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COMO FOI POSSÍVEL IMPOR

À OPINIÃO NACIONAL

OS PROJETOS AGRO-REFORMISTAS

O comunismo e o socialismo, por disfarçados que se apresentem, constituem mercadoria de difícil colocação. Temos uma prova disto na porfiada batalha através da qual se vem procurando implantar no Brasil a reforma agrária espoliativa, que a pretexto de resolver os problemas do campo na realidade representará o início da bolchevização do País. Assim, relembramos a malograda "Revisão Agrária" tentada pelo governo Carvalho Pinto em 1960, no Estado de São Paulo. Do mesmo modo no Congresso Nacional surgiram e estacaram sucessivamente nada menos de vinte proposituras agro-reformistas, entre as quais se destacaram por sua acentuada coloração socialista as dos deputados Coutinho Cavalcanti, Nestor Duarte e Josué de Castro. A estas veio se juntar, mais recentemente, o projeto encaminhado pelo então Presidente João Goulart, reproduzido em grande parte pelo projeto Aniz Badra-Ivã Luz.

Alertada sobretudo pelo livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência" e pelos diversos pronunciamentos dos ilustres autores daquela obra, a opinião pública nacional se manifestou de modo inequívoco, tornando inviáveis esses projetos.

A Nação acaba, porém, de assistir desprevenida e inerme à aprovação da emenda constitucional que abre o caminho para a destruição do direito de propriedade no Brasil, e vagamente toma conhecimento de que se encontra no Congresso, em vésperas de ser aprovado, o projeto de Estatuto da Terra, que constitui nesse caminho um enorme passo inicial.

Como explicar a generalizada atonia ou mesmo indiferença com que a opinião pública, e em particular os meios rurais, mais interessados no assunto, receberam a notícia da tramitação, pelo Congresso Nacional, dessas duas medidas de extrema gravidade?

Para responder a essa relevante indagação, devemos lembrar algumas circunstâncias importantes. Há um fenômeno psicológico muito comum entre os indivíduos e que se dá também com as coletividades tomadas em seu conjunto. Quando um homem se acha em face de grande perigo, há um momento em que todas as suas energias se concentram e retesam para enfrentar esse mesmo perigo. Quando este passa, ou parece passar, advém uma espécie de relaxação, de distensão, em que o indivíduo se torna indiferente a riscos menores que se apresentem. É uma reação normal de quem se sente extenuado pelo retesamento interior. Conjurado no País com o advento da revolução de 31 de março o comuno-janguismo enquanto perigo imediato, esse fenômeno em parte explica o que se dá atualmente com a vasta classe dos proprietários de terras e com a opinião pública em geral. Passou o pesadelo Jango. Há um generalizado desarmamento dos espíritos e um súbito e exaltado impulso de confiança nos homens que tomaram as rédeas do governo. Paralelamente a esse estado de ânimo, e para ele contribuindo, a ênfase dada ao indispensável combate à corrupção pôs num segundo plano quase esquecido o problema comunista, como se estes dois grandes flagelos não estivessem entrelaçados nos quadros da vida político-social brasileira.

Assim, por cansaço, e porque sua atenção foi desviada, a opinião pública preferiu renunciar ao espírito de luta, deixando-se iludir quanto à realidade que nos cerca e fechando os olhos para o fato de que o Congresso está sendo levado a aprovar, atropeladamente e sem mais exame, complexas e gravíssimas reformas de base como essa contida no Estatuto da Terra, que encerra justamente aquilo que o Sr. João Goulart e seus acólitos não conseguiram transformar em lei dada a reação dessa mesma opinião pública.

Por outro lado, a pressa do Governo federal, exigindo que um projeto de 133 artigos seja apreciado no prazo mínimo previsto pelo Ato Institucional — 30 dias — impediu um esclarecimento mais amplo da opinião. Assim é que o pronunciamento dos autores de "Reforma Agrária — Questão de Consciência", que estampamos neste número, pode marcar sobre ela muito menos do que se tivesse havido o tempo necessário.

Em frase célebre, Aristides Lobo afirmou que em 1889 o povo brasileiro assistiu "bestificado" à proclamação da República. Trata-se agora, não mais de uma mudança de regime, mas de alterar radicalmente as bases em que se assenta a atividade da empolgante maioria dos brasileiros, que é a agricultura, tocando a fundo no instituto da propriedade privada e na livre iniciativa, princípios fundamentais da própria civilização cristã. Para a atitude de alheiamento que o povo adotou diante dessa perspectiva concorreu mais uma circunstância, que vem a ser a linguagem difusa do meticuloso e prolixo projeto de Estatuto da Terra. É muito difícil perceber à primeira vista todo o mal que poderão fazer seus futuros executores.

A Nação não se deu ainda conta do que está sendo feito. Poucos sabem o que está sendo aprovado. Se houvesse um artigo nesse projeto que expressamente dissesse: "Será latifúndio, e portanto, poderá ser expropriada mediante títulos da Dívida Pública, qualquer terra que o Poder Executivo queira considerar como tal", todos os proprietários se sentiriam atingidos e se levantariam contra semelhante arbítrio conferido ao Executivo. Na realidade — como mostra o magistral documento que publicamos nas pp. 2-6 desta edição — lendo com atenção o cipoal de dispositivos contidos no Estatuto da Terra, percebe-se que se acha inteiramente nas mãos do IBRA e de seus órgãos a definição do que constitui um latifúndio. Latifúndio, segundo o projeto, não é gleba grande, é gleba que tem um tamanho e uma destinação que não agradam ao IBRA, e que por isso é desapropriável em troca de títulos que vão valer, em última análise, o que o Governo, atuando eventualmente no mercado, quiser.

Se o infeliz proprietário tem ou não recursos para explorar eficiente e adequadamente suas terras segundo os cânones infalíveis do IBRA, não há que cogitar. Todo imóvel rural médio ou grande fica sujeito ao arbítrio do Poder Público com a aprovação desse projeto que instaura no Brasil, do Amazonas ao Chuí, o mais rígido dirigismo agropecuário.

Uma preocupação constante e unilateral de só promover e proteger a propriedade de dimensão familiar leva o Estatuto da Terra a uma consequência inesperada: o pequeno proprietário pode cultivar mal seu imóvel. O grande e o médio é que não podem. Argumentar-se-á que isso não tem importância, pois, sendo pequena a propriedade, o mal resultante de culturas inadequadas ou deficientes não será grande. Mas acontece que pode haver regiões inteiras de pequenas propriedades e, ademais, um dos objetivos ostensivos da propositura do Executivo é justamente o de eliminar as propriedades grandes e médias e substituí-las por pequenas. De modo que, por força de sua própria lógica, o Estatuto da Terra, à medida que for realizando esse programa de disseminação das pequenas propriedades, irá perdendo os meios de urgir o bom aproveitamento da terra, com as consequências que os pequenos proprietários da China comunista já experimentaram amargamente.

Por tudo isso — a par de outros fatores de ação mais remota, como a massificação da opinião pública — é que se explica que a recente emenda constitucional e o Estatuto da Terra não tenham despertado na opinião nacional a repulsa que, de outro modo, não teria faltado.


FORTES TRAÇOS SOCIALISTAS

TAMBÉM NA LEI DO INQUILINATO

Ao ser divulgado, em junho deste ano, o primeiro anteprojeto de lei do inquilinato de iniciativa do atual Governo, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Diretório Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, emitiu sobre o mesmo um parecer que, além de ser publicado pelo «Diário de Notícias», do Rio de Janeiro, pelo «Diário de São Paulo», da capital paulista, e por outros órgãos de imprensa do País, foi enviado ao Presidente Castello Branco (mediante carta dos Srs. Arcebispo de Diamantina e Bispo de Campos) e a todos os senadores e deputados federais.

Encaminhado ao Congresso Nacional, em outubro, novo projeto de lei do inquilinato de iniciativa do Presidente da República, elaborou o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira segundo estudo sobre a matéria, do qual foram igualmente enviados exemplares ao Sr. Marechal Castello Branco e aos senadores e deputados.

Nesse estudo, depois de considerações preliminares em que lembra que os erros acumulados em 22 anos de legislação de emergência não podem ser remediados de uma só vez, mas reclamam uma lei transitória corajosa, que elimine gradualmente, em poucos anos, as injustiças e os absurdos atuais, mostra o autor que, «entre outros objetivos, deve uma lei concernente ao inquilinato visar os seguintes, de importância primordial: I — estruturar segundo as normas da justiça e as conveniências da paz social as relações entre locador e locatário; II — dada a correlação entre os conceitos de órgão e de função — da qual resulta que um órgão que não exerce suas funções é inútil e que o exercido por demais oneroso da função debilita e por fim destrói o órgão — velar por que haja um justo equilíbrio entre o estímulo dispensado pela lei, de um lado à propriedade privada, e de outro ao exercício da função social da qual a propriedade é órgão; III — assegurar à livre iniciativa — condicionada embora às exigências do bem comum e completada pelo princípio de subsidiariedade ensinado pela Encíclica «Mater et Magistra» — não só o amparo, como o estímulo do Poder Público; IV — promover a solução do problema do inquilinato com vantagem para locadores e locatários, por meio do estímulo à inversão de capitais privados no setor das construções».

Registra o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira que a propositura do Executivo apresenta em relação ao anteprojeto anterior consideráveis vantagens, correspondendo em vários de seus dispositivos aos reparos e sugestões constantes do primeiro estudo apresentado por S. Sa. Não obstante, múltiplas restrições lhe devem ser feitas, no que toca aos quatro objetivos referidos.

Uma das mais graves — e que interessa aos dois primeiros desses objetivos — é a de que os dispositivos que visam, muito louvavelmente, manter os alugueis das novas locações no nível do valor locativo real, bem como reconduzir gradualmente a esse nível os alugueis congelados, consideram apenas a depreciação da moeda e da construção, abstraindo da valorização do ponto. Com isso, o escopo visado deixa de ser atingido e o projeto aceita, se bem que inadvertidamente, o princípio socialista de que o aumento de valor de um bem decorre sempre do trabalho, seja este de indivíduos ou da coletividade, e portanto não deve beneficiar o proprietário.

Acresce que o prazo para se chegar, nas locações já em curso, ao aluguel pretensamente atualizado é demasiado longo: dez anos, quando não deveria ser de mais de dois ou três.

Por outro lado, o projeto adota o princípio da prorrogação compulsória, e por tempo indeterminado, das locações, o que é inadmissível em uma lei destinada a durar indefinidamente e, pois, em situação normal. Admitir-se-ia apenas para as locações já existentes, e como medida transitória.

O autor indica vários outros dispositivos que revelam o afã de proteger unilateralmente o inquilino e estimular exageradamente a função social da propriedade.

Estabelece ainda o projeto um contínuo controle estatal das majorações periódicas do aluguel, quer se trate de locações já existentes, quer futuras, o que contrasta com o terceiro dos aludidos objetivos a serem visados por toda lei de inquilinato.

Quanto ao último daqueles objetivos, claro está que o projeto o alcançaria na medida em que melhorasse as condições do locador. Ora, comparado com a legislação anterior, ele agrava a situação do senhorio cujo prédio venha a concluir-se na vigência da nova lei, posto que não podem mais as partes estipular livremente os aumentos periódicos de aluguel, os quais ficam limitados à correção monetária, sem se tomar em conta a valorização do imóvel.

Aponta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira ainda outros aspectos do projeto que acentuarão o desestímulo aos aplicadores de capital no ramo das construções para renda.

O parecer se encerra com uma observação sobre as locações de imóveis de luxo, e com reparos sobre defeitos de redação do projeto.

Com esta intervenção lúcida e corajosa, adquire a SBDTFP mais um título para a gratidão de todos os brasileiros.

Como se sabe, o Congresso Nacional aprovou por grande maioria de votos o projeto do Executivo.

O fato tem caráter profundamente doloroso, pois a propriedade urbana recebe com isto um golpe profundo, golpe este tanto mais significativo quanto há todos os motivos para recear seja igualmente aprovado o projeto de Estatuto da Terra, o qual (como se mostra em outro local desta edição) mutila largamente a propriedade rural.

Assim, em uma atmosfera de apatia que ganhou largos setores da opinião pública — o que é característico de tantas transformações dessa natureza — se vão eliminando os fundamentos cristãos de nossa estrutura jurídica, e vão sendo substituídos por traços socialistas e neopagãos.


O «SYLLABUS» FAZ 100 ANOS

Há cem anos, no dia 8 de dezembro de 1864, o Santo Padre Pio IX (clichê) publicava a Encíclica «Quanta Cura» e o «Syllabus». A necessidade de abrir espaço para matéria inadiável, como é a dos projetos agro-reformistas do Governo federal, leva-nos a deixar para o próximo número os artigos com que nos propomos comemorar o centenário desse grande acontecimento.