• «Art. 16 — O Poder Público zelará pela gradativa extinção das formas de ocupação e de exploração da terra que contrariem sua função social».
• «Art. 19 — A Reforma Agrária objetiva regular as relações entre o homem e a terra favorecendo um sistema de propriedade que promova a justiça social no campo, aumente o bem-estar do trabalhador rural, inclusive de sua família, contribua para o desenvolvimento econômico do País, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio».
A função social da terra só é vista como realizável através da formação de propriedades de dimensão familiar, obtida por meio da fragmentação das propriedades grandes e médias, ou da aglutinação de minifúndios (cf. art. 24).
O art. 16, considerado à luz do art. 19, impõe ao IBRA uma missão deveras grave.
Qual o alcance, no art. 19, da expressão "sistema de propriedade"? Ela é bastante vaga. Na enumeração dos vários escopos que o sistema de propriedade a ser favorecido deve ter em vista, há um esquecido: a defesa dos direitos do proprietário.
Do proprietário, ou mais precisamente do proprietário não-trabalhador, pois o proprietário-trabalhador pode-se considerar incluído na enumeração. Todas as virtudes que os partidários exclusivistas da propriedade de dimensões familiares atribuem a esta, no plano filosófico como no prático, encontram-se aqui reunidas. Se um deles tivesse que redigir algo nessa matéria, muito normalmente redigiria o art. 19.
• «Art. 21 — O Poder Público, para implantar a Política Agrícola e para efeito de facultar o acesso à propriedade da terra, além das providências diretas ou indiretas que objetivam criar ou melhorar as condições rurais, utilizar-se-á dos seguintes meios: (...).
§ 1°— (…).
§ 2°— (…).
§ 3° — (…)».
O acesso à propriedade da terra é apresentado como um bem em si, sem nada que o condicione ou circunscreva, o que conduz à abolição do salariado. Bem outra é a linguagem do projeto quanto à propriedade privada.
• «§ 3° (do art. 22) — Salvo por motivo de necessidade ou utilidade pública, e excetuados os imóveis rurais caracterizados como minifúndio nos termos desta lei, estão isentos de desapropriação:
a) os imóveis rurais que em cada zona não excedam de 3 vezes a dimensão do módulo de propriedade rural, fixado nos termos do art. 4.0, inciso II;
(...) ».
Veja-se até que ponto o Estatuto da Terra, tão propenso a acabar com as propriedades grandes e médias, reputa simpática a pequena dimensão: ela lhe parece capaz de resgatar até o inconveniente da má produção.
• «Art. 24 — Em áreas de minifúndio, o Poder Público tomará as medidas necessárias para a organização de unidades econômicas adequadas, em atinência ao disposto na presente lei, promovendo, se necessário, a desapropriação para posterior aglutinação e redistribuição das terras compreendidas nessa área».
Este artigo reconhece a possibilidade de áreas inteiras constituídas de minifúndios e lhes prevê a aglutinação. Por que não se admite também a conveniência de análoga medida para áreas de empresas rurais de dimensão familiar, desde que, por haverem malogrado, haja necessidade de as converter em médias ou grandes?
• «Art. 27 — As terras desapropriadas para os fins de Reforma Agrária ou que de qualquer forma vierem a ser incorporadas ao patrimônio do IBRA, de acordo com o disposto nesta lei, respeitada a ocupação de terras devolutas federais, manifestada em cultura efetiva e morada habitual, só poderão ser distribuídas:
I — sob a forma de propriedade familiar, resultante da execução de projetos, nos termos das normas aprovadas pelo IBRA;
(...).
§ único — (...)».
Pressupõe que a dimensão ideal de qualquer terra é a familiar.
• «Art. 28 — As terras adquiridas pelo Poder Público, nos termos desta lei, deverão ser vendidas a candidatos que atendam às condições de maioridade, sanidade e de bons antecedentes ou de reabilitação, e de acordo com a seguinte ordem de preferência:
I — ao proprietário de imóvel desapropriando, desde que explore diretamente a terra;
II — aos que, trabalham no imóvel desapropriado como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários;
III — aos agricultores cujas propriedades devam alcançar a dimensão da propriedade familiar da região;
IV — aos agricultores cujas propriedades sejam comprovadamente insuficientes para o sustento próprio e de sua família;
V — aos tecnicamente habilitados, na forma da legislação em vigor, através de cursos especializados de agricultura.
§ 1° — (...).
§ 2o — Em cada uma dessas classes só poderão adquirir lotes os trabalhadores sem terra, salvo as exceções da lei.
§ 3° — Não poderá ser beneficiário desta lei, quanto à distribuição da terra, o proprietário rural, salvo no caso dos incisos I, II e IV deste artigo, nem quem exerça qualquer função pública, autárquica ou em órgão para-estatal ou, ainda, investido de delegação parafiscal.
§ 4° — (…)».
O item I representa medida infensa a toda propriedade não familiar. Por que recusar ao proprietário de imóvel desapropriando esta possibilidade, máxime quando ela poderia facilitar nos processos de desapropriação acordos vantajosos para o Poder Público? Verossimilmente porque o Estatuto da Terra pressupõe que para toda terra a mais justa e melhor forma de exploração é a direta.
Quanto aos parágrafos 2° e 3°, por que dispor assim, senão para impedir perpetuamente a aglutinação de glebas formando grandes ou médias propriedades? Mais uma vez, o projeto pressupõe que a propriedade de dimensão familiar é sistematicamente melhor.
• «Art. 57 — O imposto territorial rural será regulado pela lei estadual nos limites e de acordo com as normas gerais traçadas nesta lei. A lei estadual fixará a alíquota do imposto entre os limites de 0,2% e 0,5%, para obtenção do valor básico para a tributação, fazendo essa alíquota incidir sobre o valor cadastral inscrito pelo IBRA, como previsto no artigo 48, § 7o.
§ 1o — Levando-se em conta a área total agricultável do conjunto de imóveis de um mesmo proprietário no País, esse valor básico será multiplicado por um coeficiente de progressividade de acordo com a tabela seguinte: (...).
§ 2° — (…).
§ 3° — (…).
§ 4°— (…).
§ 5° — (…).
§ 6° — (…).
§ 7° — (…).
§ 8° — (…).
§ 9o. — (…)».
A circunstância de possuir alguém várias áreas afiguram-se como indesejável no quadro do Estatuto da Terra, ainda mesmo que se trate de várias áreas pequenas e bem exploradas. O projeto deseja evitar não só a grande propriedade, mas o grande proprietário, manifestamente porque não lhe agrada senão o proprietário-trabalhador.
Dir-se-á em sentido contrário que é normal que quem tem mais pague maior imposto, e que aqui se atende tão somente o princípio da proporcionalidade dos ônus. Se assim fosse, o dispositivo tributaria as propriedades na proporção exclusiva de seu valor, e não também de sua área.
• «§ 2° (do art. 65) — A empresa rural, definida no inciso V do art. 4°, desde que incluída em projeto de colonização, deverá permitir a livre participação dos respectivos parceleiros na constituição de seu capital».
Imposição da chamada democratização da propriedade, nas zonas de colonização. Obrigar a empresa rural a aceitar a participação dos "parceleiros" no seu capital é contra o direito natural. "Parceleiros" — diga-se de passagem — significa aqui evidentemente o trabalhador rural, o que contradiz a definição do art. 4°, inciso VI, "verbis": "VI — "Parceleiro" (é) aquele que adquirir parcela ou quota-parte de uma propriedade comum, em área de projeto de Reforma Agrária ou de colonização".
• «Art. 67 — Os projetos de colonização, destinados à ocupação e valorização econômica da terra, em que predominem o trabalho assalariado ou contratos de arrendamento e parceria, não gozarão dos benefícios previstos nesta lei».
Mais uma expressão de que o Estatuto da Terra tende a evitar a formação de propriedades que não sejam de dimensão familiar.
• «§ 2° (do art. 69) — No caso em que o adquirente, ou seu sucessor, venha a desistir da exploração direta, os imóveis rurais, vendidos nos termos desta lei, reverterão ao patrimônio do alienante, podendo o regulamento prever as condições em que se dará essa reversão».
Disposição draconiana tendente a evitar que, nas áreas a serem colonizadas, se dê o fato reputado sumamente indesejável no Estatuto da Terra, que é o aparecimento do proprietário não-trabalhador com trabalhadores assalariados.
• «§ 3° (do art. 95) — No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento da venda a fim de que possa exercitar o direito de preempção dentro de 30 dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada, mediante recibo».
Medida hirta e draconiana. Desnatura o arrendamento, conferindo-lhe característica de copropriedade e desindividualizando correspondentemente, em alguma medida, a propriedade particular. É a aplicação lógica da norma por demais genérica e vaga do art. 2°, § 4o, de que quem trabalha a terra tem direito de nela ficar.
O princípio correlato ao desta medida é que o trabalhador deve de preferência optar por continuar a serviço do mesmo proprietário. Por este princípio não vela o projeto, omitindo qualquer medida de estímulo que a respeito caiba.
Sugerimos que este dispositivo seja substituído por outro concedendo uma redução no imposto de lucro imobiliário para o proprietário que assegure a preferência ao arrendatário.
• «Art. 100 — Quanto aos legítimos possuidores de terras devolutas federais, observar-se-á o seguinte:
I — o IBRA promoverá a discriminação das áreas ocupadas por posseiros, para a progressiva regularização de suas condições de uso e posse da terra, providenciando, nos casos e condições previstos nesta lei, a emissão dos títulos de domínio;
II — todo trabalhador agrícola que à data da presente lei tiver ocupado e cultivado pacificamente por mais de um ano terras devolutas, terá preferência para adquirir um lote da dimensão do módulo de propriedade rural, que for estabelecido para a região, obedecidas as prescrições da lei».
Ao art. 100 deveria ser acrescentado um inciso III dispondo que "todo aquele que por cinco anos ininterruptos, em terras devolutas, sem oposição do Poder Público, tiver ocupado e cultivado uma área igual ou superior ao módulo, adquirir-lhe-á o domínio mediante sentença declaratória devidamente transcrita". Assim se evitaria que deste artigo decorresse sómente a formação de propriedades de dimensão familiar, como faz supor sua redação atual.
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Mas, dir-se-á, se unicamente a propriedade de dimensões familiares é que está na linha de coerência do Estatuto da Terra, como compreender que ele admita, em vários de seus dispositivos, a existência de propriedades de outras dimensões, e até as favoreça quando constituem empresa rural?
É preciso ter em mente que os acontecimentos bem recentes do País provaram que é impraticável a implantação imediata de um sistema constante só de propriedades de dimensão familiar, e que, em consequência, só gradativamente a ele se pode chegar.
Assim, o Estatuto da Terra não pode deixar de tolerar a existência de imóveis mais vastos, impedindo embora, quanto possível, que se constituam, e favorecendo, quanto possível, que se fracionem.
A medida que o permitam as circunstâncias, poder-se-á ir ampliando essa ação fracionadora por simples ato do Executivo, graças à já demonstrada fluidez dos conceitos de empresa rural e latifúndio.
4 — O pagamento das indenizações em títulos da dívida pública: grave injustiça segundo a doutrina católica
• «Art. 6° (da emenda constitucional) — Ao artigo 147 acrescentem-se os seis parágrafos seguintes:
Parágrafo 1o — Para os fins previstos neste artigo, a União poderá promover a desapropriação da propriedade territorial rural, mediante pagamento de prévia e justa indenização em títulos especiais da Dívida Pública, com cláusula de exata correção monetária segundo índices fixados pelo Conselho Nacional de Economia, resgatáveis no prazo máximo de vinte anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação, a qualquer tempo, como meio de pagamento de até 50% do imposto territorial rural e como pagamento do preço de terras públicas.
Parágrafo 2o — (...).
Parágrafo 3° — A desapropriação de que trata o parágrafo 1o é da competência exclusiva da União e limitar-se-á às áreas incluídas nas zonas prioritárias, fixadas em decreto do
(continua)